Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Hitchcock. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Hitchcock. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 12 de abril de 2018

"Psicose", de Alfred Hitchcok (1960) vs "Psicose", de Gus Van Saint (1998)



Para estrear o nosso quadro Clássico É Clássico (e vice-versa), como não poderia deixar de ser trazemos um grande clássico do cinema. Aqui, conforme anunciamos, uma produção de sucesso, consagrada, um filme marcante da história do cinema, é colocado frente a frente com sua refilmagem e, entrando no clima da Copa, como se fosse uma partida de futebol, avaliaremos quem sairá vencedor desse embate cinematográfico.
O primeiro filme a enfrentar seu remake é nada mais nada menos que "Psicose", filme originalmente dirigido por Alfred Hitchcock, em 1960, e que ganhou uma nova versão pelas mãos do diretor Gus Van Saint em 1998.
"Psicose" de Alfred Hitchcock é uma daquelas coisas magistrais do cinema! Um filme que começa como um policial, chega a sugerir algo sobrenatural e revela-se como um filme de serial-killer, tudo sem deixar cair a tensão em momento algum. Uma obra de arte que só por seu tamanho e grandeza não deveria permitir a ousadia de alguém tentar refilmá-lo. Pois bem: talvez percebendo isso mas ao mesmo tempo tentado pela admiração pela obra de Hitchcock, o norte-americano Gus Van Saint resolveu encarar o desafio mas provavelmente vendo-se incapaz de melhorá-la em qualquer quesito, talvez numa tentativa de homenagem, resolveu simplesmente imitá-la. Sim, a versão de 1998 é meramente uma cópia. Uma reprodução quadro a quadro, cena a cena, literalmente, sem qualquer originalidade. Pra não dizer que não tem diferença, tem a cor, que é um decréscimo considerável em relação à fascinante fotografia (propositalmente) em preto e branco de Hitchcock e, ah, tem umas imagens aleatórias entre um assassinato e outro mas que não representam nada de considerável no todo. E aí, entre o original genial, brilhante e arrebatador, e uma cópia deslavada sem nenhum mérito artístico, não tem como não ficar com a primeira.
A "versão" de Gus Van Saint não tem nenhum ganho. Nada! Anne Heche, apesar de insossa, ainda se vira bem como a ambiciosa Marion que rouba o dinheiro da empresa e vai se hospedar no sinistro Bates Motel; Julianne Morre como a personagem que vai no rastro da irmã investigar seu desaparecimento também dá conta do recado; William H. Macy até tem algum destaque como o detetive; mas o inexpressivo Vince Vaughn diante do perturbador Anthony Perkins como Norman, não sei se é de rir ou de chorar. Mas aí o espectador curioso fica com aquela expectativa pra ver a cena do chuveiro. Talvez seja legal... Nossa! É lamentável. Como eu disse, é a mesma cena, é uma cópia, mas é outra coisa! E para piorar, a opção pelo colorido acaba com grande parte da magia e do terror que Hitchcock soube extrair tão bem do monocromático.
Filme por filme, um é como se fosse um quadro pintado pincelada a pincelada enquanto o outro é uma cópia xérox que depois foi pintada com hidrocor. Psicose antigo 1x0.
A propósito de colorir, a fotografia em preto e branco é mais um gol para o Psicose preto e branco. 2x0.
Quanto aos atores, só para ficar no principal, Anthony Perkins simplesmente tem uma das atuações mais marcantes do cinema tendo forjado um dos personagens mais emblemáticos de todos os tempos enquanto o constrangedor Vince Vaughn é exagerado, pouquíssimo convincente e nada sutil. "Psicose" clássico , 3x0.
Roteiro? O roteiro é o mesmo, só que o diretor da refilmagem não tira nenhuma vantagem disso nem consegue imprimir qualquer valor novo a ele. Mais um gol pro velho Psicose. 4x0!
Elementos técnicos como montagem, som, luz, novos recursos e tecnologias, mesmo 38 anos depois da primeira versão não ajudam em nada a tornar a obra de Gus Van Saint melhor, por isso, nestes itens ele apenas não perde, mas também não ganha.
Quanto ao diretor, basta dizer que original é de Alfred Hitchcock e o outro de um diretor que sequer ousou mudar uma cena numa refilmagem. Bom, né... 5x0 pro Psicose do Hitch e um banho de bola.
 O "Psicose" clássico é um CLÁSSICO mas o mesmo não vale para o inofensivo remake de Gus Van Saint que, como diria Norman Bates, não seria capaz de fazer mal a uma mosca.
O Norman de Perkins com sua expressão naturalmente ameaçadora e o de Vaughn claramente forçado.
Um remake que nunca devia ter acontecido.


Hitchcock dá cinco punhaladas em Gus Van Saint e o original vence a cópia com facilidade.








Cly Reis


sexta-feira, 19 de março de 2021

"O Homem que Sabia Demais", de Alfred Hitchcock (1934) vs. "O Homem que Sabia Demais", de Alfred Hitchcock (1956)

 

Alfred Hitchcock, se fosse um técnico de futebol, seria daqueles que mostram talento ainda jovens, quando dirigia suas primeiras e pequenas equipes do futebol inglês. Nascido na última década do século XIX, no pacato condado de Essex, situado a sudeste da Inglaterra, aquele gordinho reprimido não tinha porte nenhum para ser um astro dos gramados (ou das telas). Porém, inteligente e detalhista, dava toda a pinta de que seu negócio era comandar os outros com a cabeça. Das primeiras experiências no teatro, ainda na década de 10, não demorou muito para que, já em Londres, passasse a se aventurar naquela nova arte a qual, no período da transição entre o cinema mudo para o falado, início dos anos 30, ajudou a formar a gramática tal como se conhece hoje. Um dos filmes dessa época é “O Homem que Sabia Demais”, de 1934, a primeira versão de um clássico que o próprio diretor refilmaria em 1956. Porém, em outras condições bem diferentes.

Mas para entender o porquê do remake – bem como qual é o melhor entre os dois, nosso objetivo – devemos voltar à carreira de Hitchcock. Com filmes como “Jovem e Inocente”, “Os 39 Degraus”, “Agente Secreto” e o próprio “O Homem...”, o exigente professor Hitch, como seus jogadores respeitosamente o chamavam, fez belas campanhas no futebol inglês, levando times de orçamento modesto a bons resultados. Era período de entre-Guerras na Europa, a grana andava curta e mal tinha pra pagar a folha dos atletas. Mas apertando daqui, inventando uma trucagem dali, usando a criatividade na mesa de edição e valendo-se do já diferenciado senso de enquadramento que tinha, Hitchcock conseguiu, se não montar times campeões, pelo menos de futebol vistoso. Resultado? Aquilo que acontece com talentos emergentes: ganhou vitrine. Em 1940, Hollywood compra seu passe. É como se o cara estivesse comandando um time mediano na segunda divisão e fosse contratado direto por um clube da principal liga de futebol mundial. A partir de então, Hitchcock só voltaria à sua Inglaterra se quisesse. E voltou.

Foram 19 filmes nos 22 anos que separaram o primeiro “O Homem...” do remake, boa parte clássicos sagrados da cinematografia mundial. O ponto importante deste ínterim, contudo, como em todo o retrospecto de Hitchcock, é a progressão exponencial de sua obra em todos os quesitos, seja em conceito, desenho de cena, fotografia, edição, efeitos e condução. Hitch avançava de uma produção para a outra, trazendo quase que invariavelmente inovações técnicas e narrativas que o fizeram consagrar-se já àquela época como principal cineasta dos Estados Unidos. Um mito ainda vivo. Para se ter uma ideia desta evolução, “Interlúdio” (1946), considerado um dos maiores filmes dos primeiros 50 anos do cinema à sua época; “Pacto Sinistro” (1951), noir com a assinatura do mestre do suspense; e “Janela Indiscreta” (1954), para muitos, seu maior filme, são três exemplos de uma sequência de realizações perfeitas de sua filmografia neste intervalo de tempo. A cada projeto, um considerável passo rumo à excelência. A cada nova temporada, um time melhor e mais artilheiro.

