“A qualidade e a quantidade de novos talentos que surgiram no jazz moderno nos últimos anos colocaram muitos dos críticos em uma situação curiosa. O empilhamento de superlativo em cima de superlativo acabou por construir uma montanha perigosamente precipitada. Depois de terem saudado a novidade mais brilhante e a mais notável, que palavras você deixa para quando surge um Grant Green?”
Leonard Feather, crítico e autor da "Nova Enciclopédia do Jazz", em texto da contracapa original de "Green Street"
Todo jazzista que se prezasse nos anos 50/60 sabia que o selo
Blue Note era um nível maior a ser atingido. Não que outros como
Prestige!,
Verve,
Atlantic, Columbia ou
Savoy também não fossem objeto de desejo de músicos da época. Mas a Blue Note era um ápice. Era como se todos esses selos fossem grandes clubes da primeira divisão, mas aquele, comandado por Alfred Lion, era o campeão. Portanto, pertencer ao plantel da Blue Note significava ser um craque ou aspirante a isso. Fora os já consagrados, cuja camiseta já os estava esperando quando contratados, para estar nesse seleto time havia de se provar que merecia vesti-la. O jovem guitarrista
Grant Green, passou, em 1961, aos 26 anos, por aquilo que em futebol se chama de “peneira”. Vindo do fraseado alegre e ligeiro do
boogie-woogie, ou mostrava serviço nos primeiros lances ou estava fora. Claro que o talentoso Green não decepcionou, abrindo sua trajetória na gravadora marcando um golaço com “Grant's First Stand”, daquele ano.
Porém – e isso é característica dos grandes atacantes – Green era inquieto. Tanto que, naquele mesmo ano, além de gravar outros dois álbuns por selos alternativos ("Green Blues", pela Muse, e "Reaching Out", pela 1201 Music), ainda surpreenderia com outra jogada de mestre:
”Green Street”. Acompanhado por Ben Tucker, no baixo, e Dave Bailey, bateria, ele aproveita o enxuto formato de trio para destrinchar toda sua técnica apurada nos bares de St. Louis, quando foi descoberto por um embasbacado
Lou Donaldson. Não à toa a surpresa do saxofonista, haja vista que Green era aprendiz de
be-bop através do sopro de
Charlie Parker e admirador da leveza
cool de outro senhor do sax, Lester Young. “No. 1 Green Street”, que abre o disco de maneira bem didática e metalinguística, mostra um guitarrista dono de seu estilo, que mescla a herança dos mestres do sax com a influência dos “professores” do seu próprio instrumento, Charlie Christian e Jimmy Raney. O que resulta é um blues suingado em que Green desfila sua variada técnica e seus modos, como as repetições cíclicas de extrema perfeição e os paralelismos de acordes.
A sequência à abertura é muito bem articulada com um clássico: “'Round About Midnight”. Se já é difícil estragar este standard de
Thelonious Monk, dá pra imaginar o que esta vira nas mãos abençoadas de Grant Green. Ele imprime
groove ao sentimental tema, não sem, claro, dedilhar tanto com os dedos quanto com o coração. Das melhores versões do famoso tema. “Grant's Dimensions”, logo em seguida, assim como o nome sugere, é um
hard-bop animado em que o seu autor perscruta os caminhos que o levariam, não longe dali, ao refinamento modal de “Idle Moments” (1963) e “
Matador” (1964).
Outra autorreferenciável, “Green With Envy” repete a fineza do fraseado e do toque, limpo e convidativo. Para quem se criou nos
barrelhouses do Meio-Oeste, articular os improvisos rápidos e precisos como o desta faixa é moleza. Aliás, corrigindo: Grant Green faz parecer fácil. Tanto ele quanto seus companheiros, como Tucker, que engendra um solo
blueser da mais alta qualidade, e Bailey, que também não desperdiça seu momento de brilho, mostrando habilidade ao dialogar com a guitarra logo em seguida. As alamedas coloridas do mais cintilante verde chegam ao final com outro emblema do cancioneiro jazzístico transformado em um eficiente
jazz bluesy. “Alone Together” ganha levadas e combinações típicas do saxofone, só que no timbre das cordas de uma guitarra.
Com lugar garantido no escrete da Blue Note, Green, parafraseando a gíria do futebol, era daquelas que jogavam em várias posições. Ele ainda desbravaria muita coisa antes da sua precoce morte em 1979, aos 44 anos, de ataque cardíaco. A infinita capacidade do músico o sabia fazer aproveitar com a mesma fluidez o
jazz modal, o
latin-jazz e o
jazz-funk. E assim como os grandes craques, sofreu influência, mas também influenciou. Mark Knopfler e
Stanley Jordan são dois cujo estilo de dedilhado da guitarra não deixa dúvidas de que o espírito de Green passou por aquelas cordas. Coisa de craque, cujos gramados são não apenas o seu campo, mas sua casa. Verdes, onde ele sempre morou.
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FAIXAS:
1. “Green Street” -
07:20
2. “'Round About
Midnight” (Bernie Hanighen/Thelonious Monk/Cootie Williams) - 07:03
3. “Grant's Dimensions”
- 07:56
4. “Green With Envy” -
09:46
5. “Alone Together”
(Howard Dietz/Arthur Schwartz) - 07:12
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OUÇA O DISCO:
Daniel Rodrigues