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domingo, 13 de janeiro de 2019

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2018




Abre o olho, Babulina, porque Caê tá chegando
e o Síndico tá chamando pra briga.
O ano de 2018 foi especial por ter sido o que marcou os 10 anos do ClyBlog e para comemorar isso tivemos uma série de convidados escrevendo sobre seus discos favoritos nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Já abrimos o ano com o especial de número 400 da seção, com o convidado Michel Pozzebon, e ao longo do ano tivemos as mais ricas e valorosas participações de convidados que deram suas brilhantes contribuições para o nosso blog, como foi o caso de Ticiano Paludo, Samir Alhazred, Arthur de Faria, Helson Trindade, Rodrigo Lemos e Lucio Brancato. A todos eles, nossos sinceros agradecimentos.
Além disso, foi ano de Copa do Mundo e, como temos feito, unimos música e futebol em publicações espaciais onde o artista ou sua obra tivesse alguma relação com o esporte mais amado do mundo, como foi o caso do apaixonado por futebol Bob Marley, dO Rappa cujas letrar volta e meia remetem a futebol e do Iron Maiden, cujo baixista é quase um hooligan e que já tentou inclusive jogar no seu time de coração.
Isto colocado, como sempre fazemos, todo ano, vamos àquela repassada na nossa seção de grandes discos atualizando os números e verificando aqueles que têm mais discos indicados, países com maior número de representantes, os anos e as décadas que mais se destacam em número de grandes obras citadas e o que mais mereça destaque neste ano que passou nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, como, por exemplo, o fato de 2018 ter sido um ano de muitas estreias nos AF's. Muitos artistas que, por sua biografia, importância em sua época, seu segmento ou no cenário musical geral, já deviam ter dado as caras por aqui há muito tempo, apareceram pela primeira vez neste ano, como é o caso de nomes como Bob Marley, que foi um dos nossos AF ClyBola, da diva Aretha Franklin, do Kiss, T-Rex e do lendário Queen que fez seu debut por aqui. Por outro lado, poucos se repetiram e, assim, especialmente nos internacionais, as posições de cima não se alteraram muito, apenas com o Iron Maiden e os Kinks entrando para o time dos que têm três álbuns fundamentais e aproximando-se do pessoal com quatro álbuns (Who, Floyd, Kraftwerk...) e um pouco mais dos líderes Beatles, Stones e Bowie que seguem na ponta com cinco discos cada.
Nos nacionais a movimentação também não foi grande mas dois artistas deram uma emoção à "disputa pela liderança": com um disco de Caetano Veloso e um de Tim Maia, poderíamos tê-los empatados na ponta com Gilberto Gil e Jorge Ben. Mas isso se, lá no início do ano, o Babulina não tivesse colocado mais um entre os fundamentais e garantido sua posição no topo entre os brasucas.
Na disputa por países, ainda que os norte-americanos ainda mantenham um boa vantagem na liderança, em 2018 os ingleses fizeram quase o dobro de indicações que os yankees e diminuíram um pouco a desvantagem para os brasileiros que haviam se distanciado no ano anterior
No que diz respeito a épocas, a marcante década de 70 continua liderando, acompanhada, com uma distância bem confortável, pela década de 80. Só que quando falamos em anos, é o de 1986 que manda, com nada menos que 20 discos, seguido pelo seu ano anterior, o de 1985 e o ano de 1976, cada um com 16 álbuns na nossa lista.
O ano que entra promete movimentação nos placares, especialmente de artistas, tanto nacionais quanto internacionais, uma vez que a vantagem dos líderes é pequena e quem vem logo atrás não tá pra brincadeira. 
As comemorações dos dez anos acabaram mas não é por isso que não continuaremos tendo participações especias nos AF. Além das habituais colaborações de Paulo Moreira, Leocádia Costa, Lucio Agacê, com certeza teremos durante ao ano a contribuição de amigos tão apaixonados por música quanto nós e que sabem que os álbuns de suas coleções e de seus corações são simplesmente fundamentais.

Vamos conferir então como ficaram as coisas por aqui depois deste último ano:


PLACAR POR ARTISTA INTERNACIONAL (GERAL)

  • The Beatles, David Bowie  e The Rolling Stones: 5 álbuns cada
  • Kraftwerk, Miles Davis, Talking Heads, The Who e Pink Floyd: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Smiths, Led Zeppelin, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, John Cale* e Bob Dylan: 3 álbuns cada
  • Björk, The Beach Boys, Brian Eno*, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Lee Morgan, Lou Reed, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, R.E.M., Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Velvet Underground e Wayne Shorter: todos com 2 álbuns
*contando com o álbum de Brian Eno com JohnCale ¨Wrong Way Out"


PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Jorge Ben: 5 álbuns*
  • Gilberto Gil*, Tim Maia e Caetano Veloso: 4 álbuns*
  • Chico Buarque, Legião Urbana, Titãs e Engenheiros do Hawaii: 3 álbuns cada
  • Baden Powell**, Gal Costa, João Bosco, João Gilberto***, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão e Sepultura: todos com 2 álbuns 
*contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas" 
*** Contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"


PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 2
  • anos 40: -
  • anos 50: 15
  • anos 60: 79
  • anos 70: 117
  • anos 80: 100
  • anos 90: 75
  • anos 2000: 11
  • anos 2010: 11

*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 21 álbuns
  • 1976 e 1985: 16 álbuns cada
  • 1968 e 1977: 15 álbuns cada
  • 1967: 14 álbuns
  • 1971, 1972, 1973 e 1991: 13 álbuns
  • 1965, 1969, 1975, 1979 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1970, 1987 e 1989: 11 álbuns cada
  • 1966 e 1980: 10 álbuns cada


PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 146 obras de artistas*
  • Brasil: 116 obras
  • Inglaterra: 102 obras
  • Alemanha: 8 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália, Jamaica e Islândia: 2 cada
  • País de Gales, Itália, Hungria, Suíça e França: 1 cada

*artista oriundo daquele país




C.R.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

As minhas 20 melhores capas de disco da música brasileira



Dia desses, deparei-me com um programa no canal Arte 1 da série “Design Gráfico Brasileiro” cujo tema eram capas de discos da música brasileira. Além de trazer histórias bem interessantes sobre algumas delas, como as de “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, “Severino”, dos Paralamas do Sucesso,  e “Zé”, da Biquíni Cavadão, ainda entrevistava alguns dos principais designers dessa área aos quais nutro grande admiração, como Gringo Cardia e Elifas Andreato.

Elifas: o mestre do design de capas de disco no Brasil
Motivo suficiente para que eu quisesse montar uma lista com as minhas capas de discos preferidas da MPB. Já tivemos aqui no Clyblog as melhores capas do pop-rock internacional, mas com esse recorte tão “tupiniquim”, ainda não. Além de eu gostar muito da música brasileira, desde cedo admiro bastante também as artes que acompanham. Seja por meio do trabalho de desingers gráficos ou da incursão de elementos das artes visuais, é fato que o Brasil tem algumas das mais criativas e peculiares capas de disco do universo musical.

Assim como ocorre nos Estados Unidos e Europa, a tradição da arte brasileira acabou por se integrar à indústria fonográfica. Principalmente, a partir dos anos 50, época em que, além do surgimento do método de impressão em offset e a melhora das técnicas fotográficas, a indústria do disco se fortaleceu e começou a se descolar do rádio, até então detentor do mercado de música. Os músicos começaram a vender discos e, na esteira, o pessoal das artes visuais também passou a ganhar espaço nas capas e encartes que envolviam os bolachões a ponto de, às vezes, se destacarem tanto quanto o conteúdo do sulco.

Arte de Wahrol para o selo
norte-americano Verve
Lá fora, o jazz e o rock tiveram o privilégio de contar na feitura de capas com as mãos de artistas como Andy Wahrol, Jackson Pollock, Saul Bass, Neil Fujita, Peter Saville e Reid Miles. No Brasil, por sua vez, nomes como Caribé, Di Cavalcanti, Glauco Rodrigues, Rubens Gerchman e Luiz Zerbini não deixaram por menos. Além destes consagrados artistas visuais, há, igualmente, os especialistas na área do designer gráfico. Dentre estes, o já mencionado Gringo, modernizador da arte gráfica nesta área; Elifas, de que é impossível escolher apenas um trabalho; Rogério Duarte, com seu peculiar tropicalismo visual; Cesar Vilela, o homem por trás da inteligente economia cromática das capas do selo Elenco; e Aldo Luiz, autor de uma enormidade delas.

No Brasil, em especial, a possibilidade de estes autores tratarem com elementos da cultura brasileira, rica e diversa em cores, referências étnico-sociais, religiosas e estéticas, dá ainda, se não mais tempero, elementos de diferenciação diante da arte gráfica feita noutros países. Assim, abarcando parte dessa riqueza cultural, procurei elencar, em ordem de data, as minhas 20 capas preferidas da música brasileira. Posso pecar, sim, por falta de conhecimento, uma vez que a discografia nacional é vasta e, não raro, me deparo com algum disco (mesmo que não necessariamente bom em termos musicais) cuja capa é arrebatadora. Quem sabe, daqui a algum tempo não me motive a listar outros 20?

Sei, contudo, que estas escolhidas são de alta qualidade e que representam bem a arte gráfica brasileira para o mercado musical. Impossível, aliás, não deixar de citar capas que admiro bastante e que não puderam entrar na listagem pelo simples motivo numérico: “Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua”, de Sérgio Sampaio (Aldo Luiz); “Minas”, de Milton Nascimento (do próprio Milton); “Nervos de Aço”, de Paulinho da Viola; “Espiral da Ilusão”, de Criolo; “Bicho”, de Caetano Veloso (Elifas); “Paratodos”, de Chico; “Barulhinho Bom”, de Marisa Monte; “Besouro”, de Paulo César Pinheiro; “Com Você Meu Mundo Ficaria Completo”, de Cássia Eller (Gringo); “Wave”, de Tom Jobim (Sam Antupit); “Caça à Raposa”, de João Bosco (Glauco); “O Rock Errou”, de Lobão (Noguchi); “Nos Dias de Hoje”, de Ivan Lins (Mello Menezes); “Paulo Bagunça & A Tropa Maldita” (Duarte); “Getz/Gilberto”, de João Gilberto e Stan Getz (Olga Albizu).

