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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Agenda de shows em Porto Alegre


A época de shows está ótima! Além das recentes apresentações de Jorge Benjorno Rio de JaneiroToquinho & Maria Creuza, no Teatro Bourbon Country, e Gerson King Combo, na Quadra dos Bambas da Orgia, estes dois últimos, em Porto Alegre, outras três programações musicais interessantíssimas – e totalmente diferentes umas das outras – estão por vir nos próximos dias e meses. E à medida do possível, claro, vou relatando-as aqui no ClyBlog. Papel e caneta para me agendar:





28/8 – Caetano Veloso & Gilberto Gil, Auditório Araújo Vianna: Já falei num post exclusivo sobre esse verdadeiro espetáculo histórico que Porto Alegre presenciará. Dois dos maiores artistas da modernidade. Muita expectativa.






04/09 – Meredith Monk & Vocal Emsemble, Theatro São Pedro: Uma das cabeças mais geniais da música erudita contemporânea, a multiartista norte-americana abre o Porto Alegre em Cena. Indizível o privilégio de assistir a essa que é, junto com Philip Glass, Steve Reich e sir. Maxwell Davies, a maior compositora viva da música de vanguarda.








19/10 – Ratos de Porão, Bar Opinião: Pra arrematar (por enquanto), que tal o hardcore furioso do Ratos tocando na íntegra seu seminal “Crucificados pelo Sistema”, que completa 30 anos de lançamento? A regalia não termina aí: a abertura será d’Replicantes. Tá bom pra ti?













terça-feira, 12 de outubro de 2021

“Sem Você não A – Uma Fábula Alfabética de Tom Zé e Elifas Andreato” - Tom Zé (2017)

 

"Quando escrevi a história presente neste CD, com a intenção de fazer dela um musical infantil, dei ao Tom Zé as letras que permeavam a fábula. Dias depois recebi as músicas numa fita cassete que foi parar na escola onde meus filhos estudavam e fez muito sucesso. Mas naquele tempo não havia espaço para nossa fábula alfabética e a deixamos de lado. Torná-la pública agora, tantos anos 
depois, é motivo de celebração."
Elifas Andreato 

Tem autores da música brasileira cuja obra é tão essencialmente universal que serve, num mesmo tempo, a adultos e crianças. Até quando não produzem especificamente para o público infantil, suas músicas via de regra se adequam aos ouvidos dos pequenos, casos de Carlinhos Brown, Adoniran Barbosa e João Donato. Destes, no entanto, talvez nenhum se compare neste aspecto a Tom Zé. A musicalidade do baiano de Irará, de uma forma intrínseca, é bastante afeita ao lúdico em seus meandros sonoros e linguísticos, haja vista temas como “Fliperama”, “Identificação” ou “Jimmy, Renda-se”. Embrenhando-se na sua obra, impossível não enxergar esse caráter infantil em músicas “adultas” a se ver por “Escolinha de Robô”, “A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel” ou “A Boca da Cabeça”. Por isso, dá para afirmar que um projeto voltado a crianças estava bastante maduro quando Tom Zé recebeu o convite do designer, ilustrador e amigo Elifas Andreato para criarem juntos “Sem Você não A – Uma Fábula Alfabética de Tom Zé e Elifas Andreato”, de 2017. Baseado numa historieta escrita pelo paranaense Elifas, que a contava a seus filhos Laura e Bento para dormirem, o disco não poderia ter recebido melhor tratamento musical que não pelas mãos de Tom Zé.

A proximidade entre os dois, aliás, vem de muitos anos antes. O repertório deste disco, por exemplo, data do final dos anos 70, quando os filhos de Elifas eram pequenos. Em 1984, o artista visual também criara a capa do disco do colega músico “Nave Maria”. A parceria musical, no entanto, surgiu depois. Em 2014, no disco de Tom Zé “Vira Lata na Via Láctea”, experimentaram uma dobradinha com “Salve Humanidade”. Porém, já em “The Hips of Tradition”, noutro álbum do baiano, de 1992, eles haviam se encontrado para comporem “Sem a Letra A”. Ambas as músicas, por sinal, são o embrião deste antigo projeto, visto que já brincavam com a ideia de um abecedário linguístico-musical com boas doses de peraltice. Ambas dão argumento para a inventiva história de Elifas: no Abecedário, terra onde moram os habitantes do alfabeto, todos vivem harmonicamente e ajudando-se mutuamente. Além das letras, vivem nessa terra a Curiosidade, responsável por reger o alfabeto, e o ressentido Silêncio, que sequestra a primeira para, assim, calar as letras e reinar sozinho, como fazia antes de haver qualquer som. Como condição para libertar a Curiosidade, o Silêncio exige das letras a resposta de um enigma: “Qual é a maior palavra do mundo?” Sem a resposta, a Curiosidade ficaria presa para sempre. Para piorar as coisas, o A (a primeira e mais antiga integrante da turma) resolve se sacrificar, fugindo sem que ninguém percebesse para tentar resolver sozinho a charada, deixando as palavras em apuros – ortográficos, inclusive.

