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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 90


Há cinco anos, publicávamos aqui no Clyblog uma série de três longas matérias com listas dos filmes essenciais para se entender o cinema brasileiro do século XX, fazendo um recorte de suas três principais décadas produtivas: 60, 70 e 80. Por motivos óbvios, os desfalcados anos 90 não entraram nessa primeira série, haja vista a impossibilidade de se equiparar em importância com estas outras décadas uma vez que seu esforço foi muito menos pela manutenção da qualidade obtida anteriormente do que, principalmente, pela sobrevivência do audiovisual brasileiro. A puxada de tapete do governo Collor ao destruir a exitosa Embrafilme não ofereceu nenhuma alternativa substitutiva à altura que garantisse a continuidade do trabalho de milhares de profissionais e da importante arte cinematográfica brasileira.

Porém, os anos se passaram aqui no blog e, com eles, chegamos ao final da década de 2010, em que o cinema brasileiro, devidamente retomado de seus percalços (será?!), torna a ganhar o circuito internacional com filmes não apenas bem realizados, como essenciais para a nova cinematografia mundial, caso de "Cidade de Deus", "Tropa de Elite" e, mais recentemente, “Bacurau”. Mesmo que o correto seja compreender o final da década assim que concluir o ano em que estamos, e só começar a contar uma nova década a partir de 2021, quem imaginaria que viria a Covid-19 para congelar tudo, afetando, principalmente, o setor cultural e, com ele, a produção cinematográfica? Se havia ainda alguma esperança de que novos títulos se somassem aos produzidos nos últimos 9 anos para cá, a pandemia, bastante ajudada pela política inimiga da cultura do atual governo brasileiro, forçou para que se acabasse de vez a década.

Entre a última década do século passado e a que estamos, restam, claro, os primeiros 10 anos do novo século. Vamos reconstruir, então, a essência do que foi produzido no cinema brasileiro nos últimos 30 anos, começando pelos 90. Se a recorrente falta de prioridade para com a cultura e a arte da política brasileira fez de tudo para acabar com o cinema nacional, fique esta sabendo que não conseguiu. Produções escassas, mirradas, prejudicadas, mas mesmo assim, resistentes. Deste modo, selecionamos aqui 20 títulos essenciais para entender esta década que, com todos estes percalços, ainda assim mantém qualidade suficiente para não deverem nada a títulos de outras décadas mais abastadas. Uma exceção fazemos aqui, no entanto: não apenas por contar fatalmente de menos filmes classificáveis, os anos 90 são sinônimo de “retomada” para o cinema no Brasil, fase a qual se encerraria apenas com o marco “Cidade de Deus”, de 2002, um ano depois da instituição da Ancine. Então, coerentemente com a construção histórica do novo cinema brasileiro, incluímos as produções do ano de 2000 nesta primeira listagem. A partir dali, uma nova era viria.





1 - “Carlota Joaquina: Princesa do Brazil”, de Carla Camurati (95): O filme de estreia de Camurati é o marco de resistência do cinema brasileiro pós-Collor, quase um manifesto, que bradava: “É possível, mesmo com toda a dificuldade, fazer cinema autoral no Brasil!”. Cheio de hiatos e desconexões (propositais ou não), tem, além desta simbologia (que já lhe seria suficiente para integrar esta lista), o mérito de trazer algumas características que se consolidariam no cinema brasileiro nas décadas seguintes: a coprodução com países estrangeiros, a linguagem cômica, a edição ágil e a abordagem crítica.






2 - “O Quatrilho”, de Fábio Barreto (95): Há quem torça o nariz para certa pasteurização do filme rodado no interior do Rio Grande do Sul sobre a obra de José Clemente Pozzenatto, mas é fato que, com ele, os Barreto reabriram as portas do Brasil para o mercado internacional com a inédita indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na história do cinema brasileiro – feito que ocorreria apenas mais duas vezes. E isso num momento em que jamais se esperaria algum reconhecimento vindo de um ainda agonizante cinema pela quebra da Embrafilme. Um bom romance, com seus méritos.