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1 - “Aracy canta Noel” – Aracy de Almeida (1954)
Arte: Di Cavalcanti 


Era o começo da indústria dos “long playing” no Brasil, tanto que se precisou fazer um box com três vinis de 10 polegadas reunindo as faixas dos compactos que Aracy gravara entre 1048 e 1950 com o repertório de Noel Rosa. A Continental quis investir no inovador produto e chamou ninguém menos que Di Cavalcanti para realizar a arte do invólucro. Como uma obra de arte, hoje, um disco original não sai por menos de R$ 500.



2 - “Canções Praieiras” – Dorival Caymmi (1954)
Arte: Dorival Caymmi

É como aquela anedota do jogador de futebol que cobra o escanteio, vai para a área cabecear e ele mesmo defende a bola no gol. “Canções Praieiras”, de Caymmi, é assim: tudo, instrumental, voz, imagem e espírito são de autoria dele. E tudo é a mesma arte. “Pintor de domingos”, como se dizia, desde cedo pintava óleos com o lirismo e a fineza que os orixás lhe deram. Esta capa, a traços que lembram Caribé e Di, é sua mais bela. Como disse o jornalista Luis Antonio Giron: ”Sua música lhe ofereceu todos os elementos para pintar”.




3 - “Orfeu da Conceição” – Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes (1956)
Arte: Raimundo Nogueira


A peça musical inaugural da era de ouro da MPB tinha, além do brilhantismo dos dois autores que a assinam, ainda Oscar Niemeyer na cenografia, Leo Jusi, na direção, e Luis Bonfá, ao violão-base. Só feras. Quando, por iniciativa do eternamente antenado Aloysio de Oliveira, a trilha da peça virou disco, Vinicius, homem de muitos amigos, chamou um deles, o pintor Raimundo Correa, para a arte da capa. Alto nível mantido.



4 - “À Vontade” – Baden Powell (1963)
Arte: Cesar Vilela

O minimalismo do P&B estourado e apenas a cor vermelha fazendo contraponto deram a Elenco – outro trunfo de Aloysio de Oliveira – a aura de cult. Além de, musicalmente falando, lançar diversos talentos no início dos anos 60, os quais se tornariam célebres logo após, o selo ainda tinha um diferencial visual. A capa de "À Vontade" é apenas uma delas, que junta o estilo cromático de Vilela com um desenho magnífico do violeiro, representativo da linhagem a qual Baden pertence. Uma leitura moderna da arte dos mestres da pintura brasileira aplicada ao formato do vinil.




5 - “Secos & Molhados” – Secos & Molhados (1971)
Arte: Décio Duarte Ambrósio


Impossível não se impactar com a icônica imagem das cabeças dos integrantes da banda servidas para o banquete. Impressionam a luz sépia e sombreada, o detalhismo do cenário e o barroquismo antropofágico da cena. E que disco! Fora o fato de que as cabeças estão... de olhos abertos!


6 - “Ou Não” ou "Disco da Mosca" - Walter Franco (1971)
Arte: Lígia Goulart

Os discos “brancos”, como o clássico dos Beatles ou o do pré-exílio de Caetano Veloso (1969), guardam, talvez mais do que os discos “pretos”, um charme especial. Conseguem transmitir a mesma transgressão que suas músicas contêm, porém sem a agressividade visual dos de capas negras. Ao mesmo tempo, são, sim, chocantes ao fazerem se deparar com aquela capa sem nada. Ou melhor: quase nada. Nesta, que Lígia Goulart fez para Walter Franco, o único elemento é a pequena mosca, a qual, por menor que seja, é impossível não percebê-la, uma vez que a imagem chama o olho naquele vazio do fundo sem cor.



7 – “Fa-Tal - Gal a Todo Vapor” - Gal Costa (1971)
Arte: Hélio Oiticica e Waly Salomão

Gal Costa teve o privilégio de contar com a genial dupla na autoria da arte de um trabalho seu. Em conjunto, Oiticica e Waly deram a este disco ao vivo da cantora um caráter de obra de arte, dessas que podem ser expostas em qualquer museu. Além disso, crítica e atual. A mistura de elementos gráficos, a foto cortada e a distribuição espacial dão à arte uma sensação de descontinuidade, fragmentação e imprecisão, tudo que o pós-tropicalismo daquele momento, com Caetano e Gil exilados, queria dizer.





8 - “Clube da Esquina” – Milton Nascimento e Lô Borges (1972)
Arte: Cafi e Ronaldo Bastos

Talvez a mais lendária foto de capa de todos os tempos no Brasil. Tanto que, anos atrás, foi-se atrás dos então meninos Tonho e Cacau para reproduzir a cena com eles agora adultos. Metalinguística, prescinde de tipografia para informar de quem é o disco. As crianças representam não só Milton e Lô como ao próprio “movimento” Clube da Esquina de um modo geral e metafórico: puro, brejeiro, mestiço, brasileiro, banhado de sol.




