É sempre assim todo ano: o Carnaval se encerra e a melhor coisa que tem para curar a ressaca é o MDC da quarta-feira de cinzas. Com um sorriso no rosto e ainda em clima de Oscar, o programa hoje recorre a Led Zeppelin, Pat Metheny, Madonna, Tom Zé e Jards Macalé para enterrar os ossos. No quadro especial, Sete-List, não esquecemos também de prestar uma homenagem a Gene Hackman. Totalmente oscarizado e carnavalizado, o MDC vai ao ar às 21h na premiada Rádio Elétrica e com produção e apresentação de Daniel Rodrigues. Porque, sim: nós vamos ouvir. Ouçam!
Walter Salles com o NOSSO inédito Oscar: que vitória!
Não poderia deixar de começar qualquer comentário sobre a edição de 2025 do Oscar falando não sobre o principal premiado, mas da premiação inédita conquistada pelo filme brasileiro "Ainda Estou Aqui". Sim: o Brasil pode dizer que tem um Oscar para chamar de seu! O longa de Walter Salles, que ainda concorria a Filme, ganhou a tão sonhada estatueta de Filme Internacional, alcançando aquilo que outros filmaços brasileiros anteriores, como "O Pagador de Promessas" e "Central do Brasil", não conseguiram. Um feito histórico e de gigantesca simbologia para o cinema nacional.
Em compensação, o Oscar de Fernanda Torres, aquele para o qual se criou uma enorme celeuma e expectativa Brasil inteiro, não veio. E não veio de uma forma um tanto frustrante, o que tem a ver, agora sim, com o destaque desta edição: a supremacia de "Anora". O drama/comédia de Sean Baker foi o principal vencedor da noite, conquistando 5 das 6 estatuetas as quais foi nomeado: Filme, Roteiro Original, Edição, Direção e aquele que, surpreendente, tirou o prêmio de Fernanda, o de Atriz para Mikey Madison.
O gosto amargo fica porque, se fosse para Fernanda perder, que fosse para Demi Moore por seu papel em "A Substância". Por tudo que representa o papel de Demi, toda a carga anti-etarismo e anti-sexismo que carrega e também por toda a falada retratação com a artista, nunca indicada a nada. Mas não foi o que houve. Teria sido mais justo com Demi, a favorita, e com Fernanda, que, tête-à-tête com Mikey, desempenha melhor num papel dramático. Não que seja um prêmio descabido, pois a protagonista de "Anora" está muito bem no filme. Mas papel por papel, Fernanda como Eunice Paiva é, sim, um nível acima em expressividade e consistência como atuação. Mas é premiação, e isso faz parte.
Tanto faz parte que o superindicado "Emilia Pérez", depois das polêmicas sobre sua realização e roteiro e de uma desastrosa campanha que o desidratou diante dos jurados, tinha 13 chances e amargou apenas 2: Atriz Coadjuvante (para Zoe Saldaña, ótima) e Canção Original. Até mesmo "O Brutalista", outro favorito (inclusive a Filme), das 10 nomeações teve de se contentar com somente 3: Ator (Adrian Brody), Fotografia e Melhor Trilha Original.
O fator político, que se imaginava talvez mais exacerbado, falou menos, mas bem. Corajosa, a atriz Daryl Hannah, que apresentou a categoria de melhor Edição, fez a saudação nacionalista ucraniana com os dedos e "V" e disse a frase: "Glória a Ucrânia", lema das forças armadas e nacionalistas do país invadido pela Rússia. Aplaudida. Outro momento anti-belicismo foi quando da vitória do documentário "No Other Land", dirigido por Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, ou seja, cineastas palestinos e judeus juntos pela mesma causa: a paz e o olhar humanista para os povos. No discurso, críticas à forma como o governo dos Estados Unidos atua na Guerra em Gaza, colaborando com a manutenção do ódio entre os povos. A gafe, no entanto, ficou por conta da não menção a Cacá Diegues no momento In Memorian. Esses norte-americanos jecas...