A segunda versão de “O Homem” faz parte desta linha progressiva estilística e narrativa de Hitchcock – que desembocaria, dois anos depois, em “Um Corpo que Cai” e, outros quatro, em “Psicose”, seus dois mais aclamados. Um filme tão clássico que só os aficionados ou curiosos para saberem da existência de uma versão inglesa antecessora e feita pelo próprio diretor. Ao rodar “O Homem” pela segunda vez, em que parte das filmagens ocorrem na sua Inglaterra (e a qual retornaria apenas em 1972, para filmar “Frenesi”), era como se o já tarimbado técnico, depois de conquistar o mundo e dirigir os principais times de sua época, fizesse questão de vestir novamente a camiseta daquele que o projetara. Mas, agora, com a estrutura de grande clube, com investimento dos cartolas e plantel estelar com direito a Doris Day e James Stewart como casal norte-americano McKenna, ao invés dos ingleses Bob e Jill Lawrence, vividos por Leslie Banks e Edna Best no primeiro.

"O Homem que Sabia Demais" (1934) - completo

"O Homem que Sabia Demais" (1956) - principais cenas

“O Homem” de 1956 faz jus ao reconhecimento que tem. Neste, a equipe inteira bate um bolão. Thriller com suspense, aventura e espionagem na medida certa entre tensão e distensão; cenários vistosos; roteiro envolvente; interpretações marcantes; e sequências/cenas históricas. Falando assim, parece que o jogo já está resolvido antes de a bola rolar em favor do time mais novo, colorido, abastado, tecnicamente perfeito, né? Mas não é exatamente assim, pois quando o juiz apita é o mesmo esporte que ambos os adversários estão disputando. 

Dotado de qualidades inquestionáveis, “O Homem” de 1934 guarda elementos fundamentais que inspirariam o remake, como o argumento (o sequestro da/o filha/o de um casal de turistas por malfeitores ao se envolverem acidentalmente em uma trama internacional de assassinato) e a proposta funcional dos personagens (o pai destemido em busca de seu rebento; o assassino cruel e amoral; a religiosa perversa; a mãe desesperada mas atuante, etc.). Ou seja: a ideia basal estava lá nos tempos de vacas magras – o que acaba por ser um elogio, visto que o cineasta tirou “leite de pedra” de um projeto tão ousado para a época. Quase gol, aquela que pega na trave e assusta. Até mesmo algumas cenas são "reaproveitadas" de um filme para o outro, como a da missa na capela, inclusive no tom misto de suspense e comédia. Igualmente, a clássica sequência do concerto no Royal Albert Hall, em Londres, cenário para ambas as produções, muito parecidas em montagem, trilha e enquadramento, e que Hitchcock refez em tecnicolor nos anos 50.

Depois de dar um susto com uma bola no poste, tanto pela sequência do concerto quanto pela ágil edição da cena inicial do esqui nos Alpes da Suíça, que impacta o espectador já nos primeiros segundos de filme, o time do antigo “O Homem”, surpreendendo a todos, larga na frente mal a bola começa a rolar. Aí, não demora muito, meio que desnorteado, o filme de 56, que entrou em campo cadenciando o jogo, sofre novo golpe. Sabe aquele meia habilidoso e experiente entre os “pratas da casa” que foi contratado do futebol alemão? Um com histórico de mau comportamento, que atende pelo nome de Peter Lorre – e cuja camiseta não tem um número, mas sim uma estranha letra “M“ estampada... Sim, ele, o raçudo jogador apelidado pela fiel torcida de "Vampiro de Düsseldorf" por chegar "mordendo" seus adversários, com a rara qualidade de um dos maiores de todos os tempos em sua posição, marca mais um gol numa bucha de fora da área. Impiedoso como o seu personagem, o matador Abbott. Para surpresa geral, são 10 minutos de partida e já está 2 x 0 para o time de 34!

Como fez Didi após o gol de Liedholm para a Suécia na final de Copa de 1958, James Stewart, que não era capitão mas um líder nato da equipe como o autor da “folha seca”, pega a bola calmamente de dentro da rede e a leva para o círculo central. Ninguém quer sair em tamanha desvantagem assim, obviamente, já nos primeiros minutos, mas tem muito tempo de partida ainda. Guiados pelo talento de Stewart – o melhor mocinho hitchcockiano disparado – e pela mão firme do seu técnico, que confia no esquema tático proposto, o time mais novo põe a bola no chão e naturalmente faz valer a sua visivelmente melhor qualidade técnica. Consertando passagens mal resolvidas do primeiro (como a dramaticidade da aflição dos pais ao saberem do sequestro), dando-lhe maior unidade narrativa (o segundo tem aproximadamente 1 hora a mais de duração) e, principalmente, criando cenas novas (como a da loja de taxidermia) e recriando outras (a morte do espião a céu aberto no Marrocos ao invés de uma festa confinada na Suíça), o remake marca, ao natural, o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto. O primeiro tempo se encerra, e apenas um time agora domina as ações.

No segundo tempo, com o time encaixado, “O Homem” de 56 segue com maior posse de bola, fazendo um quinto gol com a nova sequência no Albert Hall, que passa a ter 12 minutos de duração (6 a mais do que o original) e onde o mestre do suspense se esbalda em técnica, reaproveitando a ideia do primeiro, mas refinando-a em todos os aspectos: fotografia, trilha, cenografia e principalmente, edição. É como se uma jogada bonita fosse ensaiada e reensaiada exaustivamente até funcionar como que (ou literalmente) por música. Desnorteado, o filme de 34 se perde totalmente em campo e apresenta um final medíocre, apressado, querendo que o jogo termine logo. A sequência do tiroteio dos bandidos com a Scotland Yard, muito mal concluída com o tiro desferido pela própria Jill (que arranca a arma das mãos do policial, que não oferece nenhuma resistência...) é, convenhamos, sofrível. Nada comparada à brilhantemente tensa cena da resolução da trama na escadaria na casa do embaixador em que a sintonia entre a música que Jo McKenna está tocando ao piano com a ação do marido, que resgata o filho das mãos dos bandidos naquele momento, fecha o placar com o gol de misericórdia. É goleada! O juiz, em respeito ao próprio Hitchcock, tanto o vencedor quanto o perdedor, não dá nem acréscimos. Final de partida: 6 x 2 para o remake de “O Homem”.

Sequência do concerto no Albert Hall 
(filme 1934: 6 min - filme 1956: 12 min)

 

Na coletiva, depois daquelas perguntas sem grande serventia, como: “Qual a sua emoção ao voltar a treinar um time na Inglaterra depois de tanto tempo fora do país?” ou “Por que o senhor, que sempre entra em campo em algum momento, não faz sua tradicional ‘ponta’ justo neste que é tão vencedor?”, um repórter, finalmente, faz a pergunta que os colegas deveriam ter feito: “Professor Hitchcock: por que o senhor decidiu refilmar ‘O Homem’ e por que esta nova realização é melhor que a primeira na sua opinião?”. A resposta veio com a sabedoria de quem conhece como ninguém as quatro linhas – as do gramado e a das telas: "Vamos dizer que a primeira versão é o trabalho de um talentoso amador e a segunda foi feita por um profissional." Entrevista encerrada, mas a torcida aguardava seus ídolos na saída. A galera, extasiada, ovacionava principalmente o seu técnico cantando a plenos pulmões: “o professor Hitch é o homem que sabe demais!”


