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quinta-feira, 16 de setembro de 2021

"A Nuvem", de Just Philippot (2021)

 


O cinema francês de terror cada vez  vem me surpreendendo mais e, por sinal, muito positivamente. Aliás, depois de joias como o incômodo "Grave", da atual vencedora de Cannes Julia Ducournau, o chocante "Martyrs", proibido em vários países, o inquietante "Casa do Medo", do apocalítico mas charmoso "A Noite Devorou o Mundo", só para ficar em alguns, já não deveria ser mais novidade que os franceses sabem aterrorizar, chocar e meter medo sem dever nada para ninguém. O último que me impressionou foi o intenso "A Nuvem", trabalho do diretor Just Philippot que consegue reunir elementos dos filmes de pragas dos anos 70, como "Abelhas Assassinas (1972)", "A Invasão das Rãs (1972)", "Tarântulas (1977)", "Calafrio (1971)", com o horror corporal típico de Cronenberg, obtendo de uma proposta não muito promissora um clima de tensão crescente e uma constante expetativa. O que se consegue tirar de tão assustador de uma mãe viúva que encontrou na criação de gafanhotos uma alternativa para obter seu sustento e criar os filhos, e vê que o negócio não vai indo muito bem? Hum... Pareceria um mero drama familiar sobre as dificuldades financeiras do nosso tempo se não fosse pelo fato da criadora descobrir, por acaso, que seus insetos têm uma predileção toda especial por sangue e o consumindo, se desenvolvem assustadoramente. Mal de vida, percebendo que sua produção aumenta de forma considerável com a nova "ração" e que assim pode atender a filha adolescente cada vez mais exigente e insatisfeita com a atividade alternativa da mãe, Virginie, a cultivadora, não hesita em dar aos bichinhos o que eles querem, alimentando-os da maneira que lhe for possível, com o sangue de um animal pequeno, de um animal maiorzinho, ou, se for preciso, com o próprio sangue. Aliás, a cena é que ela é flagrada pela filha dentro do viveiro, sentada, coberta por gafanhotos, sendo sugada, é  de arrepiar!

"A Nuvem" - trailer"

 Essa figura talvez seja um dos elementos mais emblemáticos do filme que propõe, de certa forma, uma reflexão sobre as relações de trabalhos dos tempos atuais em que o empreendedor, aquele que É o próprio negócio, cuja imagem muitas vezes é romantizada, na maioria das vezes é praticamente consumido, sugado, devorado pelo seu trabalho, por sua atividade, tudo em nome do sucesso e do dinheiro. Além desse enfoque social, "A Nuvem" também  carrega um recado ecológico que, de certa forma vai ao encontro da questão econômica, nos lembrando que o homem, na maior parte das vezes, quando vê na natureza a possibilidade de aumentar seus cifrões, não hesita em mexer no meio-ambiente, em modificar o ecossistema, em maltratar a natureza, e que as consequências disso, normalmente não costumam ser das melhores.

Embora mantenha o interesse e o suspense o tempo todo, a partir do momento em que os insetos começam a demonstrar seu paladar atípico, o final do filme decepciona um pouco, com um certo vazio em relação ao todo, uma vez que o entorno é prática abandonado, e por uma solução-desfecho um tanto "fácil" e eficaz demais. Mas, diante de um trabalho tão bem conduzido e bem trabalhado o tempo todo, quero crer que essas deficiências se dêem muito mais pelo fato de ter me escapado alguma coisa, por alguma desatenção de minha parte ou falta de assimilação de algum elemento sutilmente sugerido.

Um terror! Um terror de respeito mas também um filme sobre alternativas, escolhas e decisões. Opções que levam ao inevitável questionamento sobre até que ponto vale a pena sacrificar a própria vida, a própria saúde física e mental, em nome de atingir objetivos materiais. O mundo cobra, o mercado cobra, a sociedade cobra, mas a natureza também. E aí, vale a pena?

Virginie, a produtora alternativa, permitindo que
o trabalho, literalmente, a consuma.




Cly Reis