9 - “Lô Borges” ou “Disco do Tênis” - Lô Borges (1972)
Arte: Cafi e Ronaldo Bastos

Não bastasse a já simbólica capa de “Clube da Esquina”, que Cafi e Ronaldo idealizaram para o disco de Milton e Lô, no mesmo ano, criam para este último outra arte histórica da música brasileira. Símbolo da turma de Minas Gerais, os usados tênis All Star dizem muito: a sintonia com o rock, a transgressão  da juventude, a ligação do Brasil com a cultura de fora, o sentimento de liberdade. Tudo o que, dentro, o disco contém.



10 – “Cantar” – Gal Costa (1972)
Arte: Rogério Duarte

Mais um de Gal. As capas que Rogério fez para todos os tropicalistas na fase áurea do movimento, como as de “Gilberto Gil” (1968), “Gal Costa” (1969) e a de “Caetano Veloso” (1968) são históricas, mas esta aqui, já depurados os elementos estilísticos da Tropicália (que ia do pós-modernismo à antropofagia), é uma solução visual altamente harmônica, que se vale de uma foto desfocada e uma tipografia bem colorida. Delicada, sensual, tropical. A tradução do que a artista era naquele momento: o “Cantar”.


11 - “Pérola Negra” – Luiz Melodia (1973)
Arte: Rubens Maia

Somente num país tropical faz tanto sentido usar feijões pretos para uma arte de capa. No Brasil dos ano 70, cuja pecha subdesenvolvida mesclava-se ao espírito carnavalesco e ao naturalismo, o feijão configura-se, assim como o artista que ali simboliza, a verdadeira “pérola negra”. Além disso, a desproporção dos grãos em relação à imagem de Melodia dentro da banheira dá um ar de magia, de surrealismo.




12 - “Todos os Olhos” – Tom Zé (1973)
Arte: Décio Pignatari

A polêmica capa do ânus com uma bolita foi concebida deliberadamente para mandar um recado aos militares da Ditadura. Não preciso dizer que mensagem é essa, né? O fato foi que os milicos não entenderam a ofensa e a capa do disco de Tom Zé entrou para a história da arte gráfica brasileira não somente pela lenda, mas também pela concepção artística revolucionária que comporta e o instigante resultado final.



13 – “A Tábua de Esmeraldas” - Jorge Ben (1974)
Arte: Aldo Luiz

Responsável por criar para a Philips, à época a gravadora com o maior e melhor cast de artistas da MPB, Aldo Luiz tinha a missão de produzir muita coisa. Dentre estas, a impactante capa do melhor disco de Jorge Ben, na qual reproduz desenhos do artista e alquimista francês do século XII Nicolas Flamel, o qual traz capítulos de uma história da luta entre o bem e o mal. Dentro da viagem de Ben àquela época, Aldo conseguiu, de fato, fazer com que os alquimistas chegassem já de cara, na arte da capa.




14 - “Rosa do Povo” – Martinho da Vila (1976)
Arte: Elifas Andreato

Uma das obras-primas de Elifas, e uma das maravilhas entre as várias que fez para Martinho da Vila. Tem a marca do artista, cujo traço forte e bem delineado sustenta cores vivas e gestos oníricos. De claro cunho social, a imagem dos pés lembra os dos trabalhadores do café de Portinari. Para Martinho, Elifas fez pelo menos mais duas obras-primas das artes visuais brasileira: “Martinho da Vila”, de 1990, e “Canta Canta, Minha Gente”, de 1974.




15 - “Memórias Cantando” e “Memórias Chorando” Paulinho da Viola (1976)
Arte: Elifas Andreato


Podia tranquilamente escolher outras capas que Elifas fez para Paulinho, como a de “Nervos de Aço” (1973), com seu emocionante desenho, ou a premiada de “Bebadosamba” (1997), por exemplo. Mas os do duo “Memórias”, ambas lançadas no mesmo ano, são simplesmente magníficas. Os “erês”, destacados no fundo branco, desenhados em delicados traços e em cores vivas (além da impressionante arte encarte dos encartes, quase cronísticas), são provavelmente a mais poética arte feita pelo designer ao amigo compositor.




16 - “Zé Ramalho 2” ou “A Peleja do Diabo com o Dono do Céu” – Zé Ramalho (1979)
Arte: Zé Ramalho e Ivan Cardoso

A inusitada foto da capa em que Zé Ramalho é pego por trás por uma vampiresca atriz Xuxa Lopes e, pela frente, prestes a ser atacado por Zé do Caixão, só podia ser fruto de cabeças muito criativas. A concepção é do próprio Zé Ramalho e a foto do cineasta “udigrudi” Ivan Cardoso, mas a arte tem participação também de Hélio Oiticica, Mônica Schmidt e... Satã! (Não sou eu que estou dizendo, está nos créditos do disco.)





17 - “Almanaque” – Chico Buarque (1982)
Arte: Elifas Andreato

Mais uma de Elifas, é uma das mais divertidas e lúdicas capas feitas no Brasil. Além do lindo desenho do rosto de Chico, que parece submergir do fundo branco, as letras, os arabescos e, principalmente, a descrição dos signos do calendário do ano de lançamento do disco, 1982, é coisa de parar para ler por horas – de preferência, ouvindo o magnífico conteúdo musical junto.





18 - “Let’s Play That” – Jards Macalé (1983)
Arte: Walmir Zuzzi

Macalé sempre deu bastante atenção à questão gráfica de seus discos, pois, como o próprio diz, não vê diferença entre artes visuais e música. Igualmente, sempre andou rodeado de artistas visuais do mais alto calibre, como os amigos Hélio Oiticica, Lygia Clark e Rubens Gerchman. Nesta charmosa capa de figuras geométricas, Zuzzi faz lembrar muito Oiticica. Em clima de jam session basicamente entre Macalé e Naná Vasconcelos, a capa traz o impacto visual e sensorial da teoria das cores como uma metáfora: duas cores diferentes em contraste direto, que intensifica ainda mais a diferença (e semelhanças) entre ambas.




19 - “Cabeça Dinossauro” – Titãs (1986)
Arte: Sérgio Brito 

Multitalentosa, a banda Titãs tinha em cada integrante mais do que somente a função de músicos. A Sérgio Brito, cabia a função “extra” da parte visual. São dele a maioria das capas da banda, e esta, em especial, é de um acerto incomparável. Reproduzindo desenhos de Leonardo da Vinci (“Expressão de um Homem Urrando”, na capa, e “Cabeça Grotesca”, na contra, por volta de 1490), Brito e seus companheiros de banda deram cara ao novo momento do grupo e ao rock nacional. Não poderia ser outra capa para definir o melhor disco de rock brasileiro de todos os tempos.


20 - “Brasil” - Ratos de Porão (1988)
Arte: Marcatti

O punk nunca mandou dizer nada. Esta capa, do quarto álbum da banda paulista, diz tanto quanto o próprio disco ou o que o título abertamente sugere. “Naquele disco, a gente fala mal do país o tempo inteiro, desde a capa até a última música”, disse João Gordo. Afinal, para punks como a RDP não tinha como não sentar o pau mesmo: inflação, Plano Cruzado, corrupção na política, HIV em descontrole, repressão policial, a lambada invadindo as rádios, Carnaval Globeleza... Os cartoons de Marcatti, que tomam a capa inteira, são repletos de crítica social e humor negro, como a cena dos fiéis com crucifixos enfiados no cu ou dos políticos engravatados assaltando um moleque de rua. É ou não é o verdadeiro Brasil?



por Daniel Rodrigues
com a colaboração de Márcio Pinheiro

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Dexter Gordon - "Go" (1962)



“Minha vida é a música.
Meu amor é a música.”
fala de Dale Turner,
personagem vivido por Dexter Gordon
no filme “Por Volta da Meia Noite”



Quem é amante de jazz e afeito às comparações futebolísticas a diversos outros assuntos, vai concordar: se Miles Davis é o Pelé e John Coltrane o Garrincha do jazz, Dexter Gordon é o Nilton Santos. Miles por conta da longevidade e quantidade de gols feitos nas diferentes eras em que atuou. Coltrane pela meteórica e decisiva passagem, marcada pela genialidade, pela paixão por sua arte e pela habilidade jamais igualada. Gordon, por sua vez, poderia ter o mesmo apelido que o zagueiro do Botafogo e das duas primeiras seleções brasileiras campeãs mundiais: “enciclopédia”. O saxofonista era um craque do jazz.

Atravessando em atividade da fase áurea ao declínio do gênero, dos anos 40 aos 90, o californiano Dexter Keith Gordon estudou clarinete aos 13 anos e na adolescência já dominava o sax tenor. Só na primeira década como músico profissional já somava passagens pelas bandas de Louis Armstrong, Nat “King” Cole, Lionel Hampton, Ben Webster, Lester Young e nas orquestras de Fletcher Henderson e Billy Eckstine, esta última, com a qual tocou para gente do calibre de Sarah Vaughan e Dizzy Gillespie. Ainda nos anos 40, gravou pela Savoy, ao lado dos colegas Wardell Gray e Teddy Edwards, discos revolucionários que se tornariam referência para a então nova geração de saxofonistas tenores, entre os quais Coltrane e Sonny Rollins. Como se não bastasse, na década seguinte, o jovem alto e galante foi também um dos precursores de outra revolução: o estilo mundialmente assimilado chamado bebop.

Chegado aos anos 60, na faixa dos 30 e já com toda essa bagagem, mesmo não sendo uma celebridade de massas (o que cantores como Frank Sinatra e Tony Bennett cumpriam com autoridade), era evidente que o passe de Dexter Gordon estava valorizado. Pois o produtor Alfred Lion resolveu bancar. Em 1961, chama-o para seu selo, Blue Note, no qual permanece por quatro anos. O crème de la crème dos sete álbuns gravados por Gordon neste período é “Go!”, de 1962. Com a companhia de uma estelar “cozinha”, formada pelo requintado pianista Sonny Clark, o ágil baterista Billy Higgins e o flexível baixista Butch Warren, Gordon usa de toda sua maestria e compõem um disco impecável, considerado um dos melhores de todos os tempos da discografia jazz. Virtuose e dono de um estilo abarcante – no qual se ouviam facilmente a fineza de Armstrong, a pulsação de Charlie Parker, a sutileza de Young e a potência de Coleman Hawkins – é possível derivar do seu fraseado a tradição e a modernidade. Ele, que havia passado pela descoberta do swing, pelo estouro das big bands e pelo advento do cool e do bebop, junta tudo isso de uma forma absolutamente natural e híbrida.

