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domingo, 4 de abril de 2021

Claquete Especial de Páscoa - 7 filmes sobre a Paixão de Cristo (ou quase isso)




Pode parecer piegas, mas gosto de assistir filmes sobre a Paixão de Cristo na época da Páscoa. Confesso que sou daqueles espectadores que as emissoras, sem constrangimento de serem repetitivas e óbvias, conseguem atingir. Em país católico como o Brasil, no que entra a Semana Santa, começam a pipocar produções de diferentes épocas sobre a Via-Crucis. 

Por mais óbvio que seja, contudo, muitos desses filmes são bastante interessantes, visto que motivam os realizadores, essencialmente cristãos em sua maioria, a produzirem algo que lhes faz muito sentido, que lhes é caro em termos de crença e visão de mundo. Por isso, invariavelmente saem realizações caprichadas, maiúsculas, quando não, superproduções que se destacam, inclusive, na filmografia de alguns grandes cineastas. Casos de John Huston, David Lean e Franco Zefirelli, para ficar em três. 

Então, sem medo de soar enfadonho, vão aqui sete títulos sobre a saga bíblica que, mesmo não sendo-se católico, é, sem dúvida, uma grande história. Digna de filme (s). 


“Paixão de Cristo”
, de Mel Gibson (EUA, 2004)

Mesmo com pé atrás com relação a Mel Gibson em produções nas quais atua, tenho que admitir que os filmes dirigidos pelo ator australiano merecem respeito. Este, em especial, além de trazer uma abordagem realística das últimas horas de Cristo, com cenas de alta violência e crueldade – o que deve ter sido bem verdade – tem o rigor de ser inteiramente falado em aramaico e latim, línguas usadas na época de Jesus Cristo. Sem “estrelas”, é uma realização, por mais criticada que tenha sido à época de seu lançamento, bastante sóbria e circunspecta. 

Ultraviolência na Via-Crucis: controverso filme de Gobson


“A Última Tentação de Cristo”
, de Martin Scorsese (EUA/Canadá, 1988)

O filme que provocou o "cancelamento" de Scorsese, por parte do Vaticano, que fez uma séria marcação ao cineasta após realizar esta ousada adaptação da obra de Níkos Kazantzákis. Blasfema, diria a Igreja. Mas o filme é uma preciosidade. Além da história, que traz uma visão alternativa do que poderia ter sido a vida – e a morte – de Cristo, tem no papel do Messias o ótimo Willem Dafoe, mais Harvey Keitel, Harry Dean Stanton e David Bowie. A trilha, vencedora do Grammy de Melhor Álbum New Age e uma das mais emblemáticas do cinema, é de Peter Gabriel. Polêmico, este as TVs não passam muito, não...






cena de Cristo sendo tentado por Satã em “A Última Tentação de Cristo”



“A Idade da Terra”
, de Glauber Rocha (Brasil, 1980)

Outro título não muito lembrado para a Páscoa, até por conta de sua visão extremamente pessoal, alegórica e crítica da vida de Jesus, da Igreja e das estruturas de poder. Aliás, não uma vida, mas quatro! Geraldo Del Rey, Tarcísio Meira, Jece Valadão e Antônio Pitanga vivem, cada um, a personificação de um Cristo em diferentes realidades sociais: um negro, um militar, um índio e um guerrilheiro. No Brasil, Cristo não precisa de Via-Crucís: ele é crucificado simbolicamente um pouco todo dia. Último filme do gênio do Cinema Novo, que, assim como quase ocorreu com Scorsese, foi seu calvário. Desiludido com a péssima recepção da obra, o cineasta morreria meses depois de seu lançamento.

As quatro personificações de Cristo na visão de Glauber



“A Maior História de Todos os Tempos”
, de George Stevens, 
David Lean e Jean Negulesco (EUA, 1965)

O cara jogou xadrez com o Diabo e encarnou Jesus. Só mesmo um grande ator como Max Von Sydow para se prestar a esses dois extremos com tamanha entrega e competência. Traz ainda no elenco o “épico” Charlton Heston, além de Martin Landau e Telly Savalas. Épico com letra maiúscula codirigido por três feras da Hollywood clássica, George Stevens, David Lean e Jean Negulesco. Bem tradicional em abordagem, o que contrabalanceia as nossas sugestões anteriores. 

Von Sydow: haja versatilidade para quem já deu um "plá" com o Tinhoso...



“A Vida de Brian”
, de Terry Jones (Inglaterra, 1979)

Se é pra blasfemar, então vamos com tudo: “A Vida de Brian”, o hilariante longa da turma da Monthy Pyton, que desfaz a sempre penosa e triste história da Via Sacra de Jesus. Aliás, o filme não é exatamente sobre a vida do filho de Deus, e sim de um pobre coitado, sonso e azarado que é confundido com o Messias. O azar é tanto que o cara, mesmo tentando escapar de todas as maneiras, acaba por ser crucificado junto com o Salvador, numa das cenas mais “épicas” do cinema de comédia, quando cantam “Olhe Sempre o Lado Bom da Vida” ao final. Dando aqui uma letra, a cena, com sua ironia, traz uma mensagem positiva que muito falta ao catolicismo quando se refere ao tema.






a hilária cena da crucificação de "A Vida de Brian"



“O Evangelho Segundo São Mateus”
, de Pier Paolo Pasolini (Itália, 1964)

Quando fizemos um adendo na abertura em que dissemos que nem todos os realizadores eram necessariamente católicos, a referência era tanto a Glauber Rocha quanto, especialmente, a Pasolini. Anarquista e gay, o genial diretor italiano realizou por vontade própria a vida do Salvador através do poético texto eclesial. Talvez, o distanciamento crítico de seu posicionamento político e a sua sensibilidade de poeta – e, claro, seu talento único como cineasta – tenham lhe habilitado a realizar aquele que é o mais fiel filme sobre Jesus e seus ensinamentos – indicado, inclusive, pela Biblioteca do Vaticano, que teve que se render à obra de um filho não-abençoado.






filme completo "O Evangelho Segundo São Mateus”



“Rei dos Reis”
, de Nicholas Ray (EUA, 1961)

Quem não se lembra de filmes como este ou “A Bíblia” na Sessão da Tarde da Sexta-Feira Santa? Mais um típico épico bíblico norte-americano dos anos 60, assim como "A Maior História..." a superprodução de Nicholas Ray tem narração de Orson Welles e trilha de Miklós Rózsa e roteiro de Ray Bradbury. Remake do filme mudo de Cecil B. de Mille, de 1927, em suas mais de três horas de duração, traça a vida de Jesus Cristo, do nascimento até a ressurreição, baseando-se nos quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), além dos escritos do historiador romano Tácito.

Sermão da Montanha encenado grandiosamente por Ray



Daniel Rodrigues

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

"Exorcismo Negro" - José Mojica Marins (1974)




“José Mojica, mestre do terror e dos espaços profundos.” 
Glauber Rocha

“Sua câmera não mente jamais e confirma o desejo de reinventar o gênero horror com uma deformação formal, que só se encontra em alguns verdadeiros pioneiros”. 
Rogério Sganzerla

Nas primeiras décadas do século XX, alguns dos cineastas que ajudaram a construir a linguagem do cinema o fizeram com muita criatividade e intuição. Passados os pioneiros anos em que Griffith e Méliès abriram os portais daquele mundo de imaginação, foi a vez de outros realizadores, principalmente Vidor, Hitchcock, Lang, Sternberg e Clair, desvelarem aquela pedra bruta. Com recursos tecnológicos e financeiros geralmente parcos de um período de entre-Guerras, era a inventividade em criar soluções, trucagens e métodos que os fazia obter o resultado que pretendiam em frente à câmera e... ação! Estava feita a magia.

As décadas se passaram e os polos produtores e escolas de cinema foram assimilando a gramática audiovisual de maneira formal e técnica. Porém, o primitivismo criativo, algo genial e admirável em qualquer realizador, inclusive nos mais estudados, é ainda mais valioso quando surtido com espontaneidade. Caso do já saudoso José Mojica Marins, morto no último dia 19 de fevereiro. Eternizado como seu principal personagem, o assustador coveiro Zé do Caixão, o diretor – um autodidata que mal tinha o primário concluído, quanto mais um curso de cinema – alinha-se a este time de cineastas cuja linguagem cinematográfica lhe era natural e transbordante.

