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segunda-feira, 15 de junho de 2015

cotidianas #375 - O Livro da Fascinação



O labirinto, as pedras, a areia, as cores, o talismã devo admitir que depois de tudo passado, para nenhum deles tenho uma explicação lógica. O que posso afirmar, não, porém, com muita certeza, é que todos eles fazem parte do Livro. Agora, diante dele, deste objeto de fascínio e pavor, percebo que desde sempre todas as coisas fizeram parte dele e ele de todas elas, por igual. Com curiosidade voraz, passo os olhos com a rapidez mercurial pelas linhas para em nada fixar-me em especial e ao mesmo tempo nenhum detalhe deixar de absorver e de repente estanco e estarreço-me com uma passagem que me parece então mais reveladora do que tudo o que tinha-me sido revelado até então. “Naquele momento, o homem que em nada cria, passadas as agruras em meio ao labirinto, diante do Livro, que se-lhe apresentava mais do que nunca fascinante e apavorante, admitia para si mesmo que nada entendia: o próprio labirinto, as pedras, o talismã, e como se com a sabedoria suprema tivesse sido premiado naquele instante, entendia que tudo era o Livro e o Livro era tudo, e que nele estavam contidas todas as coisas, porque desde sempre as guardara em si.”. A revelação de ser parte de um tempo que ainda se escrevia ao mesmo tempo que acontecia perturbou-me sobremaneira e vi-me confuso na dúvida entre agir de alguma maneira para que aquele presente continuasse sendo escrito ou descobrir algumas páginas à frente como as coisas viriam a acontecer. Descobri assim que o presente é passado e que o passado nada mais é do que o que está por vir. Como? Passei corajosamente algumas folhas, determinado a saber meu destino e com quase programada casualidade, deti-me por fim, em uma aleatória e pousei meu indicador sobre uma linha que trazia escrito o que segue: “... sequioso por ver desvendado o destino que o aguardava o homem, no centro do labirinto, folheou o Livro com decisão e desassombro, quedando-se, por fim, no seguinte trecho: “E saindo de um dos corredores, o homem que em nada cria, viu-se numa espécie de câmara central, donde desembocavam os diversos braços daquela construção diabólica feita para ludibriar os sentidos dos homens. Ali, no centro, em uma espécie de púlpito de pedra, encontrou um livro, uma publicação sem dúvida muito antiga, diria mais antiga que a escrita dos próprios homens até. Subiu o degrau que o separava do pequeno pódio e pousou-se diante da publicação que encontrava-se aberta em uma página que, muito brevemente descobriria não ser uma página qualquer. Pôs-se a lê-la num misto de fascínio e pavor de um ponto qualquer na página e na breve leitura de algumas linhas teve para si revelado muito mais do que havia-lhe sido revelado até então.” ".



Cly Reis
(para Borges)

2 comentários:

  1. Com todo respeito a Borges, que sei que o próprio Clayton o teve, este pequeno conto intenta estar à altura do mestre. Muito bonito, antes de mais nada. Literatura na essência. Parabéns.

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    1. Não, não. Sem falsa modéstia, até porque não a tenho, agradeço pelo elogio mas acredito que, por alguma qualidade que o texto possa ter exibido, tenhas-te deixado levar por algum entusiasmo. Bom que gostaste do conto mas nunca estará à altura do inspirador. É acima de tudo um exercício estilístico, uma utilização dos elementos comuns DE Borges num quase-conto que pretende ser bem inconclusivo, mesmo. Não existiria tal como é sem os elementos tradicionais da literatura do autor com os quais 'brinco' (labirinto, espaço, tempo, livros místicos, etc.). É a tal da história do ovo e da galinha: minha galinha nunca teria exstido se não fosse o ovo-Borges e, não tendo escapatória, se for considerar o meu conto o ovo, a galinha que o pôs foi ele também. O maior elogio foi o de, reconhecida alguma qualidade, não tê-lo descaracterizado, ofendido, caricaturado. Por isso, por ter despertado uma impressão tão entusiasta num leitor tão exigente e por um resultado final minimamente satisfatório, já dou-me por feliz. Obrigado.

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