Nesse clima abre a literalmente saborosa “Chees Cake”, única composição do álbum de autoria de Gordon. Acordes de baixo anunciam o começo, somando-se a este a bateria, marcada no prato de ataque. É quando vem Gordon com seu vigoroso e elegante sopro, extraído de pulmões possantes guardados em sua parruda caixa torácica. O riff, dos mais marcantes do cancioneiro jazz. Desenvolve-se um solo extenso e gostosamente inventivo, rebuscando o bebop e o recheando-lhe com novos temperos, que coloca a canção no limiar entre o cool e o hard bop. Clark assume brevemente em um notável solo antes de Gordon retornar para a segunda intervenção. Nova maravilha. Fluxo altamente vibrante e suingado, com uma engenhosa escolha das notas e escalas que só poderiam sair de um ”decano” como Gordon.

"Guess I'll Hang My Tears Out to Dry", na sequência, é um verdadeiro convite à melancolia e ao romantismo da noite nova-iorquina. Balada de ouvir dançando agarradinho ou para afundar as mágoas num copo de bourbon sem gelo. Linda. O soprar de Gordon é seguro e cheio, mas não menos lânguido e introspectivo, como quem está escutando o próprio coração e reproduzindo-o em sons. É possível sentir cada nota, cada sentimento. O sax se alonga em sua conversa com os apaixonados e/ou descornados, tomando-lhe quase 4 minutos. Dá um passe para que Clark faça, com habilidade, mate no peito e ponha no chão. O pianista faz um afago nas teclas, enquanto Higgins vaporiza a atmosfera com uma levada nas escovinhas tendo como companheiro para isso Warren serpenteando as cordas. Mas não dura muito tempo a vez do trio, pois Gordon “retoma a bola” para finalizar a canção repetindo frases e retomando as mesmas ideias amorosas de seu sax. Junto a "Blue in Green", de Miles, “Round Midnight”, com Chet Baker, “Naima”, de Coltrane, “Like Someone in Love”, com Ella Fitzgerald, está entre as 10 grandes baladas jazz da história.

"Second Balcony Jump" vem para elevar o ânimo num jazz bluesy animado e gracioso. Nada menos que 3 minutos e 40 de um improviso solto e ininterrupto de muita expressividade e agilidade de Gordon. Como nas anteriores, é Sonny Clark quem tem a primazia do segundo solo, o qual faz com absoluta destreza de quem “chuta” com as duas valendo-se da liberdade dada pelo líder. Gordon reaparece já dentro da área para finalizar com uma mais curta improvisação em que ratifica sua presença. Higgins dá um breve solo antes do saxofonista terminar o número brincando ao executar o clássico desfecho: “pam-pam-ram-ram-pam/ pam pam!”.

Sintonizado com um ritmo latino que se fazia novo nos Estados Unidos e que tomava o gosto dos músicos estrangeiros, uma tal de bossa-nova, Gordon traz uma feliz interpretação do clássico “Love for Sale”. Assim como Stan Getz, Charlie Byrd, Henri Mancini, Vince Guaraldi e outros impressionados com as inovações harmônicas e melódicas levadas a eles principalmente por conta da trilha do filme “Orfeu Negro”, de 1959 (o disco “Bossa Nova at Carnegie Hall”, o definitivo carimbo internacional da bossa-nova, seria gravado no final daquele ano), o saxofonista entra no gingado brasileiro e tece uma malemolente versão para a música de Cole Porter. Muito ajudado pela marcação sambada de Higgins. Clark, visivelmente movido pelo piano de Tom Jobim, é outro a entrar no espírito bossa-novista. Gordon, por sua vez, dá um show de manutenção dos tempos durante o riff, soltando a criatividade e apuro nos improvisos. Clark, por sua vez, vive aqui seu mais inspirado solo, engenhoso dentro dos tempos circulares que encadeia.

"Where Are You?" é mais uma balada para morrer de amor. As pronúncias seguras de sentimento do sax impressionam pela elasticidade e controle dos tempos, realizando leves atrasos, ataques carregados e modulações, todas precisas. Por volta dos 3 minutos e 30, Gordon intensifica a emotividade ao subir um tom. Prenúncio de uma breve pausa para o mais uma vez sutil e inteligente dedilhado de Clark, envolto num clima de nightclub, de fumaças de cigarro e cheiro de trago no ar, forjada pela condução de Higgins e Warren. “Go!” finaliza com a sibilante "Three O'Clock in the Morning", a qual começa com o piano marcando o tique-taque do relógio nas agudas teclas pretas. São três da manhã e é possível enxergar um casal enamorado passeando feliz e bêbado pelas ruas desertas da Big Apple entrando de bar em bar e alheios a qualquer coisa que não seu affair. É assim que o disco se encerra: na felicidade inebriada da boemia da Village Vanguard.

A lenda em torno de Dexter Gordon não terminaria em “Go!”. Um pouco pela desvalorização de “velhos” como ele em detrimento dos jovens ases do free-jazz e da avant-garde ­– sem falar nos astros pop ascendidos naquela década, quase hegemônicos na indústria fonográfica de então –, um pouco para se isolar por conta do vício em heroína, o músico norte-americano refugia-se na Europa. Lá é redescoberto e passa a viver em Paris e em Copenhague, onde vira a celebridade que não tinha sido até então. Torna à terra natal somente em 1976, quando é recebido com honras. Afinal, não é todo dia que se tem de volta o herdeiro de Armstrong, Parker, Hawkins e Young. Passados o estouro do rock ‘n’ roll, acalmado o fervor dos anos hippies e assimilada a hibridização do jazz com o rock – a esta época já haviam morrido Coltrane, Lee MorganJimi HendrixJanis Joplin e iam-se já seis anos do rompimento dos Beatles –, Dexter Gordon finalmente ocupa seu lugar dentro de casa.

Ainda, quatro anos antes de morrer, aos 63, roda, com o cineasta francês Bertrand Tavernier, o memorável filme “Por Volta da Meia-Noite” (1986), em que protagoniza o papel justamente de um saxofonista de jazz norte-americano autoexilado em Paris, onde é ovacionado. A abordagem dos problemas com drogas e álcool, os desajustes familiares e a saudade do ninho demonstrada pelo personagem tornam o filme bastante autobiográfico, mesmo que a história se baseie também em parte na trajetória de dois dos mestres de Gordon: Young e Bud Powell. A aura mítica que se cria em torno do alter-ego de Gordon, Dale Turner, é tão natural quanto a sua interpretação de si mesmo no longa: os gestos entre o charmoso e o ébrio, a voz naturalmente rouca, a fala pausada, o sorriso maroto, o porte altivo preservado da juventude. Pela atuação, o músico chegou a concorrer ao Oscar de Melhor Ator naquele ano. Não precisou nem vencer para reforçar o mito do então último expoente da gênese do jazz, gênero do qual ele foi, se não o maior como um Pelé ou o mais genial Coltrane, o exemplar mais completo como Nilton Santos. De modo que “Go!” não é simplesmente um disco: é um “golaço!”.
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FAIXAS
1. "Cheese Cake" (Dexter Gordon) - 6:33
2. "Guess I'll Hang My Tears Out to Dry" (Jule Styne/Sammy Cahn) - 5:23
3. "Second Balcony Jump" (Billy Eckstine/Gerald Valentine) - 7:05
4. "Love for Sale" (Cole Porter) - 7:40
5. "Where Are You?" (Jimmy McHugh/Harold Adamson) - 5:21
6. "Three O'Clock in the Morning" (Dorothy Terris/Julian Robledo) - 5:42

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OUÇA O DISCO





terça-feira, 24 de setembro de 2013

Chick Corea - "Mad Hatter" (1978)




“CHAPELEIRO: Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu conheço você não falaria em gastá-lo, como uma coisa.
Ele é alguém.
ALICE: Não sei o que você quer dizer.
CHAPELEIRO: É claro que você não sabe!
Eu diria até mesmo que você nunca falou com o Tempo!
ALICE: Talvez não, mas sei que devo marcar o tempo
quando aprendo música.”

trecho de “Alice no País das Maravilhas”,
de Lewis Carroll


Depois de “Blow By Blow” do Jeff Beck, meu preferido, apresento pra vocês mais um favoritíssimo da casa: “The Mad Hatter”, do pianista e tecladista norte-americano Chick Corea. Como sempre, um pouquinho de história: em 1978, aos 37 anos, Armando Anthony Corea já tinha uma longa estrada na música. Tocou com os percussionistas Mongo Santamaria e Willie Bobo, com o flautista Herbie Mann e com o sax tenor Stan Getz.  Gravou seus primeiros discos solo na metade dos anos 60 e mergulhou de cabeça na sonoridade free daqueles tempos.

Em 1968, foi convidado por Miles Davis a substituir Herbie Hancock em sua banda. Participou dos seminais discos "In a Silent Way" e “Bitches Brew”. Paralelamente, tinha os grupos Circle – com e sem o multiinstrumentista Anrhony Braxton – e a primeira encarnação do Return to Forever, da qual participavam os brasileiros Airto Moreira e Flora Purim, além de Joe Farrell e Stanley Clarke. Após dois discos com esta formação, Corea foi com tudo pro fusion, trazendo para a banda, primeiro o guitarrista Bill Connors, e depois descobrindo um jovem de 19 anos, Al Di Meola.

Neste tempo todo, Corea fazia projetos especiais para a gravadora ECM, como discos de piano solo, duetos com o vibrafonista Gary Burton e trios com Dave Holland e Barry Altschul. Em 1976, sentindo a necessidade de misturar a linguagem acústica de seus discos da ECM com o fusion, muito em moda na época, Corea fez uma trilogia de discos temáticos onde estas preocupações tomam a forma de música: “The Leprechaun”, baseado nas histórias de duendes, e “My Spanish Heart”, onde ele se debruça sobre a Espanha e seus sons, ambos de 76, e “The Mad Hatter”, de 78. Na minha opinião, este terceiro é provavelmente o trabalho em que Corea consegue mesclar as duas linguagens – e o acento erudito com quinteto de cordas – com sucesso total, musicalmente falando.

Baseado no clássico livro de Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas"a chave para entender o disco está na capa com Corea vestido de Chapeleiro Maluco. A viagem inicia aí. Em termos musicais, "The Mad Hatter" começa com Corea pilotando seus teclados em “The Woods”. Com moogs, mini-moogs, sintetizadores, pianos elétricos e outros bichos, ele consegue reproduzir os sons de uma floresta, com sapos, grilos e insetos, dando uma prévia do que virá pela frente, a mistura de clássico com moderno. “Tweedle Dee” segue na mesma trilha, fazendo uso das cordas e dos sopros (três trompetes e um trombone), pode-se verificar com clareza a influência de Bela Bártok em sua música. Na música seguinte, “The Trial”, temos a primeira aparição da exímia cantora e tecladista, além de mulher de Corea, Gayle Moran (que havia participado da segunda formação da Mahavishnu Orchestra, ao lado de John McLaughlin e Jean-Luc Ponty). No julgamento do Rei de Copas, retirado diretamente do livro de Carroll, Gayle canta com acento lírico: “Who’ll stole the tarts / Was it the king of Hearts?”.

O principal momento jazzístico do disco acontece com “Humpty Dumpty”, uma preferida dos músicos de Porto Alegre. Com um quarteto básico de jazz, Corea consegue performances extraordinárias de seus colegas Joe Farrell no sax tenor, Eddie Gomez no baixo acústico e Steve Gadd na bateria. Em meio a todos aqueles teclados, cordas e sopros, é interessante ouvir o contraste de um grupo acústico tocando um hard-bop clássico. Cada músico dá seu showzinho particular, mas preste atenção no som de baixo de Gomez. Madeira pura!

O lado 1 do LP termina com “Prelude to Falling Alice”, onde o tema é tocado ao piano e “Falling Alice”, quando o pianista e compositor usa de todo o arsenal sonoro para contar a queda de Alice. Gayle Moran canta o tema principal, acompanhada pelas cordas e pelos sopros. Nesta música, temos a primeira aparição de Herbie Hancock no piano elétrico, fazendo a harmonia para o solo de mini-moog de Corea. Neste período, ele e Corea começam a gravar duos de pianos. Destaque também para o sax tenor de Farrell, um talento subestimado do jazz. Como estamos no tempo do LP, há um fechamento musical da história pra que as coisas comecem de novo no lado 2.

Ao virar o disco, “Tweedle Dum” reprisa o tema de “Tweedle Dee” numa espécie de introdução da melhor faixa do disco, “Dear Alice”. Com 13 min e 7 seg, a música é uma espécie de tour de force de todos os envolvidos. Pra começar com Eddie Gomez fazendo a melodia no baixo acústico e Corea fazendo pequenos comentários ao piano acústico. Durante 2min e 46seg, o baixista conduz a música com seu solo, à medida que Gadd vai entrando aos poucos com acentos rítmicos na bateria. Moran entra para cantar o tema principal e aí temos Farrell brilhando no solo de flauta, secondado pelo quinteto de cordas e pelos sopros. Depois, Chick mostra toda sua destreza e musicalidade ao piano. Tudo isso com Gadd dando seu show à parte e mostrando porque é um dos bateristas mais cultuados do mundo. Na época, ele deu uma entrevista dizendo que pedia as partituras de piano de Corea e estudava em casa antes de gravar. Esta preocupação deu resultado: em algumas passagens de "Dear Alice", os dois instrumentos parecem uma coisa só. Esta música sozinha valeria o disco inteiro, tamanha a musicalidade que Corea e seus músicos atingem, sem falar no arranjo perfeito que contrapõe as cordas e os sopros.

Para encerrar o disco, "The Mad Hatter Rhapsody" com Corea no mini-moog e Hancock em sua segunda aparição no piano elétrico. O encontro destas duas feras é sensacional. Enquanto Corea sola, Hancock faz harmonias diferenciadas no Fender Rhodes. Nesta faixa, Hancock consegue tirar Gadd da bateria e coloca seu fiel escudeiro Harvey Mason, que dá um suingue todo especial à faixa. Depois que os dois tecladistas demonstram toda a sua qualidade, vem um interlúdio com o tema principal tocado pela flauta e pelos sopros. Claro que a latinidade não poderia ficar de fora e uma passagem de uma salsa estilizada com teclados e Gadd no cowbell fazem a cama para o tema final onde volta Gayle Moran para apoteose final. Um disco maravilhoso. Quem não tem, procure nas lojas ou na internet.
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FAIXAS:
01. "The Woods" – 4:22
02. "Tweedle Dee" – 1:10
03. "The Trial" – 1:43
04. "Humpty Dumpty" – 6:27
05. "Prelude to Falling Alice" – 1:19
06. "Falling Alice" (Chick Corea/Gayle Moran) – 8:18
07. "Tweedle Dum" – 2:54
08. "Dear Alice" (Corea/Moran) – 13:06
09. "The Mad Hatter Rhapsody" – 10:50
todas de Chick Corea, exceto indicadas

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