Mojica como Zé do Caixão à
época de "À Meia Noite..."
À margem do mainstream, Mojica firmou seu nome pela via do cinema marginal. Independente e amador, ele não produzia para nenhum grande estúdio e penava para financiar seus projetos, mas seu cinema de terror bizarro inspirado nos B Movies e, igualmente, calcado no noir e no western norte-americanos e seus grandes estetas – Orson Welles, John Ford, Howard Hawks, John Huston – driblava qualquer escassez de recursos. Esmerava-se nos roteiros e tinha uma técnica intuitiva apurada para a fotografia, a edição, a construção de personagens e a condução narrativa. Assim foi por toda sua carreira, “fazendo chover” mesmo com baixos orçamentos, a exemplo dos celebrados “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964), “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967) e “O Estranho Mundo de Zé doCaixão” (1968).

Duas exceções, entretanto, mostram que, nas raras ocasiões em que teve recursos para produzir melhor, Mojica não desperdiçava. Um deles é, justamente, seu último longa, de 2008, “Encarnação do Demônio”, produzido por Paulo Sacramento e no qual, após mais de seis décadas de carreira transcorridas, finalmente conseguiu fazer um filme nos moldes do que sempre sonhou. O outro título de sua extensa filmografia em que se vale de uma produção digna é “Exorcismo Negro”, de 1974 (ano em que havia ganho dois prêmios na França, L’Ecran Fantastique e Tiers Monde). Produzido por Aníbal Massaini Neto – financiador de pornochanchadas, mas responsável também por bons longas históricos como “Independência ou Morte” e “Corisco, o Diabo Loiro” –, tem poucas locações, menos de 15 personagens e alguns figurantes. Se não se trata de uma superprodução, é suficiente para o diretor estabelecer um padrão de qualidade, que coloca “Exorcismo Negro” entre os seus melhores.

Na história. na onda do então recente sucesso de “O Exorcista”, de um ano antes, Mojica viaja para passar o Natal com os amigos num sítio onde vivem e escrever a história de seu próximo filme. No entanto, coisas misteriosas começam a se suceder na casa, com seus amigos sendo possuído por alguma força sobrenatural. Ele descobre que a matriarca da família fez, no passado, um acordo com a bruxa Malvina para engravidar e salvar seu casamento. Em troca, Malvina deve indicar o filho do Satanás, Eugênio, para se casar com a menina. Além disso, Mojica entra em conflito com o próprio Zé do Caixão, que está pronto para recolher as almas daquela família. Como é peculiar de Mojica, a autorreferência e o jogo de sentidos para com seu alter-ego dão à obra um ar metalinguístico, assim como já havia proposto em “O Despertar da Besta” e “O Estranho Mundo...”

Mojica com a família de amigos em "Exorcismo...": tensão o tempo todo
O versátil Jofre Soares sendo acometido pelo espírito de Zé do Caixão
Possessão e exorcismo: influências do recente sucesso de "O Exorcista"
“Exorcismo...” traz um manancial de referências obrigatórias a filmes de horror: a casa assombrada, objetos que se movem sozinhos, corpos sendo tomados por espíritos malignos, bichos peçonhentos, mistérios familiares que vem à tona, erotismo grotesco, um animalzinho de estimação judiado e uma criança cuja inocência é ameaçada pelo mal. Porém, mais do que uma sucessão de clichês, o filme tem a qualidade de que tudo é tecnicamente bem realizado: efeitos especiais, cenas de briga, trucagens com sangue, cenografia, corte da edição. Diferentemente do que se viu por muito tempo no cinema nacional e que se tornou-lhe, inclusive, uma pecha. Merece atenção especial, entretanto, a fotografia (quesito no qual Mojica sempre foi irreparável), que concilia a dureza da sombra marcada e a coloração que capricha nos tons quentes – principalmente, claro, no vermelho-sangue. Igualmente, não apenas o uso bem articulado da trilha sonora, outra conhecida qualidade do diretor, como, também, da própria seleção das músicas, como as de Syd Dale, Daniele Amfitheatrof e Michel Magne.

Cena do ritual: apavorante e na
medida certa
Mas, além disso, o ritmo de “Exorcismo...” é perfeito. Aquilo que é um problema em alguns filmes de Mojica, fruto justamente da dificuldade de produção que invariavelmente enfrentava, a continuidade é um trunfo deste longa. A narrativa mantém a tensão e dá sustos do início ao fim. A chegada do personagem Mojica à casa dos amigos, por exemplo, é sucedida por uma série de acontecimentos aterrorizantes, que não deixam o espectador descansar. A sequência do ritual macabro, excessivamente longa em outras realizações do cineasta (“Delírios de um Anormal” e na reedição estendida de “O Despertar...”), aqui está na medida exata entre a alucinação vivida pelo personagem e o ritmo narrativo, que não cansa quem assiste.

Premiado internacionalmente, celebrado por referências como Glauber Rocha, Gustavo Dahl e Rogério Sganzerla e, bem mais tarde, descoberto pelo mercado norte-americano, que o intitularia como Coffin Joe. Nada foi suficiente para que Mojica vencesse as restrições ao seu trabalho por quase todo o período em que esteve ativo, dos anos 40 até o século XXI. Nos anos 80, espremido pela censura e pelo sistema, partiu para o cinema pornô, que ao menos lhe daria alguma grana. Pouco antes de conceber seus últimos filmes, já nos anos 2000, Sganzerla escrevia sobre o amigo e admirado cineasta: “Além de nunca ter recebido nem adiantamento, quanto mais condições de produção compatíveis com seu talento, não filma há 15 anos, sendo vítima do descaso, inépcia, irresponsabilidade ou talvez preconceito”. Pouco visto em seu próprio país, “Exorcismo...” é, certamente, um dos melhores filmes de terror da década de 70 – rica neste gênero, aliás. A se ver por este resultado, imagine se Mojica tivesse recebido o devido reconhecimento em vida?


JOSÉ MOJICA MARINS
(1936-2020)



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assista o filme "Exorcismo Negro"



Daniel Rodrigues

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

"Ben-Hur", William Wyler (1959) vs. "Ben-Hur", de Timur Bekmambetov (2016)


O que que alguém tem em mente quando resolve refilmar um dos maiores clássicos de todos os tempos? A não ser que você seja um Kubrick, um Kurosawa, um Scorsese, e pretenda lançar uma nova visão sobre o original, nenhuma razão justifica. Fazer melhor?... É uma pretensão descabida e constrangedora. Melhorar tecnicamente?... O filme é consagrado, aclamado, multipremiado e o cara acha que um efeitinho aqui, outro ali, uma maquiagem, vão fazer diferença? Ganhar muito dinheiro? A mera ousadia de mexer com um clássico já gera desconfiança do público e, geralmente a conferida, a ida ao cinema, só confirma o fracasso da empreitada, o que faz com que, nas críticas, nos comentários e no boca-a-boca ele não seja recomendado e portanto torne-se, na maioria das vezes, um grande prejuízo financeiro. Fazer uma homenagem?... Não com uma versãozinha que não amarra as chuteiras do clássico, quando a melhor homenagem seria ficar sentado no sofá de casa assistindo e reverenciando aquela obra-prima. Então, me diz: por que diabos um infeliz resolve refilmar "Ben-Hur"?
Cara, que contribuição o cidadão acha que tem a dar ao filme que até pouco tempo atrás era o maior ganhador do Oscar? Ele acha que pode melhorar alguma coisa? Pode ter recordes de bilheteria? Não! Não! Mil vezes não!
A versão atual tenta ser mais dinâmica, mais enxuta do que as mais de três horas da antiga, o que não se justifica porque, por outro lado, fica se demorando em situações dispensáveis, cujo tempo poderia estar sendo utilizado num melhor desenvolvimento. A opção por um encurtamento, além de tudo, modifica pontos interessantes da história original, como, por exemplo, a "adoção" de Judah Ben-Hur pelo romano que é salvo por ele nas nas galés no original, que é excluída em detrimento de um "avanço da fita" até o ponto onde nosso herói conhece o mercador (Morgan Freeman) que lhe proporciona enfrentar o irmão adotivo Messala na corrida de bigas. Cena que, justiça seja feita, é muito caprichada, muito bem executada, ganhando uma importância crucial no novo filme, mas que, a rigor, não devia ter sido tentada pois, por mais bem feita que tenha sido, sempre que se for lembrar da cena de bigas de "Ben-Hur", pode ter certeza que a que virá à mente de qualquer um será a épica de 1959. Mas aí reside um ponto interessante: o filme não é um horror, não é péssimo, terrível! Tem seus defeitos mas tem suas virtudes. A cena da corrida é boa, a das galés é impactante, a ordenação da história e a hierarquia de fatos proposta pelo diretor é até interessante... Só que deveria usar tudo isso para fazer outro filme e não refilmar um dos maiores filmes da história. Na comparação é como o Íbis ajeitadinho, com um bom esquema tático, se meter a enfrentar o Barcelona.