3 - “O Mandarim”, de Julio Bressane (95): Enquanto os Barreto encabeçavam uma nova investida na internacionalização do cinema brasileiro e Camurati tentava redirecionar os rumos das coisas por aqui, o bom e velho transgressor Julio Bressane aperfeiçoava seu cinema-poesia. Assim como em “Tabu”, “Brás Cubas” e os “Os Sermões”, a música é quase um personagem, neste caso, para contar a proto-biografia de Mário Reis (Fernando Eiras), mas não sem o “auxílio luxuoso” de Caetano Veloso, Chico Buarque (fazendo eles mesmos), Gilberto Gil (encarnando Sinhô) e Edu Lobo (fazendo as vezes de Tom Jobim). Tudo de forma artesanal, barata e genial.




4 - “Terra Estrangeira”, Walter Salles Jr. e Daniela Thomas (96): O filme de Waltinho e Daniela tem o poder de vencer a contramaré vivida pelo cinema nacional àqueles idos a ponte de tornar-se um dos mais importantes filmes da cinematografia nacional. Tanto que está na lista da Abraccine dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Uma história sobre solidão e resgate das próprias raízes motivado justamente pelo confisco promovido pelo mesmo presidente Collor que extinguiu tanto o dinheiro do brasileiro quanto o da Embrafilme. Fotografia impecável p&b de Walter Carvalho, trilha excelente de Zé Miguel Wisnik e até dedo de Millôr Fernandes nos diálogos. Um luxo em época de vacas magras.







5 - “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas (96): Na esteira da mais revolucionária cena cultural do Brasil dos últimos 30 anos, o mangue beat, o filme marco da retomada do cinema pernambucano, retraz questões formativas da cultura nordestina (o cangaço, o “Ciclo do Recife” dos anos 20, os superoitistas dos anos 70, o sotaque, a antropomorfia) com uma roupagem moderna. Se não é necessariamente um filme bom, é altamente representativo e indispensável para se entender o cinema brasileiro de então, visto que abriu portas para a entrada de talentos de outros pernambucanos como Kleber Mendonça Filho, Cláudio Assis, Hilton Lacerda e Marcelo Lordello.







6 - “Guerra de Canudos”, de Sérgio Rezende (96): Afeito aos temas da História do Brasil, Rezende, após realizar seu grande filme, “O Homem da Capa Preta”, em 86, viu-se, assim como seus pares, totalmente descapitalizado para realizar seu trabalho. O que não foi motivo para abandonar o projeto sobre a real história do líder Antônio Conselheiro e a sangrenta guerra contra as forças do Império extraída do épico “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Wilker, que já havia protagonizado “O Homem...”, está brilhante no papel principal. Produção cara que, mesmo os justificáveis defeitos de produção, não apagam o brilho.







7 - “Tieta do Agreste”, de Cacá Diegues (96): O tarimbado Cacá foi dos que sofreu bastante com a quase inviabilização do cinema no Brasil da era Collor. Após o paupérrimo longa de episódios “Veja Esta Canção”, de 94, parecia que nunca mais viriam grandes produções de outrora como “Quilombo” ou “Xica da Silva”. Mas o sempre obstinado cineasta surpreende com um filme recheado de qualidades: texto baseado e revisado pelo próprio Jorge Amado, Sônia Braga brilhante como Tieta, Chico Anysio tornando a fazer cinema como o velho Zé Esteves, trilha de Caetano, fora outras. Uma delícia de filme.





8 - “A Ostra e o Vento”, de Walter Lima Jr. (97): Assim como Cacá e Bressane, Walter é outro experiente realizador nascido no Cinema Novo. Porém, tem como característica o empreendimento de projetos muito peculiares, como esta bela adaptação do romance de Moacir C. Lopes, que conta com roteiro dele e de Flávio Tambellini (que se tornaria um dos cineastas de vulto no cinema nacional), fotografia de Pedro Farkas, música de Wagner Tiso e a linda canção original de Chico. Lima Duarte, Castrinho e Fernando Torres excelentes, além da jovem Leandra Leal, estreando na tela grande com uma inesquecível atuação sobre um tema raramente explorado com tanta assertividade: o florescer da sexualidade feminina.






9 - “Os Matadores”, de Beto Brant (97): Fala-se muito de “O Invasor”, de 2002, mas em “Os Matadores”, primeiro longa do talentoso paulista Beto Brant, ele já introduzia sua contribuição ao cinema brasileiro com um estilo autoral, de forte apelo literário, com histórias inspiradas na realidade em diálogo com o tempo presente e onde o ator tem espaço para contribuir na narrativa. Além disso, em resposta à falta de perspectivas vivida pela classe cinematográfica brasileira no início dos anos 90, trazia um conceito “enxuto”: projetos racionalizados sob o ponto de vista da produção, com equipes de trabalho formadas por amigos, que se transformam em parceiros constantes. Na sua estreia, Brant já saiu abocanhando o prêmio de melhor direção no Festival de Cinema de Gramado.






