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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Caetano Veloso - "Qualquer Coisa" (1975)




“Ô, guri, aonde tu vai com esse disco?”



O disco “Qualquer Coisa”, de Caetano Veloso, sempre me encantou. Tanto que me fez cometer um fora que, na minha adolescência, foi motivo de um engraçado episódio, do qual achei por bem contar como uma homenagem aos 70 anos desse grande artista de nosso tempo completos neste 7 de agosto. Ali pelos 13, 14, eu já era amante e consumidor inveterado de música. Curioso, ia atrás de coisas novas e velhas, que me empolgavam em descobrir. Era um mundo novo que se abria diante de mim. Desses, um universo dos que mais me encantava era a MPB, a música produzida no meu próprio país a qual eu já começava a suspeitar naqueles idos que dava de 10 a 0 na maioria do que se produzia no estrangeiro – o que não demorei muito a me certificar. Nessa busca voraz por conhecer as coisas, uma das práticas que mantinha era a de ir ao Centro de Porto Alegre vasculhar as lojas de discos de vinil. Como a grana da mesada não era muita, não dava pra comprar tudo que eu queria. Então, a solução era abrir os encartes, admirar as capas dos bolachões, ler as fichas técnicas e, o melhor de tudo, escutar. Pois uma das alternativas que as lojas davam era que o próprio cliente escolhesse alguns LP’s e os ouvisse em toca-discos privativos com fones de ouvido, daqueles grandes e de ótima qualidade.
 Numa dessas ocasiões, na antiga loja Pop Som, na Galeria Chaves, estava eu escutando e desvendando os discos de Caetano Veloso, arrebatado com aquela sonoridade, com aquela voz, com aquela musicalidade que me surpreendia a cada volver do prato. Um dos que escutei naquela tarde foi “Qualquer Coisa”. Desde a capa a pop art de Rogério Duarte até as músicas, tudo me encantava. Escutei faixa por faixa. Depois guardei de novo o disco no plástico interno, admirei novamente a capa e, sem ter como comprá-lo naquele momento, saí dali um tanto desolado mas ainda tomado de emoção. Já cruzando a porta de saída, ouvi uma voz feminina ralhar comigo: “Ô, guri, aonde tu vai com esse disco?” Absorto naqueles sons que ouvira, eu estava saindo da loja com o disco debaixo do braço sem perceber. A vendedora, obviamente pensou que eu fosse roubá-lo, e eu, na ingenuidade desarmada da mocidade, entreguei o volume sem me defender. Imaginem eu argumentando naquela época: “Eu não queria roubar: foi que eu fiquei encantado com a música!” Era inimaginável. Que vergonha que me deu!
 Mas antes do constrangimento eu me deliciei ouvindo o disco. Com arranjos super bem elaborados, pensados por Caetano com apoio ora do craque Perinho Albuqerque, ora do mestre João Donato, “Qualquer Coisa” me espantava naquela audição pela coesão aliada a um repertório quase improvável, que misturava  Beatles ,  Jorge Ben , composições próprias de Caê, Chico e Chabuca Granda. Tudo junto e muito bem misturado. O assombro iniciava de cara com a voz e violão de Caetano entrando direto, sem me deixar respirar, no clássico que abre e dá título ao disco: uma bossa-nova sensual meio portenha, meio nordestina, meio cubana. Literalmente, qualquer coisa! A letra, verborrágica e de sentido vago, servia para formar versos impactantes e musicalmente sonoros – tão marcantes que são sempre cantados pelo público inteiro nos shows: “Esse papo já tá qualquer coisa/  Você já tá pra lá de Marrakesh”.
 Em seguida, continuando a verborragia e a sensualidade, “Da Maior Importância”, cuja letra, cheia de anacolutos, expele tesão por todos os lados, pois narra uma tentativa desesperada de autoconvencimento de não transar com uma amiga (“Teria sido na praia/ Medo/ Vai ser um erro.”). O clima mantinha-se sexy, mas agora nos versos boêmios de Chico Buarque  na linda versão para “Samba e Amor”, com aqueles silêncios capciosos entre um verso e outro. A esta altura, eu já percebia que o lado A do LP era todo neste clima, pois as próximas eram “Madrugada e Amor” e, depois, uma das melhores do disco e de toda a obra deste baiano: “A Tua Presença Morena”. Letra moderninsta, é marcada por anáforas, que, com sua proposital repetição no início dos versos, reforçam a ideia de admiração e amplitude que Caetano devota à sua musa tropical. Nessa, ele cria versos de um lirismo impressionante como: “A tua presença coagula o jorro da noite sangrenta”, ou “A tua presença se espalha no campo derrubando as cercas.” “Drume Negrinha”, só ao piano de Donato, fechava o lado A do LP num tom leve e malicioso: “Drume Negrinha, que eu te transo uma nova caminha”.
 Aí vinha o lado B. Virei o disco. O que eu encontraria ali? Continuaria naquele clima “fogoso”? Soltei a agulha. Logo percebi que aquilo tomava outro rumo, pois abria com uma versão para “Jorge de Capadócia”, que talvez seja tão clássica quanto a de Jorge Ben. Com arranjo mais acústico que a eletrificada original, não perdia, contudo, o tom épico e ritualístico da composição, que conclama tanto com São Jorge quanto Ogum. Excelente. Em seguida, outra surpresa. Aliás, tripla surpresa: três versões para canções dos The Beatles: “Eleanor Rigby”, magnífico samba lento só ao violão e percussão, com um tempo marcado e cadenciado, além de contar com um show de vocal; “For no One”, sem dúvida a melhor delas em que Caetano, com extremo lirismo, traduz a melancólica peça de Lennon e MacCartney para uma bossa suingada que remetia novamente à sensualidade do lado A; e “Lady Madonna”, na qual faz o inverso: tira todo o gás da esfuziante original dos rapazes de Liverpool e fica quase que só com a melodia. “Qualquer Coisa” tem ainda “La Flor de la Canela” e “Nicinha”, uma curta e doce homenagem à irmã que faz Caetano voltar a Santo Amaro, onde nasceu, numa volta à origem. Final do disco, ruídos da agulha no final da faixa.
Caetano completando 70 anos
neste dia 7 de agosto
 Se na época aquela gafe na loja de discos me traumatizou – a ponto de, por anos, não contar a ninguém –, hoje o relembro com carinho e entendimento. Afinal, “Qualquer Coisa” é realmente de tirar qualquer um do chão. Álbum de conceito, é a primeira parte de um duo de discos que se completaria com “Joia”, de um ano depois. Também é a afirmação do ex-exilado artista, que, já consagrado, havia voltado ao Brasil abaixo de pedrada quando do lançamento do concretista e malcompreendido “Araçá Azul” (1972), um dos maiores fracassos de venda da história da indústria fonográfica brasileira. “Qualquer Coisa”, bem aceito por gregos e troianos, vinha assentar a posição que Caetano Veloso sempre fez jus em ocupar: o de um dos maiores gênios da música ainda vivos, um artista dono de uma obra não só descomunal como permanentemente criativa e criadora. Por isso, neste 7 de agosto, comemoro as sete décadas de mano Caetano reouvindo “Qualquer Coisa”. Mas não pensem que ouvirei qualquer coisa do “Qualquer coisa”. Não! Ouvirei o meu LP, curtindo faixa a faixa com o encarte debaixo do braço.



