O que mais lamentei na invasão do último domingo, além, é claro, da ignorância dessa parcela do povo brasileiro, foram os danos ao patrimônio histórico, cultural e às obras de arte. Podem podem pensar, "com tanta coisa pra lamentar, fica pensando em coisas materiais!". Sim. Desta vez, sim. Uma vez que não houve vítimas, mortes, ferimentos graves (e, se algum daqueles energúmenos tivesse morrido ou se machucado gravemente não teria sido prejuízo algum), e uma vez que a democracia, depois desse episódio lamentável, sai intacta, talvez até, ainda mais fortalecida, tal o risco ao qual fora exposta, o grande lástima que carrego é por aquele acervo artístico danificado.
Algumas pessoas podem não ter noção mas algumas coisas ali são insubstituíveis! Pelo artista por quem fora feito, pela data em que fora obtida, pela personalidade de quem fora recebido, pelo significado histórico... Um móvel usado pelo imperador, um presente dado por um Papa, uma caneta utilizada para assinar um tratado histórico, um painel de azulejos invejado pelos museus do mundo inteiro, nada disso pode ser avaliado. Não é o valor financeiro, é tudo que representa.
Felizmente tive a oportunidade de visitar o Congresso e o Palácio do Planalto, há alguns anos atrás, e ainda ver algumas dessas obras, desses itens, expostos na visitação guiada pelas áreas autorizadas. Em palácios normalmente frequentados por pessoas desonestas, políticos desprezíveis, legisladores parciais, gente desvalorosa, se há algo fascinante atrás daquelas paredes e vidraças, é a arte e a cultura. E elas foram massacradas!
A imagem do quadro "As Mulatas", de Di Cavalcanti, perfurada em vários pontos por facadas, e as fotos dos presidentes no chão, com as molduras e os vidros quebrados, é muito emblemática, na minha visão. Aquilo ali simboliza exatamente o que essa gente representa: uma gente que odeia a cultura e ignora a história.
A seguir, algumas fotos do Congresso e do Palácio do Planalto, da minha visita a Brasília em 2016:
Pra começar, uma externa da Praça dos Três Poderes
Uma vista da rampa do Planalto.
Como era o segundo andar do palácio do Planalto, antes de ser totalmente vandalizado.
A obra "O Flautista", de Bruno Giorgi, segundo informações também foi bastante danificada
A Câmara dos Deputados, com o belíssimo painel de Athos Bulcão, ao fundo.
O salão do Senado, que foi invadido, depredado e desrespeitado.
O belíssimo projeto de teto e iluminação da Câmara, idealizado por Athos Bulcão e Oscar Niemeyer.
Mais uma obra de Bruno Giorgi.
A galeria dos Presidentes da República, cujos retratos foram totalmente arrancados rasgados e espalhados pelo chão.
Escultura de Franz Weissmann, "Espaço circular", no saguão do Palácio do Planalto
Visão geral do Salão Nobre do Palácio do Planalto.
Painel de Burle Marx, no Salão Oeste do Palácio.
Obra "A Evolução", de Francisco Haroldo Barroso Beltrão
"As Orixás", de Djanira da Motta, que graças à ignorância do ex-presidente, havia sido retirada do Palácio. (Pelo menos uma boa ação. Salvou o quadro)
Banqueta "Marquesa", e tapete desenhados por Oscar Niemeyer
"Galhos e Sombras " de Franz Krajcberg
Obra sem título, de Geraldo Barros
Quadro "As Mulatas", de Di Cavalcanti, avaliado em, aproximadamente R$8 milhões, cruelmente "assassinado" a facadas pelo vândalos
"Colhendo Bananas", de Djanira da Motta
Painel Pasipahe, de Marianne Peretti, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados
Tapeçaria de Burle Marx que foi arrancada e parcialmente rasgada.
O Salão Verde da Câmara dos Deputados.
Painel de azulejos de Athos Bulcão, de valor inestimável, avariado pelos terroristas
Painel geométrico genial de Athos Bulcão, no Salão Verde, também danificado.
"Os Candangos", de Di Cavalcanti
Mais um painel de Athos Bulcão que foi danificado na invasão.
Maquete de Brasília. Totalmente destruída.
Vitrine com presentes de representantes estrangeiros. Quebrada, destruída, roubada...
Este seu blogueiro no Senado...
E na Câmara dos Deputados.