Quem também recebeu justos aplausos foi Paul Tazewell, que fez história ao se tornar o primeiro homem negro a ganhar o Oscar de Melhor Figurino pelo seu trabalho no musical "Wicked", filme que ainda levou o prêmio de Design de Produção. Fora isso, "A Substância" pegou o merecido de Maquiagem e Cabelo, "Conclave" o plausível de Roteiro Adaptado e "Duna - parte 2" levou os dois técnicos: Som e Efeitos Visuais.
Para além da felicidade de ver "Ainda Estou Aqui" no mais alto posto da maior premiação do cinema mundial, é legal ver também um cult"pequeno" vencer. Em contraposição ao cinemão de "O Brutalista" e a alegoria musical de "Emilia Pérez", ambos estilos por muito tempo consagrados pela Academia, ficaram pra trás em detrimento de "Anora", um filme profundo sem precisar de grandiloquência e que deixa um recado: nunca duvidem de um Palma de Ouro de Cannes.
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE (ZOE SALDAÑA)
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL (“EL MAL”)
Ao contrário da maioria dos brasileiros que foi assistir "Emilia Pérez" já com a faca nos dentes, prontos para desqualificar o rival de "Ainda Estou Aqui", fui com toda a boa vontade e a recomendação de um filme de sucesso em diversos festivais e que conta com a admiração de personalidades relevantes do mundo do cinema.
No entanto, nem tudo isso seria suficiente para me convencer que trata-se de um grande filme digno das incríveis 13 indicações ao Oscar.
Sem entrar no mérito das polêmicas de representatividade, lugar de fala, estereotipação, que tem cercado o longa desde que se instaurou uma verdadeira guerra nas trincheiras das redes sociais, o produto final "Emilia "Pérez" me parece uma obra sem brilho. Um filme comum cujo grande diferencial é ser um musical dentro de uma trama de máfias e cartéis, mas cuja proposta é tão mal aplicada que deixa de ser virtude.
Os números musicais, além de maçantes, inoportunos, são utilizados em momentos pouco propícios, mais atrapalhando o desenvolvimento do enredo do que ajudando. Um diálogo bem elaborado seria mais produtivo do que quatro minutos de música com coreografia.
Sem falar que as canções não são nada cativantes. Nada que a gente venha a lembrar daqui a vinte anos, quando escutar de novo, e dizer, "Olha, aquela música do filme 'Emilia Pérez'!".
Gosto muito do filme enquanto um 'policial' de gangues com uma reviravolta inesperada do tipo "mafioso coisa ruim que quer mudar de cara, de vida, desaparecer mas cujo passado não permite essa nova chance", mas até isso a gente encontra em qualquer filmezinho de ação hollywoodiano do John Woo. E quanto à parte dramática, do remorso, dos desaparecidos, dentro do quadro todo, parece mais uma colagem mal aplicada, e quanto ao tema, o assunto em si, a denúncia, bom...aí o diretor que se entenda com os mexicanos que, pelo jeito, não gostaram nada de um francês metendo o nariz no que não lhe diz respeito.
Não achei um lixo, uma porcaria como muitos compatriotas torcedores consideram. Mas na minha visão, é MUUUITO menor do que parece ser, da ideia que venderam do filme e do tamanho que alcançou. Treze indicações?! Convenhamos, mesmo com todos os méritos que possa ter, é um exagero.