Tom Zé desdobra essa estorieta com a sagacidade e sensibilidade que lhe são características. Elifas, por sua vez, expande sua musicalidade já tão presente não somente em outras parcerias, como com Toquinho e Jessé, mas, principalmente, nas centenas de artes de discos da MPB as quais criou em mais de 50 anos de carreira. “Palavras do Ar”, faixa inicial, é um animado e dissonante eletro-batuque, que faz uma ode à música e a beleza dos sons vocálicos da língua portuguesa: “As palavras do ar/ Vão pular no céu/ De um balão/ As palavras do mar/ Navegar ao léu/ Numa embarcação/ As palavras do chão/ Vão rodar pião/ Na palma da minha mão/ As outras irão pendurar a, a/ No ar, no céu e o luar a, a/ Pular fogueira e soltar rojão/ Pra comemorar/ A descoberta das palavras/ Do futuro”. A brincadeira se transforma em um verdadeiro “Forrobodó do Abecê”, um baião que convida as letras para um "bate-coxo" arretado. 

Hora, então, de apresentar não somente as letras, mas a “maestrina do Abecedário”: a “Curiosidade”. Conforme Elifas, “é ela quem conduz as letras em seu papel de guardiãs do passado, intérpretes do presente e construtoras do futuro”. Recuperando a letra e a melodia de “Salve Humanidade”, de três anos antes, Tom Zé dá ao número um arranjo todo especial, transformando-a num xote repleto de sonoridades lúdicas. A peculiar divisão silábica das frases vocais, herança da vanguarda a qual Tom Zé sempre esteve ligado, aparece no canto, cuja letra cantada, por sua vez, é ao mesmo tempo engraçada e poética: “A curi, a curi, a curiosidade/ Inventou, inventou/ A humanidade/ E o burá, burá, buraco da fechadura/ É o burá, burá, buraco da curió-sidadde”.

“Como É o Nome Dela?” traz a veia sertaneja de Tom Zé para contextualizar a desorientação que todos ficaram sem a Curiosidade, já capturada pelo Silêncio. Mais do que isso, dialogando com as crianças, ele e Elifas lançam uma questão que, quiçá, estes se depararão quando adultos: “Eu li que ela berra verdades, é caprichosa majestade/ Mas que quando a gente cresce, ela desaparece/ Parece...”. Como “desgr_c_ pouc_ é bob_agem”, ainda acontece o sumiço da vogal mais conhecida. Retrazendo a bela canção dos anos 90, a faixa que dá título ao disco carrega em seus versos uma filosófica questão: como viver, como ser, sem a letra A? “Sem você não A/ Sem você não haverá canção/ Sem você não há mais esperança pra criança/ Ai ai, hum hum/ Sem você não há”.

Baião pé-de-serra, “A Mágica do G” conta a parte da história em que esta letra surge com sua mágica e faz descer do céu estrelinha para pô-las no lugar onde havia A, tal qual a ideia plástico-sonora de Caetano Veloso quando musicou o poema “Pulsar”, de Augusto de Campos, em 1981. Já “A Praga do Silêncio” é o contra-ataque, pois este, inconformado com a criativa solidariedade das letras e de suas amigas luminosas, que descobriram o cativeiro da Criatividade e da letra A, roga que as estrelas tiradas do céu apaguem. O resultado: “as palavras vão ficando esbur_c_d_s”.

Sem eximir as crianças de suas construções harmônicas complexas, “Estrelas Sabem Voar“ conjuga os modos compositivos atonais da música de Tom Zé com o texto lírico e pedagógico: “Olha lá que as estrelas sabem voar (...)/ E com elas vamos ao céu procurar nosso amigo/ No desabrigo/ O R viaja no rabo da estrela/ Mas o B sobe no umbigo/ E agarrado no pé vai o É, É, É/ Fazendo chulé”. São as letrinhas que, aliadas às estrelas trazidas pelo G, sobem ao céu para recuperarem a Criatividade e o A.