Quanta coisa fantástica!!!
Meu Deus...
Agora é torcer para que muita coisa se salve e outras não tenham sido danificadas.
(Sorte que não atacaram o prédio do Itamaraty porque lá, sim, o acervo é ainda mais impressionante).
Quem falou que não pode ter álbum com ias de um artista aqui nos ÁLBUNS
FUNDAMENTAIS? Já teve ao vivo, compacto, EP, por que não poderia ter coletânea?
Até porque a seleção em questão é extremamente significativa
para o seu segmento em particular. Falo do disco “Sub” , uma compilação de bandas punk nacionais do início dos anos
80, que junto com outra coletânea, “Grito Suburbano”, que podem ser consideradas
de certa forma a síntese do punk paulista, que a rigor foi o berço do movimento
no Brasil. Embora haja controvérsias quanto ao fato de Brasília ter dado início
à tendência, com certeza a região operária de São Paulo, o ABC, com suas
características de proletariado industrial, conjuntos habitacionais, até mesmo
as lutas sindicais foram decisivas para a formação mais efetiva, ativa e
característica do movimento punk brasileiro na periferia de São Paulo, como cantaria Gilberto
Gil na sua "Punk da Periferia", ao passo que em Brasília a atitude ficava por conta de uma outra
faixa social intermediária, composta por filhinhos de papai, de diplomatas ou às vezes até mesmo por filhos de
militares. Ou seja, a de São Paulo era mais autêntica, mais verdadeira, mais
sincera e honesta.
E é isso que vemos no “Sub”. Aquele grito juvenil indignado,
muitas vezes ingênuo, clamando por justiça social, por igualdade, por paz
mundial em tempos de Guerra-Fria e ameaças nucleares, denunciando a fome, o
desemprego, o racismo, o preconceito e o regime militar que àquelas alturas já
estava no final e bem mais fácil de ser contestado em plena Abertura.
As músicas? Tosquice pura! Faixas
curtas, muito barulho, limitação de recursos de gravação e absoluta falta de
qualidade técnica dos músicos. As letras por sua vez, agressivas, raivosas,
rebeldes, muitas vezes, demonstram extrema inocência até, com conceitos e
idéias um tanto pueris (“O homem ingênuo
sobe na vida
sem nada saber de sua burguesia”), e não raro, deixando transparecer a extrema
pobreza gramatical dos compositores que incorriam em erros de português
clamorosos ( “a noite escureceu, o dia
esclareceu” ou “eu vi a barca atravessando a avenida pareciam deguladores” ).
Sem falar que muitas vezes os versos ficavam quase incompreensíveis dada a
rapidez da música ou da pronúncia do vocalista.
A coletânea conta com quatro bandas: dois dos nomes mais
importantes da cena punk brasileira, Cólera e Ratos de Porão, nessa época ainda
sem o emblemático João Gordo, e os outros dois menos conhecidos do grande
público, Fogo Cruzado e o Psykóze, que não ficam devendo em nada aos
consagrados e por vezes roubam a cena com músicas até mais interessantes e mais
bem elaboradas.
Destaques para “Vida Ruim” dos Ratos de Porão; do Cólera
“Quanto Vale a Liberdade?” vale a indicação, e a que leva o ‘doloroso’ título
“X.O.T.”, abreviação absurda de “Xantagem Ocasional Tramada” mesmo com seu erro
grotesco de português; “Terceira Guerra Mundial” e “Buracos Suburbanos” são as
melhores do Psykóze na minha opinião; e do Fogo Cruzado, os meus preferidos da
coletânea, destaco “Delinqüentes”, “Inimizade” e “Terceira Guerra” com sua
‘bombinha’ caindo no final pra destruir tudo e finalizar o disco.
Lembro que o meu primo Lucio Agacê me
apresentou isso empolgado na época que estava descobrindo essas coisas, o punk
rock, o hardcore. Me mostrou brasileiros como o Vírus 27, o Olho Seco o
Hysteria Oi, estrangeiros como o Exploited, Kennedy's
, G.B.H. mas não curti muito de início. Estava mais voltado pro som dark
dos anos 80 e não dei muita atenção. Fui dar valor mesmo
anos depois quando entendi que na verdade, punk, pós-punk, gótico, era tudo uma
continuidade e muito do que eu ouvia era resultado do que os punks haviam
desenvolvido. Aí saí à cata de coisas que eu não havia dado a devida atenção em
outro momento e numa dessas topei com o “Sub”
por aí e não tive nem dúvida: tinha que ser meu.
