Como fazemos todos os anos, recapitulamos e elencamos os discos que tiveram a honra de entrar para nossa seleta lista de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Não tem disputa, não tem ranking mas a gente sempre gosta de saber que artista tem mais obras indicadas, qual o país tem mais discos lembrados, que ano marcou mais com discos inesquecíveis e essas coisas assim. Sendo assim, levantamos esses números e publicamos aqui, até para nossa própria curiosidade. No campo internacional, os Beatles ampliaram sua vantagem na liderança entre artistas, embora, entre os países, seja os Estados Unidos quem lideram com folga. Destaque na 'disputa' internacional para o primeiro nigeriano na lista, Fela Kuti, que aumenta o número de representantes africanos, ainda tímido, nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. O Brasil segue na segunda colocação, mesmo com a reação dos ingleses que não colocaram nenhum álbum em 2021 mas voltaram a ter destacados grandes discos em 22. Só que com três craques da música brasileira, Gil, Caetano, Paulinho e Milton, fazendo oitenta anos em 2022, ficou impossível não destacar discos deles e abrir vantagem novamente sobre os ingleses. A propósito, Milton Nascimento que, de início não tinha nenhum, depois colocou o "Clube da Esquina", com Lô Borges, depois a parceria com Criolo e agora, com os dois que emplacou nesse ano que marcou seus oitentinha, já desponta com destaque na lista nacional. Contudo, ele não era o único a completar oito décadas e Caetano Veloso, garantindo mais um na nossa lista de grandes discos, continua na liderança nacional. Em 2022, o ano que mais teve discos na nossa lista foi o de 1992, embora a década de 80 tenha colocado 8 na lista, mas ainda não o suficiente para ultrapassar a de 70 que ainda é a que lidera nesse âmbito.
Vamos, então, aos números que é o que interessa.
Confira aí abaixo como ficou a situação dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS depois da temporada 2022:
*************
The Beatles: 7 álbuns
Wayne Shorter: 5 álbuns ***
David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
John Cale* **
Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e Lee Morgan: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden ,Lou Reed** e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, PJ harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beatie Boys, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale, "Songs for Drella"
*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Caetano Veloso: 7 álbuns*
Gilberto Gil: * **: 6 álbuns
Jorge Ben: 5 álbuns **
Tim Maia, Legião Urbana, Chico Buarque e Milton Nascimento +#: 4 álbuns
Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto* ****: 3 álbuns cada
Baden Powell***, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Criolo + e Sepultura : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil
**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
+ contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor"
# contando com o álbum Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"
PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 3
anos 40: -
anos 50: 120
anos 60: 97
anos 70: 145
anos 80: 124
anos 90: 96
anos 2000: 14
anos 2010: 16
anos 2020: 2
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 22 álbuns
1977: 19 álbuns
1969, 1972, 1976, 1985, 1992: 17 álbuns
1967, 1968, 1971, 1973 e 1979: 16 álbuns cada
1970 e 1991: 15 álbuns cada
1965, 1975, 1980 e 1991: 14 álbuns
1987 e 1988: 13 álbuns
1989 e 1994: 12 álbuns cada
1964, 1966 e 1990: 11 álbuns cada
1978 e 1983: 10 álbuns
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 201 obras de artistas*
Brasil: 145 obras
Inglaterra: 118 obras
Alemanha: 9 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
Islândia, País de Gales: 3 obras
México, Austrália e Jamaica: 2 cada
Japão, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria e São Cristóvão e Névis: 1 cada
*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)
Chegou a hora da verdade! A hora dos número. Mais um ano se foi e é chegada a hora de fazer aquele habitual levantamento dos álbuns que entraram para a seleta galeria dos Fundamentais do Clyblog. Lembrando sempre que, na verdade, a seção não tem por objetivo promover disputa ou qualquer tipo de comparação entre artistas e obras, mas a gente mesmo fica curioso para saber quais as marcas e quantitativos e aí, então, levantamos e, em forma de ranking, passamos para vocês.
2021 foi o ano do jazz nos ÁLBUNS FUNDAMENTAISÁLBUNS. Das 29 obras destacas na nossa seção de discos, 11 foram do refinado estilo norte-americano. Se aproveitando desse predomínio, neste período, o craque Wayne Shorter encostou definitivamente no pessoal de cima. Ainda não alcançou os Beatles, que continuam liderando, mas, junto com seu companheiro de sopro, Miles Davis, que também chegou nas cabeças, já começam a botar uma certa pressão nos rapazes de Liverpool. A propósito da Terra da Rainha, curiosamente no último ano, não tivemos NENHUM artista britânico teve discos incluídos na nossa seção. as ações ficaram basicamente divididas entre norte-americanos e brasileiros, com destaque para o primeiro japonês na lista, o versátil Ryuichi Sakamoto.
