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terça-feira, 19 de abril de 2022

cotidianas #751 - Poeminhas da Terra

 


ilustração: Tatiana Móes
para o livro "Poeminhas da Terra"

Casa Pra Morar

Junta sapé,
Junta taquara,
Junta vara,
Junta graveto.

Junta barro,
junta cipó,
junta piaçava,
oca, oca, oca.


***

Brincadeira

Curumim
Peteca
Curumim
Peteca
Curumim
Peteca!


Ei!
Posso brincar também?

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poemas extraídos do livro "Poeminhas da Terra"
de Márcia Leite

Berinjela Beligerante

 

Cly

domingo, 17 de abril de 2022

"Os Dez Mandamentos", de Cecil B. DeMille (1923) vs. "Os Dez Mandamentos", de Cecil B. DeMille (1956)




É o caso daquele técnico que tem moral no clube, já montou bons times e, anos depois, tendo vindo de bons trabalhos por aí, ganha uma infraestrutura ainda melhor do que já tinha e ainda mais investimento. Cecil B. DeMille havia feito para a Paramount, em 1923, uma adaptação da história bíblica de Moisés, projeto audacioso para a época pela grandiosidade e pelas inovações, mas naquele momento, ainda sem som e sem cor, recursos técnicos então indisponíveis. O resultado até foi bom, bastante elogiado e manteve a reputação de DeMille de ser um excelente adaptador cinematográfico para temas bíblicos. Mas aí, anos depois, com o colorido e o som à sua disposição, no cinema, o cineasta resolveu aperfeiçoar o projeto da maneira como realmente gostaria de fazer. 

E fez toda a diferença!!! As cores e o som são dois pontos de enorme acréscimo ao anterior! A cor porque, uma vez tendo a seu dispor o recurso, DeMille as explorou de maneira muito competente, com paletas vívidas, vibrantes, que impressionam o espectador e salientam as características dos ambientes, intensificando, por exemplo, a sensação de riqueza do palácio do faraó com suas roupas e adereços extravagantes, ou ressaltam a aridez do deserto, no amarelado angustiante da areia. Do som ele fez um trunfo, uma vez que seus personagens FALAM e por sinal, falam muito bem. Os diálogos são muito bons, bem elaborados, são oportunos, têm força, têm impacto e, mesmo as falas discursivas de Moisés ou a própria voz de Deus, por mais exageradas e pomposas que possam parecer, são intensas e importantes dentro do contexto do filme e de sua época. O texto ganha muito, também, por ser interpretado por um time de primeira. O diretor ganhava para essa sua segunda versão uma elenco estelar com nomes como Yul Brynner, Anne Bexter, Vincent Price e, principalmente, Charlton Heston, como Moisés, ator talhado para esse tipo de papel, já tendo aparecido com características semelhantes em filmes como "Ben-Hur", "El Cid" e "Agonia e Êxtase". Não que o antigo não tivesse grandes estrelas, Theodore Roberts, o primeiro Moisés, Julie Faye, Rod La Roque gozavam de renome e prestígio na época do cinema mudo, e Richard Dix, inclusive, seguiu com sucesso já nos filmes sonoros. Mas não tem comparação! Até porque os astros da segunda versão marcam exatamente um era de adoração e mitologia das grandes estrelas de cinema, além de entregarem atuações à altura de seus nomes.

O primeiro filme é bem mais curto em relação a seu sucessor, uma vez que, limita suas ações ao desafio de Moisés ao faraó Ramsés II para que liberasse o povo escravizado, à partida dos hebreus para o deserto perseguidos pelos soldados egípcios e, por fim, à revelação das tábuas das leis. Já o remake parte desde o resgate do bebê Moisés, numa cesta, no Rio Nilo, sua ascensão a príncipe do Egito e sua posterior renúncia à realeza ao descobrir suas origens hebraicas, sua condenação a vagar pelo deserto até a morte, a incumbência dada a ele por Deus e, aí sim, encontrando o início do primeiro filme, quando retorna ao Cairo e exige de Ramsés a libertação de seu povo sob pena de, não o atendendo, liberar terríveis pragas sobre os egípcios. 