À esq., cenas de "O Homem que Sabia Demais" de 1934, cuja diferença para
o remake de 1956 não é apenas do p&b para o colorido, mas também
a lente Panavision mais ampla. Mas vamos aos enfrentamentos! Bem acima,
os dois vilões: o craque Peter Lorre e o apenas competente Bernard Miles,
quesito que pôs um dos gols na conta do time mais antigo. Mas na sequência,
o escrete de 1956 começa o seu passeio (e passeio sem sequestro de criança, viu!?).
Na cena do telefonema dos sequestrados para os pais, a tomada em plongê com 
Doris Day e James Stewart, que virou uma marca do filme. Na terceira fila,
a tomada quase idêntica da arma que atira no diplomata entre as cortinas
do Royal Albert Hall. Por último, o espião após levar um tiro confidencia
aos protagonistas (no filme de 34, à mãe, e no de 56, ao pai): o cineasta aperfeiçoa
os mínimos detalhes desta importante cena para a trama na refilmagem.

 

Sinceramente, foi quase covardia colocar esses dois 
para disputar uma partida, algo comparável aos sêniores 
contra os profissionais em plena forma. Mas campeonato é assim. 
E olha que teve até susto no início do jogo com “O Homem” dos anos 30
 marcando 2 logo de cara. Mas com a bola no pé, não deu outra: 
o time de 56 tomou conta das ações e ninguém mais segurou este 
que um dos maiores clássicos da filmografia do professor Hitch. 
Futebol inglês, afinal, também pode ser bonito.



Daniel Rodrigues

terça-feira, 11 de julho de 2017

"O Inquilino", de Alfred Hitchcock (1927)


Não é sempre que um artista consegue, desde cedo, estabelecer um estilo próprio de produzir sua arte. Isso pode acontecer com pintores, músicos, escritores e, claro, com cineastas. Não se trata de demérito, afinal, na maioria das vezes, para se chegar a uma síntese de elementos conceituais que pertençam ao universo do autor e se manifestem com inteireza na obra, carece, sim, que se percorra algum chão.

A inconsistência das primeiras obras, entretanto, parece não valer para todos os criadores do cinema, principalmente, quando se está falando de gênios como o inglês Alfred Hitchcock. “O Inquilino” (The Lodger: A Story of the London Fog), de 1927, seu primeiro longa-metragem – ainda da fase muda e rodado na Inglaterra 13 anos antes de ele se radicar nos Estados Unidos –, guarda muito dos elementos estilísticos que adotaria em sua extensa, exitosa e referencial filmografia. Descontada, claro, a ainda pouca experiência que os 28 anos lhe ofereciam, bem como a carência de recursos de toda a Europa do período entre-Guerras, nota-se no filme tanto as trucagens técnicas criativas quanto os elementos narrativos que consagrariam o “mestre do suspense” e, mais do que isso, ajudariam a formatar a linguagem do cinema comercial no decorrer do século XX.

A começar pela história: pequena, tensa e baseada em temáticas que se sustentam em conflitos psicológicos. Um serial killer, ao estilo Jack, O Estripador, inicia uma série de assassinatos em Londres, tendo como fator em comum o de suas vítimas serem todas mulheres loiras. Um novo hóspede, Jonathan Drew (Ivor Novello), chega ao hotel do casal Bounting e aluga um quarto. O homem tem estranhos hábitos, como o de sair em noites nevoentas. Ele também guarda a foto de uma moça loira, o que faz com que a suspeita das mortes facilmente recaiam sobre ele. Daisy (June Tripp), a filha dos Bouting, também loira, é modelo e está noiva de um detetive. Incomodado com a presença de Jonathan e pressionado a achar uma solução para os crimes, o policial o prende, acusando-o de ser o assassino.

O esquisito inquilino Jonathan (Ivor Novello): acusação, culpa e crime
O argumento é suficiente para Hitchcock desenvolver os conflitos internos dos personagens e as naturais consequências desse desequilíbrio, que tanto sustentarão seus filmes subsequentes. A dúvida e a ambiguidade, por exemplo, estão no centro da história de “O Inquilino”. O comportamento esquisito de Jonathan, que coloca interrogações no que se refere a sua sanidade, intenções e até gênero sexual, desencadeiam a desconfiança da polícia e da sociedade e, consequentemente, a imputação da culpa. Não é difícil encontrar em toda a filmografia de Hitchcock personagens levianamente acusados antes de poderem se explicar, casos de “Os 39 Degraus” (1935), “Interlúdio” (1946), “O Homem Errado” (1956), “Cortina Rasgada” (1966) ou “Frenesi” (1972), pegando-se um por década.

Em sequência, tomadas de escada de "O Inquilino", "Chantagem e Confissão" e "Um Corpo que Cai"
Igualmente, “O Inquilino” já apresenta a inventividade na utilização dos recursos técnicos, pelos quais Hitch não apenas surpreendeu espectadores muitas vezes ao longo dos anos como, mais que isso, ajudou a inventar soluções, tornando-se um dos precursores dos efeitos visuais tal qual se convencionou no cinema. Assinaturas de sua direção, como a fotografia expressionista, os enquadramentos bem pensados, detalhes de objetos, zoons, close no rosto de uma mulher gritando e até travelling dentro de um automóvel dão ao filme um ritmo bastante atrativo e pop. Ainda, as vertiginosas tomadas em plongée de escadaria, fator narrativo imprescindível a filmes dele de épocas distintas, como "Chantagem e confissão" (1929) e "Um Corpo que Cai" (1958), Além disso, a agilidade da montagem em momentos de clímax, colocando o espectador em uma espiral de tensão, fazem lembrar a perseguição no parque de diversões de “Pacto Sinistro” (1951) ou a famosa cena do assassinato do chuveiro de “Psicose” (1960), para ficar em dois exemplos.

Close em mulher gritando, uma das
marcas de Hitch
Afora isso, outras semelhanças com filmes que rodaria posteriormente chamam atenção. A cena inicial da aglomeração de pessoas diante de um corpo no rio lembra direto a também primeira cena de “Frenesi” (1972), que Hitchcock rodaria já em final de carreira, 45 anos depois deste debut cinematográfico. Fácil associar ainda a cena final, em que Jonathan, em apuros, fica pendurado na grade e prestes a cair, com as sequências também conclusivas de “Intriga Internacional” (1959) e de “Janela Indiscreta” (1954), quando o diretor usa o mesmo precedente como catarse dramática. Além, é claro, da fixação pelas loiras – as blond girls Kim Novak, Doris Day, Tippi Hadren e Ingrid Bergman, entre outras – e da sempre presente culpa da sensualidade feminina, associada a desejos tanto carnais quanto letíferos.

Vários elementos narrativos e técnicos presentes em “O Inquilino” seriam aperfeiçoados pelo diretor no decorrer de mais de 50 anos de carreira – aliás, tal qual fizera em toda sua obra, num incansável aprimoramento metalinguístico. Mas é fato que, já em seu primeiro projeto atrás das câmeras, Alfred Hitchcock lançara as bases daquilo que lhe tornaria uma marca: o hoje largamente conhecido gênero triller psicológico. Sua estética apurada, exigência técnica e a constante intenção de mexer com as emoções do espectador fizeram de Hitchcock uma referência, haja vista que buscara permanentemente a associação entre uma linguagem própria e sustentada na gramática original do cinema a um diálogo com o público. Não à toa, por isso, vários de suas realizações se tornaram clássicos, visto que respondem não apenas ao cinema enquanto arte, mas também como entretenimento. E se obras-primas como “O Homem que Sabia Demais” ou “Um Corpo que Cai” são como quadros irretocáveis, é porque estas devem bastantemente ao bem-acabado esboço “O Inquilino”.