*******************
trailer de"Emília Pérez"
"Emilia Pérez"
Título Original: "Emilia Pérez"
Direção: Jaques Audiard
Gênero: Musical/ Comédia /Drama/ Crime
Elenco: Zoë Saldaña, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez
Arte para VHS doméstico sobre os filmes de Oliver Stone: "Platoon", vencedor dos Oscar de melhor filme, melhor diretor, melhor som e melhor montagem, e "Salvador" , indicado os Oscar de melhor ator e melhor roteiro original, ambos de 1986
Vou um pouco na contramão da unanimidade em torno de "Flow", filme letão sensação do momento, não somente indicado na categoria de animação, como também para melhor filme internacional. Não que não tenha gostado, gostei, mas para mim é apenas um filme "gracinha". Parece que o diretor fez uma animação legal, criou uma situação, foi colocando alguns personagens e foi resolvendo o que fazer ao longo do trabalho. Não resolveu muitas delas, o resultado não ficou tão bem acabado visualmente mas até que ficou satisfatório, então vamos com isso mesmo... O produto final traz elementos reflexivos, comoventes, cativantes, emocionantes, suas imperfeições técnicas pela utilização de um software limitado soam como um charme, e nisso tudo "Flow", a história de um gatinho preto (ou cinzento, pois o software não nos dá a percepção correta) que tem que lutar pela sobrevivência depois de uma inundação apocalíptica, dentro de um barco, junto com animais de outras espécies, ganhou a simpatia da melosa Academia e capturou o coração do público em geral.
Inegavelmente tem méritos, tem os elementos emotivos de solidariedade, esperança, as lições de sabermos conviver com os diferentes de nós e coisa e tal, mas ao mesmo tempo apresenta muitas inconsistências e sobretudo uma ausência de contextualização de tempo e espaço que para muitos pode ser secundária mas que, para mim, seria sim válido situar o espectador. Em que momento se passa o filme? Não existe mais humanidade? Se não existe, como a casa onde o gato vivia (com humanos) parece tão recentemente arrumada? E por que das esculturas gigantescas? Gatos eram tidos como divindades? (Afinal há enormes esculturas de felinos). Que civilizações viviam ali? Em um momento parece algo Maia, em outro algo hindu ou parecido, em outro algo mais ocidental... Onde eles estão no planeta Terra, em que continente? O homem teria causado a inundação? Mas como se não existem mais humanos? ... Mas... não existem? Muitas questões em aberto m que, em nome de todos os elementos emotivos, das mensagens, dos valores, são jogadas para baixo do tapete e preferimos adorar a fofura do gatinho preto-cinzento.
É lógico que o gato é um amor, os movimentos e os sons dos bichos são adoráveis mas, na minha opinião, não é o suficiente para fazer um grande filme. "Flow" me desapontou muito mais pela expectativa criada, pelo alvoroço, do que pelo que efetivamente é. E o que é? É um bom filme, só isso.
Podemos dizer que 23 de janeiro de 2025 foi um dia de glória
para o cinema brasileiro. Afinal, nunca antes na história deste país um filme
nacional havia recebido a indicação ao Oscar de Melhor Filme. “Ainda
Estou Aqui”, o excelente filme de Walter Salles sobre a família Paiva durante o
período da Ditadura Militar no Brasil, foi anunciado hoje ao Oscar 2025 junto com mais uma centena
de outros títulos a esta e outras várias categorias do maior prêmio do cinema
mundial.
Mas não só isso: além da inédita indicação, o filme de Waltinho
concorre também a Melhor Filme Internacional – no qual tem boas chances de
ganhar – e na de Melhor Atriz para Fernanda Torres, que interpreta Eunice Paiva
no filme. A vencedora do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama e que desbancou daquela premiação para esta ninguém menos que Kate Winslet, Angelina Jolie,
Tilda Swinton e Nicole Kidman, tem agora à frente, no Oscar, outras quatro candidatas.
Porém, também passa a encarar de frente Demi Moore, destacada em seu papel em “A
Substância” e que carrega em si e em sua personagem um discurso de feminismo e
etarismo que pode convencer Hollywood a reconhecê-la depois de tantos anos.
Porém, Fernanda está melhor. Que se faça justiça.