Entre tantas outras contribuições musicais na minha vida e
nossas colaborações na época da nossa banda, devo ao Lucio essa iniciação ao
som punk. Sem ele não teria conhecido esse universo e neste caso específico, o
“Sub”, bola da vez aqui nos ÁLBUNS
FUNDAMENTAIS.
Valeu por mais essa, Lucio!
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FAIXAS:
"Parasita" (Ratos de Porão) - 01:11
"Vida Ruim" (Ratos de Porão) - 01:32
"Poluição Atômica" (Ratos de Porão) - 01:08
"X.O.T." (Cólera) - 01:38
"Bloqueio Mental" (Cólera) - 01:36
"Quanto Vale a Liberdade?" (Cólera) - 02:18
"Terceira Guerra Mundial" (Psykóze) - 01:42
"Buracos Suburbanos" (Psykóze) - 01:33
"Fim do Mundo" (Psykóze) - 00:55
"Desemprego" (Fogo Cruzado) - 01:49
"União entre Punks do Brasil" (Fogo Cruzado) - 01:23
“E depois do começo o que vier vai começar ser o fim...”
Nos últimos dias do mês de novembro, fez 35 anos do lançamento do terceiro disco da banda brasilienseLegião Urbana, “Que País é Este?”. Eu já morava em Aracaju, vindo de Brasília, quando o disco chegou às lojas e as canções começaram a tocar nas rádios. Particularmente, gosto das nove faixas: “Que País é Este?”, “Conexão Amazônica”, “Tédio (com T bem grande pra você)”, “Depois do Começo”, “Química”, “Eu Sei”, “Faroeste Caboclo”, “Angra Dos Reis” e “Mais do Mesmo”.
“Das favelas, do senado, sujeira para todo lado...”
Este LP foi composto por canções escritas entre os anos de 1978 e mil 1987, da época que o Renato Russo e os irmãos Fê e Flávio Lemos (Capital Inicial) formavam a banda Aborto Elétrico. Excetuando-se “Mais do Mesmo” e “Angra dos Reis”, que foram compostas após o disco “Dois”, da Legião Urbana, de 1986.
“... A noite acabou talvez tenhamos que fugir sem você...”
Aqui abro parêntese para uma curiosidade pessoal: de 1978 até 1987, foi justamente o tempo em que morei em Brasília, vindo de Fortaleza com quatro para cinco anos e depois indo para Sergipe com 13 para 14 anos. O mais frustrante disso, é que mesmo morando na cidade na época em que a banda surgiu, e sendo muito fã, eu nunca consegui assistir ao show ao vivo deles. Lembro de um que teve, antes daquele de junho de 1988, que nunca acabou, acho que foi em 1986, pouco depois do lançamento do “Dois”, que minha mãe cortou meu barato e não me deixou ir com a galera lá da quadra. E em Aracaju eles nunca vieram tocar...
“... Andar a pé na chuva às vezes eu me amarro, não tenho gasolina, também não tenho carro...”
Neste disco, a banda retorna ao som mais furioso e punk que a impulsionou no primeiro álbum, já que o disco “Dois”, outro grande sucesso, tinha uma linha mais melodiosa. A banda também consegue captar exatamente os anseios da juventude da época. Política, problemas sociais, solidão e rebeldia dão o tom das letras de Renato Russo, sempre poéticas e melancólicas.
“... Intrigas intelectuais rolando em mesa de bar...”
O álbum foi um grande sucesso de vendas e foi contemplado com disco de diamante. Este LP também marcou por ser a última participação do baixo contundente de Renato Rocha na banda.
“Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão, você tem quer passar no vestibular..."
Sem dúvida alguma, duas canções marcaram bastante este disco. A representativa “Que país é este?”, que virou um hino de protesto e a é épica e bobdyliana “Faroeste Caboclo”. Quem nunca cantou esta última, a plenos pulmões, ao lado dos amigos, todo exibido por saber de cor a extensa letra, não viveu completamente aquela época.
“Ele queria sair para ver o mar e as coisas que ele via na televisão...”.
Ouça no volume máximo!
“Se fosse só sentir saudade, mas tem sempre algo mais...”.