vídeo de "A Tua Presença Morena", Caetano Veloso

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FAIXAS:

1. Qualquer coisa (Caetano Veloso)
2. Da maior importância (Caetano Veloso)
3. Samba e amor (Chico Buarque)
4. Madrugada e amor (José Messias)
5. A tua presença morena (Caetano Veloso)
6. Drume Negrinha (Drume negrita) (Ernesto Grenet)
7. Jorge de Capadócia (Jorge Ben)
8. Eleanor Rigby (McCarney, Lennon)
9. For No One (McCartney, Lennon)
10. Lady Madonna (McCartney, Lennon)
11. La flor de la canela (Chabuca Granda)
12. Nicinha (Caetano Veloso)



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Ouça

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

“Narciso em Férias”, de Renato Terra e Ricardo Calil (2020)


"Quando eu me encontrava preso/
Na cela de uma cadeia."
Versos iniciais de "Terra"

Quase ao fechar das cortinas de 2020 assisti, finalmente, uma elogiada produção deste ano sobre um dos artistas que mais admiro: “Narciso em Férias”, documentário com e sobre a vivência de Caetano Veloso dos 54 dias da prisão entre 1968 e 69 durante a ditadura militar. Dirigido pela dupla Renato Terra e Ricardo Calil – afeita a documentários sobre artistas da música brasileira, visto que têm na bagagem os ótimos “Uma Noite em 67”, de 2010, e “Eu Sou Carlos Imperial”, de 2016 –, o filme traz coisas boas e outras nem tanto, embora as qualidades superem os problemas.