Assista ao filme "O Inquilino"



por Daniel Rodrigues

segunda-feira, 27 de março de 2023

"Rebecca, A Mulher Inesquecível", de Alfred Hitchcock (1940) vs. "Rebecca, A Mulher Inesquecível", de Ben Wheatley (2020)

 



Alfred Hitchcock, um dos maiores e mais influentes cineastas de todos os tempos na história do cinema, curiosamente nunca ganhou um Oscar de melhor diretor. No entanto, um filme seu foi agraciado com a honra máxima da Academia, o Oscar de melhor filme: "Rebecca, A Mulher Inesquecível", de 1940. E não é que me vem um sem-noção e tenta dar sua versão exatamente o filme mais premiado de Hitchcock? Refilmar um Hitchcock qualquer já é uma ousadia corajosa, refilmar "Rebecca...", então, é pedir pra cair nas comparações e fracassar rotundamente.

"Rebecca, A Mulher Inesquecível" pode não ser seu maior filme, seu trabalho mais conhecido, sua obra-prima, mas é um daqueles filmes impecáveis, preciso, perfeito em todos os detalhes, tipo aquele time certinho, ajustado em cada setor. Não entra pra história pelo belíssimo futebol, pela vistosidade, mas garante seu nome entre os grandes esquadrões pela competência e pelos troféus no armário. Mas engana-se quem possa pensar que "Rebecca" não é impressionante. Se é menos marcante numa comparação com um "Janela Indiscreta", "Psicose", ou "Um Corpo que Cai", é inegável, no entanto, que possua todos os méritos para ter alcançado, em relação a esses badalados clássicos, o ineditismo de um Oscar de melhor filme na filmografia do Mestre do Suspense.

Em "Rebecca", uma jovem dama de companhia de uma ricaça, numa temporada em Monte Carlo, conhece um milionário abalado pela morte trágica da esposa. Mesmo ainda se recuperando do trauma, o viúvo, Maxim De Winter, sentindo-se revitalizado, reanimado depois de tudo que passara, se envolve com a garota e casa-se com ela, lá  mesmo no Principado.

Ele a leva para sua residência, a suntuosa mansão Manderlay, na Inglaterra, mas lá a esposa não  consegue ter paz no casamento uma vez que a sombra da falecida, Rebecca, parece estar em tudo e em todos os lugares da casa. Sensação que é  reforçada e ainda mais agravada pela presença quase sinistra da governanta, sra. Denvers, fiel e devotada servidora, mesmo depois da morte da patroa. Só  que aos poucos percebemos que há  alguma coisa de errada com a tal morte... Ninguém quer falar muito a respeito, o marido age estranho, a empregada esconde alguma coisa, aparece um "primo" misterioso e o tal naufrágio da qual Rebecca fora vítima revela-se um incidente meio meio mal explicado e repleto de interrogações.

"Rebecca, A Mulher Inesquecível" (1940) - trailer


"Rebecca, A Mulher Inesquecível" (2020) - trailer


Hitchcock mais uma vez fazia o que costumava fazer com maestria: induzir o espectador por caminhos errados, confundir um pouco a nossa percepção inicial. Sugere algo sobrenatural, como em "Um Corpo que Cai" e "Psicose", introduz um mistério, nos enrola, cria o suspense, nos revela razões erradas, vai trazendo novas informações, para tudo culminar, no fim das contas, num thriller policial.

A nova versão tem a trama absolutamente igual e, por seu turno, não acrescenta em nada. Não é melhor tecnicamente, não tem um diretor à altura, não tem atores melhores e, no mínimo que se arrisca em ousar, não  tem sucesso ou não dá ganho algum. Lily James até é boa atriz, faz bem seu papel como a nova sra. De Winter, mas diante da atuação de Joan Fontaine, indicada para o Oscar, na época, sua performance é simplesmente pulverizada. Joan Fontaine está magnífica! Ela é tímida, insegura, tem aquela postura curvada de quem se sente diminuída, não consegue fixar o olhar no interlocutor, não sabe o que fazer com as próprias mãos e as mexe nervosamente, é sufocada pela imponência da casa, e fica reduzida a um ratinho diante da intimidadora governanta.

Quanto a Lawrence Olivier, salvo toda sua fama, seu título de Sir da Coroa Britânica e coisa e tal, pra mim é o típico canastrão hollywoodiano e, particularmente, apesar de seu Oscar na prateleira por Hamlet, e seu caminhão de indicações, nunca fui muito seu fã. Mas, tenho que reconhecer que, além da comparação inglória com o zé-ninguém que interpreta De Winter no remake, Armie Hammer, desta vez ele me convenceu. Faz o tipo galante quando precisa, é jovial nos momentos de descontração, especialmente nas cenas em Mônaco, mostra-se convincentemente atormentado pelos acontecimentos que levaram à morte de Rebecca, e piedosamente vulnerável quando os acontecimentos parecem mudar de rumo.

E o que dizer da governanta, sra. Denvers? A antiga, interpretada por Judith Anderson, que também fora indicada ao Oscar pelo trabalho, parece uma assombração, uma presença maligna, uma alma penada, um urubu, sempre de preto, postura quase estática, movimentos mínimos, olhar frio e impassível. Kristin Scott-Thomas, da nova versão, é ótima atriz, até vai bem no papel, mas fica reduzida a pó diante do desempenho de Judith Anderson.

A direção de arte do remake é competente, recria bem a Monte Carlos dos anos 40, tudo é caprichadinho, ele ousa numa montagem mais ágil (o que não ajuda muito), a fotografia até é boa, um pouco colorida demais para o meu gosto, ok, mas, mesmo nisso, não teria como bater a que fora, inclusive, reconhecida com um Oscar? A força estética do preto e branco, o jogo de luz e sombras, os penhascos à praia, a perspectiva dos corredores da mansão, a imponência de Manderlay... Tudo imbatível!

Não tem como disputar.

O time de Hitchcock começa metendo 1x0 nos primeiros minutos na cena em que a jovem dama de companhia conhece o milionário, à beira de um penhasco, possivelmente prestes a um suicídio. A acrofobia induzida pela posição da câmera, a expectativa pela ação daquele homem, a iniciativa (talvez) salvadora da garota e, ali, o início da relação dos dois, constituem uma baita jogada do mestre do suspense e tira o primeiro zero do placar. Ben Wheatley, por sua vez, talvez tendo noção de que não conseguiria reproduzir algo tão espetacular, abre mão da cena, começando sua trama diretamente no hotel.

Manderlay, a mansão, uma casa que parece ter vida própria, que em determinado momento chega a parecer assombrada, impressiona por sua imponência sombria e opressora, quase como um personagem à parte, muito mais no primeiro filme, do que no remake, que não lhe confere tamanha relevância. Gol de Manderlay: 2x0, no placar.

Joan Fontaine (craque) desequilibra. Joga demais! A fragilidade, a timidez, a insegurança, a humildade da personagem, a impotência diante da onipresença de Rebecca em tudo naquela casa, a paixão nos olhos diante do misterioso marido... É gol! Mais um pro time de Hitchcock.