Um dos ilustres representantes do rock de Brasília e um dos tentáculos do Aborto Elétrico, embrião que também originou a Legião Urbana, o Capital Inicial em seu excelente disco de estreia fazia um pop altamente acessível e palatável sem, no entanto abrir mão da veia punk que o originara. Mesmo hits como “Música Urbana”, por trás de uma competente produção que lhe enfeitava com metais e com uma linha de teclado simpática e marcante, traziam a sombra do caos cotidiano e da indignação social característica do punk rock. “Fátima”, o outro grande sucesso do álbum, também um pop, porém um tanto mais grave, mais tensa, mais séria, com suas sugestões religiosas, filosóficas e pitadas de alfinetadas contra a ditadura numa letra de Renato Russo, interpretada com notável competência e intensidade por Dinho Ouro-Preto. Já “Psicopata”, outra de boa execução radiofônica, era um punk comportamental agressivo e sem concessões. Básico, rápido, violento e forte. Uma pedrada! Pedrada? Bomba mesmo era “Veraneio Vascaína”, punk até a alma sob todos os aspectos, em sonoridade, letra e atitude, responsável direta pela proibição peremptória e incondicional do álbum, numa letra pra lá de detonante na qual rotulam a polícia de “assassinos armados uniformizados”.
“Cavalheiros” é outra com características punk, pegada e acusativa; a acelerada “No Cinema”, embora tratando de um tema banal guarda sua dose de agressividade sonora; e a boa “Leve Despespero” pende mais para o lado do darkismo dos anos 80, mais cadenciada e com uma letra intimista e depressiva, mas nem tudo é ‘ferro-e-ferro’ e o álbum tem momentos mais leves como “Tudo Mal” e “Linhas Cruzadas”, que apesar de retratarem relações infelizes, dão um toque um pouco mais descontraído sonoramente.
É bom que se diga e não se esconda a verdade que as melhores letras deste primeiro disco do Capital, "Múasica Urbana", "Fátima" e "Veraneio Vascaína" eram de autoria de Renato Russo, frutos ainda do finado Aborto Elétrico, mas não é fato suficiente que deslustre o mérito desta competente banda que soube dar personalidade a estas canções, imprimindo sua marca e conferindo-lhes interpretações marcantes através de seu vocalista.
Outro dos ilustres representantes do rock de Brasília e dos grandes pilares do BRock dos anos 80. Que metade de década foi aquela que nos proporcionou entre 85 e 86 álbuns como "Cabeça Dinossauro", "Dois", "Vivendo e Não Aprendendo", "Revoluções por Minuto", "Nós Vamos Invadir Sua Praia" e este “Capital Inicial” de 1986!
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E o velho Bob Dylan voltará a terras brasileiras em abril.
Boa!!!
Esse primeiro semestre tem mostrado boas surpresas no quesito atrações musicais.
Dylan vem ao país pela quinta oportunidade e desta vez fará 6 apresentações, duas em São Paulo, e uma para Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e, ôba! outra na terra de São Sebastião.
Vou ver se vou ainda. Deve custar os olhos da cara ao quadrado. Ainda mais no Citibank Hall que não é um lugar muito popular aqui no Rio. Mas não se pode deixar de considerar que não é ninguém menos que BOB DYLAN. Mas enfim, decidirei depois. As datas no Brasil são as seguintes:
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shows Bob Dylan no Brasil: Rio de Janeiro (Citibank Hall), dia 15 de abril de 2012 Brasília (Ginásio Nilson Nelson) , dia 17 de abril de 2012 Belo Horizonte (Chevrolet Hall), dia 19 de abril de 2012 São Paulo (Credicard Hall), dias 21 e 22 de abril de 2012 Porto Alegre (Pepsi On Stage) dia 24 de abril de 2012
Fui informado ontem, pelo meu amigo e colega de blog,José Júnior, do retorno de Morrissey ao Brasil para nova série de shows.
Puxa...
Acho que vou ser obrigado a fazer um tricampeonato. Vou ver o ex-vocalista do The Smiths pela terceira vez.
Em princípio, estão programadas três datas no país, uma delas aqui no Rio de Janeiro, no dia 04 de agosto. As outras devem ser 30 de julho em São Paulo e 02 de agosto em Brasília.
Os valores para Rio e SP já foram divulgados, inclusive, e os fãs podem começar a sacar suas carteiras, pendurar no cartão de crédito ou quebrar os porquinhos.
Vamos lá, então?