Nas outras categorias, sem grandes surpresas: várias
indicações ao franco-mexicano “Emilia Perez” (13, o de mais nominações), “Wicked”
e “O Brutalista” (10 cada), além de “Um Completo Desconhecido”, “Conclave” (8
cada), “Anora” (6), “Duna: Parte 2” e “A Substância” (5 cada). Destes, parece
sair na frente em Filme “O Brutalista”, mas “Anora”, Palma de Ouro em Cannes,
pode surpreender nesta categoria na qual “Ainda...” tem certamente menos chances.
Mas em Filme Internacional, o brasileiro tem outro rival: “Emilia Perez”. O
confuso filme de Jacques Audiard, embora campeão em indicações, tem recebido
críticas das comunidades mexicana e latina e LGBTQIAPN+ por sua narrativa
superficial e sem “lugar de fala”, o que pode influenciar os jurados em favor
de “Ainda...”. Tomara.
De resto, aquelas coisas de sempre do Oscar: falta de algo
aqui, excesso de algo ali, ausência de um outro acolá. Críticos dizem que “Sing
Sing”, que retrata uma história verídica do sistema prisional norte-americano,
merecia mais reconhecimento além das apenas duas indicações que teve (Melhor
Roteiro Adaptado e Melhor Canção Original). Sobrando, o bruxesco “Wicked”, que
aparece em vários dos prêmios técnicos, mas desnecessariamente em Filme, Atriz
e Edição. E Clint Eastwood, com seu genial “Jurado nº 2”, quem viu? A Academia
não dá nem as horas pro velho cowboy, e justo em sua obra de despedida... Fazer
o quê? Só torcer por “Ainda...“ e conferir a lista completa dos indicados, que
a gente traz aqui abaixo e segue acompanhando os filmes até a premiação em 2
de março. E viva o cinema brasileiro!
De tempos em tempos, a Pixar acerta a mão. Acontece de intercalarem boas produções e outras irregulares, mas talvez nunca tenham ficado tanto tempo sem emplacar algo realmente significativo. Desde "Soul", de 2020 (ou seja, há 4 anos), que o estúdio mais vanguarda da Disney não conciliava uma história interessante e bem desenvolvida como "Viva! - A Vida é uma Festa" ou "Ratatouille" com, claro, entretenimento - afinal, é disso que o cinema de massa vive. Mas "Divertida-Mente 2" devolve a Pixar o protagonismo da animação em cinema conquistado há pouco menos de 30 anos. Um dos motivos disso é que a excelente continuação do filme original de 2015, acerta, assim como ocorreu na pioneira franquia "Toy Story", em trazer à luz os conflitos existenciais humanos comuns e, por isso, universais.
O filme de Kelsey Mann prossegue a história da garota Riley, que está mais velha em relação ao primeiro filme, quando ainda era uma criança. Junto com o amadurecimento da temida adolescência, a tresloucada sala de controle da mente dela também está passando por uma adaptação para dar lugar a algo totalmente inesperado: a presença de novas emoções. Somam-se à Alegria, a Tristeza, a Raiva, o Medo e a Nojinho, então gestores do QG cerebral de Riley até então, a Inveja, o Tédio e a Vergonha. No linguajar chulo: fudeu!
O grande acerto do filme reside, antes de mais nada, no roteiro. "Divertida-Mente 2", noutra feliz comparação com "Toy Story", trata do "rito de passagem". Por contar o desenvolvimento emocional da personagem, que deixa a infância para entrar na fase adulta, o bem amarrado roteiro utiliza uma história pequena (basicamente, a ida dela para a colônia de férias e a sua tentativa de entrar na seleção de rugby da escola) para desdobrar os diversos elementos psíquicos e emocionais que emergem de dentro dela.
De maneira hilária, as emoções de Riley, como no primeiro filme, ganham personalidade estereotipadas, o que funciona muito bem para a recepção da informação ao espectador e, claro, para render muitas risadas. As novas emoções do inconsciente de Riley são, como as já manifestas no primeiro filme, bem caracterizadas: a Inveja, uma garotinha verde ativa mas insegura; a Vergonha, um tímido menino gorducho com baixa autoestima; o Tédio, um típico jovem da Geração Z, e a esquisitona Ansiedade, que muda totalmente o andamento das ações (e da história, e da cabeça de Riley) quando entra em conflito com as emoções "antigas". Afinal, qual adolescente não é ansioso com todos os conflitos psicológicos e as mudanças fisiológicas que essa etapa da vida traz?