No entanto, a primeira versão poderia ter abrangido uma parte maior da história, não fosse o fato de, na sua segunda parte, mudar bruscamente o rumo do filme. Logo após a revelação das Leis Sagradas a Moisés e seu anúncio para o povo, descobrimos que tudo aquilo que se passara, até então, no filme, fora narrado por uma mãe para seus dois filhos, nos tempos atuais (de 1923) lendo a Bíblia. Então começa outra história na segunda metade do filme: uma novelinha dramática cheia de ensinamentos morais baseados diretamente pelos Mandamentos. Legalzinho, bem feito, boa direção, a parte do desabamento da igreja, em especial, é bem impressionante, mas... o filme perde muito. 

"Os Dez Mandamentos", de 1923, até é um bom filme. Competente no que se propõe, o que não era uma tarefa fácil. Tem bons cenários, bons figurinos, um bom trabalho de câmera de DeMille e efeitos visuais muito engenhosos dadas as condições técnicas da época, mas essa mudança a partir da metade compromete bastante do produto final. É uma quebra de expectativa que frustra um pouco o espectador que fica esperando por um novo encaixe na trama bíblica, o que não acontece. Sem falar que, no geral, fica parecendo uma tentativa de reproduzir um "Intolerância" (D.W. Griffith - 1916), sem a mesma genialidade, grandiosidade de cenários e qualidade de roteiro.

Mas DeMille parece ter aprendido a lição e, se o antigão se perde na segunda parte, sua nova versão vem com o que tem de melhor depois do intervalo. Tem ciúme, vingança, intriga, tragédia, perseguição, orgia, tem cajado virando cobra, tem chuva virando fogo, água virando sangue e, é claro, tem a clássica cena de Moisés abrindo o Mar Vermelho. Um segundo-tempo de luxo do time de Charlton Heston!


"Os Dez Mandamentos" (1923) -
abertura do Mar Vermelho

"Os Dez Mandamentos" (1956) -
abertura do Mar Vermelho



Enfim, no mano a mano, o time de 1956 ganha sem maior dificuldade. 

A direção do primeiro é muito boa para sua época, mas o próprio DeMille se supera na refilmagem; a cenografia do original é excelente, mas a refeita é deslumbrante; o elenco original tinha alguns bambambans da era do cinema mudo, mas o timaço do remake é covardia; os efeitos especiais do primeiro eram impressionantes para o início do século passado, mas os do filme de 1956 levaram um Oscar. O que dizer?

A fotografia e a opção por uma paleta vibrante são um gol para o mais novo; o ganho sonoro e a composição dos diálogos valem outro; os cenários suntuosos e roupas luxuosas garantem mais um. O ataque desequilibra com a dupla de ataque Brynner e Heston. O craque dos filmes épicos passa pela defesa egípcia como se atravessasse o Mar Vermelho e faz um golaço; e, a propósito, a cena em questão, da abertura do mar, uma das mais clássicas da história do cinema, joga um banho de água fria e afunda o time de 1923. Como se não bastasse, nos acréscimos, as inscrições de Deus nas Tábuas Sagradas, apesar do foguinho meio tosco até para a época, é um verdadeiro gol de placa. 

Ao time de 1923, fica o gol de honra pela ousadia, boa intenção, competente direção, cenas difíceis bem executadas e efeitos, até, bem complexos, quando sequer eles eram bem desenvolvidos. A opção pela mudança de esquema, no segundo-tempo, no entanto, colocou qualquer pretensão do original, por água abaixo.

Moisés dá o sangue em campo, faz chover, une o grupo e garante o título de Libertadores da Judeia.