No que diz respeito aos brasileiros, Caetano Veloso que dividia a liderança com Jorge Ben, agora toma a frente isoladamente por conta pela participação no disco "Brasil", com João Gilberto, Bethânia e Gilberto Gil. Mas a disputa está tão apertada quanto no internacional e qualquer disco aqui, disco ali, no ano que chega, pode mudar o panorama.
Entre as décadas com mais obras mencionadas, os anos 70 continuam imbatíveis, embora o ano que aparece mais vezes seja o de 1986. Chama atenção que cada vez mais é inevitável que seja reconhecida a qualidade e se projete a relevância de trabalhos recentes, o que faz com que venham aparecendo com mais frequência, em maior número e cada vez mais fresquinhos, como foi o caso do recém lançado "Carnivore", do Body Count, que mal nasceu e já figura entre os melhores.
Então, vamos aos números que é o que interessa. Chegou a hora da verdade!
The Beatles: 6 álbuns
David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e John Cale* **: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Lee Morgan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, Body Count, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale, "Songs for Drella"
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Caetano Veloso: 6 álbuns*
Jorge Ben: 5 álbuns **
Gilberto Gil* **: 5 álbuns
Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
Gal Costa, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto* ****: 3 álbuns cada
Baden Powell**, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil **contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge" *** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas" **** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
**** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"
PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 3
anos 40: -
anos 50: 19
anos 60: 96
anos 70: 138
anos 80: 116
anos 90: 89
anos 2000: 13
anos 2010: 15
anos 2020: 2
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 22 álbuns
1977: 19 álbuns
1969 e 1985: 17 álbuns
1967, 1972, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
1968 ,1970 e 1991: 15 álbuns cada
1971, 1979, 1980 e 1991: 14 álbuns
1965, 1975 : 13 álbuns
1965 e 1992: 12 álbuns cada
1964, 1966, 1987,1989, 1990 e 1994: 11 álbuns cada
1978: 10 álbuns
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 192 obras de artistas*
Brasil: 139 obras
Inglaterra: 114 obras
Alemanha: 9 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
Japão, País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada
*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)
O que você está levando aí, hein, seu guarda? Se está pela paz, pode seguir adiante como o MDC de hoje: pela paz. No Dia Internacional da Solidariedade com o Povo Palestino, a genialidade de Bansky nos ajuda a contar que teremos também Elis Regina, Luiz Melodia, Vince Guaraldi, Xande de Pilares, Nirvana e mais. Armado mas de arte e amor, o programa vai ao ar hoje na pacífica Rádio Elétrica. Produção e apresentação devidamente revistadas: Daniel Rodrigues.
Quem é amante de jazz e afeito às comparações futebolísticas a diversos
outros assuntos, vai concordar: se Miles Davis é o Pelé e John Coltrane o Garrincha do jazz, Dexter Gordon é o
Nilton Santos. Miles por conta da longevidade e quantidade de gols feitos nas diferentes
eras em que atuou. Coltrane pela meteórica e decisiva passagem, marcada pela
genialidade, pela paixão por sua arte e pela habilidade jamais igualada.
Gordon, por sua vez, poderia ter o mesmo apelido que o zagueiro do Botafogo e
das duas primeiras seleções brasileiras campeãs mundiais: “enciclopédia”. O
saxofonista era um craque do jazz.
Atravessando em atividade da fase áurea ao declínio do gênero, dos anos
40 aos 90, o californiano Dexter Keith Gordon estudou clarinete aos 13 anos e
na adolescência já dominava o sax tenor. Só na primeira década como músico
profissional já somava passagens pelas bandas de Louis Armstrong, Nat “King”
Cole, Lionel Hampton, Ben Webster, Lester Young e nas orquestras de
Fletcher Henderson e Billy Eckstine, esta última, com a qual tocou para gente
do calibre de Sarah Vaughan e Dizzy Gillespie. Ainda nos anos 40, gravou
pela Savoy, ao lado dos colegas Wardell Gray e Teddy Edwards, discos revolucionários
que se tornariam referência para a então nova geração de saxofonistas tenores,
entre os quais Coltrane e Sonny Rollins. Como se não bastasse, na década
seguinte, o jovem alto e galante foi também um dos precursores de outra
revolução: o estilo mundialmente assimilado chamado bebop.
Chegado aos anos 60, na faixa dos 30 e já com toda essa bagagem, mesmo
não sendo uma celebridade de massas (o que cantores como Frank Sinatra e Tony
Bennett cumpriam com autoridade), era evidente que o passe de Dexter Gordon
estava valorizado. Pois o produtor Alfred Lion resolveu bancar. Em 1961, chama-o
para seu selo, Blue Note, no qual permanece por quatro anos. O crème de la crème dos sete álbuns
gravados por Gordon neste período é “Go!”,
de 1962. Com a companhia de uma estelar “cozinha”, formada pelo requintado
pianista Sonny Clark, o ágil baterista Billy Higgins e o flexível baixista
Butch Warren, Gordon usa de toda sua maestria e compõem um disco impecável,
considerado um dos melhores de todos os tempos da discografia jazz. Virtuose e
dono de um estilo abarcante – no qual se ouviam facilmente a fineza de Armstrong,
a pulsação de Charlie Parker, a sutileza de Young e a potência de Coleman
Hawkins – é possível derivar do seu fraseado a tradição e a modernidade. Ele,
que havia passado pela descoberta do swing,
pelo estouro das big bands e pelo
advento do cool e do bebop, junta tudo isso de uma forma
absolutamente natural e híbrida.