Sir Lawrence Olivier, aquele craque contratado pra dar aquele brilho no meio-de-campo, o cara da jogada requintada, também guarda o dele. 4x0 para "Rebecca" (1940). E Judith Anderson, além de não deixar passar nada na defesa (na defesa dos interesses da antiga patroa), por sua atuação de luxo, vai ao ataque, também marca o dela e, literalmente) incendeia a torcida!

A favor do novo, Sam Rilley, se sai melhor como o primo Jack Favell do que George Sander do original; a parte do inquérito, depois da descoberta do barco de Rebecca, funciona melhor no remake; e a subtrama, dos interesses por trás do conluio de Favell com a governanta Denvers, fica um pouco mais clara na nova versão. Ok..., tudo isso, somado, dá um golzinho para o time de 2020, mas aí a casa já caiu (literalmente). 

Baile de gala! 5x1 para 'Rebecca" de 1940.


Vários momentos dos dois filmes:
(à esquerda, Rebecca, de 1940; à direita, o de 2020)
1. Manderlay, a suntuosa mansão, bem mais sombria e ameaçadora na visão de Hitchcock;
2. O interior da casa e a iluminação proposta por cada diretor;
3. A sra. Denvers, a sinistra Judith Anderson (esq.) e Kristin Scott Thomas, à direita, um pouco mais humana;
4. A governanta atormentando a vida da nova patroa, nas duas versões;
5. Nosso adorável casalzinho;
6. Mesmo com o filme levando o nome de Rebecca e tudo girando em torno dela,
nossa protagonista é a adorável personagem sem nome:
à esquerda, Joan Fontaine, brilhante, e
à direita, Lily James, apenas competente.




Se o filme de Hichcock chama-se "Rebecca, a mulher inesquecível",
o da Netflix, poderia, perfeitamente, se chamar "Rebecca, o filme dispensável".




Cly Reis



segunda-feira, 2 de maio de 2022

As 30 melhores aberturas de filmes

 

Não sei quanto a quem não é cinéfilo de carteirinha, mas mais de uma vez me surpreendi tanto com a abertura de um filme, que a sensação imediata era a de quem nem precisava mais continuar assistindo. Foi assim quando, em 1995, na companhia de vários amigos – em sua maioria absoluta amantes de cinema mas não necessariamente cinéfilos – reunimo-nos para ver o VHS locado de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, do Quentin Tarantino. Eu não havia visto “Cães de Aluguel” ainda, seu primeiro e anterior longa, embora já ouvisse todo o debate em torno do nome do cineasta que dizia-se estar revolucionando o cinema. Mas o que me despertava maior interesse era, principalmente, porque o filme em questão havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. Isso, mais do que toda a celeuma sobre Tarantino significar ou não um novo capítulo na história da 7ª Arte (o que poderia ser, escaldado que sou, um exagero proposital, comum na mídia), de fato me surpreendia. Cannes desde cedo em minha vida cinéfila fez muito sentido, pois cresci assistindo seus premiados e indicados, que não raro eram (ainda são) alguns dos melhores filmes que já assisti, como “A Balada de Narayama”, “Coração Selvagem” e “Mephisto”. No caso de “Pulp Fiction”, ainda mais por saber tratar-se de um filme “comercial” norte-americano e não algum cult europeu ou asiático, isso, sim, chamava-me mais a atenção e despertava a curiosidade de vê-lo.

Pusemos a fita no videocassete. A grande maioria sabe o que acontece nos primeiros minutos de “Pulp Fiction”, né? A sequência do diálogo entre Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer) antes de assaltarem o restaurante e a entrada triunfal dos letreiros iniciais com “Miserlou” de Dick Dale arrasando com um surf-rock na trilha e, ainda pelo meio dos créditos, a mudança de música, como se alguém tivesse mudado uma estação de rádio para o funkão “Julgle Boogie”, da Kool & The Gang. Tudo aquilo, o estilo; a atmosfera pop; a inteligência da montagem; o bom gosto musical; o tom de tele-seriado B; a referência a Godard no nome da produtora A Band Apart: toda essa sequência minimamente bem pensada de como iniciar um filme me fez ficar absolutamente estarrecido. Somava-se a isso a engenhosidade da montagem no momento em que Pumpkin e Honey Bunny levantam-se sobre o banco do restaurante (e Roth diz: “I love, Honey Bunny”, e eles se beijam em close antes de apontarem as armas) e anunciam o roubo, a imagem congela e mantém-se o áudio das falas – estas, aliás, extremamente musicais, tanto que se tornam inseparáveis da música de Dale que vem na sequência no próprio disco da trilha sonora. Apaixonei-me pelo filme que mal havia começado.

"Pulp Fiction", Quentin Tarantino (1994)


Excitado, eu olhava para meus amigos na sala enquanto aquela série de genialidades iam surgindo da tela para observar suas reações, mas todos, embora estivessem, sim, gostando, nem de perto se exaltavam como eu. Aquele sentimento de arrebatamento era única e exclusivamente meu. Cheguei a perguntar, incrédulo: “Gente, vocês estão vendo a MESMA coisa que eu?!”. A resposta? Com desdém adolescente: “Sim, Dani, o que é que tem? O filme tá recém começando”. Sim, o filme estava recém começando, mas não de um jeito normal. Para mim (e para muito cinéfilo e estudiosos do cinema) confirmava-se ali a tal revolução cinematográfica atribuída a Tarantino. Não precisava nem ver o filme por completo: era certo que o cinema, então a 4 anos de completar seu primeiro século de existência, mudava a partir dali, e isso era o máximo de eu estar presenciando. Aprendi, naquela situação, que não era uma pena meus amigos não estarem vendo o mesmo que eu: era, sim, o que me diferenciava do senso comum na forma de ver e sentir cinema.

Não foi a primeira abertura de filme que me surpreendeu a de “Pulp Fiction”, claro, mas é certo que esta sensação de entusiasmo se me repetiu várias vezes. Seja em casa ou numa sala de cinema, de vez em quando sou pego de surpresa com algum começo de filme que, como um bom disco de música, sabe dar o start certo e cativar de cara quem o está apreciando, mesmo que a obra em si não corresponda tanto a seu bom início – embora seja geralmente um bom indicativo. Pois essa lista se propõe a elencar justamente isso: não os filmes inteiros, mas seus primeiros minutos. A rigor, por “openning scene” entendemos não somente o design de créditos, mas o suficiente para apresentar o filme, embora não seja necessariamente uma regra.

A junção de fatores, a inventividade na disposição dos letterings, a edição, o prólogo, o design, o impacto da cena, o significado simbólico para com a história que será contada: tudo conta para impressionar e construir uma introdução digna de memória. As maneiras de fazer, assim como de se contar uma história em imagens, são infinitas, e não há um jeito melhor que outro. O critério para a escolha destes 30 exemplos sem ordem de preferência – e que pode tranquilamente ser ampliada por novos filmes ou por títulos aos quais não me ocorreram – é apenas o da sentir-se conquistado já na largada por uma obra cinematográfica. Aqueles filmes que, contrariando a lógica, recomendo que não sejam necessariamente vistos até o final. Os primeiros minutos já bastam.

**********

“Era uma Vez no Oeste”, Sergio Leone (1968)

São pouco mais de 7 min de puro deleite daquela que é provavelmente a melhor abertura de um filme de todos os tempos. O filme de Leone, aliás, por si merece essa alcunha, mas se se destacar apenas o seu começo já está mais do que bem representado. O design, o cenário, os enquadramentos, a disposição criativa dos letterings, o tempo da montagem, a arte e o figurino, a fotografia. Tudo em perfeita sintonia e, mais que isso, conceitual, visto que apresenta, sem precisar valer-se da poderosa música de Ennio Morricone e quase sem nenhuma palavra dita, tal westerns do cinema mudo, as ideias centrais do filme: o embate ideológico entre passado e futuro, entre vida e morte, entre instinto e consciência..