"Divertida-Mente 2" tem a grande qualidade de saber ser engraçado, mas não histriônico. Os momentos de diálogos são muito bem equilibrados com os lances de piada, assim como (e principalmente) as cenas de aventura, que não se excedem como em outros filmes da Pixar ou de animações em geral. Até mesmo os ótimos "Up - Altas Aventuras" e "Os Incríveis", às vezes, se perdem um pouco no percentual de movimentos, luzes e explosões, o que, ao contrário do que o cinema norte-americano acha, não raro cansam ao invés de animar.
A adolescente Riley: personagem principal, mas não protagonista
Essa coerência se revela também na relação entre as personagens/emoções, fruto de um visível aprofundamento dos roteiristas, assessorados pela competente dupla de psicólogos consultores Dacher Keltner e Lisa Damour. A reação moderada da invariavelmente explosiva Raiva quando percebe o desânimo da sempre positiva Alegria - até então, a principal responsável pelo emocional da menina até a chegada da Ansiedade - é um desses momentos muito bem (com o perdão da redundância) pensados. Igualmente, a união da melancólica Tristeza com a Vergonha, identificados na situação em que tentam salvar o ameaçado “sistema de valores” da pequena "patroa". E no momento em que a Ansiedade perde o controle, a que emoção o inconsciente de Riley recorre? A Alegria, claro. Na aparente descontração de uma animação pop, cabe, sim, muita pesquisa técnica, uma qualidade processual às vezes esquecida em Hollywood, como se não precisasse haver esse tipo de cuidado para um produto de grande público.
Porém, mais do que apenas desenvolver bem a trama, a própria estrutura é sui generis. Embora a personagem Riley seja a principal, ela não é necessariamente a protagonista, o que é mais cabível de se imputar à Alegria. Novamente referindo "Toy Story", essa é exatamente a mesma forma, principalmente a do terceiro da série, de 2010, em que a história dos bonecos, de função narrativa semelhante a que as emoções desempenham em "Divertida-Mente 2", se entremeia a do "personagem humano": Riley, neste filme, e o garoto Andy, de "Toy Story". Em ambos, é como se houvesse um espelho, que refletisse ora o interno, ora o externo.
Num plano filosófico, "Divertida-Mente 2" também aprofunda. A mensagem que o filme deixa, embora aparentemente inofensiva (pois positiva como o cinema norte-americano geralmente intenta), diz muito sobre a visão do sistema em que se vive: é a da aceitação. Um entendimento de que o ser humano é, sim, complexo e contraditório. Um avanço em se tratando de cinema norte-americano, contumaz disseminador da visão cartesiana do povo dos Estados Unidos, a qual é convertida numa cultura altamente individualista. "Divertida-Mente 2", num concepção mais holística, mesmo que seja estrategicamente proferida, quebra este pensamento dualista e pragmático.
Coerência em roteiro, animação do melhor nível, técnica perfeita. Resultado? Um sucesso de critica e publico. Para o Oscar de 2025, certamente o filme já se coloca como um forte candidato. O fato de ser maior sucesso de bilheteria da história da Disney/Pixar até então só denota o quanto o público aguardava por uma produção com a qualidade que o estúdio tem poderio para oferecer, mas que fazia anos que isso não acontecia. Que não se demore muito mais novamente.
A noite deste domingo, dia 10 de março, marcou a cerimônia da 96ª edição do Oscar, na qual "Oppenheimer", filme do diretor Christopher Nolan, foi o grande vencedor, com sete estatuetas, mas com grande destaque para "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos, que levou quatro.
Apresentada pelo comediante Jimmy Kimmel, a festa não teve grandes novidades nem surpresas. A presença de cinco apresentadores, todos já vencedores, para apresentar os prêmios de atuação foi algo interessante, John cena apresentando "pelado" o prêmio de figurino foi engraçado, Slash, do Guns'n' Roses, dando uma canja na performance de "I'm Just Ken" foi muito show, e o momento mais emocionante, sem dúvida, ficou com o diretor do documentário "20 dias em Mariupol", sobre a guerra da Ucrânia, Mstyslav Chernov, emocionado, declarando que gostaria de nunca precisar ter feito um filme sobre algo assim.
A meu ver, nenhuma grande injustiça. "Anatomia de Uma Queda", de enredo brilhante, justamente agraciado com o prêmio de roteiro original, "Zona de Interesse", o mais complexo e artístico dos estrangeiros ganhando o prêmio de filme internacional, "Godzila Minjus One" desbancando os gigantes e vencendo a categoria de efeitos visuais... Até dá pra discutir um Downey Jr. ao invés de um DeNiro, uma Emma Stone e não Lily Gladstone, mas, de um modo geral, nenhum absurdo gritante, a meu ver.
Bom, quer saber como foram todos os prêmios? Dá uma olhada aí abaixo e conheça, então, todos os vencedores da noite:
📹📹📹📹📹📹📹📹
MELHOR FILME
• Oppenheimer
MELHOR DIREÇÃO
• Christopher Nolan, por Oppenheimer
MELHOR ATOR
• Cillian Murphy, por Oppenheimer
MELHOR ATRIZ
• Emma Stone, por Pobres Criaturas
MELHOR ATOR COADJUVANTE
• Robert Downey Jr., por Oppenheimer
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
• Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
• Justine Triet & Arthur Harari, por Anatomia de uma Queda
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
• Cord Jefferson, por American Fiction
MELHOR ANIMAÇÃO
• O Menino e a Garça
MELHOR FILME INTERNACIONAL
• A Zona de Interesse (Reino Unido)
MELHOR DOCUMENTÁRIO
• 20 Days in Mariupol
MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM
• The ABCs of Book Banning
MELHOR CURTA-METRAGEM
• The Wonderful Story of Henry Sugar
MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
• War is Over (inspired by the music of John & Yoko)
MELHOR TRILHA SONORA
• Ludwig Göransson, por Oppenheimer
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
• "What Was I Made For?" (Barbie)
MELHOR SOM • A Zona de Interesse
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO • Shona Heath, por Pobres Criaturas
MELHOR FOTOGRAFIA
• Hoyte van Hoytema, por Oppenheimer
MELHOR CABELO E MAQUIAGEM
• Pobres Criaturas
MELHOR FIGURINO • Holly Waddington, por Pobres Criaturas
"Tá gravando? ... Hm, hm... Estamos aqui na casa onde foi rodado o filme "O Anjo Exterminador", em 1962. No clássico de Luis Buñuel, um grupo de pessoas, convidadas para uma festa de aristocracia, depois de ingressar na casa onde acontece a recepção, não consegue sair dela. Nada os impede, não há portas trancadas, nada fechando-lhes a passagem, mas, simplesmente, não conseguem deixar a casa. É como se uma força invisível, algo inexplicável os mantivesse dentro. E é exatamente aqui que estamos hoje para vocês, no nosso "O Fabuloso Mundo de Amélia Bolaños", o canal dos cinéfilos loucos por relíquias, raridades e curiosidades do mundo do cinema. Olha só..., vem aqui, vem comigo... Aqui é a sala onde ficavam os convidados, aqui, um pouco adiante é aquele cantinho onde alguns se acomodaram pra dormir, aqui é... O que que foi? Por que parou de gravar? Polícia? Guarda tudo, guarda tudo. Desliga a câmera, guarda isso, vai. Guarda logo, Julito. Vamos sair logo daqui. Por ali, por ali... Ali, a porta, vai. Anda, Julito, vai. Como assim, acha melhor a gente ficar? Vão nos prender! Vai logo. ... Anda, sai. Ah, sai da frente, Julito, deixa que eu vou na frente. ... Sei lá. Talvez seja melhor a gente esperar um pouco mais. Quem sabe a polícia nem percebe que a gente tá aqui e vai embora. Ah, agora você quer sair? Então por que não sai? Como assim não consegue? Sai logo, Julito. Sai logo. Será que...? Não é possível!!! Ai, meu Deus! Julito, faz alguma coisa.
Ali, ali, a polícia chegou. Graças a Deus. Policial, policial, nos ajuda! Nos tira daqui. ... É, é o que nós queremos, sair. Não conseguimos. ... Eu já disse, a gente sairia se pudesse mas não conseguimos. Não, não entra aqui. Não entra."
*************
"Central, câmbio... Pode repetir, 65? ... Um bando de jovens invadiu um imóvel abandonado?... É isso? Câmbio.
...
A orientação é para que os retire do imóvel e retorne para a Central. Câmbio.
Não conseguem sair? Você também não consegue? Câmbio.
Eles estão lhe impedindo de alguma maneira, 65? Estão armados? Obstruíram os acessos, as aberturas? Câmbio.
...
Qual a sua localização, 65?
...
Rua da Providência..., sim, sei. Ok. Aguarde reforços. Estamos enviando uma unidade para o local. Câmbio e desligo."
*************
Dez horas já haviam se passado desde que a unidade de reforço chegara. Agora já eram sete pessoas dentro da casa. Os sinos da catedral da Cidade do México badalavam para a missa das seis.
Duas equipes de muita garra, muita coragem e determinação.
Por mais que "Sociedade da Neve" seja o time do momento, o mais conhecido, mais badalado, indicado ao Oscar, "Vivos", o esquadrão mais antigo que muita gente nem sabia existir, também tem muitas qualidades e chega para causar tantas dificuldades ao adversário quanto as montanhas dos Andes causaram aos passageiros daquele voo.
Ambos os filmes contam a história da queda de um avião, com uma equipe estudantil de rugby uruguaia, na Cordilheira dos Andes, da qual, após mais de setenta dias de sofrimento, frio, privações, fome, 14 tripulantes conseguiram sobreviver depois de terem que consumir carne humana de companheiros mortos, de modo a manterem-se suficientemente nutridos e enfrentarem as dificuldades daquele ambiente inóspito.
Com pequenas diferenças, uma omissão aqui, uma adaptação ali, uma liberdade criativa acolá, o enredo é basicamente o mesmo, o que não significa que os roteiros sejam iguais. A nova versão se fixa um pouco mais no passar dos dias, aumentando a expectativa e a dramaticamente do ocorrido, e ainda coloca para o espectador, a cada nova morte, o nome e a idade do falecido, amplificando a comoção e a ansiedade pelo fim daquela agonia. 1x0 para o time de 2023.
A construção dos personagens também é mais completa e bem elaborada no filme atual. A história é narrada por um dos tripulantes, o dedicado Numa o que aproxima o espectador daquela realidade. O espectador quase se sente próximo daqueles garotos, tão jovens, tão cheios de sonhos, de planos, tão cheios de vida pela frente. A gente sente a juventude. Só que sente também aquelas vidas, tão breves, indo embora. 2x0 para a Sociedade.