O projeto, motivado pelo recente descobrimento dos documentos com os interrogatórios concedidos por Caetano ao exército, que o havia prendido em dezembro de 1968 – quatro dias depois da instituição do AI5 – por causa de uma apresentação supostamente difamadora na boate Sucata, no Rio de Janeiro, é por si admirável. O formato também. Basicamente, composto por depoimentos de um Caetano filmado de frente (apenas com variações de plano/profundidade), fotografia fria, poucos cortes e cenografia tão seca como uma prisão: uma cadeira escura sem braços e a figura do entrevistado engolida por um cenário cinza, opressor, monocromático e sem respiro, semelhante à cela sem janela que Caetano descreve quando recorda os dias de solitária.

As falas extensas, respeitando o fluxo de raciocínio de Caetano, tem o ganho de, semiologicamente, simbolizarem o marasmo e a opressão do tempo de encarceramento. É a voz dele e silêncios apenas. Mas em termos de conteúdo passam longe de serem monótonas. Pelo contrário, visto que carregadas de detalhes, ponderações, emotividade e surpresas, A própria música, diretamente ligada à sua figura, é quase ausente, servindo muito bem para amarrar os três "blocos" que o filme forja com bastante sensibilidade. No entanto, os diretores-entrevistadores, fora do enquadramento mas de frente para Caetano, pecam ao deixar o curso da conversa correr em alguns momentos. Num deles, bem nas primeiras declarações, Caetano menciona algumas vezes "a gente" ao referir-se a quem estava junto com ele no momento da prisão em São Paulo. Não é muito difícil de se suspeitar - ainda mais sendo ele uma personalidade famosa e essa história já ter sido contada em outras ocasiões - que se está falando de Gilberto Gil. Mas até mesmo eu, que tenho intimidade com a biografia de ambos, fiquei em dúvida dessa suposta afirmativa. Afinal, estava assistindo um documentário que podia trazer revelações novas. 

Não eram. Nem mesmo uma tática narrativa, visto que a resposta confirmativa do mais provável veio sem nenhum requinte. Espera-se que, uma vez escolhido um formato como este, que todas as informações que se precise saber estejam expostas e ordenadas. Igualmente, que os entrevistadores ajudem a conduzir o andamento quando necessário. Cinema não é jornalismo, sei, mas quando o primeiro busca fazer as vezes do segundo, há de se lhe respeitar um dos princípios básicos, que é o da não presunção do conhecimento por parte do receptor. Naquele ponto, ainda mais em se tratando do começo do filme, quando o espectador ainda está se familiarizando com a narrativa, soou como uma leve lacuna, até certo descuido.

Noutra sutil inconsistência, Caetano fala e toca um pedaço de uma das três músicas presentes no filme, "Irene" (as outras são "Terra", também autoria dele, e "Hey Jude", dos Beatles, todas fortemente ligadas à experiência da prisão). O que não se diz (e nem se questiona a Caetano na hora certa) é que a canção foi composta dentro das grades, o que apenas se supõe uma vez que, noutro trecho mais adiante, o músico relata que lhe foi negado o pedido feito pela então esposa Dedé aos militares para que lhe permitissem ter um violão na cadeia. Ou seja, ele inventou a melodia só na imaginação e a guardou na cabeça. Este fator, se tornado mais claro, seria bastante contributivo à obra, haja vista que é a única música escrita por ele em tal condição e ainda mais em se tratando de um artista que, mesmo com a reclusão brutal e injusta, tentou com todas as forças manter-se lúcido e íntegro.

Caetano Veloso cantando "Hey Jude", dos Beatles

Aliás, a integridade do baiano é exaltada por ele próprio não com afetação, mas com a consciência de um homem experiente revivendo aquele episódio traumático. Os próprios documentos, a que Caetano há pouco havia tomado conhecimento da existência, visto que por muito tempo confinados à confidencialidade, evidenciam essa integridade. Mesmo não criticando abertamente o regime militar durante os depoimentos aos oficiais (o que seria, se não suicídio, no mínimo uma autoincitação à tortura), também não deixa de se posicionar, por exemplo, quando perguntado da inocência do amigo e parceiro Rogério Duarte, vítima muito mais séria do que ele das barbaridades do regime. Poderia ter lhe comprometido, mas por sorte, não.

De tudo, é evidente que a grande força de “Narciso...” está, justamente, nos depoimentos de Caetano. A lucidez e a memória do autor de “Alegria Alegria” são admiráveis a um senhor de quase 80 anos, pois possibilitam montar um documento fundamental para se entender o nefasto período de ditadura no Brasil de alguém ainda vivo e nestas condições de discernimento. Há outros registros dele ao longo dos mais de 50 anos que dividem o episódio em questão do filme, como entrevistas, filmes e livros. Porém, nenhum se concentra tanto e tão bem neste recorte específico, o que garante ao filme uma saudável concisão.

Enquadreamento, fotografia,
cenário e figurino frios para
lembrar os dias de "férias
forçadas" do "Narciso"
Mais do que ser conciso, entretanto, “Narciso...” é também incisivo. Há lances comoventes, como quando Caetano emociona-se ao rever um exemplar da mesma revista que Dedé lhe apresentou na cadeia do batalhão de paraquedistas em Deodoro, no Rio, trazendo notícias sobre a chegada do homem à Lua (e que motivaria a criação da música “Terra” anos depois). Ou quando relembra do militar negro e conterrâneo seu que, sensibilizado com a situação, autorizou que ele e a esposa tivessem encontros íntimos na cela. Mas a construção narrativa pensada por Terra e Calil é, certamente, a grande responsável por tal contundência. Ao concentrar a ação em quase 100% da fita em praticamente a mesma imagem de Caetano, deixando para o final apenas um pequeno percentual que quebra a linearidade a qual os diretores acostumaram os olhos do espectador por mais de uma hora, dão, assim, a devida carga de suspense ao tão mencionado interrogatório, que Caetano conta ter sido o motivo de sua captura, mas que demorou meses para acontecer. Valendo-se de um expediente fílmico bastante interessante, que é o de gerar expectativa a algum elemento onipresente, quando finalmente o trazem à tela é quase como se estivessem dando-lhe um caráter de personagem até então escondido.

Mas o que havia realmente motivado a prisão? Caetano conta, por exemplo, que um oficial mais intelectualizado chamou-lhe à sua sala somente para discursar-lhe que foi, inconsciente ou conscientemente, a subversão do tropicalismo que o levara ao cárcere. Para ele, nas entrelinhas tropicalistas estava a verdadeira mensagem de rebeldia contra o governo militar. E Caetano diz-se obrigado a concordar. O motivo da prisão, aliás, por muitos anos nebuloso, fica mais bem explicado também no documentário por conta da revelação dos tais documentos, uma vez que está registrado com todas as letras que foi o jornalista Randal Juliano, da TV Record, quem dedurou aos militares que Caê e Gil haviam cantado o hino nacional na boate Sucata com uma letra “subversiva”. Provavelmente, este se referia a “Tropicália”, o tema-manifesto do movimento tropicalista que, em sua estrutura e abordagem inovadoras, expõe o Brasil daqueles novos tempos: com suas belezas (“A Banda”, “a bossa”, “Carmem Miranda”) e mazelas (“a palhoça”, “a criança feia e morta”). Ou seja: com ufanismo, mas também com crítica. 

O que me soa – e que talvez até escape a Caetano por mais leonino que este seja – é que Juliano ouviu, sim, o hino nacional. Na sua mentalidade conservadora e mal resolvida, a música, em letra e em música, fez-lhe identificar o nacionalismo de um hino mesmo que jamais pronunciados os versos oficiais, visto que foi provado ser mentira a acusação. Este é o lado inconsciente. No consciente, Juliano ofendeu-se com os versos, aí sim, da própria canção, a parte crítica que nenhum intransigente quer aceitar. Perversa ou desavisadamente, o fato é que Juliano fez um elogio a “Tropicália” e ao movimento que a turma de Caetano e Gil formaram. Tanta subversão que acabaria por levá-los à prisão por razões inconscientes ou não.

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trailer de "Narciso em Férias"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 60



Outro dia, logo após postar no Facebook que havia revisto um dos meus filmes favoritos da cinematografia nacional, “Bye Bye Brasil” (sobre o qual comentarei melhor em um próximo post), surtiram, como geralmente ocorre, alguns comentários. Na ocasião, entretanto, um dos que comentou foi meu primo e colaborador do ClyBlog (especialmente para da seção ClaqueteVagner Rodrigues. Amante de cinema, ele revelou não apenas querer conhecer o filme em questão quanto se aprofundar mais no cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80.

Dispus-me, então, a elencar para ele títulos que dessem um panorama da produção de cada década no combalido e combativo cinema no Brasil. Até aí, nada incomum, considerando que gosto de compartilhar conhecimento sempre que posso e o considero suficiente para tal. O que eu mesmo não esperava era que, ao comentar brevemente cada filme somente de forma a justificar ao Vágner o porquê de sua presença numa classificação tão seleta, fui me empolgando não apenas com cada anotação, como, principalmente, com a seleção em si. Tanto que, somando-se os três períodos, cheguei a 55 títulos!

Afora a trabalheira prazerosa que sei que dei ao meu primo, acabaram surgindo três listas bem interessantes que dão a dimensão da qualidade, importância, versatilidade e profundidade artística, estilística, sociológica e política do cinema brasileiro em cada uma destas décadas, sem dúvida as melhores em nível qualitativo em toda a história dessa arte no Brasil (e olha que tem como concorrentes os fortes anos 50 e a primeira década do séc. XXI). Ao mesmo tempo, juntos, dão uma mostra bem real do quanto já foi muito mais difícil fazer cinema no Brasil, tanto pela questão técnica (produções quase sem recurso, tecnologia defasada e falta de mão de obra) quanto, principalmente nos 60 e 70, pelo cenário político, tendo em vista que muitos desses filmes – mesmo os corajosamente denunciadores – sofreram com a censura do governo militar antes, durante ou depois de lançados.

Comecemos, então, com a melhor de todas: a década de 60, marcada pelo boom do Cinema Novo – que revelou os gênios Glauber Rocha e Julio Bressane, mestres como Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues e técnicos de primeira linha como Dib Lufti e Eduardo Escorel – mas que presenciou, tanto quanto, obras memoráveis não necessariamente ligadas ao movimento. Enfim, uma seleção de 20 títulos com seus respectivos diretores e em ordem cronológica de ano que me deram muito trabalho para escolher, mas que dão uma ideia legal da produção da época pelo filtro daquilo que gosto e acredito como arte – a sétima, neste caso.



1 - "O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (60) – Com absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito do início a fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição, cenografia. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que venceu AntonioniPasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.






2 – “Barravento”, Glauber Rocha (62) – Primeiro filme do Glauber, coloca-se num ponto entre o Neo-Realismo e o Cinema Novo. Extremamente poético, é o filme que melhor retrata o universo místico do candomblé e da vida dos pescadores do interior, aqueles que raramente temos acesso no mundo urbano. Venceu prêmio na República Checa e tem montagem do Nelson Pereira, quer mais?










3 - “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (62) – Outro daqueles filmes essenciais. O Roberto Faria sempre fez filmes com arte e apelo popular. Esse é bem assim: com uma cara ainda de Atlântida dos anos 40/50, mas com um pé no Neo-Realismo. Atuações fantásticas do irmão Reginaldo Faria, do Grande Otelo e do ator principal, Eliezer Gomes, como o inesquecível Tião Medonho.










4 - “Os Cafajestes”, Ruy Guerra (62) – Clássico do Cinema Novo, tem toda a questão da câmera na mão, do enquadramento intuitivo, do aspecto documental, da inspiração estética e temática na nouvelle vague. Fala sobre a decadência da burguesia, pondo em evidência seu vazio e a falta de sentido. Daniel Filho e Jece Valadão ótimos. E ainda tem o primeiro nu frontal da história do cinema, e quando a Norma Bengell era tri gata!







5 - “Cinco Vezes Favela”, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Miguel Borges, Leon Hirzsman e Marcos Farias (62) – Filme de episódios (5, obviamente), todos retratando algum aspecto das então pouquíssimo retratadas favelas, papel de denúncia que o Cinema Novo foi hiperimportante. O do Cacá, embora ainda cru em termos de estilo, é bem interessante, pois fala sobre uma escola de samba e os problemas da comunidade num dia de carnaval. “Couro de Gato”, do Joaquim Pedro, chegou a ganhar Cannes. O de Leon também é incrível, “Pedreira de São Diogo”, sobre trabalhadores da pedreira que são obrigados a fazer implosões perto de uma comunidade que iria para os ares. O do Miguel Borges, sobre um lixão, é claramente uma das inspirações do “Lixo Extraordinário” e com o recente britânico-brasileiro “Trash”.







6 – “Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (63) - Genial. Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia, atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes que já vi, a o sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.










7 - “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha (63) - A obra-prima do Cinema Novo, um dos maiores filmes do século XX. De tirar o fôlego. Sobre este, me reservo o direito de indicar um post inteiro que escrevi sobre ele em meu blog de cinema: http://oestadodascoisascine.wordpress.com/2010/11/09/a-terra-do-homem-e-o-mito-da-morte/









8 - “Os Fuzis”, Ruy Guerra (64) – Um soco no estômago. Sobre um cerco militar que se forma numa cidade do sertão nordestino, pondo à mostra toda a miséria social e moral gerada pelo Estado, quase um presságio do derramamento de sangue que ocorreria com os que combateriam a ditadura militar, então recém-iniciada. Dos filmes preferidos de gente como Gustavo Spolidoro e Eduardo Valente, foi Urso de Prata em Berlim em Direção.








9“Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (64) – O Khouri sempre teve o seu jeito de fazer cinema, abordando temas como a depressão das altas classes, o vazio existencial, a anestesia da vida moderna, e bastante inspirado em Antonioni. “Noite Vazia”, no entanto, não é uma cópia brasileira de “A Noite”: é um filme com personalidade e referencial. Trilha do Duprat, tá louco! E concorreu a Palma de Ouro. Depois, o Khouri só se repetiu, mas esse é demais.










10 - “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (65) – Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima pouco lembrada.








11 – “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (65) – Outro clássico. Walmor Chagas tá ótimo. Na linha d’”Os Cafajestes”, mas sob outra ótica, mostra a asfixia da classe média (paulistana, no caso), imersa na impessoaliadade da vida industrial e maquinal da grande cidade. Recebeu prêmios na Itália, México e São Paulo. Muito atual.








12 – “O Desafio”, Paulo César Saraceni (65) – Parece loucura, mas o diretor fez um filme sobre a ditadura em plena ditadura. Haja peito! E mostra em detalhes a vida daqueles que não se enquadram naquilo, a tristeza de ver seu país tomado sem lado para correr. É um filme revoltado, corajoso e triste com todos os elementos de Cinema Novo: câmera na mão, fotografia natural, improvisação, tom documental, trilha sonora da MPB combativa da época.








13 - “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (66) - Lindo. Primeira ficção do Joaquim Pedro, que foi um contista de mão cheia. Sobre um padre (o maravilhoso Paulo José) que se apaixona por uma moça de família no interior. Claro que dá merda, né? Fotografia PB rigorosa e pouco diálogo, que dá um clima sufocante à história. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim.







14 – “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (67) – Filme de tribunal sobre uma história real de um julgamento injusto ocorrido no interior de Minas na Era Vargas envolvendo os tais irmãos da família Naves. Super bem narrado e fotografado. Alto nível. Interpretações, idem. Interessante que, por se passar em uma época antiga, o filme passou pela censura, é os militares burros não perceberam ser uma baita crítica ao governo. Até torturas mostra... Venceu Brasília (Roteiro e Atriz Coadjuvante) e foi indicado em Moscou.







15 - "Terra em Transe", Glauber Rocha (67) - Pra muitos, o melhor do Glauber. Também altamente referencial do que foi o Cinema Novo e a visão dos artistas daquela época no Brasil. Algumas das cenas – captadas pela câmera-personagem de Dib Lufti – e ícones do movimento estão diretamente ligadas a essa filme. Premiado em Cannes, Locarno e Havana. Não menos que genial.








16 - “O Dragão da Maldade Conta o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (68) - Espécie de continuação do “Deus e o Diabo...”, porém num outro conceito e contexto. Altamente Teatro de Arena e Teatro Oficina, considero-o uma “ópera do Sertão” em cores, uma tragédia shakesperiana nordestina. Texto incomparável. Filme amado por Scorsese. Metafórico e forte. Melhor Direção em Cannes.






17 - “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (68) – O genial Mojica traz indiretamente seu célebre personagem, que não aparece mas “representa” os 3 episódios que compõem o longa. Sua melhor produção, que mostra o quanto ele, um dos maiores mestres do terror trash mundial, ao lado de ArgentoCarpenter e Bava, é capaz de fazer miséria com um pouquinho mais de recurso.








18 - “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (68) – Se existe cinema marginal, é “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir. Grande vencedor do Festival de Brasília daquele ano. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.










19 – “O Anjo Nasceu”, Julio Bressane (69) – Gênio do cinema autoral da atualidade (haja vista que é vivo e segue produzindo), junto com Sganzerla originou o chamado cinema “udigrudi”, o underground brasileiro, que subvertia ainda mais a estética e narrativa do que o Cinema Novo. Segundo filme dele, que, embora tenha um pouco mais de história (o que o diretor praticamente abandonou a partir do final dos 70), é tomado de simbologias e metáforas, que, por sinal, embaralharam a cabeça dos militares, que o proibiram sem saber porquê.






20 – “Brasil Ano 2000”, Walter Lima Jr. (69) – Fala-se muito do “Macunaíma” (referencial certamente, mas um filme confuso), mas esse do Walter Lima é exemplar no que seria um cinema “tropicalista” e “antropofágico”. É um musical com trilha original do Gilberto Gil cujos temas são muito bem integrados à história, pois se trata de uma ficção surrealista inteligente e engraçada. Muita criatividade com pouco.






terça-feira, 31 de março de 2015

Exposição “Plásticas Sonoras”, de Walter Smetak – Galeria Solar Ferrão – Salvador/BA (3/3/2015)




"Um homem chegado de terras longínquas,
aqui plantou raízes, a compor, a tocar,
 a inventar instrumentos, misto de músico e escultor,
de filósofo e profeta,
uma das figuras mais extraordinárias da arte brasileira."
Jorge Amado

Sou um descompositor contemporâneo.”
Walter Smetak




Uma das coisas que mais queria ver quando fosse a Salvador, se esta ainda estivesse lá, era a exposição de obras de um cara que tenho grande admiração: Walter Smetak. O gênio da música microtonal que, a partir de uma obra pautada pela originalidade, didática e hermetismo, abriu caminho para toda a música moderna brasileira, influenciando e ensinando diretamente figuras como Caetano VelosoGilberto GilTom ZéRogério DupratRogário Duarte, Walter Franco, Gereba, Marco Antônio Guimarães, entre outros.

Já apreciador de sua música e trajetória (gravou dois discos: “Smetak”, de 1973, produzido por Caetano e Roberto Santana, e “Interregno”, com o Conjunto de Microtone, de 1980), em 2008, conheci em São Paulo sua neta, Jessica, jornalista como eu com quem estabeleci saudável amizade. No final do ano passado, no que confirmei minha ida à Terra de Todos os Santos , prontamente me comuniquei com ela para perguntar-lhe se ainda se mantinham em exposição as obras de seu avô. Um agravável “sim” recebi como resposta, indicando que o material se encontrava na Galeria Solar Ferrão, em pleno Pelourinho – quadras adiante de onde Leocádia e eu nos instalaríamos.

O Solar em si já é uma atração: um casarão construído entre o fim do século XVII e início do XVIII (tombado pelo IPHAN em 1938) sem os rebuscamentos da arquitetura colonial mas exuberante em dimensões: quatro andares com longas salas e um terraço, um subsolo e um pátio traseiro. Este abrigava três ricas exposições: a de arte africana (do colecionador italiano Claudio Masella), outra de arte sacra (de acervo pertencente ao artista plástico e também colecionador baiano Abelardo Rodrigues) e a terceira, a que eu tanto ansiava ver: “Plásticas Sonoras”, de Smetak.

Anton Walter Smetak, ou somente “Tak Tak” – como era apelidado por Gil devido à sua postura séria de educador europeu, mas também numa alusão onomatopeica à sua procedência da terra dos relógios –, era violoncelista, compositor, inventor de instrumentos musicais, escultor e escritor nascido em Zurique em 1913. Fugido da 2ª Guerra, veio parar no Brasil nos anos 30. Sua primeira cidade foi, por essas coincidências da vida, a minha Porto Alegre, tendo atuado como professor da recém-inaugurada faculdade de música da Universidade Federal do RS. Também na capital gaúcha, formou o Trio Schübert, juntamente com outros dois músicos de descendência europeia como ele, grupo de câmara com o qual se apresentava na antiga rádio Farroupilha. Trocando informações com sua neta tempo atrás, soube que ela estava escrevendo um livro sobre o avô (“Smetak: Som e Espírito”) e me prontifiquei a pesquisar alguma coisa nos arquivos do Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa, aqui em Porto Alegre. Achei alguns anúncios da programação da rádio em que o Trio Schübert se apresentava em exemplares do jornal Correio do Povo de 1937. Embora pequena, minha contribuição foi parar no livro como bem podem ver.

Porém, como disse, minha contribuição foi pequena. Só podia, pois Smetak, depois de uma passagem pelo Rio de Janeiro iniciada em 1941, encontrou-se como cidadão e pessoa no destino seguinte: Salvador. Lá, a partir de 1950, casou-se, formou família e estabeleceu residência (até sua morte, em 1984). Profissionalmente, passou a integrar a Orquestra Sinfônica da Universidade da Bahia, onde também lecionava música. Em um período de forte impulso à cultura em Salvador, artistas do teatro, cinema, dança, artes visuais e, claro, música, surgiam de todas as partes incentivados pelos programas públicos. E a ida de Smetak para lá, a convite do maestro alemão Hans Joachim Koellheutter, foi de uma química inusitadamente acertada.