10 - “O Que é Isso, Companheiro?”, de Bruno Barreto (97): Criado em 91 como mecanismo do incentivo à cultura, a Lei Rouanet começou a, de fato, render frutos anos depois. Após emplacar a inédita disputa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “O Quatrilho”, um ano depois o Brasil colocava outro candidato à estatueta: o bom “O Que...”, baseado no Best-seller biográfico de Fernando Gabeira. Novamente, são os Barreto os responsáveis pelo feito. Além das excelentes atuações de Pedro Cardoso, Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, o filme avança no espaço aberto por “Carlota Joaquina” no sentido da coprodução estrangeira, o que resulta nas participações do craque Alan Arkin no elenco e da excelente trilha do ex-Police Stewart Copeland.





11 - “Pequeno Dicionário Amoroso”, de Sandra Werneck (97): A Globo Filmes, a partir da década seguinte, vulgarizaria o estilo comédia feita com atores da emissora, lançando aos montes subproduções sem nenhuma qualidade, quanto menos pretensão cinematográfica. Mas isso ainda cabia naquele sétimo ano da década de 90, quando Sandra realizou esta comédia romântica deliciosa. Aquele final com “Futuros Amantes” do Chico é de arrebentar o coração até do mais insensível espectador. Atuações ótimas de Andrea Beltrão, Daniel Dantas, Glória Pires e Tony Ramos – estes dois últimos, que fariam dupla noutra comédia (um pouco menos) romântica “Se Eu Fosse Você” anos mais tarde.





12 - “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr. (98): É só deixar solto, que o sobrevivente cinema brasileiro se supera e, logo em seguida, se agiganta. Sete anos após a instituição da Lei Rouanet e minimamente restabelecido o mercado do audiovisual brasileiro, Waltinho vem com aquele que é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, certamente o melhor da década de 90. Tocante, envolvente, denunciador, poético, revelador. Um filme perfeito em tudo: fotografia, trilha, montagem, arte e, principalmente, a direção de atores. “Central...” traz algumas das mais célebres atuações do cinema brasileiro numa mesma obra: Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nasctergaele, o pequeno Vinícius de Oliveira e, claro, a deusa Fernanda Montenegro, que, assim como o filme, o último concorrente ao Oscar de Filme Estrangeiro do cinema nacional, também disputou a estatueta – perdendo, junto com Meryl Streep e Cate Blanchett, para Gwyneth Paltrow. No entanto, levou Berlim de Melhor Atriz e Melhor Filme.




13 - “São Jerônimo”, de Julio Bressane (98): O hermético e experiente Bressane é original não apenas na narrativa e no seu inconfundível estilo pessoal, mas também nos temas que escolhe para filmar. Ao abordar a história do santo e obscuro intelectual do século IV autor da edição e da tradução completa da Bíblia, a chamada Vulgata, Bressane dava sua definitiva contribuição para a retomada provando que em cinema (principalmente, no Brasil) é possível conjugar estética exigente e verba exígua, poesia arrojada em prazo concentrado. Como São Jerônimo, Bressane operava milagres.




14 - “Estorvo”, de Ruy Guerra (98): Em 1991, emputecido com a vitória da velha política de Collor na primeira eleição democrática para presidente do Brasil (e a derrota da “nova” por parte do correligionário Lula), Chico Buarque lançava seu pequeno, mas potente primeiro romance, “Estorvo”, um sucesso que ganharia Jabuti. Mas para levar à tela um enredo tão subjetivo, somente alguém muito conhecedor da obra do autor de “Vai Passar”. Ninguém melhor, então, que o moçambicano-brasileiro Ruy Guerra, companheiro de velhos tempos de Chico, seja no teatro, na música ou no próprio cinema. O clima perturbador da obra se potencializa nas tomadas distorcidas, na câmera nervosa, na montagem ousada e até no off com a voz do próprio Ruy, cujo sotaque arrevesado impõe a estranheza que a narrativa merece. Filme difícil, mas essencial.