****

“Cassino”, Martin Scorsese (1996)

Lembro também de, no cinema, sentir a reação da sala ao surpreender-se com a explosão do carro do personagem Sam Rothstein, vivido por Robert DeNiro, em “Cassino”, nos idos de 1996. Uma reação espontânea do público, que, assim como eu, era abduzido para dentro da história em poucos minutos de fita transcorridos. Scorsese, justificadamente fã de Saul Bass, conseguira em vida trabalhar com o mestre do design de créditos cinematográficos ainda em dois filmes: “Cabo do Medo”, de 1991, e neste, do ano em que ele morreu.


****

“Fahrenheit 451”, François Truffaut (1966)

A nouvelle vague foi o movimento que melhor soube subverter os padrões da linguagem cinematográfica. Esta ficção científica de forte crítica filosófica baseada na novela e Ray Bradbury, além de ser um dos melhores filmes de Truffaut e do cinema, inova desde o seu primeiro minuto. E de forma simples. Aliás: simples em formato, haja vista que se engendra apenas por uma sequência de imagens estáticas e monocromáticas em zoom in e uma locução que descreve aquilo que geralmente apareceria escrito. Porém, a simplicidade da sequência de "Fahrenheit 451" é de uma criatividade tamanha, visto que traduz conceitualmente o principal elemento da história, que é a proibição de qualquer material escrito num futuro distópico. Genial e simples.


****

“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2002)

A experiência com "Cidade de Deus" também foi inesquecível. Fui assisti-lo pouco depois de seu lançamento já tomado pela fama em torno do filme. Na sala de cinema, pude comprovar estar diante da obra que demarca o antes e depois do cinema brasileiro, o filme que deu fim à dolorosa era da Retomada. E sua sequência introdutória (“Pega a galinha, pega a galinha!”), com a faca cintilante simbolizando o perigo, os fragmentos de imagens intercaladas por legendas, a foto em cores pulsantes, o som da lâmina sendo afiada misturado ao do samba para devorar a ave fujona. Uma cena de tensão que se cria em poucos minutos e que já diz a que o filme viera: para revolucionar o cinema nacional e mundial.


****

“Um Corpo que Cai”, Alfred Hitchcock (1956)

Saul Bass foi, inegavelmente, o gênio do design de créditos em cinema. E quando a genialidade dele se encontrava com a de outros, como, no caso, Alfred Hitchcock, com quem colaborou mais de uma vez, aí era gol certo. Altamente conceitual, como os videoclipes musicais que passariam a existir apenas décadas depois, a entrada de "Vertigo", com o casamento perfeito com a trilha de Bernard Hermann e os efeitos especiais bastante ousados e criativos para sua época, ainda surpreendem. Se hoje fosse feito por computadores já seria louvável, imagina em 1956.


****

“Psicose”, Alfred Hitchcock (1960)

Outro da colaboração Bass/Hitchcock, "Psicose" vale-se dos tradicionais grafismos que eram comuns ao trabalho de Bass, dono de um traço magnifico. A assustadora trilha de Hermann, sinônimo de thriller de suspense, é traduzida por linhas retas paralelas em p&b que se deslocam horizontal e verticalmente em conjunção com as letras, geram uma sensação de instabilidade e não-linearidade, ideia a qual, por sua vez, simboliza a perturbadora história do assassino psicótico Norman Bates. Junto com "Vertigo", aquele que é considerado o grande filme de Hitch. Não à toa.


****

“O Segundo Rosto”, John Frankenheimer (1966)

Mais uma de Bass, esta perturbadora abertura de "O Segundo Rosto" é um verdadeiro exercício artístico. Valendo-se de potente trilha de Jerry Goldsmith e da trama de suspense psicológico do filme de Frankenheimer, Bass explora distorções como as do expressionismo alemão e carrega nas sombras e imagens projetadas em espelhos para, já de início, entrar na mente do espectador, que, a se confirmar pelo excelente longa, será conduzido a um mundo de medos e aflições internas. Poucas vezes uma introdução casou tão bem com a ideia central de uma obra. 


****

“O Jogador”, Robert Altman (1992)

Esta cena já esteve destacada aqui no Clyblog por outro motivo: o plano-sequência. Pois Altman consegue com este engenhoso desenho de cena não apenas criar uma das melhoras sequências sem corte da história do cinema (afinal, o próprio filme trata sobre os bastidores da sua indústria) como, por conta exatamente disso, causar um incrível impacto já no início do filme, visto que o plano-sequência é justamente o que o abre. Altman, dos melhores do cinema autoral dos Estados Unidos, sabia como ninguém abrir suas obras, haja vista "Nashville", "M*A*S*H*" ou "Três Irmãs", mas nada bate a de "O Jogador".

****

“Magnólia”, Paul Thomas Anderson (1999)

Outro dos que fui assistir no cinema é fui totalmente arrebatado. Também pudera: que forma criativa de se começar um filme! P.T.Anderson põe pra baixo o queixo do espectador num prólogo ao mesmo tempo divertido e instigante, que relaciona fortuitos momentos da história, para, ao final, triunfantemente, soltar a imagem da flor "Magnólia" abrindo-se em velocidade acelerada sobre a projeção de diversos vídeos. Além disso, tem a apaixonante música de Aimee Mann, a quem nem conhecia e passei a adorar por causa da trilha do filme. Inteligentemente, a aparente dissociação dos acontecimentos do prólogo antecipa a trama coral proposta pelo roteiro e a nada casual relação entre aquelas histórias paralelas. “Isto não foi uma coincidência”.

 

****

“O Homem do Braço de Ouro”, Otto Preminger (1955)

Bass de novo, aqui na sua forma mais naturalmente criativa e genial: grafismos e desenhos com seu traço característico sobre um fundo preto e legendas sendo dispostas em conjunto com a música de Elmer Bernstein. A primeira parceria do designer com Otto Preminger, com quem trabalharia em vários outros projetos, também explora os meandros obscuros da mente humana, no caso, de um baterista de jazz viciado em heroína vivido incrivelmente pelo jovem (mas já ídolo) Frank Sinatra. Só o desenho do braço distorcido já é uma das mais felizes contribuições de Bass para a história do cinema e do design.


****

“A Marca da Maldade”, Orson Welles (1958)

Outro que, assim como "O Jogador", também tem um dos grandes plano-sequências da história cinematográfica para começar o filme. Porém, havemos de dar ainda mais mérito para o sempre inquieto e criativo Orson Welles em ousar abrir um filme deste jeito nos anos 50, quando o cinema e os espectadores tinham como padrão o formato convencional de créditos iniciais. Nunca se havia visto uma cena de abertura tão complexa, com vários atores e figurantes em cena, câmara em travelling, mudança de enquadramento de primeiríssimo plano para planos médios e grande, num espaço físico extenso e com direito até à explosão. E tudo isso SEM corte. Caramba! Como se não bastasse, o longa confirma todas as expectativas de seus de minutos iniciais naquele que é, talvez, o grande de Welles.


****

“Uma Mulher É uma Mulher”, Jean-Luc Godard (1961)

Godard, assim como Truffaut e seus companheiros de nouvelle vague, nunca deixaram de inovar a maneira de começar a contar suas histórias. O suíço, aliás, comumente radical, já fez muito filme que, a rigor, não começa nunca – e nem “termina”, consequentemente, como “Je Vous Salue, Marie” ou “FilmSocialisme”. Mas uma das marcas que Godard nunca abandonou é o trato formal da tipografia dos letterings, os quais se utiliza geralmente com fontes não serifadas tipo Futura ou Arial (e nas cores da bandeira da França) sobre fundo escuro, encurtando os limites entre poesia concreta, cinema, vídeoarte e literatura. Caso de “Uma Mulher é Uma Mulher”, que ele faz a proeza de apresentar genialmente em menos de 2 min.