Adaptado ao clima, à cultura, ao misticismo e às gentes da Bahia, Smetak achou na calorosa Salvador um terreno fértil para expandir sua carga erudita a serviço de uma nova visão musical-espiritual. Volta-se para o experimentalismo, numa pesquisa que chamava de “Iniciação pelo Som”, sob o impacto de estudos realizados na Eubiose – corrente teosófica dedicada à ciência da vida focada na evolução humana, levando em conta os planos espirituais da mente. Passa a investigar o silêncio (tal como fizera John Cage), o som (a exemplo dos modernistas da vanguarda europeia) e as suas relações com o homem (numa visão que trazia para reflexão a cultura milenar oriental).

Na sala/galpão que recebe da Universidade, já nos anos 60, monta uma oficina de ideias e objetos. É quando, para encontrar esse “novo som”, passa a criar instrumentos, intitulados, justamente, de “Plásticas Sonoras”. Para construí-las, Smetak empregou cabaças, madeira, cordas, tubos de PVC, latas e qualquer material que estivesse a seu alcance. Particularmente, acho maravilhosas essas composições plásticas de Smetak, uma vez que unem com muita propriedade e conhecimento o equilíbrio físico e espiritual que o autor buscava, com uma precisão digna de um relojoeiro suíço, a uma brasilidade profunda pela utilização de materiais típicos da natureza local com outros reciclados (olha aí a mentalidade sustentável de Smetak 40 anos antes de isso virar moda).

Além dessa fusão tão distinta e original entre velho e novo nundos, as Plásticas Sonoras, engenhocas de utilização não apenas visual mas prática, ainda me impressionam por outro motivo: o bom humor. Vindo de um homem refugiado de sua terra-natal, desbravador de um país distante do seu, tanto em quilômetros quanto em emotividade, e cuja formação foi pautada na rigidez do ensino europeu do início do século XIX, não seria de estranhar que essas obras transmitissem certo grau de amargura ou secura. Pelo contrário. Smetak, eterno subversor da arte, na Bahia, reinventou a si através da música. Ele uniu os microtons (comuns na tradição musical de países orientais), Stockhausen, Cage, Ives e Obuhov e seu arsenal bachiano às sonoridades e harmonias folclóricas brasileiras, buscando nisso produzir uma música que ampliasse as percepções humanas a caminho de um autoconhecimento amplo da alma. Algo de um exotismo e imparidade apenas reduzidos pela larga aplicabilidade pedagógica que teve. As Plásticas Sonoras, assim, são uma extensão de sua música e filosofia, o que fica evidente nos títulos das peças: “Mulher faladora movida pelo vento”, “Mr. Play-Back”, “Caossonância”, “Piston Cretino”. De um humor que muito tupiniquim “original” não teria.

Se a Tropicália mudou a música brasileira no final do século XIX, reverenciando as dissonâncias agradáveis da bossa-nova e o legado tonal dos sambistas antigos, foi o lado avant-garde aprendido com Walter Smetak que deu lastro para a ligação da Tropicália com o modernismo, concretismo, neoconstrutivismo e atonalismo. Não foi a orquestração de George Martin nem o exemplo composicional engenhoso de Lennon/McCartney (pelo menos, não apenas). É Smetak que está fortemente nos arranjos de Duprat, na divisão harmônica de Tom Zé, no ”canto-de-ruídos guturais” de Caetano (como definiu Augusto de Campos), na ênfase minimalista do Uakati, no atonalismo de Walter Franco, na aproximação Brasil-Japão de “"Refazenda"-Refavela” de Gil. Este último, sabiamente como lhe é de costume, bem definiu a amplitude da obra do mestre e irmão: “Smetak é um mergulhador de excelente performance e vários records de profundidade no oceano da Dúvida”.

"Música dos Mendigos"- Walter Smetak

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"Plásticas Sonoras", de Walter Smetak
onde: Galeria Solar Ferrão (R. Gregório de Matos, 45, Pelourinho, Salvador/BA)
quando: Sábados, domingos e feriados, das 12h às 17h
visitação: terça a sexta, de 12h às 18h
entrada: gratuita



Anjo-soprador

Bicéfalo

Biflauta

Bimono

Caossonância

Chori-viola

Metástase

Mulher faladora
movida pelo vento

O Peixe

Pindorama

Piston cretino

Reta na curva

São Jorge Tibetano

Vidas I, II e III