trailer "Ben-Hur" (1959)


trailer "Ben-Hur" (2016)




Pois então, já que falamos em futebol, vamos à bola rolando que é o que interessa. Só pela ousadia, por ter se metido de pato a ganso, o "Ben-Hur" do glorioso Timur Bekmambetov já sai tomando 1x0.
Pelas atuações dolorosas de seus protagonistas, especialmente do personagem principal, Jack Huston, neto de John Huston, que deve ter causado um alvoroço no cemitério fazendo com que o avô, William Wyler e Charlton Heston (mesmo sem ser brilhante) dessem voltas nos seus respectivos túmulos com sua performance, e pelo não menos terrível Messala leva 2x0.
Pela relação da mãe ( Ayelet Zurer) com o adotado romano, vai o terceiro gol, e pela fragilidade e má construção das relações no filme, de um modo geral, vai buscar mais uma na rede.
Por ter se metido a besta de tentar reproduzir a incrível cena dos remadores nas galés, mesmo o fazendo com alguma qualidade, toma outro no contra-ataque: 5x0; e pela opção pela exclusão do resgate do cônsul romano na batalha marítima que recupera a nobreza de Ben-Hur, leva outro pra deixar de ser besta. Não perca as contas: 6x0.
Por modificar elementos expressivos do clássico de 1959 como o acidente com o novo governador, chegando à judeia, que leva à prisão de Ben-Hur; a situação da mãe e irmã leprosas; a transferência do Circo Romano, onde ocorrem as corridas, de Roma para uma "filial" em Jerusalém; a ausência das quilhas metálicas nas rodas da biga de Messala, na prova; e a falta de colhões de manter aquela conotaçãozinha homossexual entre Ben-Hur e Messala que o antigo, mesmo em sua época, teve a ousadia de sugerir, vai buscar mais uma no barbante. Estamos em quanto? Sete, né?
O original marca mais um pela trilha sonora marcante de Miklós Rósza e outro pelo deslumbre visual e suntuosidade. É um massacre: 9x0.
William Wyler contra o esforçado Timur Bekmambetov vale mais um pra conta do original e; como não poderia deixar de ser, pela cena da corrida de bigas, um das mais marcantes, eletrizantes, emocionantes, incríveis da história do cinema, guarda mais um. 11x0.
Mas e as virtudes do remake que eu apontei, não valem nada? Meros chutes a gol, sem perigo nenhum. Aquelas que o goleiro olha e só acompanha pela linha de fundo e o narrador chama o slogan da emissora: "Globo e você, tudo a ver", ou "Bandeirantes, o canal do esporte", ou "SporTV, o canal campeão"..., ou qualquer coisa do tipo.

O de 2016 até é esforçado mas, me desculpe:
Clássico é clássico.
Resultado final:
O antigo abre 11 corpos de vantagem sobre o novo na corrida de bigas, alcança o retardatário e pisoteia o cocheiro do adversário na curva final.
Um gol para cada Oscar na prateleira. 






Cly Reis

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Kirk Douglas, 100 anos


Ele contracenou ao lado de quase todos os grandes atores e atrizes da golden age americana. Com Burt Lancaster trabalharam em quase 10 filmes juntos. Também produziu e dirigiu dezenas de outras lendas do cinema. Atuou em clássicos eternos como "Spartacus", "Glória Feita de Sangue" e "Duelo de Titãs". Foi dirigido por nada menos que; Howard Hawks, Henry Hathaway, John Huston, John Frankenheimer, Otto Preminger, Anthony Mann e George Miller. Era considerado um ator difícil e ao mesmo tempo muito respeitado. Demitiu Anthony Mann de Spartacus e trancou o pé com Hollywood em relação à "lista negra" do governo americano quando saiu em defesa de Dalton Trumbo e de outros roteiristas. Foi indicado ao Oscar, Bafta, César e Globo de Ouro. Mesmo merecendo, a Academia só lhe daria um Oscar honorário. Da lista da AFI dos maiores atores de todos os tempos, ele é o único ainda vivo. Doou cerca de 40 milhões de dólares a caridade. Atribui sua longevidade ao casamento duradouro de mais de 60 anos. Longa vida mestre, longa vida lenda. 


por Francisco Bino

sábado, 6 de agosto de 2016

Cinema e Esporte - As Modalidades Olímpicas na Telona


Começaram os jogos olímpicos!
As Olimpíadas estão oficialmente abertas e pra entrar no clima, o Claquete selecionou filmes que destacam esportes. Alguns são obras-primas, outros nem tanto, outros valem a pena serem vistos por alguma cena específica ou por alguma curiosidade mas o caso é que aqui juntaremos a Sétima Arte ao esporte e o resultado é uma lista bastante interessante. A lista foi feita assim de memória, sem buscar muito, sem grande pesquisa, então pode ter ficado faltando alguma coisa relevante que o leitor possa dar falta e que eu mesmo venha a morrer de remorso por não ter mencionado, assim como, logicamente, a lista não pretende contemplar todas as modalidades olímpicas, mas assim, de lembrança, sem pensar muito e destacando alguns esportes, eis aí:




No que diz respeito a cinema certamente não ha nada mais olímpico do que o clássico "Carruagens de Fogo" (1981). É impossível pensar num filme de atletismo sem pensar nele. Ambientado às vésperas das Olimpíadas de Paris, em 1924, "Carruagens de Fogo" centra as atenções em dois corredores da equipe inglesa, um judeu e outro cristão, que buscam classificação para os jogos evidenciando ao longo do drama suas diferenças de estilo, crenças e convicções. Filme que imortalizou a famosa trilha sonora do grupo Vangelis sobretudo pela cena de abertura com os atletas correndo em câmera lenta pela praia, Que criança nos anos oitenta não correu como se estivesse em câmera lenta imitando com a boca o som da canção tema do filme? Atire a primeira pedra.


Sequência inicial de "Carruagens de Fogo"

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Rúgbi não é um esporte muito popular no Brasil mas na África do Sul, apesar de todos os conflitos sociais e raciais pós-apartheid era um esporte que atraía a atenção do povo, o problema era que não conseguia unir brancos e negros uma vez que a população negra, apesar de apreciar o jogo, via o esporte como símbolo do regime segregacionista. Às vésperas da Copa do Mundo de Rugbi, em 1995, Nelson Mandela, recém eleito presidente do país e ainda sofrendo da desconfiança dos próprios negros e da resistência dos brancos, vê no esporte a oportunidade de unir o país como um todo em torno de um ideal e reforçar com isso o patriotismo e a autoestima de seu povo.
"Invictus" (2009) não é um filme espetacular mas é mais um dos bons filmes de Clint Eastwood e conta com a boa performance de Matt Damon como o capitão da equipe nacional sul-africana e uma atuação extraordinária e marcante de Morgan Freeman como Nelson Mandela, pelo qual foi indicado ao prêmio de melhor ator.