****

“Fellini 8 1/2”, Federico Fellini (1963)

Fellini não cria suspense nenhum em relação ao nome do filme, o qual aparece já no segundo frame sobre fundo escuro na forma da conhecida logo. Mas a partir dali o que se vê até os 3 min que se transcorrem é a mais absoluta genialidade felliniana. A história do cineasta pressionado pela crise de criatividade é expressa numa espécie de prólogo onírico minuciosamente bem construído. O claustrofóbico engarrafamento, cuja mudez é ensurdecedora, e os olhares condenatórios à sua volta, sufocam aquele homem sem rosto dentro de seu carro a ponto de fazê-lo... sair voando! A lindeza do sonho se encerra numa praia, sobrevoando o mar e sendo puxado por uma corda da areia por ele próprio, que tem a companhia de um homem de capa sobre um cavalo negro. E o melhor: o oitavo filme (mais um média) de Fellini mantém esse nível até o fim.



****

“2001: Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick (1969)

 A ficção científica que estabeleceu o padrão do gênero para sempre é uma aula de narrativa para realizadores até hoje, o que inclui sua marcante abertura. Copiado e referenciado centenas de vezes, o início de "2001", de apenas 1 min30’, é, contudo, dos mais originais da história da 7ª Arte. Traduzindo em imagens siderais grandiosas a impactante abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, Kubrick mostra o raro alinhamento do planeta com Sol com a Lua valendo-se, para isso, de poucos mas precisos elementos: tela escura que vai aos poucos revelando a imagem e apenas três letreiros em tipografia Futura: “Metro-Goldwyn-Mayer Presents”, “A Stanley Kubrick Production” e o nome do filme em tamanho maior (com o detalhe do Copyright abaixo bem pequeno). Separadamente do filme, só esse trecho já pode ser considerado uma obra-prima.


****

“O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola (1972)

Este é um caso de uma forma própria de apresentar a história. O nome, através da bela logo com a mão divina comandando a marionete com o letreiro “Mario Puzo’s The Godfather” e os acordes da clássica música tema de Nino Rota, já está garantido no segundo frame. Porém, os 6 minutos seguintes apenas de diálogos traduzem diversos níveis narrativos e simbólicos que serão trazidos nas quase 3 horas de fita subsequentes. As relações de poder, a inteligência manipuladora do Padrinho, os valores familiares, os papeis sociais, os meandros dos poderosos... muita coisa é dita ou subentendida até o momento em que Vito Corleone (Marlon Brando, espetacular) cheira a rosa de sua lapela e dá-se continuidade à “festa”. 


****

“A Terceira Geração, Reiner Werner Fassbinder (1979)

Um dos maiores estetas do cinema, o alemão Fassbinder deve muito de suas criativas aberturas de filmes a um contemporâneo e conterrâneo seu ligado à arte moderna a quem muito se inspirava para isso: Joseph Beuys. Não raro, as introduções de seus filmes referenciam o estilo de Beuys, com tipografias monocromáticas dispostas sobre imagens em movimento ou estáticas, criando peças dignas de galerias expositivas. O começo de “A Terceira Geração” é um deles, com os créditos pulsando no ritmo de uma batida cardíaca enquanto vão sendo apresentados sobre um zoom out que vai descortinando um apartamento com telas, móveis e pessoas.


****

“Assassinos por Natureza, Oliver Stone (1994)

Cineasta pautado pelo experimentalismo, Oliver Stone desde seu primeiro longa, “Platoon”, de 1986, sempre soube começar bem um filme. Porém, 8 anos depois, ao invés de tornar-se mais conservador, Stone mostra-se saudável e surpreendentemente ainda mais ousado com o altamente pop e sarcástico “Assassinos por Natureza”. O começo do filme é visivelmente influenciado pela linguagem dos videoclipes da MTV, emissora à época em alta, seja pelos enquadramentos distorcidos, pelo movimento de câmera frenético, pela alteração brusca de ISO ou pela montagem de ritmo musical. Tão musical, que, na cena, o violento casal espanca e mata pessoas em um restaurante com absoluto prazer ao som do punk-rock da L7. 


****

“Persona, Ingmar Bergman (1960)

Um dos maiores cineastas de todos os tempos, Bergman tinha total domínio da narrativa. Porém, a introdução de seus filmes invariavelmente traziam a fonte Times sem serifa sobre fundo escuro. Mas Bergman sabia quando contrariar o próprio estilo, e o profundo “Persona” incitou-lhe a isso. Num conceito de vídeoarte – já existente nas galerias contemporâneas mas pouco exploradas no cinema de arte –, o cineasta funde imagens em alta profusão, usa fotos reais e ousa em enquadramentos e fotografia p&b. Tudo de forma a criar uma atmosfera de sonho e fluidez do tempo/espaço o qual Bergman tão bem constrói naquele que é considerado“o filme mais difícil de todos os tempos”.


****

“Cidadão Kane, Orson Welles (1940)

Em seu primeiro longa, o então jovem Welles, com apenas 25 anos, inovava consideravelmente o modo de abrir uma história filmada. Aliás, não somente essa parte, mas em diversos aspectos da linguagem cinematográfica daquele que é ainda hoje para muitos o melhor filme de todos os tempos. Quanto à introdução, mesmo com o título revelado imediatamente ao começo (seria muita transgressão não informar pelo menos isso ao público da época), nunca havia se visto um prólogo in média rés (com o qual se começa uma narrativa no auge da ação antes de começar de novo para explicar como se chegou lá), tão comum hoje. Enigmática (o que será aquele "Rosebud" dito antes do cara morrer?!), a primeira imagem que aparece traz uma placa com a mensagem “No Trapessing” (“Não Ultrapasse”). Era Welles, o mesmo que anos antes havia apavorado multidões com a transmissão em rádio d'"A Guerra dos Mundos", manipulando o subconsciente do espectador.


****

“Manhattan, Woody Allen (1979)

Assim como Bergman, Allen tem um estilo geralmente muito próprio de iniciar seus filmes, quase que invariavelmente com legendas em fonte tipo Windsor Light Condensed e uma música inteligentemente bem selecionada para sonorizar. Porém, como o mestre sueco em "Persona", Allen também sabe transgredir a si próprio. Em "Manhattan", ao invés do fundo preto com letterings, ele monta uma pequena sinfonia urbana com uma sequência de imagens documentais e poéticas de sua Nova York num cristalino p&b. A sutileza da forma como anuncia o título (e nada mais que isso), num letreiro luminoso de uma rua qualquer do bairro, prevê a abordagem que será dada aos personagens do filme: todos meras continuações do próprio corpo da cidade. Poesia.


****

“Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (1971)

Com total domínio do fluxo narrativo, Kubrick é um craque das aberturas. "O Grande Golpe", "O Iluminado" e o já citado "2001: Uma Odisseia no Espaço" são exemplos, mas outro diferenciado neste sentido é "Laranja Mecânica". Uma música feita em sintetizador começa sobre uma tela vermelha até quase 30 segundos, quando finalmente surgem os primeiros letterings numa tipografia Arial negritada. Percebe-se, então, que a tal música é uma versão eletrônica da peça “Music for the Funeral of Queen Mary”, de Henry Purcell, do século XVII. O fundo vermelho se transforma em azul e, de novo, em vermelho para anunciar o nome do filme. Até que, num corte brusco, muda para o close da figura andrógena de Alex (Malcom McDowell), personagem principal da história de Anthony Burgess. Dessa imagem, Kubrick não corta novamente e, sim, a faz prosseguir num travelling frontal-out sob o off do brilhante texto que reproduz o fluxo de pensamento de Alex, o qual situa o espectador do universo de distopia que se verá a partir dali.


****

“Arizona Nunca Mais”, Joel e Ethan Coen (1987)

A abertura do segundo e cativante filme dos irmãos Coen, quando eles ainda eram uma revelação, no final dos anos 80, é tão criativa, engraçada, pop e publicitária (no bom sentido), que serve como trailer. A história do assaltante pé-rapado H.I. McDonnough (Nicholas Cage) contada em off por ele mesmo enquanto as imagens vão sendo exibidas com a trilha magistral de Carter Burwell – suas idas e vindas pra cadeia, os personagens bizarros que conhece no caminho – denotam, pelo brilhante texto, principalmente, seu coração bom. O mesmo que o faz conhecer o amor de sua vida, a policial Ed (Holly Hunter). Depois, eles resolvem sequestrar um dos sete bebês da ricaça família Arizona, mas aí é que a história mesmo começa...

****

“Alien: O 8º Passageiro”, Ridley Scott (1979)

Lembrando a abertura de "2001", filme ao qual Scott bastante homenageia neste revolucionário terror espacial, tem, assim como na obra de Kubrick, um desenho de cena simples mas muito eficiente. Uma câmera se desloca no espaço da esquerda para a direita em uma panorâmica enquanto veem-se manchas brancas surgirem, as quais vão formando numa uniformidade não-sequencial o nome “Alien” em uma fonte pesada e sem serifa. Não há nos créditos, mas diz que também é obra de Saul Bass.


****

“Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, Terry Gilliam e Terry Jones (1975)

Como avacalhar os créditos iniciais de um filme? O grupo Monty Python tem a resposta. Em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, usando praticamente só tipografia e tela preta, eles conseguem subverter tudo que se imagina de uma opening scene. Sob uma trilha austera, os subtítulos são exibidos, até que, bem abaixo, algumas palavras com caracteres escandinavos começam a aparecer. Frases totalmente desconexas como “Não vai ter feriado na Suécia este ano?” ou uma história esquisita de um alce que mordeu a irmã de alguém. Eis, então, que surge um crédito para explicar o erro nos créditos: “Nos desculpamos pela falta de subtítulos. Os responsáveis foram despedidos”. Muda a música, mas as intromissões continuam, e um novo aviso, agora de que os responsáveis por demitir os demitidos também foram demitidos. Já com uma absurda trilha mexicana, a confusão segue até o fim e, com muito “esforço”, conseguem dar o nome dos diretores: Terry Gilliam e Terry Jones, principais responsáveis por essa bagunça toda.



****

“007: O Espião que me Amava”, Lewis Gilbert (1977)

Poderia citar vários tanto anteriores ou posteriores a este filme, mas esta de "O Espião que me Amava" se tornou uma referência dentro da própria franquia. A começar que a abertura com créditos nunca está dissociada do prólogo, que sempre começa com a famosa “gun barrel sequence”, em que um vilão qualquer está olhando por uma mira e vê 007 entrar em cena e atirar contra ele. Depois, os minutos de ação, neste caso, mostrando o agente em duas de suas situações comuns: namorando e se aventurando. Já a abertura em si, assinada pelo mestre Maurice Binder, designer gráfico que estabeleceu o estilo das clássicas aberturas dos filmes de James Bond, consolidaria os elementos que caracterizariam para sempre as chamadas iniciais da série: arte figurativa com efeitos de elementos da história, uso da figura/silhueta de figuras e pessoas - como a do próprio ator que faz JB (Roger Moore à época) -, a fonte Arial fina e branca, o disparo de pistola e, claro, uma trilha especial feita para aquele filme, no caso "Nobody Does it Are Bether", com a Carly Simon – das melhores.


****

“Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder (1945)

O sucesso de consagradas comédias como “Se Meu Apartamento Falasse” e “Quanto Mais Quente Melhor” fez com que Wilder ficasse pouco lembrado por outros gêneros como o suspense e o drama aos quais, contudo, ajudou a solidificar um novo padrão de qualidade na Hollywood dos anos 40 e 50. Este clássico do cinema é uma prova de sua versatilidade, o que deve bastante de seu impacto pela forma como inicia. O modo aparentemente fortuito como o título aparece, numa placa indicando o mítico endereço “Sunset Boulevard”, é precedido por uma câmera em travelling filmando o asfalto cinza na direção de algum lugar específico. É onde está o corpo desfalecido do narrador. Sim! Como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em "Crepúsculo dos Deuses" é o morto, afogado numa piscina, quem está narrando pleno de consciência de seu estado moribundo. Impossível não ter curiosidade de assistir até o fim.



****

“Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola (1979)

Não há nenhuma palavra escrita dizendo que filme é. Mas nem precisa. O grande plano de uma floresta é aos poucos invadido por helicópteros que cruzam a tela e uma fumaça começa a levantar. Percebe-se, porém, que a fumaça não é de areia, mas, sim, o venenoso napalm. Até que várias bombas caem sobre a mata, provocando gigantescas explosões. A música que toca não podia ser outra: “The End”, da The Doors. É um presságio. É a guerra. É o Vietnã. É “o horror”. Diversas imagens apocalípticas se fundem ao rosto de um homem em close, o personagem principal do filme, o perturbado Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen). A sensação de quebra no tempo perfaz todo o longo filme, que perscruta os mais terríveis meandros psicológicos da guerra.


****

“Cléo das 5 às 7”, Agnés Varda (1962)

Outra grande esteta do cinema moderno, Varda pautou toda sua filmografia pela inventividade narrativa e estética, a qual passava por um filtro muito pessoal. Em "Cléo das 5 às 7", seu primeiro longa, fica clara esta criatividade seja na forma como no conteúdo. A mesa de uma cartomante é filmada em plongê mostrando somente o baralho e as mãos dela e da cliente. Os subtítulos em branco são gerados conforme a disposição das cartas sob um silêncio que provoca tensão. Que mensagem as cartas vão dizer? E dizem: a jovem Cléo tem apenas 2 horas de vida, o tempo que o filme transcorrerá: das 5 da tarde às 7 da noite. Varda dá um show em montagem e no jogo simbólico entre cor, que aparece somente quando as cartas são lidas (supostamente, enquanto ainda há vida), e p&b, que domina o filme, marcado pela agourenta previsão que atormentará a personagem.



****

“A Pantera Cor-de-Rosa”, Blake Edwards (1963)

Um modo interessante de se abrir filmes – e que fecha muito bem para comédias – é a animação. No entanto, como as da série Pink Panther, não tem igual, principalmente a do primeiro da franquia. A atrapalhada mas elegante pantera de cor exótica criada pelo próprio Blake Edwards virou desenho animado para a TV depois do filme tamanho o sucesso que fez exatamente na abertura do filme, assinada pelos designers e animadores David H. DePatie e Fritz Freleng. Aliás, este é o único momento em que ela, fugindo do ainda mais atrapalhado inspetor Jacques Clouseau, aparece, visto que o nome Pantera Cor-de-Rosa é o de uma pedra preciosa na trama. Além da simpatia da Pantera, ainda tem a infalível trilha do genial Henri Mancini, uma música altamente charmosa e de fácil assimilação, tanto que virou o tema de jazz mais conhecido de todos os tempos.




Daniel Rodrigues