Capa do livro “A Maior
Palavra do Mundo”, de
Elifas, com ilustrações de Fê
Encaminhando-se para o final do disco (e da história), “A Maior Palavra do Mundo” - que virou, em 2018 livro de autoria de Elifas e ilustrações de Fê, aproveitando a mesma temática do disco - é outro gracioso xote, que traz a mensagem final a qual Elifas pretendeu transmitir a seus filhos. Surpreso com a descoberta de sua toca, o malvado Silêncio exige a resposta imediata do enigma ou se imporia para sempre e ninguém poderia falar ou jamais emitir um som sequer. “Afinal, qual é a maior palavra do mundo?!” A resposta veio de onde menos se esperava: do pequenino Z, o último do alfabeto. É ele quem conclui, para a surpresa de todos: “A maior palavra do mundo é EU!” Nela cabem todas as outras palavras: Amor, Alegria, Amizade, Solidariedade, Liberdade… Eufórico, o ancião A completa: “É isso! O EU é capaz de conter tudo. Embora seja pequeno como crianças, também como elas possui uma imaginação sem fim: Curiosidade, Criatividade, Vontade… No EU – ou em cada um de nós – tudo cabe. E não tem Silêncio que apague.” 

Derrotado, o Silêncio cumpre sua palavra e liberta os reféns. As letras então confabulam o que fazer com o vilão. Prisão, ostracismo, desterro? Mas a Curiosidade as detém, alertando a todos que o Silêncio é essencial para o Abecedário, seja entre as palavras, no meio das frases ou permeando os pensamentos. Ele está em todos os livros, em todas as histórias. Assim como nesta. Convencidos da sabedoria da Curiosidade e com a sensação de dever cumprido, os personagens desembarcam novamente no Abecedário e caem na farra, num grande “Domingo das Letras” em ritmo de marchinha carnavalesca. Tanta festa e tanto barulho que deixam o Silêncio enlouquecido!

Talvez nem Tom Zé e nem Elifas Andreato tenham percebido, mas sua obra conjunta carrega outro elemento igualmente fundamental para a existência tanto da Criatividade, do Silêncio e das ferramentas linguísticas: o Tempo. Com letra maiúscula. Engavetado durante anos, “Sem Você não A” só veio ao mundo depois de tanto um artista quanto o outro burilarem bem a ideia com paciência e sabedoria. Elifas diz que foi ele, o Tempo, que escolheu a ocasião de recontar esta história, desta vez, para a geração dos filhos de seus filhos. Tempo este que, em sua proeza quase brincante, torna inexoravelmente crianças em adultos. Moral da história: sem ele, o T do tempo, nem a letra A há.

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FAIXAS:
1 - Palavras do Ar
2 - Forrobodó do Abecê 
3 - Curiosidade 
4 - Como É o Nome Dela?
5 - Sem Você Não A
6 - A Mágica do G
7 - A Praga do Silêncio
8 - Estrelas Sabem Voar
9 - A Maior Palavra do Mundo
10 - Domingo das Letras
Todas as composições de autoria de Tom Zé e Elifas Andreato

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

domingo, 5 de fevereiro de 2012

cotidianas #135 - Dentro



“... se conduzíssemos o otimista crônico pelos hospitais,
enfermarias e salas de operações cirúrgicas,
pelas prisões, câmaras de tortura e choças de escravos, por campos de batalha e locais de execuções;
se abríssemos para ele todas as moradas da miséria (...)
e, finalmente, deixássemos que ele olhasse para dentro dos famintos calabouços de Ugolino,
 também ele iria compreender, afinal, a natureza deste ‘melhor de todos os mundos possíveis’”.

de “O Mundo como Vontade e Ideia”


Tudo rangia. “Que saco!”, praguejava. Mas também não fazia nada para arrumar. “Que importa?” Lembrava-se de sua mãe, curvada e ridiculamente velha, dizendo: “apartamento velho é assim” – como se ela também não fosse; como se ela também não rangesse. Mas quando o apartamento é velho e descuidado, o resultado não pode ser outro. Tudo rangia: portas, chão, pia, janelas, cama, latrina, cadeiras, sofá. Arrepiava-se sempre que tinha que adentrar ao quarto, pois o som que a porta e o piso produziam sinfonicamente juntos era quase uma frase atonal: torta, irritante e sem sentido. Mas nem por isso fazia alguma coisa. Deixava assim. Ia deixando. “Uma hora isso se resolve. Ou então que vá tudo prum buraco mesmo!”
Sempre que ia à privada, por exemplo, a engrenagem da descarga produzia um urro sufocado que parecia humano, e que ia ficando cada vez mais humano semana após semana. Na verdade, a tubulação toda produzia tanto ruído que lhe parecia haver uma comunidade inteira viva por detrás do reboco, com pessoas que hora e outra conversavam, discutiam, riam, choravam, mexiam-se, e isso mesmo quando não corria água – o que lhes justificaria minimamente a existência dentro daqueles canos de metal tomados de ferrugem e limo. Às vezes tinha clara a impressão de que morava gente ali.
Mas o que importavam esses “dejetos materiais”, os objetos, as coisas inanimadas? Era tudo um saco, mas viver sozinho, pelo menos, lhe garantia que ninguém ia lhe importunar. Nenhuma voz pra incomodar, nem de mãe, nem de filho, nem de ex-mulher, nem de putas. Uma vez, depois de gozar dentro de uma vadia, acometeu-lhe uma certeza inexplicável de que só se sentira feliz nessa vida porca e suja quando estivera no útero. Hoje, ele ri do episódio, pois acha engraçado lembrar como terminou aquela transa: mandando-a embora de sua casa, irado e chorando, a golpes com o fio do abajur. Ela gritava: “pára! Pára, seu merda!” E ele dizia, sabe-se lá porque: “Ixíon, sua vadia!! Ixíon!!” Esbravejava, num prazer enlouquecido bem melhor do que o da gozada. Acordou todo o prédio aquela noite.
Agora, lembrava-se e ria, ria. Ria muito, convulsivamente. Babava-se. E para si. Para a casa. Pois nada fazia diferença: podia gritar ou emudecer-se que não faria a menor diferença. Para que mantinha aqueles livros empoeirados na estante? Letras, Filosofia, mais letras, hunff! Para que, se já lera e embaralhara tantas nesses mais de 50 anos? O que isso lhe trouxe? E as fotos sobre a mesa: “para quê?”, indagava-se, mas não achava resposta alguma. Estavam lá os porta-retratos do filho crescido e ausente, outro do filho morto, outro da ex-mulher – infelizmente viva e presente –, da sacal mãe e até daquele cachorro insuportável que enchia de pelo toda a casa (e que graças a Deus já morreu também!). E por que não os recolhia e socava tudo num baú? Não sabia. Talvez porque não tivesse baú... só por isso.
Sem ter outra coisa pra fazer, foi mijar. Acendeu a luz do banheiro, tão clara que resplandecia até o teto daquele pé direito tão alto que parecia tocar o céu. Descarregou a urina com toda a autocomplacência que nem achava que merecia e, num automatismo estúpido e sem vontade, deu a descarga.
- Ei, você.
Falou.
- É, você mesmo.
Fez-se um breve silêncio, mas logo em seguida, na boa acústica típica dos banheiros, a voz reverberou novamente:
- Não vai me responder? – disse, naquele tom falsamente choroso de quem fica magoado pelo silêncio do outro.
- Si... sim, mas... o que você quer? – respondeu àquela voz que emanava de dentro do vaso como se aquilo fizesse algum sentido.
- É, meu amigo: “Quanto mais distintamente o homem souber, mais dor ele terá”, não é, senhor das vontades já cumpridas?
Silêncio (de concordância).
- Está em Schopenhauer...
- Quê, Schopenhauer?! – saltou-lhe com violência da boca a pergunta, que recebeu, em troca, uma resposta cinicamente leve:
- É: Schopenhauer. Arthur Schopenhauer – disse a voz –. Sei que se decepassem tua cabeça do corpo agora ela ia imediatamente cravar os dentes no teu braço. Iam lutar entre si como idiotas, feito uma formiga-buldoque, não é? Rárá! Claro que sim! Eu sei, eu sei. Tu bem sabes também.
- É... eu sei...
A voz do urro, até então irônica mas sempre no mesmíssimo timbre sufocado de quando só urrava, endureceu:
- Então, o que vai ser?
- ...
- E?...
- É, eu vou.
- Muito bem, meu rapaz! Muito bem. Assim é que se fala. Isso: faça assim mesmo como estás.
Hesitou um pouco no silêncio gélido do banheiro. Mas foi. Não tirou nem a roupa. Entrou dentro do vaso, escorregando com desenvoltura pela louça. Já totalmente lá dentro, tirou para fora o antebraço e, com o indicador, deu um toquinho no tampo, que caiu quicando sobre o assento.
Depois daquele estrondo, o eco se perdeu e a calmaria reinou. Tudo ficou escuro, quente e úmido outra vez.

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