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"Fuga Para a Vitória", referência em filmes  de futebol.
Se o rúgbi não tem lá todo esse público por aqui, vamos falar então do esporte mais popular do país olímpico, o futebol. Sim, porque mesmo num momento desfavorável por conta da corrupção, desmandos, escândalos, desorganização, ausência de craques, resultados vexatórios, ainda é a bola redonda que manda por essas bandas. Mas o fato é que é difícil se fazer filmes de futebol. As dimensões do campo e a própria dinâmica do jogo não são facilitadores pra quem pretende fazer um longa dentro das quatro linhas. Talvez por isso, alguns dos melhores exemplos de bons filmes sobre futebol se passem fora de campo. O bom "Linha de Passe", de Walter Salles (2008) onde o sonho de um garoto pobre em alcançar o sucesso no esporte é pano de fundo para os problemas sociais na periferia de São Paulo, e o ótimo "Boleiros" de Ugo Giorgetti (1998), em que m grupo de amigos de alguma forma ligados ao futebol no passado, jogam conversa fora em um bar relembrando fatos engraçados, curiosos, tristes de suas vidas, seja na arquibancada, com um apito na ão, na casamata ou dentro do campo.
Mas dentro do campo, o filme que provavelmente conseguiu o melhor resultado prático na telona, transformando-se em um clássico do cinema, é o sempre lembrado "Fuga Para a Vitória" (1982), filme que narra a história de prisioneiros aliados na Segunda Guerra Mundial que terão uma partida contra os alemães e vêem nela a oportunidade de escapar. Apesar da falta de traquejo com a redondinha de atores como Sylvester Stallone e Michael Caine, o mestre John Huston consegue cenas de grande emoção e alta plasticidade como por exemplo a do gol de bicicleta. Sabe de quem? Vou dar uma pista: sabe o filme do Pelé que o Chaves queria tanto ver?



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Curiosamente, apesar de altamente popular nos Estados Unidos e de uma plasticidade  e dramaticidade favoráveis, o basquete, que até tem grande número de produções, não apresenta filmes de qualidade destacada. Talvez possa-se destacar o bom "He Got the Game - Jogada Decisiva", de Spike Lee com Denzel Washington (1998), o subestimado mas interessante e bem dirigido "Homens Brancos Não Sabem Enterrar", cujo título infeliz em português que parece mais de um filme pornô deve ter afugentado muita gente dos cinemas e repelido espectadores até hoje. Mas por incrível que pareça um dos mais lembrados quando se fala de bola no cesto e certamente o mais olímpico dos filmes deste esporte é "Space Jam - O Jogo do Século", que mistura personagens dos desenhos animados da Looney Tunes com astros da NBA. Tentando se libertar de alienígenas que os aprisionaram, Pernalonga e sua turma convocam ninguém menos que o astro Michael Jordan para jogar em seu time e conquistar a liberdade. Um grande barato.



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O tenso jogo de tênis de "Pacto Sinistro".
O tênis também rende bons filmes para a telona. Apesar de sua dinâmica para muitos um tanto monótona, o vai-e-vem da bolinha por si só já gera uma tensão toda particular que somente mestres conseguem explorar com verdadeira competência. É o caso, por exemplo, de Woody Allen no seu excelente "Match Point" (2005) no qual partidas de tênis mesmo aparecem em poucos momentos, e para falar a verdade, nem partidas são, são apenas treinos. Mas, a partir da genial cena de introdução que coloca o destino de uma bola que bate na rede e pode cair para qualquer dos lados na conta meramente da sorte, o filme passa a ser um jogo. Bola lá e bola cá. Quem vai matar o ponto e fechar  partida?
Mas ainda mais notável que o suspense policial de Allen, é o do mestre do gênero, Alfred Hitchcock. "Pacto Sinistro", filme de 1951, trata de dois homens que se conhecem casualmente em um trem sendo que um deles reconhece o outro como um tenista famoso, Guy Haynes, que pelo que se sabe pelos tabloides e jornais de fofoca, teria uma amante e estaria insatisfeito com seu casamento. O estranho do trem, Bruno Anthony, então propõe ao tenista uma troca de "favores", ele se livraria da esposa do tenista que insiste em não ceder o divórcio, e Haynes mataria seu pai. Ok? Claro que não! Só que mesmo sem concordância do tenista o doido dá o acordo por selado e cumpre sua parte. Só que aí ele vai cobrar a parte do outro e é aí que o negócio esquenta.
Absolutamente genial! A cena da morte da esposa de Guy, a cena do carrossel e logicamente a tensa cena do jogo de tênis são daquelas coisas de assistir de joelhos. No jogo da bolinha pequena, o mestre Hitch mais uma vez bate um bolão.



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Filmes de capa e espada sempre foram comuns e muito populares no cinema. Duelos mortais, filmes de pirata, de cavaleiros, guardas reais, e até de ficção científica como as lutas de sabre de luz na série "Star Wars", mas a esgrima propriamente dita, como esporte também parece em alguns momentos interessantes na história da sétima arte. "O Último Duelo " de F. Murray Abrahams (1993); o filme estoniano "O Esgrimista" de 2015; na parte de Louis Malle, adaptação do conto "William Wilson" de Allan Poe no coletivo "Histórias Extraordinárias" de 1968; no bom mistério juvenil "O Enigma da Pirâmide" de Barry Levinson que traz as origens do detetive Sherlock Holmes, são apenas  alguns exemplos da esgrima no cinema, mas gostaria de destacar aqui o divertido duelo de James Bond contra o milionário Gustav Graves em "007 - Um Novo Dia Para Morrer" (2002) em que os adversários começam a disputa disciplinados, nas regras da competição, mas que aos poucos vão as abandonando até causar um verdadeiro caos e destruição no elegante clube inglês que frequentam. Filme de mediano pra fraco mas gosto muito dessa cena que tem inclusive a participação da cantora Madonna. 


A cena da esgrima em duas partes: até onde o esporte estava sendo respeitado
e quando Bond e o adversário mandam tudo às favas e passa a valer qualquer coisa.




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Nas cordas, no córner, no ringue. Lá se passam alguns dos grandes filmes que o cinema já nos deu. Desde o incipiente filme de Kubrick "A Morte Passou por Perto" de 1955; o clássico do neo-realismo italiano "Rocko e Seus Irmãos", de Luchino Visconti (1960); a saga Rocky, da qual os dois primeiros filmes (1977 e 1980) são os grandes clássicos mas cujo restante da franquia mantém toda uma mitologia particular; passando pelo comovente "o Campeão" de Franco Zeffirelli (1979); por "Hurricane", de Norman Jewison (1999); pelo boxe feminino no premiado "Menina de Ouro" de Clint Eastwood (2005);"o Vencedor" (2010) com Mark Wahlberg cujas cenas de luta deixam muito a desejar; até chegar ao recente (2015) "Nocaute" de ótima atuação de Jake Gyllenhaal, a Sétima Arte vem com frequência nos proporcionado filmes com bons roteiros, qualidade técnica e requinte sobre a Nobre Arte. Verdadeiros balés de direção que parecem tentar compensar ou contrapor a violência do esporte com cenas inesquecíveis.
Talvez o que melhor traduza todas essas qualidades, sendo frequentemente apontado em diversas listas como um dos 5 melhores filmes de todos os tempos, seja "Touro Indomável" (1980), mais um das obras de arte de Martin Scorsese. As cenas de luta são extremamente bem filmadas, intensas, inquietantes com sua fotografia em preto e branco e ambiente esfumaçado, contudo o filme não se fixa meramente na trajetória atlética de um boxeur dentro do ringue. "Touro Indomável" conta a história de um boxeador talentosíssimo, Jake LaMotta, que tinha tudo para alçar vôos cada vez maiores mas que por seu temperamento e indisciplina, vai aos poucos pondo toda sua carreira e, por consequência, sua vida a perder. A contagem foi aberta.





Cly Reis


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Duelo - com Paulo Telles (2ª parte)



Seguindo com a segunda parte do duelo com o radialista, locutor, cinéfilo e blogueiro Paulo Telles num bate-papo tão apaixonado pela sétima arte quanto instrutivo. Se na primeira Telles aborda o faroeste norte-americano, destacando diretores, títulos referenciais e até sobre o papel da mulher no western, agora, ele fala um pouco mais sobre o spaghetti, a versão italiana para o gênero que não só ganhou fãs no mundo todo como, de certa forma, trouxe-lhe uma nova linguagem. Ainda, aquilo que todo cinéfilo gosta: listas. O entrevistado já sai elencando seus filmes preferidos nas duas categorias e defende com muito critério e poder analítico uma a uma de suas escolhas. Vamos, então, à segunda e última parte da entrevista:



FRANCISCO BINO:- Sei que não é fácil fazer estas coisas, mas nos faça uma lista com os dez melhores western Spaghettis de todos os tempos segundo você? E os dez melhores do cinema americano?
PAULO TELLES: E não é mesmo, prezado Bino (risos). Elaborar uma lista com apenas dez de cada estilo não é uma tarefa fácil. Entretanto, há outros títulos que também estão em minha apreciação que não se encontram aqui listadas, portanto, apresento os meus Top Ten de cada estilo do gênero:

  • AMERICANOS
1 - "RASTROS DE ÓDIO"/The Saerchers (1956) – Direção: John Ford
Foi através desta obra prima (assisti pela primeira vez em 1985, com catorze anos) que comecei a me interessar sobre cinema e tentar entendê-lo como arte. Foi a partir deste momento, que me deixei penetrar pelo mundo de John Ford e no mundo dos westerns. Não tem como você não se deixar encantar pela beleza majestosa e áspera do Monument Valley, cenário natural este preferido de Ford, e pela figura estoica de Ethan Edwards, interpretado por John Wayne. Em minha opinião, foi a melhor atuação de sua carreira, digna mesmo de um prêmio, trabalho este que rendeu até elogios do cineasta e filósofo Jean-Luc Godard, inimigo declarado de Wayne por razões políticas. “Rastros de ódio” conserva os elementos dramáticos do faroeste tradicional, por seu estilo peculiar, épico e lírico, onde o cineasta descreve a odisseia de Ethan e de seus discípulo Martin Pawley (vivido por Jeffrey Hunter) na perseguição aos comanches que raptaram a jovem Debbie (vivida por Natalie Wood), e isto tudo num relato de tensão ininterrupta e de grandeza plástica e cromática, segundo as nobres palavras do finado crítico Paulo Perdigão, ex-colunista do jornal O Globo. Recentemente, o filme foi exibido em reprise nas grandes salas do Cinemark, em sua sessão de clássicos, e assisti junto ao José Eugenio Guimarães, editor do blog Eugenio em Filmes. Mesmo sem o impacto do formato VistaVision, ainda assim valeu o ingresso.


"Rastros de Ódio", cena de abertura

2 - MATAR OU MORRER/High Noon (1952) – Direção: Fred Zinnemann
Um dos grandes westerns que estabeleceu o chamado Western Psicológico, uma alusão ao Macarthismo e a sociedade americana de então, uma das obras primas de um grande cineasta, Fred Zinnemann. Poucos sabem, mas os americanos consideram tão importante este filme que uma cópia desta obra prima foi depositada numa cápsula do tempo, que só será reaberta no ano 2213. Uma trama elevada à dimensão de tragédia grega tendo como herói o xerife Will Kane (em minha opinião o mais humanizado de todos os protagonistas no gênero, digno do título de herói) vivido por um dos atores que mais bem personificaram o mito do cowboy do oeste, Gary Cooper, em uma cruzada solitária para defender sua vida. Ele durante muitos anos cuidou de uma cidade e de seus habitantes, mas agora mesmo não estando sob a insígnia da lei, estes mesmos habitantes se recusam a ajudá-lo, pois todos temem o pistoleiro e seus comparsas que descerão no trem do meio dia para matar Kane. Um estudo acurado da consciência do herói que mesmo podendo fugir ou deixar a responsabilidade para o próximo xerife, ainda sim mantém sua dignidade para ter paz consigo mesmo. Não tem como não falar deste Western sem mencionar Grace Kelly como sua esposa quaker, e a famosa canção “Do Not Forsake Me Oh My Darling”, interpretada por Tex Ritter. Solidão, consciência, medo, e ingratidão são as temáticas principais desta obra de Zinnemann.
3 - O MATADOR/The Gunfight (1952) – Direção: Henry King
Outro grande western de base psicológica dirigida por um dos grandes artesões de Hollywood, e trazendo Gregory Peck numa das melhores atuações do gênero, Jimmy Ringo, um temível pistoleiro que quer largar as armas para viver pacificamente para a esposa e seu filho, que ainda não o conhece. Contudo, sua fama de rápido no gatilho não só atemoriza as pessoas mais pacatas, mas atrai aventureiros desocupados que o querem por à prova, o que faz com que Ringo não consiga a paz que almeja. Um estudo acurado do mito do pistoleiro, que tão logo seja afamado (ou mal afamado), outros estão dispostos a temê-lo ou a desafiá-lo.
4 - DA TERRA NASCEM OS HOMENS/The Big Country (1958) – Direção: William Wyler
Um dos melhores Westerns americanos que já assisti e por muitos, e também pudera, não tinha nada para dar errado tendo na direção um dos maiores cineastas de todos os tempos, William Wyler, que assinou grandes obras primas da Sétima Arte, como “Jezebel”, “A Princesa e o Plebeu”, “Chagas de Fogo”, e “Ben-Hur”, como também não podia dar errado tendo um elenco de primeira categoria como Gregory Peck, Jean Simmons, e Charlton Heston. Outro destaque é sua produção, com uma fotografia impecável e formato de tela panorâmica que nenhum televisor poderia enquadrar, isto é, um dos primeiros faroestes americanos em superprodução para afastar o público dos televisores, que então esvaziavam as salas de exibição. Vale lembrar também de sua mensagem pacifista, coisa rara nos filmes do gênero, já que o personagem de Peck, um almofadinha do leste, se envolve na briga de duas famílias por causa da divisão de água, mas ele acredita que poderá agradar a gregos e troianos. Muito interessante! Destaque para a briga entre Peck e Heston, que viram a noite lutando, e também para eletrizante trilha sonora de Jerome Moross.
5 - OS BRUTOS TAMBÉM AMAM/Shane (1953)- Direção: George Stevens
Era o filme preferido do crítico brasileiro Paulo Perdigão, já falecido, entretanto a meu ver ele é um conto moral sobre a redenção e a ótica de uma criança ao idealizar o perfil do herói do Oeste. O baixinho Alan Ladd é perfeito como o pistoleiro Shane, que busca a paz e quer largar as armas, mas ele não consegue quando se vê obrigado a empunha-las para defender um casal e o filho deles, que o idolatra como um verdadeiro mito. Shane chega a uma cidade como um típico “anjo purificador” ao tentar distribuir dignidade e autoconfiança para os fazendeiros amedrontados. A fábula sobre o bem e o mal e disputa entre dois é bem caracterizada no duelo final entre Ladd (Shane) e o pistoleiro Wilson, vivido pelo brilhante Jack Palance. Outro clássico do gênero recomendado para todos os amantes do Western, ou simplesmente, quem ama cinema.
6 - DUELO AO SOL/Duel in The Sun (1946) – Direção: King Vidor
Verdadeiramente um Super-Western de tirar o fôlego!!! Uma nova forma bem adulta de atrair o público igualmente adulto as salas de cinema, e produzido por David O’ Selznick, o megaprodutor responsável por outra obra prima (E O Vento Levou) e estrelando a sensual Jennifer Jones e o galante Gregory Peck, que não esta nada galante nesse filme (risos). Foi o maior êxito comercial de Selznick e que foi o apogeu do Western romanesco, no entanto, acabou criando problemas com ligas puritanas americanas pelo teor de sexualidade bem apimentada e exagerada, ao introduzir o chamado “beijo francês” no cinema americano. Além disso, a trama é basicamente uma tragédia grega, onde a mestiça vivida por Jennifer Jones tem o pai condenado à morte por ter matado sua mãe e o amante dela, e daí passará a viver com uma tia, vivida por uma dama do cinema, Lilian Gish, que é esposa de um senador, vivido pelo lendário Lionel Barrymore. Mas os dois filhos do casal se interessam pela mestiça, mas ela acaba optando pelo mais sedutor e amoral, que é Gregory Peck, que não quer nenhum compromisso, em vez do decente Joseph Cotten. De resto, é uma tragédia grega a se seguir em grandes proporções, mas no grande estilo do Western Clássico Americano.
7 - A LEI DO BRAVO/White Feather (1955) – Direção: Robert D. Webb
É um dos meus prediletos por tratar-se de um tema antirracista, e um dos faroestes mais respeitados sobre a temática indígena, cujo argumento foi redigido pelo cineasta Delmer Daves, mas dirigido por Robert D. Webb (um cineasta de menor renome, mas nem por isso menos admirado). No roteiro, Daves repetiu os mesmos ingredientes de Flechas de fogo, realizado cinco anos antes, versando a trajetória de jovem guerreiro cheyenne Cão Pequeno (vivido espetacularmente por Jeffrey Hunter) e um engenheiro bem intencionado Josh Tenner (vivido por Robert Wagner). Este tenta persuadir os índios a mudar-se para uma reserva, mas o projeto acaba prejudicado pela ganância de garimpeiros. A obra caminha para uma sequência final que eu mais admiro - o confronto do solitário de Cão Pequeno, que se recusa a mudar de sua reserva, contra as tropas da União. Destaque para a bela Debra Paget, praticamente a repetir seu papel em Flechas de Fogo, como a irmã de Cão Pequeno e interesse romântico do herói vivido por Wagner. Recomendo.
Poster de "A Face Oculta, de Brando
8 - A FACE OCULTA/One-Eyed Jacks (1961) – Direção: Marlon Brando 
Outro Western em superprodução que está em minha apreciação onde se tem o registro da única experiência de Marlon Brando como diretor. Muitos apreciam "O Poderoso Chefão" como o melhor filme de Brando, mas contesto um pouco isso, tendo em vista este excêntrico trabalho do gênero onde o ator investiu cinco milhões de dólares, em dois anos de trabalho. Foi uma produção tumultuada (era para Stanley Kubrick dirigir), e das 35 horas de filme impresso, Brando selecionou material para cinco horas de filme, que acabou sendo reduzido para 2h e 21 minutos de filme. Era para ter sido o Western de maior duração da história se Brando não fosse obrigado a reeditar sua duração. Além disso, tramas ligadas sobre a vingança me fascinam, assim como a dualidade do caráter do ser humano quando se aplica no personagem vivido por Karl Malden. Malden é bandido assaltante de bancos como Brando, e acaba traindo este, seu melhor amigo, que passa cinco anos na prisão e jura vingança por todos os anos que ficou no presídio, e quando finalmente o reencontra, ele é um homem mudado, xerife de uma cidade, e respeitado pelo povo. A questão fica se ele mudou moralmente ou isso não passa de uma fachada. Brando sempre alegou que seu Western era um “assalto frontal ao tempo dos clichês”.
9 - OS PROFISSIONAIS/The Professionals (1966) – Direção: Richard Brooks
Revisitado por mim faz pouco tempo, não há a menor dúvida que esta obra de Brooks foi uma resposta americana (uma das primeiras) para o Western italiano que já invadia as salas de exibição, e também não foi pra menos, pois importaram até a beleza italiana dos deuses Claudia Cardinale para se juntar as feras do cinema americano, como Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, e o ator negro Woody Strode, este excelente, mas infelizmente pouco valorizado. Um ótimo exemplar de tenacidade e tensão, cuja trama vai adquirindo colorações políticas e éticas inesperadas, mas com extraordinário espírito de aventura como jamais vista no gênero americano. Destaque para a fotografia e para sua trilha sonora, de Maurice Jarre.
10 - MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA/The Wild Bunch (1969) – Direção: Sam Peckinpah
O “clímax dos clímax” do gênero, como eu defino. Para os amantes de cinema, e, sobretudo, do gênero que estamos debatendo, é a obra clímax da estilização da violência, coreografada de forma ritualística em câmera lenta, evocando um Oeste sujo e selvagem, sem qualquer idealismo romântico e lenda áurea dos mitos, com personagens decadentes, anacrônicos, e desglamourizados. Causou polêmica de fato, o que retardou o reconhecimento de Sam Peckinpah como um dos grandes cineastas do gênero, pois acabou sendo cortados 56 minutos de sua metragem original, o que provocou protestos do diretor e até mesmo por parte da crítica, que não estava ainda acostumada com este excesso da violência nos filmes. Outrora os ídolos do cinema americano, William Holden, Ernest Borgnine, e Robert Ryan, três fantásticos atores (principalmente o terceiro, que atuou em Hollywood sempre com muita competência e profissionalismo, sendo um dos meus atores preferidos) estão soberbos e maravilhosos em seus papéis, arquétipos do declínio e de toda decadência, que de uma maneira ou outra, desgraçadamente se empenham em aventurar num último golpe de suas malditas vidas. Vale também destacar a bela fotografia de Lucien Ballard.



  • ITALIANOS/EUROPEUS
1 - TRÊS HOMENS EM CONFLITO/Il buono, il brutto, il cattivo (1966) – Direção: Sergio Leone
Foi o primeiro faroeste italiano a me chamar a atenção justamente devido a falta de romancismo, idealismo, lirismo, e todo tipo de folclore tão comumente acostumado nos faroestes americanos. Propositalmente, o grande Sergio Leone soube o que fez ao retratar o Velho Oeste do jeito que fosse condizer com os fatos, e descartando mitos. A ganância e o individualismo exacerbado, pessoas querendo se dar bem à custa de outras, são características bem acentuadas nas obras deste grande cineasta, como vemos neste exemplar, revelando ao mundo um novo tipo de cowboy, o mais distante possível de John Wayne, Gary Cooper, ou Randolph Scott, e seu nome é um mito vivo – o americano Clint Eastwood. Junto a Lee Van Cleef e Eli Wallach (maravilhoso como Tuco, o feio), formam um triunvirato de trapaças e aventuras desmedidas, onde ao fim, o duelo a três é inevitável.
2 -  DJANGO/Django (1966) – Direção: Sergio Corbucci
Outra obra prima que ajudou a consolidar o faroeste italiano na minha preferência. O mundo se rendeu a um novo ídolo do Western europeu, e desta vez um genuíno italiano chamado Franco Nero, um dos meus atores favoritos do gênero. Não há como não se impressionar com uma figura calada e de toda de negro chegando a uma pequena cidade carregando um caixão. Uma cidade dominada pelo terror da famigerada Ku Klux Klan que para dominar o poder enfrenta bandidos mexicanos, e o estranho Django está no meio de tudo isso para salvar a vida de uma estranha mulher, por quem se apaixona ao seu modo. Corbucci dá a esta obra uma carga explosiva acentuada, realçada pela antológica trilha sonora de Luis Bacalov.
3 - O DIA DA DESFORRA/La Resa dei Conti (1967) – Direção: Sergio Sollima
Outro exemplar à italiana do gênero que é um exercício psicológico de tensão, mas mantendo as características do legítimo padrão do western italiano, trazendo o americano Lee Van Cleef como um caçador de bandidos da elite que persegue um mexicano (vivido pelo italiano Thomas Millan) acusado de violentar e matar uma menina. Contudo após vários reveses, em que o caçador tem o seu orgulho ferido devido à esperteza do mexicano, ele descobre que na verdade ele é inocente, vitima de inescrupulosos da alta roda em que o caçador vivido por Cleef faz parte, e por isso ele resolve ajudar o mexicano. Um dos melhores e mais expressivos filmes do Western europeu, dirigido por um Sergio, mas que não é o Leone.

O "O Dólar Furado",
dos favoritos
do faroeste spaghetti
4 - O DÓLAR FURADO/Uno Dollaro Bucato (1965) – Direção: Giorgio Ferroni
Giuliano Gemma é outro dos meus heróis do gênero à italiana, e este filme, ainda que embora tenha alguns clichês do Western americano, ainda assim vale o espetáculo, que como “Django”, de Corbucci, ajudou a impulsionar a moda do bang bang a italiana. Impressionante como uma moeda de um dólar no bolso acaba salvando a sua vida após ser abatido pelos inimigos, e como se fosse Ullysses da “Odisseia” de Homero, volta para se vingar dos homens que tentaram matá-lo, tiraram a vida de seu irmão, e raptaram sua mulher. “O Dólar Furado” é outra obra prima do gênero que ajudou no impulso do faroeste italiano.
5 - OS QUATRO MALDITOS/Los Cuetro Implacables (1965) – Direção: Primo Zeglio
Não chega a ser um clássico do gênero italiano, mas meus motivos para listá-lo são mais puramente afetivos, pois foi um dos primeiros assistidos por mim ainda na infância, e em ter como herói aqui Adam West, que no ano seguinte emplacaria como o mais famoso Batman da TV. O cowboy aqui vivido por West é quase limpinho, briga adoidado, mas a trama sobre um agente da lei (vivido por West) que tentar impedir que quatro bandoleiros (daí o título de “Quatro Malditos”, ou no original, “Os Quatro Implacáveis”) recebam a recompensa por terem capturado e matado um fugitivo da justiça que era inocente não deixa de ser de toda interessante e é uma história bem ritmada. Como não deixarão barato, os “quatro malditos” emboscam o agente da lei, e este, terá que lutar por sua vida.
6 - POR UNS DÓLARES A MAIS/Per un pugno di dollar (1964) – Direção: Sergio Leone
Leone parte com tudo nesta obra desmistificadora dos mitos laureados do Velho Oeste. A ganância, o individualismo, o dinheiro, surgindo a figura do 'caçador de recompensas', tão enormemente explorado em outros filmes, contudo sem tanta convicção e realidade como expõe Leone. Embora sem muitas afinidades, os personagens de Clint Eastwood e Lee Van Cleef, por motivos diferentes, acabam esquecendo suas diferenças e se unindo para enfrentar a quadrilha de Gian Maria Volonté, com a intenção de dividir a recompensa por eles oferecida pela Lei. Outra obra merecedora de destaque entre os grandes clássicos do gênero spaghetti de se fazer Western.
7 - ERA UMA VEZ NO OESTE/C'era una volta il West (1968) – Direção: Sergio Leone
Outro exemplar, talvez o mais popular, onde se seguiu toda a Trilogia de Leone (“Por um punhado de Dólares”, “Por uns Dólares a Mais” e “Três Homens em Conflito”). Vale destacar que o roteiro foi escrito por Leone com colaboração de Bernardo Bertolucci, com leves reminiscências do clássico americano “Johnny Guitar”, de Nicholas Ray (1954). Foi uma febre ao ser lançado nos nossos cinemas em 1971, mas infelizmente com cópias de 144 minutos devido à censura (a metragem original aos propósitos do cineasta foi de 229, sendo reduzidas umas para 137, e outras com 165 minutos, a versão apresentada no mercado de vídeo hoje). Uma trama com muito sangue e sem qualquer moral, uma verdadeira crítica à mitologia do Oeste em vez do antigo glamour dos faroestes americanos, retratando a passagem de pioneiros para os tempos da civilização com a chegada dos trilhos das ferrovias. Parece um paradoxo ao vermos Henry Fonda, outrora um representante da mitologia clássica do Western Americano, o típico mocinho das telas, na pele de um malfeitor sujo e cínico como Frank. Não foi a toa que Leone escolheu Fonda, pois era um assíduo admirador deste ator. Charles Bronson na pele de um pistoleiro, Harmônica (porque sempre toca esta gaita quando esta prestes a matar), que busca vingança contra Frank, que matou seu irmão, se destaca pelo caráter lacônico, de quase poucas falas, e de muito suspense de seu personagem, assumindo uma atitude quase parecida com a de Sterling Hayden em “Johnny Guitar”, quando protege a viúva Jill Mcbain, vivida por Claudia Cardinale. Mais do que uma superprodução, é um Super-Western, acabando por se consagrar como um dos exercícios mais ousados do cineasta Sérgio Leone.


"Era Uma Vez no Oeste", sequencia inicial

9 - CAÇADA AO PISTOLEIRO/Un minuto per pregare, un instante per morire (1968) – Direção: Franco Giraldi
Um Western italiano cheio de tensão, com argumento freudiano à dimensão de tragédia grega, mas não deixando de ser extremamente violento e desmistificador. Trata-se da história do pistoleiro Clay McCord (vivido por Alex Cord), temido e odiado por muitos, que tem sua cabeça a prêmio oferecido por um delegado corrupto de uma cidade (vivido pelo ótimo Arthur Kennedy). Contudo, o delegado age fora da lei e vem a intervir Lem Carter (o sempre brilhante Robert Ryan), governador do Novo México, que oferece uma anistia ao pistoleiro, contudo alguns aventureiros não querem saber e tentam emboscar McCord, que ainda enfrenta outro problema – ele tem momentos de ataque epilético, e carrega o trauma pelo pai também ter tido esse mesmo problema. Embora os atores principais sejam americanos, o filme ainda conta com as presenças italianas de Nicoletta Machiavelli, e do ator Mario Brega. Está entre meus colecionáveis.
10 - ADIOS SABATA/Indio Black, sai che ti dico: Sei un gran figlio di... (1970) – Direção: Gianfranco Parolini
Como não podia deixar de serem ao estilo italiano, trapaças, aventureiros sujos, e todo mundo querendo se dar bem. É assim que funciona esta obra de Parolini, tendo como anti-herói o aventureiro Sabata (na verdade, Indio Black no original), vivido pelo excelente Yul Brynner, aqui ainda um tanto limpinho e barbeado como foi em Sete Homens e Um Destino, em 1960. Sabata é um caçador de bandidos que se junta a um vigarista, Ballantine (vivido por Dean Reed) e ao engraçado e cínico revolucionário, o gordo Escudo (vivido por Ignazio Spalla) para combater as forças do Imperador do México Maximiliano, e se apoderar de um carregamento de ouro. Contudo, esta união de forças tem objetivos diversos. O destaque fica em algumas situações engraçadas, quando o ladrão Ballantine tenta enganar seus associados. Vale também a pena assistir “Sabata, O Homem que Veio Para Matar” (que não tem a ver com o filme estrelado por Brynner, apesar do mesmo nome do protagonista), estrelado por Lee Van Cleef, onde se apresentam as mesmas situações humorísticas quando se trata de bandido enganar o outro, afinal, quem disse que existe honra entre ladrões?

B: Quais você acha que são os western mais subestimados de todos os tempos?
PT: Acentuo uma obra fordiana intitulada “Audazes e Malditos”, de 1960, que trata da questão do racismo. Pela primeira vez, o Mestre John Ford desenvolveu uma mensagem antirracista em um tom bem eloquente que chega a ser comovedor, tendo como pano de fundo o ano de 1866, quando negros recém-libertados passam a integrar regimentos de cavalarias comandados por oficiais brancos. Um deles, um notável sargento vivido pelo brilhante Woody Strode, é acusado de um crime que ele não cometeu, sendo levado à corte marcial por preconceito racial. Mas ele é defendido por seu superior, vivido por Jeffrey Hunter. O relato do filme (sempre reconstituindo os fatos em flashbacks) é tenso, épico, e de uma solene dramática indescritível, que só um brilhante cineasta como Ford poderia conceber, mas eu pessoalmente considero um de seus melhores trabalhos junto às outras obras de requinte maior do diretor. Também “A Árvore dos Enforcados”, dirigido por outro grande artesão dos westerns, Delmer Daves em 1959, acredito um tanto subestimada por alguns críticos, entretanto não poderia ter um protagonista mais humano em todos os aspectos do que o médico Joe Frail, vivido por Gary Cooper em uma de suas últimas atuações. Amargo, malquisto, cínico, mas ao mesmo tempo, não isento inteiramente de altruísmo, procura esquecer um trauma do passado e tenta continuar a vida. Mas ele percebe que nem tudo esta perdido, pois se renderá ao amor de uma imigrante suíça que acaba salvando sua vida, vivida pela Maria Schell. Vale destacar a bela canção interpretada por Marty Robbins. Outro western, desta vez europeu, que acho muito subestimado é “Os bravos não se rendem”, dirigido por Robert Siodmak e Irving Lerner, que conta a trajetória do General Custer de maneira realista e desmistificadora (nada a ver com o herói pintado por Raoul Walsh no clássico “O Intrépido General Custer”, com Errol Flynn, em 1945). Robert Shaw esta perfeito como o famigerado militar em sua sede de glória, e a famosa batalha de Little Big Horn. Contudo é um dos trabalhos menos badalados (mesmo com uma bela trilha sonora), visto a índole verdadeira e descaracterizante do personagem, o que pode não agradar a todos.

B: Sam Peckinpah e Robert Altman foram meio que marginalizados por Hollywood. Mesmo com poucos filmes sobre o tema western eles impactaram a estética do gênero para sempre. Wild Bunch e Quando os Homens são Homens, são exemplos claros disso. Que grande contribuição foi essa? E que outros diretores após essa geração conseguiram essa façanha?
O genial Altman, um dos diretores que mudaram o western
PT: Conheço pouco o trabalho de Altman no gênero, com exceção do “Oeste Selvagem”, estrelado por Paul Newman, em 1976. Entretanto, posso adiantar que ambos os cineastas são oriundos da televisão e dirigiram trabalhos gratificantes no gênero para a telinha. Peckinpah chegou a dirigir episódios de “O Homem do Rifle” (com Chuck Connors) e “Paladino do Oeste” (com Richard Boone), e Altman episódios da série “Bonanza” e “Lawman. Acredito que a questão da marginalização destes cineastas é que ambos foram sinceros demais em suas obras, sem rodeios. Peckinpah recorreu à violência em “Meu ódio Será Sua Herança”, de 1969, e a partir daí, não foi só no gênero western que se viu esta apelação do diretor que é consagrado como o “Poeta da Violência”. Basta acessarmos seus outros ótimos trabalhos como "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia" (1974) e "Sob o Domínio do Medo" (1972), que poderemos ver também esta exaltação. Quanto a Altman, como vi “Oeste Selvagem”, senti a desmistificação de uma lenda, no caso Buffalo Bill, e grande parte dos produtores embora saibam que as lendas e mitos não correspondem à verdade, ainda assim preferem que as lendas sejam impressas. Hollywood durante anos promoveu isso em seus westerns, e mesmo com o desenrolar das mudanças graças aos faroestes italianos, a indústria de cinema não parecia apoiar esta descaracterização dos mitos tão amados pelo folclore americano. Contudo, a grande contribuição destes dois mestres foi tentarem fazer um novo estilo de western, sem exaltação de mitos ou heróis, sem áura romântica, propondo para as plateias mundiais que o Velho Oeste também pode ser interessante se analisarmos seus personagens e o meio social em que viveram. Acredito que Lawrence Kasdam (que realizou em 1985 o ótimo “Silverado”), que também realizou pouquíssimos trabalhos no gênero (o último, “Wyatt Earp”, de 1994, com Kevin Costner, que foi um fracasso), e atualmente Tarantino, vem conseguindo esta proeza de impactar a estética, e por que não dizer, imortalizar o gênero.

B: Sabemos que ainda existem produções western tanto nos EUA quanto na Europa. Mesmo com Tarantino e outros diretores fazendo western a sua maneira e em forma de homenagem, podemos afirmar que esse gênero morreu ou ainda vai ressuscitar em uma grande e genial produção?
PT: Acredito que, na verdade, o western nunca morreu. Naturalmente as produções de hoje são em menor escala, e não como era a mais de 50 ou 60 anos atrás, época rica em criatividade e em franca produção, onde tínhamos cineastas brilhantes como John Ford, Raoul Walsh, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer Daves e claro, incluindo Peckinpah, Leone e outros mais. Mas de uma forma ou de outra, o faroeste está vivo, só esta adormecido enquanto um cineasta fera como Tarantino ou como Clint Eastwood, a lenda viva, não rodarem novos trabalhos no gênero (será que Clint pensaria em rodar um novo faroeste? Seria genial!). E enquanto isso, também, novas produções são realizadas pela TV americana ou mesmo para o cinema sem sabermos. Mas uma coisa é certa: este gênero estritamente americano também batizado pelos italianos não morreu e nem morrerá tão cedo se depender de cada fã e espectador como nós para divulgar, apreciar e assistir. Podem acreditar!

B: Quais filmes western merecem destaque a partir dos anos 80 até hoje, nos faça uma lista de alguns que são pouco conhecidos?
Willie Nelson em
"Justiça para um bravo"
PT: Não estou muito a par das novidades em matéria de western nos últimos tempos, mesmo porque sigo um esquema eclético focalizando em geral o cinema antigo e todos os seus gêneros, mas naturalmente, o western tem um espaço com todo carinho dedicado. Entretanto, posso acentuar alguns trabalhos do faroeste já tanto esquecidos na metade dos anos de 1980, como “De Volta ao Oeste” (Once Upon a Texas Train”), de 1986, para a TV, dirigido por um dos grandes especialistas do gênero, Burt Kennedy, e trazendo Richard Widmark (um notório Man Of The West de primeira), Angie Dickinson, e o cantor Willie Nelson, além de contar com presenças conhecidas como Chuck Connors, Stuart Whitman, Jack Elam, Ken Curtis, Dub Taylor. No ano seguinte, o mesmo Willie Nelson foi o protagonista de “Justiça para um Bravo” (“Red Headed Stranger”), também realizado para a TV, onde contou com as presenças da bela Katharine Ross (de “Butch Cassidy”) e do excelente Royal Dano (cujo seu melhor papel de destaque foi no western “Irmão contra Irmão”, dirigido por Robert Parrish, em 1958). Vale destacar também por esse período “O Álamo, 13 dias de Glória”, de 1987, que retrata a batalha do Álamo com mais fidelidade do que a versão patriótica apresentada por John Wayne, em 1960, onde James Arness (da série de TV Gunsmoke), interpreta Jim Bowie, Brian Keith como Davy Crockett, Lorne Greene como Sam Huston (em seu último desempenho), e o inesquecível Raul Julia como o general Santana. Em 1995, Jeff Bridges interpretou o temível Wild Bil Hickcok na produção “Uma Lenda do Oeste”, dirigida por Walter Hill, onde conta a trajetória fidedigna de uma lenda, o mais distante possível de Gary Cooper na produção “Jornadas Heroicas”, de 1936, dirigida por DeMille. Dos mais recentes que acredito que são ainda menos conhecidos, vale destacar “Inferno no Faroeste”, de 2013, sob a direção de Roel Reiné, onde estrelam Mickey Rourke e Danny Trejo. Parece-me que este western não chegou as nossas salas de exibição.

B: Há um tempo eu soube que Clint Eastwood escreveu uma carta a John Wayne pedindo a ele para fazerem um filme juntos. Isso não aconteceu é claro. Caso acontecesse essa produção seria ímpar e juntaria definitivamente os dois maiores ícones do western. Um de cada estilo. E se no final do filme houvesse um duelo entre a dupla, quem venceria?
Wayne e Clint,
o tão esperado duelo que nunca aconteceu
PT: Vixe, nem ouso te responder com segurança a esta pergunta sem levar uma bala perdida (risos). Uma parada dura já que ambos são dois gigantes do mesmo gênero, mas com estilos diferentes e épocas diferentes. O mais engraçado é que, em 1989, dez anos após a morte de Wayne, uma pesquisa realizada por uma revista de cinema apontou Clint Eastwood como o novo sucessor de John Wayne. No entanto, Clint, apesar de admirar o bom e velho Duke, jamais quis se comparar a ele ou sequer substituir John Wayne. Clint tinha como modelo para o gênero o ator Gregory Peck, do qual considera sua melhor atuação em “O Matador (“The Gunfighter”). As performances vindas de Clint para compor seus durões nos westerns, segundo ele, se inspiravam em Gregory nesta obra dirigida por Henry King em 1951. É fato (e não fita) que Clint enviou uma carta para o veterano Duke, propondo que fizessem um filme juntos. Já pensou, Bino? Dois gigantes do gênero que talvez pudesse precisar de duas telas do formato VistaVision para compor tamanho encontro! (risos). Entretanto, Wayne, que vira “O Estranho Sem Nome”, a obra de Clint dirigida em 1973, não gostou nem um pouco do estilo revisionista e violento deste western. Para Wayne, já foi difícil filmar "Bravura Indômita", em 1969, tendo que se reinventar um pouco e quase recusou o papel que deu a ele seu único Oscar como ator. Mas o gênero estava se desenvolvendo bem rápido, e os faroestes estrelados por Wayne em épocas anteriores já ficavam obsoletos para os novos padrões. Entretanto, Duke não só recusou o convite como também aproveitou para criticar o trabalho de Clint Eastwood, que não lhe deu ouvidos. A parceria não aconteceu e o maior prejudicado foi o público, ou, quem sabe, o próprio Wayne. Portanto, por mais que eu adore John Wayne, acho que Clint sacaria primeiro, ou quem sabe, por alguma "providência", um empate técnico? (risos)

B: Para finalizar, uma pergunta que será símbolo de todos os "Duelos" com entrevistados: descreva você num grande filme?
PT:Meu Ódio Será Sua Herança”. Não que eu seja o “arquétipo da decadência” como os protagonistas da obra de Peckinpah, que queriam realizar o último trabalho de suas vidas antes de se “aposentarem”, mas eu sempre procuro investir nos negócios ou em qualquer situação da minha vida como se fosse dar também o meu “último golpe”, ou concretizar meu “último trabalho”. Isso não quer dizer, literalmente, que seja o último, mas quando desejamos alcançar certos objetivos na vida com sucesso fica a lição que devemos fazer o melhor do nosso melhor em todos os nossos empreendimentos como se fosse o último. Os homens de Pike Bishop (William Holden) não desistiram, e mesmo com o resultado que obtiveram no final, eles foram determinados, e nós também não devemos desistir, mesmo que nos sintamos decaídos em algum momento de nossas vidas. Assim, me descrevo em “The Wild Bunch”!


"Meu Ódio Será Sua Herança"