Aqui alguns pontos de comparação visual:
(à esquerda, sempre, o original)
Os cenários, já suntuosos no primeiro e ainda mais impressionantes, no segundo;
Moisés liberando as pragas diante de Ramsés II, no palácio;
a rebeldia do povo e a adoração ao bezerro de ouro;
e, por fim, Moisés, com as Leis Sagradas, nas duas versões.


O time de 1956 segue à risca os mandamentos do técnico DeMille,
que reviu seus conceitos, mudou o esquema e levou seu time à Terra Prometida.
Não levou o Mundial, que seria o Oscar de melhor filme, 
mas, como a Seleção Brasileira de 1982,
ficou eternizado pelo seu jogo bonito.




por Cly Reis

sábado, 16 de abril de 2022

Exposição “Terreal”, de Dione Veiga Vieira - Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) - Porto Alegre/RS

 

"Um mar que se liga ao corpo, e um corpo que se liga ao mar."

Não é qualquer dia que você tem na parede de casa a artista a qual você vai assistir na exposição. Podemos dizer com satisfação que é o caso de Dione Veiga Vieira, de quem Leocádia e eu vimos “Terreal” no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) e que fica somente até dia 17/4. Um dos mais destacados nomes da chamada Geração 80 das artes visuais no Rio Grande do Sul, a porto-alegrense Dione faz um panorama dos últimos 20 anos de seus 40 de produção. Ousada e sensível ao mesmo tempo, a mostra é uma imersão à experimentação. Não se veem a pintura ou o desenho propriamente ditos, mas, sim, sugestões imagéticas que se depreendem de objetos tridimensionais e propostas instalativas e investigativas. São materiais naturais e industriais, que dão um caráter narrativo muito pessoal e poético. 

São esculturas, instalações, fotografias, vídeos, textos, fotoperformance e um manancial de objetos e materiais, como artefatos metálicos, tecidos, pentes, funis, louças, embalagens, passaguá, etc. Rede de pesca, aliás, que aparece em alguns nichos, costurando com sua linha o conceito que une, como a própria Dione diz, essa “poética do corpo e da natureza”. O mesmo objeto que, igualmente, compõe um dos quadros o qual temos da artista, que faz parte da série “Do Mar Purpúreo”, de 2012. Bastante familiar também “Decantação III” (2008, prateleira de metal e 47 vasos de vidro artesanal), que, por sua vez, dialoga com a séria fotográfica "Solutilis" (2011), onde veem-se os mesmos vasos de vidro azulados impressos.

Uma exposição muito detalhada e bem montada pela curadoria de Francisco Dalcol e Fernanda Medeiros, que nos faz despertar impressões sensoriais poéticas, visto que nos coloca de fronte a matérias essenciais de nossa natureza, nossa carne. Seja mineral vegetal ou animal. 

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As belas fotos de natureza de Zona de Metamorfismo, de 2015


Visitantes admirando todos os detalhes da exposição


Uma das vitrines com objetos diversos, que remetam ao azul do mar

 
Conjunto de fotos sobre Canvas P&B/color e vice-versa


Instalação "Margens de Transição", de 2020

Os vasos de vidro de  "Estados Alterados", 
similaridade com um dos nossas obras de Dione


Mais da uma composição instalativa da mesma série


Técnica mista em quadros que respiram organicidade 

Objetos que fazem constante alusão ao mar


Bugigangas poéticas, como se tivessem sido resgatadas do mar subjetivo


Díptico fotográfico de “Estados Alterados (Da noite Negra)” (2004-11)


Tule e madeira da instalação "Substratos de Extremos"


Detalhe de "Fertilização I" (2012/14)


Bacia com conchas e areia de "Substratos de Extremos"


Formas orgânicas que remetem à carne e areia


Em disposição espacial...


... e neste díptico que desacomoda


Leocádia integrando-se à exposição de Dione


E eu quase escondido entre essas formas carnais pendentes



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa