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sábado, 29 de dezembro de 2018

CLAQUETE ESPECIAL DE 10 ANOS DO CLYBLOG - "Tinta Bruta", de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon (2018), por Cleiton Echeveste



"Tinta Bruta"
por Cleiton Echeveste


Mesmo tendo assistido a “Tinta Bruta” há vários dias, os personagens e a história do filme seguem comigo. E a sensação que eu tenho é de que eles vão continuar me acompanhando ainda por um bom tempo. Em meio aos lançamentos de final de ano nos cinemas (entre eles tantos blockbusters, filmes descerebrados com personalidades de mídia e filmes desconectados de quaisquer questões humanas, e ainda alguns poucos que visam algo mais do que a arrecadação da bilheteria ou os prêmios da temporada), provavelmente “Tinta Bruta” tenha passado despercebido pela grande maioria. Ainda assim, o prêmio Teddy no Festival de Berlim e a distribuição (limitada, porém valiosa) da Vitrine Petrobras, a partir do seu sucesso no Festival de Cinema do Rio, sinalizam que há olhares atentos e – ainda, felizmente – caminhos para a distribuição do cinema independente de qualidade feito no país.
Depois de “Beira-mar” (disponível no Netflix), este é o segundo longa de Filipe Matzembacher e Márcio Reolon, que também assinam o roteiro do filme. Pedro (Shico Menegat) é um jovem com escassos vínculos afetivos. Sua mãe já morreu. Do pai, não teve mais notícias. Sua única irmã está de mudança para outro estado e sua avó mora no interior. Abandonou a faculdade por questões relacionadas ao bullying do qual é vitima e que foram a causa do processo criminal ao qual responde. A internet representa pra ele uma espécie de refúgio, onde assume a identidade de GarotoNeon, em performances eróticas nas quais pinta seu corpo com tinta fosforescente. Assim como tantos jovens, Pedro recorre ao imaginário, através do mundo virtual, para tenta dar algum sentido à vida. O mundo real, em contraponto, é uma Porto Alegre fria, sombria e opressiva, representada por silhuetas nas janelas, olhares que espreitam e que são testemunhas/espectadores de uma realidade pela qual não se permitem afetar. Um mundo nem um pouco propício para encontros ou trocas afetivas. Essas imagens são o epítome da sociedade contemporânea do espetáculo, em um viés conservador e decadente.
Na minha relação com a arte, busco ser o menos analítico possível ao vivenciá-la, esteja eu no lugar de criação ou de fruição. A análise é fria e requer distanciamento, e foi exatamente o contrário disso que “Tinta Bruta” me proporcionou: a vivência da minha humanidade, da minha falibilidade, de dores que são também minhas e que são, por isso, plenamente identificáveis. Se “Tinta Bruta” não é um marco no cinema brasileiro que aborda histórias de personagens LGBTIQ+, o filme, no entanto, significa, sem dúvida, um gesto forte e marcante, indispensável em um Brasil que, em boa parte, nega sua diversidade, sua memória e sua própria história, que criminaliza a arte e a cultura, e que diariamente mata (real ou simbolicamente) quem ousa conduzir sua vida de uma forma mais livre, sem a adesão a regras que, de tão podres, já não se sustentam.
Neste texto refaço um caminho particular por aquilo que me marcou no filme e que dialoga tão diretamente com questões muito definidoras da minha própria existência. Esta revisão, entretanto, é duplamente parcial, afinal “Tinta Bruta” é um filme que apresenta tantas camadas que uma resenha apenas não daria conta de abordá-las todas satisfatoriamente. É um filme difícil de ser definido ou enquadrado. É denso, chocante, assustador, mas também delicado e profundamente humano. Um tipo bastante raro de filme que se impõe pela consistência da sua estrutura.  São questões humanas que potencialmente atravessam todo e qualquer espectador. Por isso, dizer que se trata de um filme de gueto seria limitador.
Leo e Pedro  e sua geração que ainda busca
as tintas certas para colorir o seu mundo.
Talvez seja necessário dizer que “Tinta Bruta” não é um filme perfeito. Há falhas no roteiro, mais precisamente nos diálogos, vejo questões na direção de atores, na qualidade técnica, especialmente do som. E isso é bom, muito bom! Porque eu entendo que, ainda que pese a questão da limitação orçamentária, o filme não se pretende perfeito e acabado, até pelo próprio universo em (des)/(re)construção que ele nos apresenta e pelo que representa na trajetória de seus jovens criadores. E, ainda assim, são tantos os acertos e tão importante o impacto que ele gera no espectador, que os seus eventuais “defeitos” podem e devem ser relevados. Há um bem muito maior em questão e este bem é precioso.
A trajetória de Pedro é uma autêntica jornada rumo ao entendimento: o entendimento de si mesmo e do mundo que nos cerca, com suas idiossincrasias, sua crueldade, sua frieza, mas também com sua beleza, sua luz, sua poesia. Nesse sentido, é encantador acompanhar o encontro de Pedro e de Leo. Do atrito inicial, provocado por uma disputa sobre quem tem o direito de usar tinta fosforescente (num sentido literal, a tinta bruta a que o título alude) em suas performances na internet, a relação dos dois evolui para um encontro autêntico entre dois seres de uma geração que não vê muito sentido no mundo como ele se apresenta. São existências em ebulição, em transformação, seres potencialmente revolucionários. Ambos parecem estar em permanente tensão, em busca de um ponto de escape. Essas buscas são compartilhadas com o espectador, através de uma narrativa que tem o ritmo e o tempo certos. Na verdade, personagens e narrativa nos seduzem, nos envolvendo não como quem olha pelo buraco da fechadura, mas como quem compartilha o mesmo espaço, o mesmo ambiente incerto e sufocante. A questão que de início contrapõe Pedro e Leo não é pequena pra nenhum dos dois: pra Pedro suas performances representam sua única fonte de renda e, principalmente, elas são seu único elo com o mundo “real” – ainda que ele se dê exclusivamente pela via virtual; e para Leo, elas são a possibilidade de juntar dinheiro para uma desejada viagem de estudos ao exterior. Bailarino, Leo ganhou uma bolsa para estudar na Argentina, e promete a Pedro que sua concorrência tem prazo de validade. Mas aquele que aparenta ser um concorrente acaba por se tornar um parceiro. A certa altura esse prazo cai, mas isso se dá num momento em que Pedro e Leo já estão de tal maneira envolvidos afetiva e profissionalmente que, na prática, nada significa.
Apesar dos cíclicos reveses (culturais, históricos, econômicos, naturais), “Tinta Bruta” sinaliza que o sentido da vida é a evolução. Como a planta, nós também buscamos a luz. E a água e o alimento, material e espiritual. E pra que isso aconteça agimos como a planta – afinal somos também natureza – que ultrapassa obstáculos, transpõe limites, supera a si mesma, em alguma medida heroicamente, mas sempre demonstrando resiliência. “Tinta Bruta” nos faz lembrar que essa batalha é combatida individualmente, ainda que na eventual companhia do outro. E esse outro – cuja presença é ironicamente fundamental à nossa jornada – também trava suas próprias lutas, cotidianas e, muitas vezes, invisíveis aos olhos alheios. Os reveses na vida de Pedro são inúmeros. A vida nele, no entanto, pulsa.
A cena final do filme, sem palavras e plena de significados, até hoje me assombra e me comove. Me faz lembrar de algumas vezes em que uma única cena concentrou tamanha potência dramática e carga poética. Consigo lembrar de dois filmes que, aliás, também podem ser colocados sob o grande guarda-chuva de “cinema LGBTIQ+”, mas que igualmente transcendem esse rótulo: “O segredo de Brokeback Mountain” (2005) e “Me chame pelo seu nome” (2016). A pungência dos acontecimentos relacionados aos personagens centrais destes filmes e a força das imagens encontradas por seus diretores para expressá-las é algo que não se digere com facilidade. São vivenciais que saltam da tela e nos atingem por sua força e inevitabilidade. Em “Tinta Bruta”, no entanto, esse recurso alcança um efeito mais visceral. Se nos dois exemplos citados a dor que dilacera está relacionada à perda irreparável de um amor, aqui a dor é a dor do crescimento, do lançar-se ao mundo. Como num rito de passagem, a cena final significa uma mudança de eixo tão arrebatadora pra Pedro que um novo filme poderia começar ali. É a vida mesma que se insurge, se esgueirando por uma brecha, em busca da luz e que, determinada, vigorosa, doída e bela, redefine e recompõe uma existência. Para o espectador, é uma rasteira tão grande em quem eventualmente lesse o filme de uma maneira convencional, ou em quem esperasse uma habitual – e hipócrita – redenção pelo viés judaico-cristão de culpa e castigo, que ficamos afundados na poltrona do cinema, olhos vidrados e lágrimas escorrendo, estarrecidos com a força vital com que a tela se enche.
Se a vida pressupõe confrontação e, mais do que nunca, resistência, a arte se torna grande, imensa, quando nos oferece a oportunidade – assim como faz “Tinta Bruta” – de fortalecermos nossa confiança de que, sim, a vida vale a pena. Bravo!

Frente a frente, Leo, o GarotoNeon, e Pedro, o Guri, 25.


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Cleiton Echeveste é ator, dramaturgo e diretor de teatro, graduado em Artes Cênicas (UFRGS), onde também estudou Letras. É um dos criadores da Pandorga Cia. de Teatro, na qual é autor e diretor de O Menino que Brincava de Ser (indicação ao 2º Prêmio CBTIJ de Teatro para Crianças) e Cabeça de Vento (ganhador de prêmios de melhor texto nos festivais de Ponta Grossa/PR e Duque de Caxias/RJ). Com a Pandorga, criou Juvenal, Pita e o Velocípede (ganhador do 10º Prêmio Zilka Sallaberry de Teatro Infantil, categoria texto). Único dramaturgo latino-americano no festival de dramaturgia New Visions/New Voices 2014 (Washington, D.C./EUA). Em 2016, na Casa de la Literatura Peruana, em Lima, participou do VI Congreso de Literatura Infantil y Juvenil e do 1er. Festival del Libro y las Ideas, com mesas-redondas, conferências e oficina de processo colaborativo. Atualmente é o presidente do Conselho de Administração do Centro Brasileiro de Teatro de Teatro para Infância e a Juventude – CBTIJ/ASSITEJ Brasil. Site: https://pandorgaciadeteatro.wordpress.com/   

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

COTIDIANAS nº 607 ESPECIAL 10 ANOS DO CLYBLOG - O Estranho Caso do Grilo Cósmico




"O ESTRANHO CASO DO GRILO CÓSMICO"
RODRIGO LEMOS
O grilo entrou no consultório do psicanalista sentindo-se esperançoso. Estava cansado de viver grilado e o doutor haveria de ajudar. Olhou ao redor. Caixa de lenços na mesinha, foto do Freud na parede e um quadro com girassóis do Van Gogh. Deitou no divã e abriu o coração. Falou até cansar. Riu, chorou, deu-se conta de coisas que havia ignorado por anos e achou que já estava melhorando. Finalmente o analista, que era um bode, coçou a barbicha e sentenciou.
"Teu caso é raro. Tu queres comer o teu pai e matar a tua mãe. Tem tratamento mas não vai ser rápido nem barato. Agora fala com minha secretária para acertar os honorários e agendar a próxima consulta." O grilo saiu do consultório meio desapontado. Botar para fora seus problemas, traumas e angústias lhe fizera muito bem mas não queria gastar todo o tempo e o dinheiro que o tratamento iria custar. Optou então por uma solução mais rápida. Pegou velas, tambor, charutos e uma galinha preta e foi para uma encruzilhada evocar alguma entidade que pudesse lhe ajudar. Mal começou a batucar e de uma nuvem de enxofre saiu um coelho branco chamado Mephistopheles. "E aí meu chapa, o que vai ser? Fama, talento, fortuna?" O grilo disse que só queria ser feliz. O coelho deu uma gargalhada. "Só? Tu deves estar me gozando. Nada é mais complicado que ser feliz. E acha que vai pagar com galinha velha e charuto barato. Cada um que me aparece. Nem tua alma vale muito. Se fosse um louvadeus que passa a vida rezando e me trouxesse uma caixa de charutos de luxo ainda assim ia ser difícil. A felicidade dura poucos instantes e escapa entre os dedos, é como um gol anulado. " Assim como surgiu o coelho desapareceu. O grilo então resolveu ficar sozinho e procurar dentro de si. Mas ficar sozinho e mais difícil do que parece. Onde ele ia aparecia alguém para conversar e perguntar o que ele estava fazendo, o que estava procurando, o que estava sentindo, no que estava pensando. Foi então que ele pulou numa cama elástica até entrar em órbita e viajar pelo espaço sideral. No espaço ao encontrar consigo mesmo e mais ninguém o grilo percebeu que todos os outros eram ele. Que tudo tinha saído da sua cabeça de grilo. Ele imaginara um universo inteiro para se distrair e não olhar para o que realmente importa. E o que realmente importa é nada. Nada tem a menor importância.



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Rodrigo Lemos é músico nascido em Porto Alegre e residindo atualmente em Londres, na Inglaterra, onde é professor de música. Rodrigo já colaborou com o ClyBlog em outras oportunidades com textos na própria  seção Cotidianas e também nos Álbuns Fundamentais.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

CLICK ESPECIAL 10 ANOS DO CLYBLOG - A Regra Básica É Não Colocar as Mãos



A Regra Básica É Não Colocar as Mãos
por Wladmir Ungaretti


Estou em Deriva pelo Centro (POA), andando lentamente, por um certo incomodo no joelho esquerdo. Encontro um fotógrafo com o qual, seguidamente, converso. Em seguida o assunto é o ensaio fotográfico que realizei recentemente. Com uma modelo tatuada, de meia idade. Falei de iluminação (sobre a necessidade que tenho de fazer um novo curso), assim como sobre utilização do fundo infinito preto. Recurso que faz alguns anos que utilizo. Aprendi a usá-lo com um velhíssimo fotógrafo carioca, ainda vivo. Fiz algumas outras observações sobre o fato de que comecei a fotografar, em 1972, quando comprei minha Pentax SP1000 (que tenho até hoje), na antiga casa Cambial. Falei de que tenho um razoável acervo de nus femininos. E tenho anos fotografando mulheres. Cuja guarda é da minha neta. Trocamos várias ideias sobre fotos de rua, abordagem e aproximação para solicitar a produção de uma imagem. Lá pelas tantas, tenho certeza de que sem nenhum sentido de maldade, ele pergunta:
- E depois da sessão rola um clima? Durante?
Respondo no automático:
- De jeito nenhum. A regra básica que não pode ser quebrada é não botar a mão em hipótese nenhuma.
Ele fica em silêncio. Eu sigo falando.
- A outra regra é cumprir rigorosamente o que ficar combinado. Digo a ele que já aconteceu alguns envolvimentos, algum tempo depois, como história desvinculada do atividade fotográfica já realizada. Já aconteceu de um breve envolvimento virar namoro. Nunca durante a atividade fotográfica. Repito, A REGRA BÁSICA É NÃO COLOCAR AS MÃOS. Aproveito para escrever e ressaltar este aspecto, tendo em vista que tenho certeza que perdi algumas oportunidades (sessões fotográficas) por temores de uma ou outra "modelo" que gostaria de ter sido fotografada por mim. Sei que serei lido por muitas pessoas. No meu caso, trabalho em casa. Tenho o estúdio na caverna. Preciso ter certeza de para quem abro o local. Se comportar, a partir desta regra básica e fundamental, permite a partir de um determinado momento que a modelo (com absoluta segurança) conceda o que estou pedindo. Quando tenho interesse como namorada esqueço a fotografia. Depois, sim, vira modelo. As estações não podem se misturar.




















domingo, 26 de agosto de 2018

SUPER-ÁLBUNS FUNDAMENTAIS DE ANIVERSÁRIO DO CLYBLOG - 5 discos fundamentais de Lucio Brancato






"Mudei o pedido do Daniel Rodrigues
para escrever sobre um disco importante na minha vida.
Foram tantos que ficaria muito difícil selecionar apenas um.
E mesmo assim, esta lista nunca é definitiva.
Resolvi listar cinco fundamentais na minha formação
e talvez os discos que mais escutei na vida."
Lucio Brancato


Crosby, Stills, Nash & Young - Déjà Vu (1970)

Um disco que reuniu um time espetacular não tinha como dar errado. Depois do estrondo causado pelo primeiro disco do trio David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash lançado em 1969, o segundo disco trouxe ainda de Neil Young. Como não delirar com a junção destas vozes? "Déjà Vu" é um álbum sutil e denso ao mesmo tempo. Reinam guitarras e violões num diálogo sincronizado. Daqueles discos que servem para os mais diferentes momentos da vida. Um navegador mais atento pode tranquilamente se jogar depois nos mares musicais de cada integrante num mergulho infinito na discografia de cada um. E eles ajudam bastante. Tanto nas junções de duplas como nos discos solos. Talvez um dos discos capazes de ramificar ainda mais as nossas discotecas.

FAIXAS1. Carry On; 2. Teach Your Children; 3. Almost Cut My Hair; 4. Helpless; 5. Woodstock; 6. Déjà Vu; 7. Our House (Nash); 8. 4 + 20; 9. Country Girl; 10. Everybody I Love You




Yes - Close to The Edge (1971)

Esta aí um dos discos que mais escutei na vida. Fica até difícil escrever sobre o impacto dele na minha cabeça. Como um disco com apenas três canções pode ser tão grandioso? Ok, dentro de cada faixa a música se divide em diferentes peças. Um quebra-cabeças de pura habilidade técnica e e inteligência musical. Cada um dos músicos extremamente apurados, mas sem deixar que malabarismos afetem o sentimento de cada nota. Para mim (e muitos outros) é a obra-prima máxima do Rock Progressivo. Difícil qualquer disco do gênero bater a perfeição desta obra. A diversidade de instrumentos de cordas tocados pelo Steve Howe junto com a coleção de teclados do Rick Wakeman dão o tom costurado perfeitamente com o maior baixista de todos os tempos, Chris Squire e seu toque espetacular nas quatro cordas do Rickenbacker.

FAIXAS: 1. Close to the Edge - (The Solid Time of Change), (Total Mass Retain), (I Get Up I Get Down), (Seasons of Man); 2. And You and I - (Cord of Life), (Eclipse), (The Preacher the Teacher), (Apocalypse) ; 3. Siberian Khatru 




Dillard & Clark - The Fantastic Expedition of Dillard & Clark (1968)

É conhecido como a “pedra fundamental” do que veio a ser o country-rock. Quando escutei um novo portal se abriu na minha mente. Me levou para o campo e seu aromas. Gene Clark e Doug Dillard foram buscar na raiz da música norte americana a calmaria necessária depois de tanta loucura musical e experimentalismos do ano anterior onde todo mundo mergulhou na psicodelia. Cantaram a pedra antes de todo mundo e dali pra frente a maioria das grandes bandas fizeram a mesma trajetória buscando uma simplicidade musical. Gosto de chamar de “Capim Loucura”. É o rock buscando novas energias nas suas origens mais remotas ainda com pílulas líricas da lisergia batendo como um flashback.

FAIXAS: 1. Out on the Side"; 2. She Darked the Sun; 3. Don't Come Rollin'; 4. "Train Leaves Here This Morning"; 5. With Care from Someone; 6. The Radio Song"; 7. Git It on Brother"; 8. In the Plan; 9. Something's Wrong




Faces - Oh La La (1973)

Este gastei o CD que hoje repousa na prateleira como um fiel escudeiro da discoteca depois de ter rodado tanto nos aparelhos e me acompanhado nos mais diversos lugares. Hoje a versão em LP é a que roda em casa e de lá não sai. Era aquele disco obrigatório para pegar a estrada para qualquer lugar. Se ia para casa de alguém ouvir um som, levava ele sempre junto. Infalível para qualquer fã de rock. Um disco que tem de tudo. Do rock mais pegado a baladas de ir no cantinho ficar escutando com atenção. Um disco de rock que se preze tem que ter estes dois ingredientes na receita. E se você não for impactado pelos vocais do Rod Stewart bom sujeito não é. 

FAIXAS: 1. Silicone Grown; Cindy Incidentally; 3. Flags And Banners; 4. My Fault; 5. Borstal Boys; 6. Fly In The Onitment; 7. If I'm On The Late Side; 8. Glad And Sorry; 9. Just Another Honky; 10. Ooh La La




The Kinks - Face to Face (1966)

Em meio a tanta mudança que acontecia na música em 1966, este disco merece atenção. Merecia muito mais inclusive. Tenho uma teoria de que a genialidade do Ray Davies como compositor nunca recebeu os devidos méritos. Talvez um dos motivos seja a sua sagaz ironia nas letras. Sua crítica cheia de veneno nas letras. Sua maneira única de tocar o dedo na ferida do povo britânico satirizando todo o establishment. E não fica somente nas letras a qualidade. Musicalmente ja estava a frente do seu tempo. Foi o momento onde se deixava de lado uma simplicidade na musica pop da época e buscavam novas formas de contar uma nova história. Muito se fala de discos do mesmo ano como "Pet Sounds" e "Revolver". Esquecem que esta turma liderada pelos irmãos Davies corria por fora trazendo um humor único e muito sábio.

FAIXAS: 1. Party Line; 2. Rose Won't You Please Come Home; 3. Dandy; 4. Too Much On My Mind; 5. Session Man; 6. Rainy Day In June; 7. A House In The Country; 8. Holiday In Waikiki; 9. Most Exclusive Residence For Sale; 10. Fancy; 11. Little Miss Queen Of Darkness; 12. You're Lookin' Fine; 13. Sunny Afternoon; 14. I'll Remember



Como já escrevi, esta lista não é definitiva. Ela é mutante. Porém, em algum momento, pelo menos um deles sempre estará em qualquer Top Five que eu venha a elencar. Ah, cadê os Beatles e os Stones na lista? Jamais entrarão. Estes dois já alçaram o status de Entidades. Acima de qualquer coisa.



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Lucio Brancato: Com mais de 15 anos de mercado, é jornalista, colunista musical e colecionador de discos. Já passou por emissoras como RBS TV, TV Com, Octo, FM Cultura e Canal Brasil, exercendo funções de apresentador, produção, edição, repórter e colunista de música e cultura. Fez também a coordenação de coberturas de grandes shows como os de Paul McCartney e Rolling Stones. É codiretor do documentário "Rock Grande do Sul: 30 anos" (2015) e colabora com o Ama Jazz.








quinta-feira, 23 de agosto de 2018

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 10 ANOS DO CLYBLOG - Os Replicantes - "O Futuro é Vortex" (1986)




"Enfio a ficha no buraco
e dou um chute só para incomodar"
da letra de "One Player"






Meu amigo Cly Reis me pediu para escrever sobre um disco que eu considere muito bom, importante e marcante, uma obra-prima. Pensando bem ele não disse nada disso, apenas pediu que eu escrevesse alguma coisa sobre algum disco. Eu é que fiquei tentando, escolher um puta disco, um disco super-cabeça, algo que mostrasse como é vasto o meu conhecimento musical e como eu tenho bom gosto. Como um músico vaidoso que insiste em enfiar demonstrações de habilidade técnica em canções que ficariam bem melhores com algo mais simples eu tentei usar o disco como pretexto para escrever sobre mim mesmo e pelo jeito foi o que eu acabei fazendo. Passei meses rejeitando os candidatos. Nenhum disco era bom o suficiente. Sempre tinha algum defeito. Um era mal produzido, outro tinha letras bobas, outro tinha solos demais, outro tinha solos de menos, e assim vai. Em nome de impressionar o Cly e os leitores do ClyBlog eu percorri em vão catálogos e prateleiras. Como Diógenes com uma lamparina na mão em busca de um homem honesto. Honesto! Aí estava minha resposta. Diógenes não procurava o homem mais inteligente, o mais bonito ou bem sucedido, ele queria encontrar um homem honesto. A resposta atingiu minha cabeça como uma jaca madura, o disco mais honesto que eu mais gosto é, sem a menor dúvida, o primeiro disco d'Os Replicantes, "O Futuro é Vortex". É um disco punk de verdade, nu e cru. O fato dos músicos não usarem coturnos, moicanos, pregos ou tachinhas o faz ainda mais autêntico. Naquele tempo não faltavam almofadinhas fantasiados de punk. Numa década de cocôs lustrados e lapidados, de obras sem o menor conteúdo mas de acabamento e produção impecáveis Os Replicantes eram uma grata surpresa. "O Futuro é Vortex" não tem frescuras, não faz prisioneiros e ao mesmo tempo não tem ofensas gratuitas. Não é uma tentativa de chocar ou insultar ninguém, é o trabalho de uma banda botando para fora as angústias, a revolta e as frustrações de muitos jovens que viviam na Porto Alegre dos anos oitenta. A Guerra Fria e a sombra da possibilidade de um holocausto nuclear ainda pairava sobre hippies, punks, surfistas, boys do subterrâneo, rajneeshs, motéis de esquina, censores e mulheres enrustidas. O mundo era dos yuppies, do overnight, da cocaína e só nos cabia assistir e torcer pelo plano cruzado que tinha que dar certo e obviamente não deu. "Enfio a ficha no buraco e dou um chute só para incomodar" resume bem a minha adolescência ou até talvez toda a minha existência. Totalmente submisso ao sistema e gastando a mesada em uma máquina de aventuras ilusórias O chute não é mais que uma simbólica e inútil revolta. Se o disco tivesse sido tocado, gravado e produzido de uma forma mais cuidadosa perderia todo seu sentido. Punk tem que ser podre, com cheiro de sarjeta e cola de sapateiro.


por Rodrigo Lemos

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FAIXAS:
  1. "Boy do Subterrâneo" (Carlos Gerbase, Heron Heinz) – 2:22
  2. "Surfista Calhorda" (Carlos, Heron) – 3:30
  3. "Hippie-Punk-Rajneesh" (Carlos, Heron) – 2:43
  4. "One Player" (Carlos, Cláudio Heinz) – 2:43
  5. "A Verdadeira Corrida Espacial" (Carlos, Cláudio) – 2:24
  6. "O Futuro é Vortex" (Carlos, Heron) – 2:17
  7. "Choque" (Carlos, Heron) – 3:03
  8. "Ele Quer Ser Punk" (Carlos, Cláudio) – 2:06
  9. "Motel da Esquina" (Cláudio) – 2:24
  10. "Mulher Enrustida" (Cláudio, Heron) – 0:52
  11. "Hardcore" (Carlos, Heron) – 2:20
  12. "O Banco" (Heron, Luciana Tomasi) – 2:19
  13. "Censor" (Carlos, Heron) – 2:01
  14. "Porque Não" (Carlos, Cláudio, Heron) – 1:14
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Ouça:


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Rodrigo Lemos é músico nascido em Porto Alegre e residindo atualmente em Londres, na Inglaterra, onde é professor de música.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 10 ANOS DO CLYBLOG - Ratos de Porão - "Século Sinistro" (2014)




“É o cotidiano desprezível, sabe? (...)
[O álbum] tem uma indignação da minha parte,
com a política, com a impunidade.
Retrata o cotidiano da gente
com a maior raiva e desprezo”
João Gordo, 
em entrevista à Rolling Stone



Quase 35 anos depois de "Crucificados pelo Sistema" (1984), um clássico álbum punk de uma das mais importantes, influentes e fundamentais bandas de som pesado no Brasil, os Ratos de Porão permanecem até hoje entre as maiores referências, uma vez que atravessaram três décadas de existência e resistência seguindo firmes e fortes como a mais bem sucedida da cena da qual fizeram parte nos anos 80.
Com uma discografia que ultrapassa 12 discos de estúdio, sempre expelindo toda sua fúria contra o sistema e rompendo as barreiras do punk/hardcore, broches desde quando arriscaram ligações com o metal no início dos anos 90, a banda se encontra em sua melhor fase.
Atualmente formada por Jão (guitarra), João Gordo (vocal), Boka (bateria) e Juninho (baixo), os Ratos passaram por um hiato de oito anos e, em 2014, lançaram esse incrível "Século Sinistro", gravado e mixado em formato analógico com produção assinada por Jean Dellabella (ex-Sepultura) e pela própria banda.
Eleito o 7° melhor disco nacional da década pela Rolling Stone, "Século Sinistro" reflete veementemente seu título em 13 faixas (12 autorais e 1 cover) recheadas de fúria, energia, guitarras rápidas e ótimos riffs. Sob letras sempre muito reflexivas, a temática nos problemas atuais está sempre em foco, como em “Conflito Violento” – faixa que abre o disco relatando a violência policial contra manifestantes nos atos contra o governo em 2013, quando o povo achava ter “acordado” -; “Puta, Viagra e Corrupção”; “Pra Fazer Pobre Chorar”; “Viciado Digital” e críticas às desgraças que acontecem por aqui como em “Jornada Para O Inferno”; “Prenúncio Das Trevas” – em uma alusão a situação precária dos presídios brasileiros – e “Stress Pós-Traumático”.
O cover de “Progeria Of Power” da banda punk sueca Anti-Cimex e as participações: Moyses Kolesne (Krisiun) no solo de “Neocanibalismo”, trazem à tona as influências do metal que moldaram a sonoridade desde Anarkophobia (1991). Já em “Sangue & Bunda” o destaque especial são os grunhidos guturais de Atum, o porquinho de estimação de 
João Gordo.


por Helson Luiz Trindade

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FAIXAS:
1. "Conflito Violento" 3:20
2. "Neocanibalismo" 2:42
3. "Grande Bosta" 3:15
4. "Sangue & Bunda" 2:13
5. "Século Sinistro" 1:47
6. "Jornada Para o Inferno" 3:20
7. "Prenúncio de Treta" 2:46
8. "Stress Pós-Traumático" 3:01
9. "Viciado Digital" 2:15
10. "Boiada Pra Bandido" 3:24
11. "Progeria Power" 1:10
12. "Puta, Viagra e Corrupção" 2:20
13. "Pra Fazer Pobre Chorar" 2:26


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Ouça:


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Helson Luiz Trindade, carioca, residente no Rio de Janeiro, é, como ele mesmo se define, um 'apaixonado por música'; e por isso mesmo seu envolvimento com esta paixão é enorme e constante. Além de estar sempre às voltas com seus álbuns preferidos ou com o fone de ouvidos, Helson administra o blog Acervo Básico (acervobasico.wordpress.com) e colabora com seu repertório, conhecimento e atualização no blog Zine Musical (zinemusical.wordpress.com).