Por outro lado, senti falta de um comportamento um pouco mais "humano" dos sobreviventes, no filme atual. E quando digo "humano" não me refiro a humanismo, boa vontade, compaixão, não! Isso tem de sobra. Sei que se tratava de um time, cujo grande mérito para conseguirem a sobrevivência do maior número possível de pessoas fora o trabalho em equipe, mas acho impossível que em mais de dois meses afundados entre as montanhas, atolados na neve, desesperados, não tenham tido altercações, desentendimentos, indisposição, brigas, egoísmos, coisas típicas do comportamento humano, especialmente em situações de desespero. Pois é, isso praticamente não aparecem no filme de 2023. Pelo contrário: a cada discordância, até mesmo na questão mais importante, que de certa forma salvou suas vidas, que era comer ou não a carne dos colegas, a solução era... rezar. Sei que a ênfase do filme era no companheirismo, na união, no trabalho de grupo, na amizade, mas, nesse sentido, o original é um pouco mais realista com uma serie de desentendimentos, rusgas e discussões de pessoas que, no fim das contas, eram apenas seres humanos. Vivos aproveita a falha do adversário e marca o primeiro: 1x2 no placar.
"Vivos" (1993) - trailer
"A Sociedade da Neve" (2023) - trailer
No entanto, tal 'suavização', creio que deve ter sido uma opção do diretor J.A. Bayona, muito competente, por sinal, de modo a enfatizar o lado positivo do grupo, uma vez que, em matéria de credibilidade, "Sociedade da Neve" é bastante mais fiel que "Vivos". Baseado no livro de um jornalista uruguaio, Pablo Vierci, que quando adolescente, acompanhou a tragédia, tinha amigos no voo e chegara até mesmo a cogitar, na época em fazer parte da delegação, "SDN" certamente se aproxima mais dos fatos ocorridos do que seu antecessor que, baseado nas pesquisas de um romancista inglês, Piers Paul Read, se dá a liberdade de mudar alguns nomes, criar alguns elementos ficcionais, e até, como Hollywood gosta, adicionar alguns momentos de ação. Mais um para SDN: 3x1.
Embora o bom Frank Marshall tenha caprichado em seu filme, lá em 1989, com uma parte técnica bastante competente e nada comprometedora, o novo é bem superior nesse sentido. Efeitos visuais, maquiagem, som, montagem, proporcionam sequências absolutamente impressionantes como a do momento do impacto da aeronave com o solo e as consequências com os passageiros (um voando pelo buraco na cauda do avião, pernas fraturadas entre os assentos, etc.), e a da primeira avalanche, que é simplesmente apavorante. Filme que tira vantagem da tecnologia e dos recursos de sua época pra marcar mais um. 4x1. Sociedade da Neve parece uma avalanche sobre Vivos.
Mas Vivos ainda diminui. Se ambos não são totalmente fiéis quanto à parte do resgate e das repercussões, ou no mínimo incompletos, talvez para não se estenderem mais ainda, o filme dos anos 90 tem um elemento mágico que lhe garante mais um gol. O sapatinho vermelho! "Vivos" utiliza o elemento do sapatinho de bebê que o jovem Nando levaria para seu sobrinho no Chile e que, impedido de cumprir sua meta, divide o par com o amigo Carlitos como uma promessa de que voltaria, unindo novamente os dois pés do calçado quando retornasse da expedição final. Ao que ambos exibem exultantes quando resgatados, cada um com o seu, como símbolo de uma vitória. A vitória no confronto não veio, mas Vivos guarda seu segundo. Gol com um pezinho pequeno, de chuteira vermelha, mas que valeu a comemoração.
"Sociedade da Neve" vence o confronto de Libertadores, no frio, na altitude, ambiente hostil mas, na verdade, nesse confronto todos os sobreviventes são vencedores.
No alto, à esquerda o grupo de "Vivos" e à direita o de "Sociedade da Neve", amontoados dentro do que sobrou do avião. Abaixo, à esquerda, um momento de ânimos alterados em "Vivos" e, em "Sociedade da Neve", uma noção da aproximação que o diretor estabelece do espectador com os personagens, aqui só pela expressão do ator.
"Vivos até tinha melhor elenco, com o medalhão Ethan Hawke,
mas "Sociedade da Neve" veio com uma garotada e um time bem montado
e levou a Batalha dos Andes.
(Jogo daqueles disputado com bola colorida pra poder enxergar na neve)