Nesse clima abre a literalmente saborosa “Chees Cake”, única composição
do álbum de autoria de Gordon. Acordes de baixo anunciam o começo, somando-se a
este a bateria, marcada no prato de ataque. É quando vem Gordon com seu
vigoroso e elegante sopro, extraído de pulmões possantes guardados em sua
parruda caixa torácica. O riff, dos
mais marcantes do cancioneiro jazz. Desenvolve-se um solo extenso e gostosamente
inventivo, rebuscando o bebop e o recheando-lhe
com novos temperos, que coloca a canção no limiar entre o cool e o hard bop. Clark
assume brevemente em um notável solo antes de Gordon retornar para a segunda
intervenção. Nova maravilha. Fluxo altamente vibrante e suingado, com uma
engenhosa escolha das notas e escalas que só poderiam sair de um ”decano” como
Gordon.
"Guess I'll Hang My Tears Out to Dry", na sequência, é um
verdadeiro convite à melancolia e ao romantismo da noite nova-iorquina. Balada
de ouvir dançando agarradinho ou para afundar as mágoas num copo de bourbon sem gelo. Linda. O soprar de
Gordon é seguro e cheio, mas não menos lânguido e introspectivo, como quem está
escutando o próprio coração e reproduzindo-o em sons. É possível sentir cada nota,
cada sentimento. O sax se alonga em sua conversa com os apaixonados e/ou
descornados, tomando-lhe quase 4 minutos. Dá um passe para que Clark faça, com
habilidade, mate no peito e ponha no chão. O pianista faz um afago nas teclas,
enquanto Higgins vaporiza a atmosfera com uma levada nas escovinhas tendo como
companheiro para isso Warren serpenteando as cordas. Mas não dura muito tempo a
vez do trio, pois Gordon “retoma a bola” para finalizar a canção repetindo
frases e retomando as mesmas ideias amorosas de seu sax. Junto a "Blue in Green", de Miles, “Round Midnight”, com Chet Baker, “Naima”, de Coltrane, “Like
Someone in Love”, com Ella Fitzgerald, está entre as 10 grandes baladas jazz da
história.
"Second Balcony Jump" vem para elevar o ânimo num jazz bluesy animado e gracioso. Nada menos
que 3 minutos e 40 de um improviso solto e ininterrupto de muita expressividade
e agilidade de Gordon. Como nas anteriores, é Sonny Clark quem tem a primazia
do segundo solo, o qual faz com absoluta destreza de quem “chuta” com as duas
valendo-se da liberdade dada pelo líder. Gordon reaparece já dentro da área para
finalizar com uma mais curta improvisação em que ratifica sua presença. Higgins
dá um breve solo antes do saxofonista terminar o número brincando ao executar o
clássico desfecho: “pam-pam-ram-ram-pam/
pam pam!”.
Sintonizado com um ritmo latino que se fazia novo nos Estados Unidos e
que tomava o gosto dos músicos estrangeiros, uma tal de bossa-nova, Gordon traz
uma feliz interpretação do clássico “Love for Sale”. Assim como Stan Getz,
Charlie Byrd, Henri Mancini, Vince Guaraldi e outros impressionados com as inovações harmônicas e melódicas levadas a eles principalmente por conta da
trilha do filme “Orfeu Negro”, de 1959 (o disco “Bossa Nova at Carnegie Hall”,
o definitivo carimbo internacional da bossa-nova, seria gravado no final
daquele ano), o saxofonista entra no gingado brasileiro e tece uma malemolente
versão para a música de Cole Porter. Muito ajudado pela marcação sambada de Higgins. Clark, visivelmente movido pelo piano de Tom Jobim, é outro a entrar
no espírito bossa-novista. Gordon, por sua vez, dá um show de manutenção dos
tempos durante o riff, soltando a
criatividade e apuro nos improvisos. Clark, por sua vez, vive aqui seu mais
inspirado solo, engenhoso dentro dos tempos circulares que encadeia.
"Where Are You?" é mais uma balada para morrer de amor. As
pronúncias seguras de sentimento do sax impressionam pela elasticidade e
controle dos tempos, realizando leves atrasos, ataques carregados e modulações,
todas precisas. Por volta dos 3 minutos e 30, Gordon intensifica a emotividade
ao subir um tom. Prenúncio de uma breve pausa para o mais uma vez sutil e
inteligente dedilhado de Clark, envolto num clima de nightclub, de fumaças de cigarro e cheiro de trago no ar, forjada
pela condução de Higgins e Warren. “Go!” finaliza com a sibilante "Three
O'Clock in the Morning", a qual começa com o piano marcando o tique-taque
do relógio nas agudas teclas pretas. São três da manhã e é possível enxergar um
casal enamorado passeando feliz e bêbado pelas ruas desertas da Big Apple
entrando de bar em bar e alheios a qualquer coisa que não seu affair. É assim que o disco se encerra:
na felicidade inebriada da boemia da Village Vanguard.
A lenda em torno de Dexter Gordon não terminaria em “Go!”. Um pouco
pela desvalorização de “velhos” como ele em detrimento dos jovens ases do free-jazz e da avant-garde – semfalar
nos astros pop ascendidos naquela década, quase hegemônicos na indústria
fonográfica de então –, um pouco para se isolar por conta do vício em heroína,
o músico norte-americano refugia-se na Europa. Lá é redescoberto e passa a
viver em Paris e em Copenhague, onde vira a celebridade que não tinha sido até
então. Torna à terra natal somente em 1976, quando é recebido com honras.
Afinal, não é todo dia que se tem de volta o herdeiro de Armstrong, Parker,
Hawkins e Young. Passados o estouro do rock
‘n’ roll, acalmado o fervor dos anos hippies
e assimilada a hibridização do jazz com o rock – a esta época já haviam morrido
Coltrane, Lee Morgan, Jimi Hendrix, Janis Joplin e iam-se já seis anos do rompimento dos Beatles –, Dexter Gordon finalmente ocupa seu lugar dentro de
casa.
Ainda, quatro anos antes de morrer, aos 63, roda, com o cineasta
francês Bertrand Tavernier, o memorável filme “Por Volta da Meia-Noite” (1986),
em que protagoniza o papel justamente de um saxofonista de jazz norte-americano
autoexilado em Paris, onde é ovacionado. A abordagem dos problemas com drogas e
álcool, os desajustes familiares e a saudade do ninho demonstrada pelo
personagem tornam o filme bastante autobiográfico, mesmo que a história se
baseie também em parte na trajetória de dois dos mestres de Gordon: Young e Bud
Powell. A aura mítica que se cria em torno do alter-ego de Gordon, Dale Turner, é tão natural quanto a sua
interpretação de si mesmo no longa: os gestos entre o charmoso e o ébrio, a voz
naturalmente rouca, a fala pausada, o sorriso maroto, o porte altivo preservado
da juventude. Pela atuação, o músico chegou a concorrer ao Oscar de Melhor Ator
naquele ano. Não precisou nem vencer para reforçar o mito do então último
expoente da gênese do jazz, gênero do qual ele foi, se não o maior como um Pelé
ou o mais genial Coltrane, o exemplar mais completo como Nilton Santos. De modo que “Go!” não é simplesmente um disco: é um “golaço!”.
*********
FAIXAS
1. "Cheese Cake" (Dexter Gordon) - 6:33
2. "Guess I'll
Hang My Tears Out to Dry" (Jule Styne/Sammy Cahn) - 5:23
“Hancock
estreita as fronteiras entre o hard
bop,
encontrando brilhantemente um sugestivo equilíbrio entre o bop
tradicional,
injetando-lhe grooves
do soul,
e experimental, jazz pós-modal.”
Stephen
Thomas Erlewine,
crítico musical e biógrafo
O jazz
já era o maior gênero musical norte-americano desde os anos 20, mas
é inegável que as décadas de 50 e 60 foram memoráveis para sua
história. A cada ano, vários artistas – muitos em seu auge;
alguns, iniciando; outros, veteranos em plena forma – lançavam um
ou mais álbuns impecáveis e inovadores, considerados fundamentais
até hoje, fosse pela Impulse!, Blue Note, ECM, Atlantic, Columbia, Verve e outros selos. Destes, a passagem de 1963 para 1964 talvez
seja a que reúna o crème de la creme pós-Segunda Guerra.
Provavelmente, iguale-se apenas ao revolucionário ano de 1959, que
presenteou o mundo com as inovações modais de "Kind of Blue",
do Miles Davis, com o libelo free jazz de “The Shape of Jazz
to Come”, do Ornette Coleman, e o petardo hard-bop “Giant
Steps”, do John Coltrane. Se nem tanto em transformação do
estilo, o quinto ano da década de 60 não fica para trás em
qualidade e importância. Gravaram-se, durante seus 365 dias, por
exemplo, joias como "Night Dreamer", do Wayne Shorter, "Matador",
do Grant Green” (ambos já resenhados aqui nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS), “Out to Lunch”, do Eric Dolphy, e “Witches and Devils”, do Albert Ayler. Todos completando expressivos 50 anos em
2014.
Um dos
mais felizes desses cinquentões foi registrado a 17 dias do mês de
junho daquele fatídico ano para o jazz. Foi quando, pela Blue Note,
um dos maiores mestres da música moderna entrou nos estúdios Van Gelder, em New Jersey, com um timaço que tinha Freddie Hubbard, no
trompete, corneta e flugelhorn,
Ron Carter, no baixo, e Tony Williams, na bateria. Aquele dia
marcaria a sessão de gravação de mais uma obra-prima do jazz:
“Empyrean Isles”, do pianista, compositor e arranjador Herbie Hancock. Um dos mais versáteis, influentes, celebrados e até
controversos ícones da música mundial, Hancock, aos 64 anos de vida
e mais de 50 de carreira, já foi do be-bop ao break,
passando pelo afro-jazz, fusion, funk, modal, clássico e
outros gêneros, seja pilotando o piano ou o sintetizador. E sempre
com a maior integridade, sem perder seu fraseado característico e a
complexidade harmônica inspirada em músicos de diversas vertentes
como Bill Evans, Miles Davis, James Brown, George Gershwin, Tom Jobim e Sergei Rachmaninoff. Como seus mestres, serve de referência não
só para a geração do jazz que lhe sucedera mas, igualmente, a
músicos de outros estilos como Joni Mitchell, Jeff Beck, Stevie Wonder, Brian Jackson, Dom Salvador, Ike White, Marcos Valle, Public Enemy, entre centenas de outros.
Quinto
disco solo do músico, “Empyrean Isles” é o exemplo máximo do
hard-bop hancockiano e cuja influência e profusão através
dos tempos é das mais fortes de sua trajetória ainda em plena
atividade. A começar por dois monumentos do jazz moderno: "One
Finger Snap" e "Oliloqui Valley". A primeira, ritmada
e pulsante, começa com Hubbard arrebentando na corneta sobre uma
base swingada de Williams, que, com as baquetas, conjuga com
equilíbrio caixa, chipô e prato de ataque. Mas, como o próprio
título sugere, a preciosidade está nos dedos de Hancock. Como diria
Ed Motta, “a mão esquerda mais inteligente do mundo”. Um show de
agilidade e engenhosidade de improviso. La no fim, quando se pensa
que tocaram o chorus derradeiro, Tony Williams ainda apresenta
um arrasador solo para, daí sim, desfecharem. Uau!
Já
"Oliloqui...” quem começa incrivelmente é Carter, com seu
toque trasteado inconfundível. Mais cadenciada e bluesy,
nesta é o pianista quem inicia os trabalhos de improvisação,
novamente (e como sempre!) com a mais alta qualidade que se pode
esperar. Um fraseado limpo, cristalino, soul mas erudito ao
mesmo tempo. Hubbard, por sua vez, também não deixa por menos, com
um solo de emoção crescente que concilia lirismo e agilidade. O
mestre Carter, que havia iniciado tão marcantemente a faixa com sua
assinatura sonora, tem a chance de desenvolvê-la ainda mais. É tão
bonito e impactante que o restante da banda para que ele toque,
voltando, em seguida, todo o conjunto ao riff inicial. Mais um
solo de trompete, atilado e curto, para terminar o número em
desce-som.
E o
que dizer da maravilhosa "Cantoloup Island"? Um colosso da
música do século XX. Que base do piano, que harmonia, que groove,
que chorus! Os quatro parecem saber tocar a melodia desde
crianças tamanha a naturalidade do arranjo, que se resolve entre o
quarteto intuitivamente, sabendo com exatidão a hora de cada um
entrar, a precisão da cadência, o ataque ou a supressão certa em
cada solo. No chorus, repetido a cada estampido seco de
Williams na caixa, como um comando, é de uma beleza indecifrável a
delicadeza do quase sugestivo último acorde ao final de cada frase,
pronunciado propositadamente fraco, como uma respiração, como um
suspiro que o ouvido já sabe como será – a adora confirmar o que
já sabia depois que o escuta. A sensação que se tem em
"Cantoloupe ..." é rara em música. Como Dear Prudence, dos Beatles, seu riff é tão natural e sugestivo que é como se
sempre estivesse ali, no ar; só nós que, seres limitados, não o
ouvimos. É preciso esses gênios mal acionem as moléculas para que,
atritadas, gerem o som e percebamos o óbvio. Longe da conjectura
matemática do serialismo dodecafônico, intricada e lógica, a
previsibilidade delas é sentida no coração.
Mas
mais do que o conhecido riff funky (muito bem “chupado”
pelo grupo Us3 em sua “Cataloop”, em 1993, porém inevitavelmente
inferior), Hubbard e Hancock desenvolvem solos que experimentam os
limites do hard-bop. Hubbard, logo após o primeiro chorus,
sobe um tom e entra rasgando, guinada inteligentemente acompanhada
por toda a banda no mesmo instante. Um dos solos mais clássicos do
cancioneiro jazz. Em seguida, cabe ao próprio Hancock, criador da
obra, imprimir-lhe uma carga descomunal de groove como até
então não se vira no jazz. Era James Brown materializando-se na “simplicidade complexa” do jazz.
Para
fechar, “The Egg”, em extensos mas nem de longe monótonos 14
minutos, um exercício minimalista brilhante e desafiador. Primeiro,
pela base de piano repetitiva em um esquisito tempo 4 + 3. Junto a
isso, a bateria de Williams, não menos criativa, mantém o compasso
em curtos rufares. Por fim, claro, as improvisações individuais de
cada um: prolongadas, em que cada músico usa da inventividade de
forma livre, namorando com o avant-garde que Coltrane, Ayler e
Don Cherry desenvolveriam a partir de então. O diálogo com a
vanguarda já se sente quando Carter surpreende e saca um arco para
fazer de seu baixo uma espécie de cello, tangendo as cordas ao invés
de dedilhá-las. Nisso, Hancock faz a música ganhar outras
dimensões, passeando pelo free jazz, retornando ao cool
dos anos 50, mas, mais do que isso, remetendo aos eruditos
contemporâneos em lances de pura atonalidade. Quanta musicalidade!
Em “The Egg”, Hancock antecipa o jazz fusion que ele mesmo
ajudaria a criar anos depois. O fim da faixa, que também encerra o
disco, é tão arrojado quanto sua abertura, como se um piano tivesse
quebrado e repetisse somente e justo aqueles acordes.
Um
disco memorável que, afora a data comemorativa, merece ser reouvido
e revisto a qualquer época, tamanha sua qualidade e importância.
Junto com outro trabalho definitivo do soul jazz, “The
Sidewinder”, do trompetista Lee Morgan (do mesmo ano!), “Empyrean
Isles”, com seus riffs e levadas funk somados à sua
engenhosidade harmônica, inspiraram toda a geração posterior de
jazzistas (Chick Corea, Vince Guaraldi, Hubert Laws, irmãos
Marsalis) e não-jazzistas, como a Blacksplotation dos anos 70, o pop
dos anos 80 e músicos de todas as partes do planeta até hoje que
chega a ser difícil até dimensionar. E essa força perdura desde
aquele longínquo 1964. A fase era tão fértil que, pouco menos de
um ano depois, Hancock comandaria a mesma banda no também
espetacular “Maiden Voyage”, avançando ainda mais alguns passos
em estética e forma. Mas os 50 anos desta outra obra-prima serão
completos somente ano que vem...
Nesta época de final de ano, o cinema, essa representação encenada e
diegética da realidade, reforça sua função, seja ela de ajudar a refletir ou
simplesmente entreter (ou os dois juntos, por que não?). Como n’"O Poderoso Chefão - Parte 2", em que os acontecimentos da máfia e da política estão fervilhando
em plena virada de 1959 para 1960 em Cuba, ou em “Boogie Nights”, quando todos
interrompem a chegada da década de 80 por causa de um suicídio em plena festa
de Réveillon, o dia de Natal também (ou a passagem de 24 para 25) aparece em
alguns filmes não necessariamente como tema central, mas como um pano de fundo
essencial àquilo que se quer contar. Às vezes é um detalhe, mas extremamente
simbólico para determinada obra de cinema. Um nexo narrativo que contribui para
a história de forma a lhe trazer os ícones que a data representa (o nascimento
e o significado simbólico de Cristo, a figura pop do Papai Noel, a valorização
dos sentimentos de fraternidade e compaixão, a representação do consumismo, o
pertencimento à sociedade capitalista ocidental, etc.).
Por isso, o Clyblog registra aqui algo nessa linha: não aquelas
comédias natalinas típicas que, embora divertidas, são óbvias. Aqui, fugimos da
obviedade. Listamos, sim, filmes que se nutrem dos elementos natalinos mais
profundos por assim dizer, ainda que apenas como instrumento para dar um toque
à trama, para gerar contraste entre a aparência e real ou apenas para contar
melhor uma história. Se você está cansado de assistir as franquias “Esqueceram
de Mim” ou “Meu Papai é Noel”, aqui vão alguns títulos que não esquecem da
data, mas vão além da mesmice – e que, justo por isso, merecem ser vistos mesmo
em outras épocas do ano. Mesmo que, porventura, apenas passem pelo tema, o
Natal, com seus significados, está lá.
“Duro de Matar” (“Die Hard”, John
McTiernan, EUA, 1988)
Provavelmente o melhor filme de ação dos anos 80 junto com “Um Tira da
Pesada”, “48 Horas” e alguns outros poucos, tem o Natal como pano de fundo para
uma trama inteligente que mescla policial, comédia e realismo (sim, realismo)
na medida certa. O policial nova-iorquino John McClane (Bruce Willis) vai
visitar a esposa em Los Angeles, que está numa festa de Natal da empresa onde
trabalha, no edifício Nakatomi Plaza. Durante a festa, terroristas alemães,
liderados por Hans Gruber (Alan Rickman) invadem o prédio e sequestram todos os
convidados com a intenção de roubar milhões em ações da companhia. McClane
escapa de ser aprisionado pelo grupo de Gruber e, com grande dificuldade, mas
com perícia e astúcia, passa a combatê-los.
A fórmula é muito parecida com o que Hollywood fazia de muito tempo no
gênero ação/policial – as sequências com o gancho da tensão e as explosivas
cenas de ação, entremeadas por tiradas engraçadas que aliviam a seriedade e a periculosidade
– mas adiciona-lhe algo que passaria a servir de exemplo para trocentas
produções posteriores: a pegada realista. McClane derrota os terroristas neste
dia de Natal atípico, mas o consegue a custas de muito esfolamento. O conceito
de anti-herói, humano e mortal, é uma quebra de paradigma no cinema norte-americano
do gênero. Se há estilhaços de vidro no chão e McClane está descalço, ele vai
cortar o pé, ora essa! É exatamente isso que acontece, numa ressignificação do
tipo James Bond, perfeito e inatingível. Tanto é que, por tudo que passa, McClane
sai um trapo no final do filme, o qual finaliza emblematicamente com o jazz
natalino “Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!” na voz de Vaughn Monroe.
Igualmente, o contraste dos elementos visuais e alegóricos da data com a
violência (o vermelho da roupa do Papai Noel com o sangue dos ferimentos)
funciona muito bem. Daqueles que sempre que estão passando na TV se assiste,
inevitável.
"Duro de Matar" - "Ho-Ho-Ho!"
“Morte e Vida Severina” (Walter
Avancini, BRA, 1981)
Uma obra-prima da teledramaturgia mundial (vencedora do Emmy daquele
ano), é a encenação do poema de João Cabral de Melo Neto, o qual se chama
também “Auto de Natal Pernambucano”. Com músicas primorosas de Chico Buarque e
aproveitando parte do elenco que Zelito Viana usara na filmagem da história quatro
anos antes para o cinema, esta é, sem dúvida, a mais bela versão do texto
clássico do poeta pernambucano.
De forte cunho social e denunciador, narra a trajetória do retirante
nordestino Severino (José Dumond, impecável) do sertão árido à capital Recife
através de versos musicados ou recitados em busca de respostas à vida miserável
que leva. O que encontra em muitas das etapas dessa cruzada é apenas morte
através do descaso e da desassistência do povo, de “Severinos iguais em tudo na
vida”, o que o faz pensar em “saltar fora da ponte e da vida”. Mas o nascimento
de mais um “Severino”, filho de um carpinteiro pobre mas sábio, vem trazer
cores à desesperança. É a “boa nova” que o Natal ensina, o Cristo incutido
naquela pequena e franzina vida que se rebenta. “E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida?”.
“A Felicidade não se Compra”
(“It's a Wonderful Life”, Frank Capra, EUA, 1946)
Capra é um dos mestres do primeiro cinemão norte-americano. Era capaz
de criar filmes de marcantes conceitos estético e narrativo a um espírito
fortemente nacionalista, seja na valorização dos símbolos de seu país, seja no
recorrente tom moral típico daquele povo, o qual vai da puerilidade à
arrogância. No caso, mais para onírico, “A Felicidade...” conta a história de
um espírito candidato a anjo que, para ganhar suas asas, recebeu a missão de
ajudar um empresário (James Stewart) que, em virtude de grave problema
financeiro, tinha a intenção de se suicidar. O aspirante a anjo aparece-lhe na
véspera do Natal quando este está prestes a saltar de uma ponte. Ele fala de
sua missão e comentou que seria um desperdício matar-se, pois ele era
importante para muita gente. Ante o ceticismo de seu protegido, que se sentia
um fracassado, o amigo espiritual mostrou-lhe várias situações que teriam
acontecido se não fosse sua interferência: a morte do irmão, o desespero da II
Guerra (recém terminada quando o filme foi rodado), a tristeza da esposa, a
situação lastimável de sua cidade, entre outras.
Com fotografia P&B impecável – bastante forjada no cinema soviético
de Eisenstein e Vertov –, Capra amarra uma história cheia de acontecimentos com
um domínio narrativo espantoso sem deixá-la confusa ou chata. Trata-se de um
típico clássico natalino, eu sei, mas com tamanha qualidade não daria para
deixá-lo de fora – até por que, atualmente, está em desuso assistir a filmes
antigos ainda mais nessa ditatoriamente colorida época natalina. No final, a
mensagem é evidente, o que não lhe tira a emoção – até por que muito bem
escrito e realizado.
“Cortina de Fumaça” (“Smoke”,
Wayne Wang e Paul Auster, EUA/Alemanha, 1995)
Uma ode à solidariedade e ao respeito às diferenças, sejam elas
raciais, de gênero ou qualidades pessoais. Tem coisa mais a ver com Natal isso?
Pois esta pequena obra-prima com cara de Jim Jarmusch traz isso e mais um
pouco. O “isso” é a história envolvente e coral: Auggie Wren (Harvey Keitel)
tem uma tabacaria onde circulam tipos bem peculiares (olha aí as diferenças
subtextualizadas). Ele também tem um hábito próprio: o de fotografar, às oito
da manhã, a fachada de sua loja. É assim que ele conhece o escritor em crise
criativa e emocional Paul Benjamin (William Hurt), que, por um momento
fortuito, acaba conhecendo um jovem negro morador de rua a quem ajuda a
encontrar seu pai. A história é, na verdade, um reencontro das raízes pessoais
e dos laços afetivos mal resolvidos no passado.
O “um pouco mais” a que me referi é, além desse instigante subtexto, há
a célebre cena em que Auggie vai parar na casa de uma senhora cega cujo neto
furtara-lhe a loja. Ela, amorosa e sem os pré-conceitos de quem enxerga apenas
com os olhos, o recebe e o convida para cear com ela naquela véspera de Natal.
Tudo ao som da belíssima canção “Innocent When You Dream”, de Tom Waits. Cena emocionante. Uma história tão linda que, renovadas as emoções de todos na
trama, motiva o até então travado escritor Paul em seu novo romance, chamado: “Auggie
When’s a Christmas Story”.
"Cortina de Fumaça" - História de Natal de Auggie Wren
“O Natal do Charlie Brown” ou “Feliz
Natal, Charlie Brown” (“A Charlie Brown Christmas”, Bill Melendez, EUA, 1965)
Já havia me referido ao filme indiretamente aqui no blog no Natal de
2013 quando escrevi sobre a magnífica trilha sonora de Vince Guaraldi nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Pois além da preciosidade que musica o episódio, a própria
animação merece destaque. Com os elementos característicos da série de Charles
Schulz, o curta “O Natal do Charlie Brown” é o primeiro desenho animado da
turma dos Peanuts. Quando o questionador Charlie Brown reclama sobre o sentido
materialista que as pessoas dão à data, Lucy sugere que ele se torne o diretor
de uma peça teatral no colégio. Charlie Brown aceita, mas, claro, sua
insegurança e os ingovernáveis fatores externos fazem com que ele perca o
controle, frustrando-se. “Que puxa!” O
amigo de todas as horas Linus, entretanto, lhe consola relembrando o verdadeiro
sentido natalino.
Tem um Charlie Brown e Snoopy novo por estrear no Brasil que aproveita
o Natal (comercialmente, inclusive) como pano de fundo, mas este aqui é
insuperável, não só pela trilha original de Guaraldi mas pela precisão de
Melendez na direção, que sempre imprimiu à série de TV a dose certa de doçura,
comédia, entretenimento e ludicidade. Atração – e ensinamento – para crianças e
adultos.
Sou um tanto suspeito em falar desse filme, pois trata-se de meu
preferido da longa, profícua e expressiva filmografia do gênio Bergman.
Entretanto, como deixar de fora essa obra-prima que, além de alinhar-se
bastante com o recorte que proponho, é o amadurecimento total de um artista que
já nascera maduro para o cinema. Superprodução que encerra a carreira do
cineasta na grande tela, transcorre-se em dois anos da primeira década do
século XX na família Ekdahl. Após um alegre Natal, o pai de um casal de
crianças morre. Deste momento em diante Alexander (Bertil Guve), o menino, passa
a ver o fantasma do pai frequentemente. Tempos depois, sua mãe casa-se com um
extremamente rígido religioso e as crianças são obrigadas a deixar a casa da
avó paterna para viverem com a família do padrasto de hábitos severos, onde são
tratados como prisioneiros. Na casa do padrasto o sensível e inventivo
Alexander passa a ver o fantasma da primeira esposa dele e suas filhas, que
haviam morrido tentando escapar dele. Decorrido algum tempo, a mãe se
conscientiza da real personalidade do marido e de quanto seus filhos sofrem
naquela casa e planeja um modo de tirá-los daquele lugar e levá-los de volta para
casa.
O proposital clima espiritualista de toda a história faz cama para a
impactante sequência da fuga, em que as forças divinas operam um milagre de
Natal e os três conseguem escapar da prisão domiciliar. Haveria muito a se
falar sobre “Fanny e Alexander” (a relação entre pais e filhos, a
espiritualidade imanente, a percepção afinada da criança, a metáfora da vida
como palco – e vice-versa –, os limites entre vida e morte, etc.) mas destaco
aqui um fator primordial: o fato de o Natal estar presente no início e no final
do filme. A data do nascimento de Jesus demarca dois momentos psicológicos e
emocionais dos personagens, numa significação das possibilidades de mudança e
desenvolvimento da vida e das pessoas. Cada um com suas qualidades e
dificuldades, com suas personalidades e jeitos, mas passíveis de enxergarem o
mundo para além de si mesmos. Afinal, é Natal.