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sábado, 26 de novembro de 2016

cotidianas #483 - Pílulas Surrealistas #6



Hesitou entrar na loja sabendo que seria uma negociação delicada. Mas tomou fôlego e foi. Queria muito aquilo.
- O senhor gostaria de alguma coisa? - perguntou educadamente o vendedor.
- Não, obrigado. Só estou olhando. - disfarçando interesse.
- Qualquer coisa, é só chamar. Meu nome é Vinicius. Estou ali.
Caminhou em frente à vitrine demoradamente e com ar desapegado, fincando alternadamente os pés no chão por mais segundos que o normal para dar cada passo. Maior sinal de interesse.
- Vem cá, Vinicus (É Vinicius seu nome, certo?). Vinicius, me diz uma coisa: essa aqui, quanto é?
- Essa aqui? Ah, logo vi que o senhor... Seu nome, por obséquio? Rubem? Então, sr. Rubem: logo vi que o senhor sabe das coisas. Essa é das nossas mais desejadas.
- É bonita mesmo. Verde, com esses detalhes em azul - dizia olhando a vitrine agora já sem esconder a admiração.
- E olha só essas inscrições em letras serifadas! E essa imagem desse animal exótico aqui num dos lados. Está vendo? Que perfeição, não é? É realmente um objeto de desejo de muita gente. Tenho certeza que o senhor, homem de respeito e de sucesso como dá pra perceber, tem condições de adquirir.
Rubem, desejoso daquilo e do status que lhe traria, facilmente convenceu-se dos elogios.
- É, tenho que admitir que você tem razão. Sem querer ser convencido, mas posso dizer que eu sou foda! Foda mesmo. Tem que ser muito homem pra chegar onde eu cheguei e comprar assim uma coisa tão valiosa como esta. E este homem sou eu!
- Ah, eu não duvido disso, Sr. Rubem. Não duvido.
- Macho alfa, como dizem por aí.
- Certamente - assentiu o vendedor permanentemente sorridente. - Então, como o Sr. vai querer comprar?
- Ah, sim. Um homem como eu, você sabe, pode comprar de várias formas. Desta vez, quem sabe 400 automóveis e 200 cabeças de gado?
- Humm. Parece-me bom, Sr. Rubem, parece-me muito boa sua oferta. Mas vou precisar ver com meu gerente primeiro pra liberar a compra. Não que eu desconfie do senhor, imagina! Não se ofenda, mas o Sr. sabe como são as coisas, não é? Eu tenho que cumprir ordens...
- Não precisa se explicar, rapaz. Não tem problema, vá lá falar com o teu gerente. Eu aguardo aqui.
- Certo Sr. Rubem, volto num instante. Fique à vontade. O garçom irá lhe servir uma bebida. Jonas: uma bebida pro Sr. Rubem aqui, por favor! Ligeiro! - ordenou Vinicius, animado pelo negócio que acabara de fechar, pois, claro, era mentira que precisava falar com o gerente, pois sabia que o mesmo nem estava na loja e que jamais se negaria uma venda a um homem importante como aquele. Fazia parte do ritual de valorização de objetos valiosos.
Enquanto Vinicius entrava loja adentro para fingir a conversa com o gerente, Rubem fitava com olhar infantil na vitrine envidraçada, fechada com alarme ativado e iluminada com luzes ao redor, aquela cédula de dinheiro, única e apaixonante, a qual estava prestes a adquirir, convicto de que agora não lhe faltaria mais nada para ser um homem invejado e feliz.



Daniel Rodrigues

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