15 - “A Causa Secreta”, de Sérgio Bianchi (96): O cinema deste paranaense radicado em Sampa nunca fez concessões. Desde o curta “Mato Eles?”, de 1982, quando denunciava o descaso com os índios, seu discurso é apontado para a crítica e toda a narrativa se mobiliza neste sentido. Em “A Causa Secreta”, o cineasta se vale de todas as suas armas para evidenciar a podridão moral da sociedade brasileira. E o faz com alto poder mimético, numa construção narrativa incomum, atuações e situações que incomodam de tão reais e agudas. Como outros filmes da década, peca por certo – e compreensível – déficit técnico, mas supera as dificuldades com a coesão da obra, essencial para entender o país em recente caminhada democrática e todos os problemas que ainda iria demorar a se livrar.




16 - “Dois Córregos - Verdades Submersas no Tempo”, de Carlos Reichembach (99): Filho da Boca do Lixo carioca, o gaúcho Carlão, mesmo à época das famigeradas pornochanchadas dos anos 70/80, produzia com qualidade, fosse na fotografia, a qual era um ótimo técnico, fosse na própria direção. Nos anos 90, já havia realizado o emocionante “Alma Corsária”, mas nada se compara tanto em emoção quanto em acerto com “Dois Córregos”. Um romance que envolve política, história e reminiscências do próprio cineasta, que filmou cenas na praia de Cidreira, no litoral do seu estado de origem. E tem trilha magnífica de Ivan Lins pra arrematar.





17 - “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky (2000): Entramos na leva de filmes de 2000, que sinalizam o começo do fim da retomada. E não se poderia iniciar com um título mais emblemático que esta estreia da talentosa Laís Bodanzky. Símbolo da retomada, é um dos filmes que denotaram que o cinema brasileiro saíra da pior fase e entrava numa outra nova e inédita. Além de lançar a cineasta e o hoje astro internacional Rodrigo Santoro, conta com uma estética e edição arrojadas, com sua câmera nervosa e atuações marcantes, tanto a do jovem protagonista quanto dos tarimbados Othon Bastos e Cássia Kiss. Vários prêmios: Qualidade Brasil, Grande Prêmio Cinema Brasil, Troféu APCA de "Melhor Filme", além de ser o filme mais premiado dos festivais de Brasília e do Recife. Além disso, também está nos 100 da Abracine. Trilha de André Abujamra e com músicas de Arnaldo Antunes.





18 - “Tolerância”, de Carlos Gerbase (00): O Rio Grande do Sul também é um dos protagonistas dessa virada do cinema brasileiro para a modernidade, e o responsável por isso é o primeiro e melhor longa do "replicante" Gerbase. Uma “história de sexo e violência” num thriller ao estilo do cineasta: trama envolvente, roteiro impecável e atuações conduzidas pela mão de quem carrega a experiência superoitista e da cena curta-metragem, que salvou na raça o cinema brasileiro quando nenhum longa era possível de ser feito. Maitê Proença, linda, está brilhante. 






19 - “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington (00): Outro marcante filme "

00", este tocante, mas ao mesmo tempo divertido e denunciador romance, marca a entrada de vez de Andrucha no mundo da tela grande, ele consagrado como diretor de videoclipes célebres de artistas da música brasileira e realizador do acanhado “Gêmeas”, de um ano antes. A trilha de Gil cumpre um papel fundamental, amarrando a narrativa tanto em suas novas e antigas composições, quanto nas versões de Gonzagão. Grande Prêmio Cinema Brasil de Filme, Fotografia, Montagem e Atriz para Regina Casé, maravilhosa, assim como seus “maridos”: Lima Duarte, Stênio Garcia e Luiz Carlos Vasconcelos.






20 - “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes (00): O cinema brasileiro fechava seu ciclo de maiores dificuldades estruturais com um sucesso de crítica e público (2 mi de expectadores). Guel, que havia construído uma carreira alternativa na dramaturgia através da televisão desde a TV Pirata e aperfeiçoando-a ao longo dos anos, chegou pronto ao seu primeiro longa, baseado na peça de Ariano Suassuna. Difícil ver uma trupe tão grande de ótimos atores/atuações juntos: Selton, Nachtergaele, Nanini, Denise, Diogo, Lima, Virgínia, Goulart... todos, todos impagáveis. João Grilo e Xicó formam uma das melhores duplas de personagens do cinema nacional. Comédia divertida – mas também dramática – com o pique de edição e cenografia de Guel. Um clássico imediato.