(Júnior, providencia a caixa de lencinhos de papel, porque da última vez, contigo, eu vi o show todo embaçado)
Seguem abaixo os preços dos ingressos, sendo que clientes Citibank, Credicard e Diners têm prioridade para uma pré-venda, no site da Tickets for Fun, de 14 e 20 de junho:
São Paulo - 30 de julho - Credicard Hall - R$ 100 (plateia superior com visão parcial) - R$ 140 (plateia superior III) - R$ 160 (plateia superior II) - R$ 180 (plateia superior I) - R$ 220 (pista) - R$ 450 (pista premium e camarote II) - R$ 520 (camarote I)
Rio de Janeiro - 4 de agosto - Citibank Hall- R$ 200 (pista) - R$ 350 (poltrona) - R$ 420 (pista premium) - R$ 500 (camarote)
*os preços dos ingressos para Brasília ainda não foram informados.
Enfim, chegamos à
terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se
entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a
safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80
foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que
considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60,
embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que
hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação
com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos
80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da
sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis
da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia
não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com
a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até
então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via
Embrafilme.
Foi aí, então, que
os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se
já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma
Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais
fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década
da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além
de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo,
outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível
técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente,
entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o
inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido
para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e
sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das
famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o
declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema
nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das
comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As
abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então),
felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço
do documentário, início da descentralização da produção eixo
Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão.
Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias
tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos
fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon
produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns,
despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos
que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que
merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do
Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”,
“Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da
Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas
de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.
1 - “A Idade da
Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e
criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e
mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma
metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o
Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de
lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande,
potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será
devidamente reconhecido.
2 - “Os 7
Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles
cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e
produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto
inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no
roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma
tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da
sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor
Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos
“caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste
longa referencial.
3 -“O
Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação
de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no
entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de
“Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e
direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney,
Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está
passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás
terminando de assisti-lo inevitavelmente.
4
- “Pixote, A Lei do Mais Fraco”,
Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e
faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia.
Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico,
trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a
desassitência político-social às crianças e a violência urbana.
O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele
mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis
mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor
do New
York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é
considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.
5 - “Eles não
Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de
Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura
com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para
o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma
greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade
da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia,
retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio
Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme
lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de
58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.
6 - “Sargento
Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o
melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João
Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos
sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário,
sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia,
cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor
Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20
maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e
Crítica em Gramado.
7 - “O Homem
que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte
atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e
Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e
“Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta
popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua
arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas
raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor
Filme em Moscou e Nevers.
8 - “Bar
Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético
e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se
construía com a Abertura, o que significava transformações
irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga
boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone,
lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV
Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na
pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos
idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em
Gramado. Uma joia.
9 - “Pra
Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da
ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo
Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime
militar ao contar a história de um homem confundido com um
“subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um
paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido
pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição)
e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.
10 -“Nunca
Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial
diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se
entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura,
rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um
filho de um misterioso militante político que é retirado de um
colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante
apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da
Crítica em Gramado.
11 - “Verdes
Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema
gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80
a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de
cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do
“carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a
ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria
o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico
de Nei Lisboa.
12 - ”Cabra
Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do
documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando
parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero,
é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo
governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro
Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo
na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França,
Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.
13 - “Memórias
do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que
Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e
acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos,
mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas
Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo
Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.
14 - “A Hora da
Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um
filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de
roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia.
Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular
dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em
Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme
ainda levou tudo no Festival de Brasília.
15 -“O
Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história
improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais
improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra
tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica
ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John
Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton
Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu
também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.
16 - “O Homem
da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa
filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à
história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o
primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque
de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a
se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que
resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.
17 - “O Grande
Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias
do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”,
direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que
sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães,
Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo
deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme
mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante.
Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e
EUA.
18 - “Ópera do
Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre
produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60.
Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele
eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque
(por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo
e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até
para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois
integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem
bem cantando.
19 - “Ele, O
Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se
misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do
imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria
10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes
brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da
fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem
fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.
20 - “Faca de
Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década,
Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando
Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não
menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de
José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente.
Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme
em Natal e Rio.
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Embora goste menos
desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma
questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um
tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80
que abordamos:
60: “Macunaíma”
(Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida”
(Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos
os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A
Grande Cidade” (Cacá, 66)