Daniel Rodrigues


domingo, 30 de agosto de 2020

Wakanda Forever! A representatividade negra nas HQ’s, séries de streaming e blockbusters norte-americanos



O trono de Wakanda está vazio e, com ele,
também o da representatividade negra de heróis no cinema.
Quando fiquei sabendo da morte precoce de Chadwick Boseman, ator que entre outros trabalhos interpretou o Pantera Negra, fiquei triste e preocupado. Essa preocupação se dá, pois essa perda se deu no decorrer de mais uma semana de intensos conflitos raciais nos EUA, impulsionados pela violência histórica e estrutural da polícia norte-americana contra os negros. Parei um momento para fazer uma pequena reflexão, sobre como a questão racial e de representatividade de heróis e heroínas negros nas histórias em quadrinhos (HQ’s), pode ser explorado de forma pedagógica e ligada diretamente ao Ensino de História.
Na década de 1960 os Estados Unidos da América encontravam-se ainda segregados racialmente, resquício da Guerra de Secessão (1861-1865) de cem anos antes. De forma resumida, podemos compreender que foi a luta dos estados do norte industrializado, que defendiam o fim da escravidão, a fim de que os antigos escravizados se tornassem trabalhadores assalariados, impulsionando assim o capitalismo emergente do período. Do outro lado tínhamos os estados do sul escravagista, que defendiam a manutenção da mão de obra escrava, pois consideravam que perderiam muito capital com a emancipação dos escravizados.
A importância então das HQ’s e, mais tarde, dos filmes que colocavam em evidência protagonistas negros possibilitou a ruptura de estereótipos, que ainda hoje são presentes em nossa sociedade. Estereótipos estes, que colocam ainda os pretos e pardos como subalternos, ligados a uma subcultura, ligados à criminalidade ou dependentes de figuras brancas, símbolos da colonização europeia.
Como não pensar, por exemplo, em Tarzan quando se fala em heróis africanos. Ainda que o Tarzan tenha sido um nobre europeu branco, que sofreu um naufrágio na costa africana, foi criado por macacos e quando enfrentava tribos negras, essas tribos eram retratadas como vilãs em algumas de suas aventuras.
Da mesma forma, pensar em Allan Quatermain, o explorador branco inglês, símbolo da colonização europeia da região. Ou no Fantasma, que começa sua trajetória nas selvas asiáticas, mas depois é deslocado para o continente africano. Ao pensar em heróis africanos no início do século XX, pensava-se em brancos que representavam o colonialismo branco europeu.
O Pantera Negra foi, de certa forma, responsável pela redescoberta
de outros heróis negros, como, por exemplo, Misty Knight e Luke Cage.
Quando o escritor Stan Lee e o ilustrador Jack Kirby se uniram para criar o Pantera Negra em 1966, ainda que por diversas vezes tenham alegado que não havia ligação com o movimento político Black Panthers, o herói acabou sendo símbolo justamente dessa quebra de paradigmas e estereótipos ligados aos negros de forma geral, pois era um rei, gênio cientifico, líder de uma nação tecnologicamente superior a qualquer outra no planeta. Lembrando novamente que isso ocorreu justamente durante a luta pelos direitos civis dos negros americanos, que até então não podiam frequentar bares, comércios, igrejas e até mesmo escolas públicas que eram destinadas aos brancos. Nos ônibus, trens e metros, os espaços destinados aos negros eram os do fundo desses transportes.
Ainda que de forma ficcional, o Pantera Negra serviu e serve ainda hoje, como símbolo dessa quebra de padrões e imposições, além é claro de personificação imagética do antirracismo. Quando o Marvel Studios lançou em 2017 o filme "Pantera Negra" nos cinemas, a repercussão política e social do Blockbusters foi tanta, que gerou uma das maiores bilheterias da franquia de heróis até hoje. O mais importante, no entanto, foi o empoderamento de várias crianças e adolescentes negros em todo o mundo, que passaram a se sentir representadas na figura do herói. Lembro que falamos por semanas nas minhas aulas sobre o filme e ainda falamos muito sobre ele até hoje.
Outros heróis negros, que eu já conhecia como aficionado desde a adolescência em HQ’s, passaram a ser redescobertos, como Luck Cage e Misty Knight, vistos na série da Netflix Luke Cage. Adaptações foram feitas em séries para canais de streaming, como a segunda temporada de Watchmen da HBO, que coloca a questão racial no centro da trama, sendo que a protagonista da série é uma heroína negra. Podemos citar também outros personagens negros da DC como Ícone, Vixen, Super Choque, Raio Negro, entre tantos outros, que servem para reflexão sobre essa temática.
Será que Pierre Bourdieu, pensador que desenvolveu também o conceito de representatividade, conseguiria imaginar um aprofundamento desta questão sob esta ótica?
Espero, de coração, que o trono, da nação fictícia de Wakanda não fique vazio por muito tempo nas novas produções da Marvel. Que a morte do excelente ator Chadwick Boseman, protagonista de outros trabalhos que merecem reconhecimento também, possibilite uma reflexão sobre a importância da representatividade, sobe os mais diferentes aspectos, assegurando o empoderamento e a visibilidade daqueles que não se sentem representados de forma equânime. Wakanda Forever!

por  C L E B E R     T E I X E I R A     L E Ã O



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Cleber Teixeira Leão é professor da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, onde atua há 10 anos. Também é músico e pesquisador de Ensino de História.
Em seu Mestrado Profissional de Ensino de História pela UFRGS, desenvolveu uma pesquisa no campo das relações étnico-raciais, com foco no conceito do estudo crítico da branquitude, sobre a qual apresenta os dados produzidos a partir dela, para professores, pesquisadores e o público em geral, em webinarios, debates e podcasts.
Cleber é morador do bairro Restinga, zona periférica da capital gaúcha, local de movimentos culturais negros de grande expressão no cenário porto-alegrense, do qual ativamente faz parte.


Referências:
BOURDIEU, Pierre. “Esboço de uma teoria da prática”. In: ORTIZ, Renato (org.) Pierre Bourdieu. São Paulo, Ática, 1994.
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo, Brasiliense, 1988.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
MUNANGA, Kabengele (org.) Superando o racismo na escola. 2. ed. Brasília: MEC/SECAD, 2005. Disponível em: https://bit.ly/2v374Ty. Acesso em: 14 maio 2018.
https://www.huffpostbrasil.com/2018/02/15/pantera-negra-entenda-a-origem-e-a-importancia-do-1o-super-heroi-negro-mainstream_a_23362850/

sábado, 2 de fevereiro de 2019

Exposição "100 Anos de Athos Bulcão" - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Rio de Janeiro / RJ








Consegui ir ver, no apagar das luzes, poucos dias antes do encerramento, a exposição de Athos Bulcão, no CCBB daqui do Rio de Janeiro. Em minha ida a Brasília, há dois anos atrás, já tinha podido apreciar muito de sua obra que está espalhada por toda a cidade, desde os painéis e relevos nos prédios oficiais, até as azulejarias nos conjuntos habitacionais, mas agora tive a oportunidade de, além de admirar toda sua ordem e geometria, conhecer trabalhos de estamparia, fotografia, cerâmicas, desenhos a grafite e até experimentações em recorte e colagem. O resultado da minha visita à exposição foi que minha admiração por este artista carioca que fez sua carreira em Brasília, e lá gravou seu nome com alguns de seus mais importantes trabalhos, só fez aumentar.
A mostra, aqui no Rio, acabou e se você não teve a oportunidade de ver, dê uma conferida em algumas imagens aqui no ClyArt.




A integração de geometria e natureza.
(Igreja Nossa Senhora de Fátima - Brasília)

O artista também foi homenageado por outros
em uma das salas da exposição

A forma humana estilizada com liberdade e maestria.

Esboço a grafite para máscaras.

Amostra volumétrica para máscara.


Espaço para os pequenos criarem.

O belíssimo painel "Lula"

Painel horizontal. ritmo, ordem e geometria.

Trabalho para estampa de lenço.

Os impressionantes trabalhos de fotomontagem
bastante surreais

Esta lembra acapa do álbum "Strange Days", do The Doors

Repetições e gravações sobre geometria.

A exposição também apresentou alguns
trabalhos religiosos do artista

Bulcão também desenhou indumentárias e estampas para
cerimônias e peças teatrais.

Outro belíssimo painel.

Os relevos, marca registrada de Bulcão.

Aqui uma detalhada paginação de uma de suas obras.

Eu diante de um painel vazado do artista.

Projeto, teste e resultado final do Sambódromo, no Rio.




Cly Reis






domingo, 25 de março de 2018

Coluna dEle #48 - Como fazer uma Pessoa Horrorosa



Fala aí, filharada! Tamo chegando. Tamo na área. Como é que 'cês tão? Eu seu que Eu que deveria saber disso porque afinal de contas quem toma conta de vocês sou Eu, mas Eu tenho estado tão ocupado com outras coisas mais importantes que tenho o deixado vocês se virarem, o que, por sinal, têm sido um desastre.
Mas hoje, resolvi aliviar e usar este meu espaço para uma receita. Pois é! Tá tão na moda essas coisas de programas de chefs, de culinária, que eu resolvi vir aqui para mostrar a minha receita de "Pessoa Horrorosa". Apesar do Barroso já ter mostrado que conhece os ingredientes, resolvi mostrar aqui num passo a passo como é que Eu fiz um juiz do STF aí do país de vocês.
Então vamos lá. Mãos na massa!

Receita de como fazer uma Pessoa Horrorosa

ingredientes:
1 pacote de Mal
1 litro de Atraso
Psicopatia em pó






Coloque todo o conteúdo do pacote de Mal e em seguida acrescente 1 litro de Atraso para dissolver, mexa bem e certifique-se que a mistura fique homogênea, assim que você perceber que deu liga acrescente uma pitada de Psicopatia e deixe a massa descansar, leve a Brasília e está pronto: você tem uma Pessoa Horrorosa que pode ser o Gilmar mendes, ou a Carmem Lúcia, o Alexandre de Moraes ou até o próprio Luiz Roberto Barroso. Quem foi feito a partir dessa receita é praticamente um monstro. 
(Eu faço cada merda!)


****




Por hoje era só isso, Meus filhos. Vou indo nessa que Eu não tô com a vida ganha como vocês. Semana que vem é Páscoa e o garoto aqui fica meio deprimido com aquela toda que aconteceu a alguns milhares de anos atrás.
Qualquer coisa, tamo aí.
É só prender o grito ou fazer um precezinha.

Receitas, dicas de cozinha, ingredientes secretos, liminares, habeas corpus, prisões, condições coercitivas, preces, orações, pedidos, súplicas, milagres, é tudo comigo pelo 
god@voxdei.gov

É só chamar que Eu tô sempre por aí porque Eu sou onipresente.
Flw?



Fui!
Fiquem Comigo e que Eu os abençoe.

Juízo, hein.



Ele

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Coluna dEle #44




Tô puto, tô cuspindo fogo, tô virado no capeta!!!
Desculpem a indignação. Primeiramente, fora... digo, primeiramente bom dia. É que vi um troço aqui e  fui obrigado a descer do Meu trono celestial e vir a público Me defender.
Eu tava aqui na Minha, de boas cuidando da Minha vida e da de vocês também, o que é Minha obrigação diga-se de passagem, quando fui surpreendido com a noticia de mais uma citação ao Meu Santo Nome (em vão). Ah, não!
Depois de toda aquela cambada naquela vez da tal da votação do impeachment dizer que tava fazendo aquilo em Meu nome e coisa e tal, agora Me vem esse presidente postiço insinuar que Eu tive alguma coisa com o fato de estar onde está.
Eu fora, golpista! Me inclua fora dessa.
Eu não coloquei ninguém lá. Vocês sabem muito bem quem foi. Foi o tal do "grande acordo". E quando eles falam em "Supremo e tudo", podem ter certeza que não se referem ao Juiz Supremo aqui.
Se ele não sabe como é que "Eu teria colocado" ele lá, eu sei menos ainda! Isso não foi feito na jurisprudência daqui de cima, não.
Mania que esses cara têm de Me botar nas parada pra dar credibilidade pras safadezas deles. Os caras tão numas de assassinato, tráfico, propina e sei lá o que mais e vem Mebotar no meio. Sujar o nome do cara.
Antes que Me apareça um procurador qualquer Me denunciando, um juiz imparcial herói e guardião da justiça Me intimando, ou uma visita da Federal para uma gentil condução coercitiva, gostaria de esclarecer que não tenho nada a ver com esse cidadão e nunca sequer conversei com ele até porque ele nunca Me procurou. Se ele tem relações com alguém do Meu escalão é com o cara lá debaixo, e se procurarem bem, se grampearem, se gravarem vão encontrar até mesmo umas conversinhas bem interessantes. Um grande pacto...
Agora EU? Poupem-me, né. Me economizem. Por favor!
Dá próxima vez dobrem a língua pra falar de Mim. Meu nome não é osso para estar na boca dessa cachorrada. Não é fumo pra estar em boca de bandido. Não é caô pra estar sempre na tua boca, viu, ô, meu.
Se a justiça de uns juizinhos que andam por aí escolhe quem pegar, a Minha pode até tardar mas não falha.
Um hora dessas Eu me emputeço e mando um dilúvio, um furacão, um terremoto, uma praga qualquer nessa porra de Brasília. E, aí véi, cês vão ter muito mais com que se preocupar do que com vidraças.

Por hoje era isso, filharada. Só passei pra desabafar, pra dar um sermão.
Já me acalmei um pouco. Já aplaquei a ira divina.
Eu vou, mas tô de olho em vocês, ó...
Fiquem Comigo e que Eu os abençoe.
(Tô de olho em vocês)
***********
Pedidos, súplicas, preces, orações, conselhos, denúncias, citações, conchavos, acordos, gravações, delações, retratações (seria bom, hein) para o e-mail
god@voxdei.gov

domingo, 25 de junho de 2017

Acervo do Palácio do Itamaraty - Brasília /DF









"Vândalos", podem destruir, tacar fogo em Brasília mas, por favor, não destruam as obras de arte guardadas naqueles palácios. Por favor! A arte não deve pagar por aquele bando de safados que atuam por lá. Brincadeiras à parte, muita gente não sabe mas alguns prédios do centro do poder do Brasil guardam valiosos trabalhos de alguns dos mais importantes artistas brasileiros e naturalizados. É o caso do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, onde preciosos exemplares da arte nacional estão expostos. Nem todos os itens estão disponíveis para apreciação pública, uma vez que muitos são presentes de embaixada, outros requerem cuidados extremos pela raridade ou fragilidade e há ainda áreas restritas para as atividades diplomáticas, mas os que são permitidos ver já justificam plenamente uma excursão ao palácio.
Desde os jardins planejados por Burle Marx, a emblemática escultura da entrada de Bruno Giorgi, os relevos de Athos Bulcão, a escadaria helicoidal, até, enfim, a própria arquitetura magistral do prédio de Niemeyer, tudo é digno de admiração.
Não sabia? Pois é. Dê uma conferida abaixo em um pouco do que abriga o Palácio do Itamaraty. Mas, atenção, caso se interesse em visitar, não é só pintar por lá e ir entrando. As visitas devem ser, obrigatoriamente agendadas. Fique ligado.

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Palácio do Itamaraty
endereço: Esplanada dos Ministérios, bloco H 
Eixo Monumental - Brasília / DF
visitação: seg. a sex. às 9h00, 10h00, 11h00, 14h00, 15h00, 16h00 e 17h00.
sáb. e dom. às 9h, 11h, 14h, 15h e 17h.

*As visitas serão guiadas e comportam até 15 pessoas por grupo de visitantes, devendo ser obrigatoriamente agendadas. O serviço de agendamento funciona apenas em dias úteis, de segunda a sexta, das 9h00 às 17h00 no local ou pelo e-mail visita@itamaraty.gov.br.


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Logo à frente do prédio, o "Meteoro" de Bruno Giorgi

Ainda no exterior, os jardins de Burle Marx

No hall do térreo, o Polivolume
de configuração variável da artista Mary Vieira

Em detalhe a escultura de placas móveis de alumínio

As paredes do térreo tem os relevos do artista Athos Bulcão

As esferas do artista Darlan Rosa

Escultura integrando-se aos jardins internos
 de Burle Marx 

Esculturas de Omar Franco, também no térreo.

A impressionante escada helicoidal
de Milton Ramos e Joaquim Cardoso

Treliçado de Athos Bulcão
A incrível "Metamorfose" de Franz Weissmann que parece ir
transmutando-se conforme se percorre ao longo dela.

No segundo pavimento, as belíssimas tapeçarias orientais
com dois quadros de Portinari ao fundo

Na Sala D. Pedro, no teto a "Revoada de Pássaros" de Pedro Corrêa Araújo
com o imponente óleo da coroação de Pedro I, de Debret, ao fundo.

Em destaque, obra de Tomie Ohtake,
e mobiliário do séc. XVIII

O imenso painel de Burle Marx ao fundo da sala de refeições

"A mulher e sua sombra" da artista plástica Maria Martins

No terraço, esculturas entre os jardins de Burle Marx

As "Três Jovens" de Lasar Segall

"Duas Amigas", de Alfredo Ceschiatti
 também no terceiro pavimento

O Nu Deitado de Victor Brecheret

O blogueiro ao lado da obra
"Canto da Noite", de Maria Martins



Cly Reis
fotos: Cly Reis e 
divulgação Ministério das Relações Exteriores