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sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Elton John - “Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy" (1975)



Este é um dos melhores álbuns de Elton John.
Ele não tentou repetir
 os principais sucessos do passado,
apenas dar continuidade ao bom trabalho
que vem fazendo.
E ele conseguiu.”
Jon Landau,
para a Rolling Stone, em 1975



Em 1975, todas as grandes bandas de rock estavam na ativa e bombando. Rolling StonesLed ZeppelinDeep PurpleBlack Sabbath, entre outras. O rock progressivo nunca viveu um melhor momento. E o punk ainda não tinha chegado. Mas o mundo da música pop tinha um único rei: Reginald Dwight Kenneth, mais conhecido no circo pop como Elton John.

Desde 1970, quando lançou seu disco chamado “Elton John”, ele vinha colecionando um sucesso atrás do outro. E não eram só LPs! Na época, o cara gravava muitos compactos, que nem sempre entravam nos discos de carreira. Elton já tinha em seu currículo “Your Song”, “Skyline Pigeon” (em duas versões), “Rocket Man”, “Daniel”, “Crocodile Rock”, “Goodbye Yellow Brick Road”, “The Bitch is Back”, “Saturday Night’s Alright for Fighting”, “Pinball Wizard”, “Don’t Let The Sun Go Down on Me”, “Bennie and The Jets”, “Candle in the Wind”, "Philadelphia Freedom", sua versão pra “Lucy in the Sky with Diamonds”, ufa!, não termina nunca. Isso sem falar em grandes canções como “Levon”, “Burn Down the Mission” e “Tiny Dancer” (que só fez sucesso 29 anos depois ao ser incluída no filme “Quase Famosos”).
O que mais poderia querer um garoto a não ser tocar numa banda de rock, perguntaram Mick Jagger e Keith Richards. Chegar ao primeiro lugar da parada da Billboard no dia do lançamento. E Elton conseguiu este feito com um dos meus 5 discos favoritos: “Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy", lançado em maio de 1975.

Uma das chaves é a seguinte: Elton e Bernie Taupin, seu letrista, resolveram contar a história de sua própria escalada ao sucesso. A outra é o amor pela música americana de Elton (um inglês) e de Bernie, nascido nos Estados Unidos. Especialmente a country music. Isto fica explícito na faixa-título do disco, que abre o lado 1. Nela, o violão e o mandolin de Davey Johnstone abrem o caminho para Elton e o resto da banda começarem a contar esta história. A letra fala, inclusive, dos fracassos que eles enfrentaram: "Jogamos a toalha muitas vezes/ Cansados quando estamos baixo astral/ Capitão Fantástico e o Cowboy sujo/ Do fim do mundo pra sua cidade".

Na faixa seguinte, "Tower of Babel", a situação começa a pesar. Os clubes obscuros e a dificuldade de tocar em lugares legais faz Elton dizer que: "É hora da festa na Torre de Babel/ Sodoma encontra Gomorra, Caim encontra Abel/ e todos se divertem". Tudo com o apoio da incrível banda que o acompanhava na época: Além de Johnstone nas guitarras, violões e todos instrumentos de cordas, Dee Cooper, no baixo, Nigel Olsson, na bateria, e Ray Cooper, na percussão. E todos cantavam! Backing vocais dignos dos Beach Boys.

Em "Bitter Fingers", a banda dá um show de vocais e de dinâmica. A canção começa dominada pelo piano de Elton e, de repente, explode um rockão daqueles irresistíveis com um refrão chiclete que gruda no seu ouvido e faz você ficar cantando a música o dia inteiro. Elton conta sua dificuldade em ter de compor músicas de encomenda no formato que todo mundo quer: "É difícil compor com dedos amargos/ Muito a provar e poucos a te dizer porque... Parece que uma mudança é necessária/ estou cansado de de tra-la-las e la-di-das". Nesta música, a guitarra de Davey Johnstone brilha como nunca, fazendo um solo que percorre todo o final da canção.

Na sequência, Elton – sempre uma esponja dos sons que estavam no mundo pop – faz sua incursão no "Som da Filadélfia", de muito sucesso na ocasião, com "Tell me When the Whistle Blows". Pra tanto, chama o arranjador de The Three Degrees, The O'Jays e da orquestra MFSB, Gene Page, para fazer as cordas. E os músicos de Elton dão conta desta soul music com desenvoltura. Novamente, Johsntone se destaca com sua guitarra. Por incrível que pareça, ele é o único músico da banda que continuou todos estes anos com EJ e se apresentou aqui em Porto Alegre em 2013.

Depois vem o momento mais dramático do disco, "Someone Saved my Life Tonight", no qual Elton conta sem rodeios sua tentativa de casamento e a subsequente tentativa de suicídio. "Alguém salvou minha vida esta noite/Quase teve suas garras em mim, não é querida?/Você quase me teve amarrado e preso/ Direto pro altar, hipnotizado/ A doce liberdade soprou no meu ouvido/ Você é uma borboleta/ E borboletas são livres pra voar/ Voar pra longe, bem alto, adeus". Este refrão dá à medida o drama que Elton viveu neste momento. Tudo apresentado numa moldura pop onde todo o grupo chega ao ápice de uma balada. E os backing vocais... nossa!

O lado 2 começa com rock'n’roll de "Meal Ticket". Só mesmo Elton pra falar de ticket refeição e da falta de comida num rockão. "Enquanto os outros sobem, atingindo alturas O mundo está na minha frente em preto e branco/ Estou no fundo do poço, estou no fundo do poço... E eu tenho que conseguir um ticket de alimentação/ pra sobreviver eu preciso de um ticket de alimentação". As coisas não estavam exatamente boas pra Elton e Bernie neste momento.
Já "Writing" fala das dificuldades que eles enfrentavam, mas a salvação estava em compor. No entanto, a incerteza sempre rondando: "As coisas que escrevemos hoje/ Vão soar tão boas amanhã?". Como o disco inteiro não teve uma música de trabalho, como diziam os executivos das gravadoras, "Writing" é a canção que mais se aproxima deste conceito. Uma melodia marcante bem pop com o piano elétrico e o violão carregando o som.

"Better Off Dead" tem um tom dramático usando o piano e a bateria em uníssono e a letra dizendo que: "Se a chaleira está fervendo e o carvão está no fogo/ Se você pergunta como estou eu digo inspirado/ Se o espinho da rosa é o espinho cravado em você/ então é melhor você estar morto se ainda não morreu". Uma constante neste disco é a intervenção da banda de Elton nos backing vocais. Poucas vezes se ouviu num disco pop um grupo tão coeso e inspirado como este. Eles dão um show nesta canção.

A música mais dolente do disco vem a seguir: "We All Fall In Love Sometimes". Como o título diz, todos nós nos apaixonamos às vezes. Uma canção de amor com o piano de Elton segurando a melodia, enquanto um sintetizador faz a cortina. A banda entra mas é Elton quem brilha. "A lua está cheia/ E a luz das estrelas encheu a noite/ Compusemos e eu toquei/ Alguma coisa aconteceu, é estranha esta sensação/ Noções tímidas que são infantis/ Canções simples que tentaram esconder/ Mas quando chega/ Todos nós nos apaixonamos às vezes". A doçura de EJ se descortinando inteira nesta canção.

E como todo disco pop da época, o final é bombástico. "Curtains" traz Elton e sua banda com todo o gás pra fechar esta história de luta, sofrimento e superação. É a cortina que fecha o palco onde este drama se desenvolveu. Tem até sinos e um "Lum-de-lum-de-lay" nos vocais. E a letra diz: "Mas tá certo/ Tem tesouros que as crianças sempre procuram/ E como nós/ Você deve ter/ O seu era-uma-vez". Esta crônica destes tempos difíceis iria ser retomada 31 anos depois com um disco bom chamado "The Captain and The Kid", no qual o resto da história é contado. Mas posso fazer um resumo pra vocês. Até 1970, Elton lutou muito e sofreu todo este calvário que um músico enfrenta, aqui ou em qualquer lugar, E, então, o sucesso chegou. Durante cinco anos, Elton John Silva foi o rei do mundo pop. E, em 76, lançou "Rock of the Westies", que não fez tanto sucesso assim. Logo, outro rei foi colocado no trono: Peter Frampton, com seu "Frampton Comes Alive". Mas essa é outra história.
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FAIXAS:
1. Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy - 5:46
2. Tower of Babel - 4:28
3. Bitter Fingers - 4:33
4. Tell Me When the Whistle Blows - 4:20
5. Someone Saved My Life Tonight - 6:45
6. (Gotta Get A) Meal Ticket - 4:00
7. Better Off Dead - 2:37
8. Writing - 3:40
9. We All Fall in Love Sometimes - 4:15
10. Curtains - 6:15

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OUÇA:






quarta-feira, 24 de julho de 2013

Confirmado: Morrissey não vem mais




Entre idas e vindas, mal-entendidos e desentendimentos, pronunciamentos e desmentidos, foi finalmente confirmado o cancelamento das apresentações do cantor Morrissey pelo Brasil. Vítima de constantes problemas de saúde, insatisfeito com a produção da turnê, desiludido com as gravadoras, o ex-vocalista dos Smiths, em nota de cancelamento lamentou o contratempo, demonstrou todo seu desgosto, se desculpou com fãs e deixou transparecer levemente que pode estar despedindo-se definitivamente dos palcos e talvez até da carreira. Uma pena se, principalmente a segunda parte da possibilidade realmente se confirmar. Embora eu, mesmo fã como sou, tenha restrições à carreira solo do cantor, especialmente pela ausência de uma parceria à altura para suas letras sempre tão inspiradas e suas interpretações impecáveis, acredito que ainda possa proporcionar coisas muito valiosas aos que apreciam seu trabalho.
É aguardar para ver. Vai que ele se retira por uns tempos e retorna em grande forma com um álbum daqueles espetaculares.
Particularmente, quanto ao show, desde a ameaça de cancelamento, eu já tinha ficado com a impressão de que ia acabar não acontecendo. Na verdade até acho que ja esta estava cancelado mas os interessados, organizadores, produtoras e tal, estavam segurando a informação para ver se o quadro se revertia.
Bom,... de minha parte não ficarei de todo triste. Estava mesmo na dúvida se iria ao show do Moz ou no do Black Sabbath e acabei optando pelo primeiro. Mas diante da decepção, usarei a grana do reembolso pra ver a turma do Ozzy.
É do limão tentar fazer uma limonada...



C.R.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

cotidianas #443 - A Loja de Discos




Encravada num canto da Galeria Nossa Senhora da Pátria, entre lojas de artigos hospitalares, cosméticos e sex shops, a Magic Bus uma pequena loja, predominantemente de vinis, era um redutos dos amantes do velho bolachão. Por conta de seu famoso acervo extremamente numeroso mesmo em um espaço físico tão reduzido como o que dispunha e por sua reputação de possuir exemplares raríssimos a Magic Bus conseguiu vingar mesma naquele buraco escondido no meio do centro da cidade. Muito da boa referência do lugar podia também ser creditada à simpatia de seu proprietário, o sr. Mário, um apaixonado por rock e por discos, colecionador de longa data, que frustrado como músico na juventude com sua banda a Pêra Psicodélica, resolvera, de modo a ficar pelo menos perto de seus ídolos e sempre cercado de música, abrir uma loja de discos. A Magic Bus viu muita coisa acontecer, presenciou muitas mudanças, viveu muitas crises, no início ganhou a concorrência de outras lojas que surgiram a seu redor na galeria, decaiu com o advento do CD, viu as outras lojas fecharem as portas mas sobreviveu a muito custo e amor pela música, ao longo do tempo viu mudar a característica de sua vizinhança dentro do centro comercial tendo que dividir os corredores com assistências técnicas de eletrônicos, consultórios dentários e salas de atividades um tanto suspeitas, mas heroicamente, num mundo onde todo mundo passava a ter a possibilidade de obter a música que quisesse em computadores, sobreviveu , transformando-se numa espécie de símbolo de resistência do vinil.
Entre todas essas transformações, Mário casou com Isabel que, embora não tão apaixonada como ele por aquele universo, também apreciava música, especialmente rock e, mais organizada e metódica como era, ajudava-o a gerenciar a Magic Bus Discos.
A maior parte do público da loja era de "dinossauros", roqueiros das antigas muitos deles amigos de longa data do dono que, se não fosse pela intervenção da esposa, gozariam sempre dos generosos descontos ou infinitos prazos para pagamento concedidos pelo marido que era conhecido não apenas pela simpatia, bom papo, conhecimento musical mas também por sua bondade e coração mole, ao que Dona Isabel muitas vezes tinha que compensar sendo durona, passando até pela "chata da loja". Mas fazer o que? Alguém tinha que tomar conta daquele negócio senão aquela loja não iria pra frente.
A redescoberta do vinil levava agora à loja agora novamente gente mais jovem, curiosos, DJ's, e uma garotada que Mário, particularmente desprezava. "Uma cambada de idiotas que acham que Slipknot é melhor que Black Sabbath", dizia. Fez uma cara de enfado quando o garoto, de uns 20 anos no máximo entrou na sua loja. Pelo menos esse usava uma camiseta dos Stones. "Vai ver nem sabe o que é aquilo. Só usa porque gosta do desenho da língua", pensou. Mas o moleque dirigiu-se à seção de "anos 60", já era algum bom sinal. Passava rapidamente cada disco não sem deixar de dar a devida atenção a cada um dos deles até que deteve-se em um. Levantou-o da fileira, olhou a capa com atenção e levou ao balcão de onde Seu Mário o observava apoiado nos cotovelos.
- Quanto é este, por favor?
- Esse é cem pratas.
- Cem?!?! - espantou-se o garoto.
- É coisa rara. Difícil pra caramba de encontrar. Não dá pra fazer por menos que isso. - explicou o dono.
O garoto frustrado mas aceitando o argumento levou o LP tristemente, ainda olhando para a capa, de volta à fileira, deixando-o no mesmo lugar de onde o tirara.
Mário já começava a simpatizar com ele. "Não é qualquer guri que gosta dessas coisas. O moleque saca alguma coisa de som".
Meio que conformado com o fato que não poderia levar aquele disco e, com a grana que tinha, quase nada dali, o rapaz continuou dedilhando as fileiras só pelo prazer e pela admiração dos álbuns. Cada coisa mais maravilhosa! O "Revolver" original da época, a edição japonesa do "Live in Japan", um picture-disc do single "Ziggy Stardust", o vinil branco do "Freshfruit"... Continuava passando as fileiras até que, de repente, estancou. Pareceu paralisado por um momento até que puxou lentamente um disco do meio dos outros. Olhava para aquilo estarrecido. Não podia ser.
Mário percebeu o que o garoto havia descoberto no meio das caixas e não conseguiu disfarçar um leve sorriso no canto da boca. O garoto então virou-se lentamente na direção do balcão e só então tirando os olhos do disco em suas mãos fitou o dono da loja com a pergunta tão estampada em seus olhos que Seu Mário nem precisou dela pra responder:
- É ele mesmo.
- Mas eu pensei que esse disco nem existisse de verdade. Que fosse lenda...
- Pois é. Existe.
- Mas como...? - não conseguindo completar a pergunta ainda encarando a capa ainda não acreditando no que tinha em mãos.
- Eu tava em Londres em 1966.- começou a explicar- As coisas tavam quentes por aqui aí resolvi dar um pulo lá. Encontrei o cara por acaso num pub, reconheci ele, a gente conversou, eu falei pra ele que era fã do trabalho dele, da banda e tal. Ele por acaso tava com uma cópia desse disco exatamente porque tinha acabado de sair da gravadora e tinham feito uma prensagem de teste. Aí ele me deu esse porque não era a definitiva e coisa e tal. No fim das contas a gravadora engavetou o projeto e o disco não saiu. Só foram prensados uns 3 ou 4 e um deles é esse aí. - parou o relato com um sorriso de satisfação e concluiu - Existe.
O garoto que ouvira estupefato agora voltava a encarar o disco como se fosse um objeto alienígena ou algo do tipo. Assim que saiu do transe em que se encontrava, resignado declarou:
- Bom, se eu não consegui nem comprar aquele outro, imagina esse...
E foi se dirigindo conformado para a prateleira de onde tirara a peça rara. A voz do Seu Mário, no entanto, interrompeu sua desanimada marcha:
- Pode levar, garoto.
- O que?
- Pode levar. Leva pra ti.
- Mas... - tentou argumentar alguma coisa, visivelmente emocionado.
- E sai daqui antes que eu me mude de ideia.
Sem saber exatamente o que fazer, o garoto agradeceu com os olhos marejados e então decidido saiu apressadamente da loja com o disco colado ao peito.
Dona Isabel só então abandonou a mesa baixa no fundo da sala e dirigiu-se a passos lentos em direção ao marido.
- Tu não tem jeito mesmo, né, Mário? - repreendeu.
- Deixa o garoto, deixa o garoto.- rebateu sorrindo.
- "Deixa o garoto!"- fez em voz jocosa imitando o marido - O problema não é o "garoto", é você.
E voltando à mesa, no fundo da sala, Dona Isabel completou:
- É por isso que essa loja não vai pra frente, Mário. É por isso.
- Deixa o garoto. Ele gosta de rock. Deixa o garoto.


Cly Reis





segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Faith No More - Live at Brixton Academy (1990)

 



"What is it? 
What is it? 
WHAT THE FUCK IS IT???"
introdução, no show, 
 ao refrão de "Epic"




Tem gente que prefere discos ao vivo aos originais de estúdio, por conta da energia, da naturalidade, da espontaneidade ou da execução . Particularmente, prefiro as gravações de estúdio nas quais um álbum é pensado e elaborado como uma obra de arte, do início ao fim. Mas há exceções e, em alguns casos, o registro ao vivo acaba agregando elementos tão significativos ao que foi inicialmente proposto em estúdio, que se impõe, de modo a ser até mais marcante que a gravação que deu origem ao repertório executado no show. É o caso, para mim, do álbum "Live at Brixton Academy", do Faith No More, de 1990. Reproduzindo grande parte do conteúdo do disco "The Real Thing", trabalho responsável pelo estouro de popularidade e vendas da banda, a performance gravada ao vivo em Londres, originalmente para vídeo, potencializa ainda mais as virtudes já apresentadas no ótimo disco de estúdio. O ambiente do palco, a acústica de um espaço amplo com público, a espontaneidade da banda os favoreceram em tudo e seu som e "Live at Braxton Academy" acaba entregando mais do que já se tinha recebido em "The Real Thing". As virtudes dos instrumentistas e a qualidade compositiva acabam ficando mais evidenciadas sem a mixagem excessivamente limpa e cuidadosa de estúdio que, naquele momento visava atingir e conquistar um público que começava a se interessar pela mistura de peso com embalo que o Faith No More e algumas outras bandas começavam a explorar. Ali, mais cru, mais raiz, a percepção da fundição não somente do metal com o funk, mas das linhas de metal melódico, das influências de música clássica, do pop oitentista, ganhava em leitura mais clara, além, é claro, da qualidade e versatilidade vocal de Mike Patton, que, totalmente à vontade no palco, dominando o território e com um musicalidade absurda, proporcionava inúmeras possibilidades e variantes ao show. A pouco conhecida "Zombie Eaters", uma pequena sinfonia metal com ricas variações rítmicas e de intensidade, talvez seja o melhor exemplo desse ganho ao vivo. Sua composição primorosa, que consegue ir de uma linha melódica quase bachiana, às caracteristicas guitarras galopantes do metal, fica ainda mais poderosa e impressionante nessa situação. E Patton, afinadíssimo, vai do requinte à fúria, com incrível naturalidade. Aliás, o vocalista é um show à parte. Em "Edge of The world", por exemplo, ele comanda a balada, uma espécie de jazz de cabaré, com uma condução leve e descontraída que confere todo um ar bem-humorado ao número; e na badalada "Epic", Patton, depois de praticamente recriar partes do vocal da música, fazer sustenidos, baixos e chegar quase a um soprano, de quebra, no final, ainda emenda com uma improvável inserção do hit dance "Pump up the jam", do Technotronic, dando a ela toda uma leitura melancólica, no epílogo de piano.
Patton, ainda, toma conta de "We Care a Lot", faixa superdiversificada, com baixo funkeado, levada rap, transição metal e refrão pop, que já era do repertório da banda antes de seu ingresso; e, com uma performance enlouquecida, só joga mais gasolina em cima da já incendiária "From Out of Nowhere", uma espécie de synth-punk alucinante, que dá vontade de sair pulando cada vez que eu ouço.
"Falling to Pieces" é intensa e contagiante, "The Real Thing" lembra muito Black Sabbath e, propósito, a cover de "War Pigs", muito competente (mas talvez um pouco descontraída demais) confirma inspirações e referências. As duas faixas "extra" por assim dizer, uma vez que não apareciam no material original do vídeo, "The Grade", um country acelerado instrumental, e a nada mais que interessante "The Cowboy Song", são meio que dispensáveis, se bem que, sem elas a duração já curta do álbum ficaria ainda mais prejudicada.
De certa forma, dá pra dizer que essa questão, a da duração, seja, possivelmente, o único grande defeito do álbum, muito curto para um registro ao vivo. Mas, por outro lado, também dá pra dizer que o tempo utilizado é muito bem aproveitado e que, de minha parte, o tempo pelo qual se estende é curtido com entusiasmo do início ao fim, neste que é um dos meus discos ao vivo preferidos.
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FAIXAS:
  1. "Falling to Pieces" – 4:47
  2. "The Real Thing" – 7:53
  3. "Epic" – 4:55
  4. "War Pigs" – 6:58
  5. "From out of Nowhere" – 3:24
  6. "We Care a Lot" – 3:50
  7. "Zombie Eaters" – 6:05
  8. "Edge of the World" – 5:50
  9. "The Grade" (Instrumental) – 2:05
  10. "The Cowboy Song" – 5:12

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Ouça:
Faith No More - Live at Brixton Acdemy - Londres (1990)




Cly Reis

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Artista/Banda


Qual a sua banda do coração?
Qual seu cantor predileto?
Qual a maior cantora, na sua opinião?
E aquele que não canta nada mas você curte assim mesmo?
E banda? Qual a maior banda de todos os tempos? Beatles ou Stones? (ou nenhum dos dois?)
Todo mundo tem os seus favoritos, não é? Por isso, na sequência dos especiais de 5 anos do clyblog  perguntamos a 5 amigos quais seus artistas de música prediletos, sejam eles cantores, cantoras, performers, bandas, instrumentistas, DJ's, etc. O que saiu disso foram mais algumas interessante listinhas dos nossos convidados.
Saquem só aí: clyblog 5+ artista/banda.



1. Renata Seabra
fotógrafa
(Rio de Janeiro/RJ)


"Nem preciso pensar. Sei bem minhas preferências
A lista é extensa mas meu 'top 5'' ta aí."

A Legião, banda de devoção 
quase religiosa dos fãs



1 - The Cure
2 - The Smiths
3 - Legião Urbana
4 - Metallica
5 - Chico Buarque







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2. Marcello Campos
jornalista e
escritor
(Porto Alegre/RS)


"Chico é o casamento perfeito de letra e música. 
Letra é sempre o menos importante, mas gênios como Chico me fazem prestar atenção no "conteúdo". 
Até porque são letras em que as palavras e a narrativa não são apenas legendas para a obra de arte abstrata, 
mas parte da própria construção formal.
Ed Motta, tal como um Hitchchcok da música brasileira,
é um exemplo de que se pode ser popular e sofisticado ao mesmo tempo, tal como um xis-burguer de cordeiro.
Parliament/Funkadelic, além dos grooves, me ensinaram que boa música dispensa a necessidade de boas letras e temas lógicos.
Ou seja, a boa e velha lição de que nem sempre se precisa levar as coisas a sério!
Rachmaninoff, o russo me despertou para a música clássica,
com um trabalho que influenciaria dois de meus ídolos supremos, Astor Piazzolla e Tom Jobim.
João Gilberto. A síntese. A beleza e o estranhamento que me fizeram ouvir um "clic", em 1980,
quando eu assistia distraidamente a novela "Água Viva" na Rede Globo.
Assim que ouvi "Wave", corri pra perguntar aos adultos quem era aquele cantor."



Chico Buarque



1 - Chico Buarque
2 - Ed Motta
3 - Parliament/Funkadelic
4 - Sergei Rachmaninoff
5 - João Gilberto






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3. Michele Santos
estudante de engenharia,
música e 
colaboradora do ClyBlog
(Viamão/RS)


"Ai que difícil!
Não pode ser duas listas de 5?
Listo mais 5 sem problemas."

1 - Pink Floyd
2 - The Rolling Stones
3 - The Allman Brothers
4 - Iron Maiden
5 - Guns'n Roses




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4. Márcio Pinheiro
jornalista e
crítico musical
(Porto Alegre/RS)
João Donato, destacado pelo
crítico Márcio Pinheiro


"Nem sei se o Chico é top.
Falei os cinco que mais ouço.
E por ouvir, ao longo da vida, diria que o top talvez fosse o Jorge Ben.
Jobim e Donato foram paixões velhas.
Já tinha 20 anos quando os descobri."

1 - Chico Buarque
2 - Tom Jobim
3 - João Donato
4 - Jorge Ben
5 - Caetano Veloso




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5. Paulo Roberto Guazzi
publicitário,
coordenador de eventos
e músico
(Rio de Janeiro/RJ)


"Eu tenho um gosto bastante eclético, mas acho que meus cinco principais são esses.
Beatles não poderia faltar. "



Não poderiam faltar os quatro rapazes de Liverpool
















1 - The Beatles
2 - The Rolling Stones
3 - Emerson, Lake and Palmer
4 - Black Sabbath
5 - Led Zeppelin






segunda-feira, 10 de abril de 2017

Pink Floyd – “The Piper at the Gates of Down” (1967)


“’Sim’, disse o Rato gravemente. ‘Ele está desaparecido há alguns dias, e as lontras caçaram em todos os lugares, de alto a baixo, sem encontrar o menor vestígio, e também perguntaram a todos os animais por milhas ao redor, e ninguém sabe nada sobre ele.’”
trecho do conto infantil “O Vento nos Salgueiros”,
de Kenneth Grahame, de onde Syd Barrett tirou a frase
“The Piper at the Gates of Down” (“O Flautista nas Portas do Alvorecer”)


A explosão de talentos ocorrida no rock dos anos 60 ainda é inigualável em comparação a qualquer outra época da história do gênero mais popular e subversivo da música moderna. Além de hábeis compositores, eram verdadeiros mestres na reelaboração dos elementos do blues e não raro sob a lisérgica roupagem psicodélica. Jimi Hendrix, John Lennon, Eric Clapton e Van Morrison são exemplos incontestes. Em alguns casos, entretanto, a psicodelia era tanta que a sonoridade pendia para a vanguarda experimental, caso dos igualmente brilhantes Frank Zappa, Don Van Vliet, Mayo Thompson e Roky Erikson. De fato, nem todo mundo conseguia soar pop e equilibrar uma escrita musical própria com a tendência psicodélica, a qual, por si, apontava para infinitos caminhos. Quem melhor chegou a esta química – que continha em sua composição muita droga psicotrópica, em especial LSD – foi o gênio louco Syd Barrett, cabeça e fundador do Pink Floyd.

“Diamante Desvairado”, como os companheiros de banda o apelidaram, é a melhor classificação que podia ser dada a Syd Barrett. A perturbação mental e emocional sempre lhe foram uma faca de dois gumes. Suspeita-se que sofria de Síndrome de Asperger, condição neurológica do espectro autista caracterizada por dificuldades na interação social e comunicação não-verbal, além de padrões de comportamento repetitivos e interesses restritos. Em contrapartida, tal condição lhe evidenciava uma criatividade acima da média – ou, quem sabe, não era suficiente para suplantar-lhe o ato de criar. “Não acho que seja fácil falar de mim, tenho uma mente muito irregular”, dizia, referindo-se a si próprio. De fato, como os misteriosos caminhos percorridos pela lontra Portly ao perder-se na floresta em “O Vento nos Salgueiros”, não é simples entender por quais meandros psiconeurológicos percorriam a mente de Barrett, artista capaz de conciliar rock com música barroca, conto de fadas, expressionismo abstrato, duendes, jazz avant-garde, teosofia e B movie numa única sinapse cerebral. Naturalmente uma mente de vanguarda. “The Piper at the Gates of Down”, um dos ícones do rock psicodélico, é a melhor representação dessa equação ímpar engendrada por Barrett. Junto com “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, o primeiro do The Doors, “Velvet Underground & Nico” e alguns outros clássicos do rock que completam 50 anos em 2017, a estreia do Pink Floyd continua inovadora a cada audição, inundando de referências gerações e gerações.

“The Piper...” é surpreendente do início ao fim. A começar pela capa, que não poderia ser mais tradutora da psicodelia da época, em que os integrantes do grupo se misturam como num caleidoscópio lisérgico. A produção de Norman Smith se vale do luxuoso aparato técnico do estúdio Abbey Road, em Londres, para criar a devida atmosfera espacial e jogar luz sobre todos os detalhes (não raro exóticos) ressaltados por Barrett e a jovem banda, que trazia Roger Waters, baixo e voz; Richard Wright, teclados, sintetizador; e Nick Mason, bateria e percussão – ou seja, os integrantes clássicos do Pink Floyd somados a David Gilmour, substituto de Barrett a partir de 1968. Comandando a guitarra e os vocais, Barrett dá o direcionamento conceitual do álbum, que começa com a tensa "Astronomy Dominé". Sinais intermitentes de um contador Geiger iniciam a música prenunciando a instabilidade do tema. Em uníssono, o vocal canta sobre um compasso monofônico: “Verde-limão límpido, uma segunda cena/ Uma luta entre o azul que você uma vez conheceu/ Flutuando para baixo o som ressoa/ Pelas águas geladas e subterrâneas/ Júpiter e Saturno, Oberon, Miranda e Titânia/ Netuno, Titã, estrelas podem assustar”. Uma espécie de refrão sem letra se dá numa frase de guitarra e um vocalize que, unidos, assemelham-se a um uivo selvagem. Isso até chegar a 1 min 35 da faixa, ponto onde ela muda totalmente. Parece que a canção irá se manter nesse rumo sob sons de órgão, efeitos, interferências de rádio e improvisações. Entretanto, a melodia de repente volta ao tema inicial e o término é igualmente intenso, quase catártico. Isso tudo é o disco recém começando...

A magnífica “Lucifer Sam” – cuja produção e a engenharia de som de Peter Bown são irretocáveis – é, basicamente, um blues ritmado com certa pegada surf music. Não fosse sua atmosfera sombria e mística (“Lucifer Sam, um gato siamês/ Sempre sentado ao seu lado/ Sempre ao seu lado/ Esse gato tem algo que não posso explicar/ Jennifer Gentle você é uma bruxa/ Você está do lado esquerdo/ Ele está do lado direito/ Esse gato tem algo que não posso explicar...”), que a leva mais para uma obscura trilha de série de TV. Efeitos como chocalhos, o órgão de Wright, a guitarra-base, o baixo de Waters e a bateria de Mason são perfeitamente ouvidos, mas o que se destaca mesmo é a segunda guitarra de Barrett, que executa um riff em tom grave, a qual contém uma das características compositivas dele: os leves atrasos nos tempos. Como se sempre algo estivesse fora do presente, pondo-se entre a realidade e o sonho. E se o virtuosismo não é a característica de Barrett – como será a de Gilmour, que assumirá as guitarras logo em seguida na banda –, o solo da faixa (toque percutido, exploração dos efeitos de pedal, variação de escala) é de pura criatividade.

Novamente revelador, o disco traz a estranha mas brilhante “Matilda Mother”, que muda totalmente pelo menos umas três vezes em pouco mais de 3 minutos de canção. O arranjo vocal, incrivelmente variante, é um primor, lembrando bastante no refrão o estilo que o Pink Floyd adotaria muitas vezes a partir de então, como em “Breath” (1973) e “The Thin Ice” (1979). O teclado e o baixo pronunciam o acorde inicial, pausado e contemplativo. O universo lúdico da infância, ao mesmo tempo fantástico e tempestuoso, é expresso na letra, em que Barrett clama pela mãe e pela criança que não mais é: “Havia um rei que governou a terra/ Sua Majestade estava no comando/ Com olhos prateados a águia escarlate/ Banhou de prata as pessoas/ Oh, Mãe, me conte mais”. Depois de algumas sinuosidades melódicas, lá por 1 min 25 entra um solo de órgão de ares barrocos. Porém, o que mais se destaca é a psicodélica percussão gutural de Barrett. De repente, as vozes se intensificam, a guitarra dita o riff e... volta tudo à melodia inicial, num proposital corte abrupto – como uma contação de estória sendo interrompida, ou melhor, deslocando-se no tempo psicológico em que o autor se dá conta de que a infância se foi. Em 2 min 25, um novo fim falso, que leva a música até o desfecho num clima ainda mais onírico.

“Flaming” não só se mantém no universo anedótico como o expande, levando o ouvinte a um céu estrelado e azul com unicórnios e animais da floresta de toda ordem. A melodia é ondulante, obscura, exótica. Não é para menos, pois se trata de um dos mais fiéis relatos de uma viagem lisérgica de LSD: “Observando botões-de-ouro moldarem a luz/ Dormindo em um dente-de-leão/ É demais, eu não vou te tocar/ Mas até poderia”. Exemplo de melodia composta no violão e devidamente arranjada pela banda em que todos se destacam, principalmente Barrett ao violão e Wright, que segura o clima no órgão e no solo de cravo ao final.

Nova surpresa, nova montanha-russa, nova obra-prima. Os sons articulados na goela e na faringe não apenas reaparecem como sustentam a abertura da sui generis “Pow R. Toc. H.”. O que se ouve são cacos vocais e sons quase demenciados sobre curtos e esquisitos rufares percussivos igualmente gerados por aparelho vocal humano. Essa configuração estranha se transforma em seguida num som de culto indígena, haja vista os gritos tribais e o ritmo ritualístico ditado pelo tambor – agora da própria bateria. Essa nova formatação sonora, entretanto, se altera rapidamente de novo numa perfeita transição executada na mesa de estúdio, fazendo a melodia se transformar agora num... elegante jazz! É Wright quem brilha nessa parte, solando no piano por quase 1 minuto sobre a ainda tribal percussão. Isso é interrompido mais uma vez, claro. Sons de órgão e de guitarra improvisam e se entrelaçam por quase 2 min, direcionando o tom jazzístico para uma polifonia. Tudo isso, para retomar a linha melódica inicial, agora com a guitarra, os efeitos de mesa e de pedal e os ensandecidos alaridos finalizando o número. Junto com “Peaches en Regalia”, de Zappa, é um dos temas instrumentais mais criativos do rock anos 60. Além disso, é, ao lado de “Interstellar Overdrive”, a única composição coletiva do disco, que já denota claramente que o Pink Floyd não era (e não seria, fatalmente) apenas Syd Barrett.

Composição de Waters, “Take Up Thy Stethoscope And Walk” é mais um belo exemplar do rock psicodélico que 1967 emoldurava. Isso se deve em parte, principalmente na primeira parte – ou melhor, até onde vai a seção cantada, a pouco mais dos 30 segundos iniciais, tendo em vista que o restante, exceto o rápido desfecho, é tomado de delírios instrumentais da banda inteira – a Barrett, que se vale, novamente dos cacos e sons guturais em conjunção com os efeitos e as texturas sonoras para compor o arranjo.

Centro do disco, a já mencionada “Interstellar Overdrive” é um hino lisérgico, que se assemelha em formato e proposta a outro clássico do rock composto naquele mesmo ano: “Heroin”, do Velvet Underground. Quase uma pequena sinfonia, começa como um hard rock cuja semelhança à sonoridade de Black Sabbath e Led Zeppelin não é mera coincidência. A 2 min e 20, a guitarra parece trancar como se tivesse arranhado o sulco naquele ponto (novamente, sente-se o estranhamento com o tempo). Essa ideia – lapidada pela maestrina do pós-jazz Carla Bley em “Musique Mecanique III”, de 1979 – reproduz no instrumento outra das peculiaridades da música de Barrett: os fonemas cacofônicos, ditos com certo engasgo. É como se fosse o sintoma da formação de uma linguagem atípica e excêntrica do Asperger, aliado ao dos padrões repetidos da doença, traduzido para música, para arte.

Seguem-se cerca de 7 minutos de improviso de toda a banda, que forma uma sonoridade espacial, quando não de uma viagem alucinógena ou uma trilha de filme de ficção científica. Até que, quase no fim do tema, um ruidoso e longo rolo de Mason traz de volta o riff inicial. Mas... algo estranho está embaralhando os ouvidos e os sentidos... É Norman Smith mais uma vez valendo-se do aparato do Abbey Road e de sua técnica como produtor operando uma radical alteração do balance, o qual joga rapidamente todo o som de um lado para o outro nas caixas de som: enquanto uma fica em silêncio, a outra recebe toda a massa sonora. Isso gera um efeito de desequilíbrio, espiral, revolto, que age diretamente sobre os sentidos humanos. Parece que se está escutando a arte da capa do disco. Impossível ficar impassível, pois o efeito atingido aqui pelo Pink Floyd chega a ser físico. Por todas essas particularidades, “Interstellar...” pode-se dizer a precursora do rock progressivo, que faria tantas bandas surgirem ou aderirem (como o próprio Pink Floyd em certa medida) nos anos 70.

Aí, como se nada tivesse acontecido, colada à intensa “Interstellar...”, entra a faixa seguinte, “The Gnome”: uma singela ciranda infantil sobre seres elementais. Só que não! Igualmente brilhante e consideravelmente sinistra, “The Gnome” (“Quero te contar uma história/ Sobre um homenzinho/ Se eu puder/ Um gnomo chamado Grimble Crumble/ E pequenos gnomos que ficam em suas casas/ Comendo, dormindo, bebendo vinho...”) realça o belo timbre de voz de Barrett e sua pronúncia elegante – o que confere ainda mais obscuridade ao tema. Os cacos fonéticos e a preferência por vocábulos “engasgados” (“GRimble”, “CRumble”, “tunIC”, “ADventure”) aparecem em abundância, intensificados pela dicção do cantor.

Rivalizando com outras duas canções daquele ano, “Within You Without You”, dos Beatles, e “The End”, dos Doors, “Chapter 24” ergue uma mística capela sonora. Wright é exímio ao imitar nos teclados o som de um fole nórdico. A percussão, inteligente, é apenas nos pratos e sinos, emprestando muita naturalidade. Apenas o baixo é mais “moderno” na sonoridade de “Chpater 24”, haja vista que o canto de Barrett soa quase litúrgico. Talvez a mais linear faixa do disco – se é que dá pra classificar qualquer uma das peças assim, tão simploriamente –, abre caminho para a totalmente medieval “Scarecrow” com suas flautas celtas e percussão barroca. Genialmente, Barrett dissolve qualquer noção de tempo – o mesmo “tempo” que ele, mentalmente perturbado, não consegue apreender. A bela letra é talvez a mais autobiográfica e – haja vista a metáfora essencial, a comparação de si com um “espantalho” – tristemente reveladora. Merece ser reproduzida por completo:

“O espantalho preto e verde
Como todo mundo sabe
Ficava com um pássaro no seu chapéu
E palha por todo lado
Ele não se importava
Ele ficava num campo onde o milho cresce
Sua cabeça não pensava, seus braços não se moviam
Exceto quando o vento soprava
E ratos corriam pelo chão
Ele ficava num campo onde o milho cresce
O espantalho preto e verde é mais triste do que eu
Mas agora ele está resignado com seu destino
Pois a vida não é má
Ele não se importa
Ele fica num campo onde o milho cresce.”

O que resta a um disco impecável como este? “Scarecrow”, por seu final quase épico, dá indícios de fim. Mas clássico que é clássico tem mais uma joia reservada. É o caso da originalíssima e sarcasticamente circense “Bike”, forjada sobre um único compasso. A voz de Barrett, tão cristalina quanto alucinada, joga versos em demasia sobre os intervalos – mas eles fazem caber no tempo musical, hábeis em harmonia como são. A festa no picadeiro lúgubre parece terminar a 1 min 45', mas sons de bugigangas (entre estas, relógios, como os que aparecerão 6 anos mais tarde em “Time”, do “The Dark Side of the Moon”), comandados pelos teclados fasmáticos de Wright, entram para preencher o restante da faixa a la John Cage. Esta, no entanto, termina da talvez mais apavorante forma que qualquer disco da música pop – e olha que bate muita dark music. O volume vai baixando aos poucos, anunciando o final, quando surge um som que parece ser de uma boneca enguiçada. Misto de gargalhada macabra com urro de dor e de prazer carnal, vai subindo até um clímax, que chega a chocar os ouvidos. Porém, logo em seguida, vai caindo até terminar o disco finalmente. Dá para imaginar uma cena de filme de terror em que o palhaço assassino aproxima-se, chegando a centímetros do escondido e amedrontado perseguido, mas que, não o encontrando, afasta-se e vai embora. No quarto de brinquedos, quebrados e tristes, está terminada a obra sinistra de Barrett e Cia.

A aparente infinita inventividade de Barrett, por infelicidade, teve sim um fim. Acometido pela deterioração mental, agravada pelo exagerado uso de drogas, Barrett afastou-se da banda antes de lançar um segundo trabalho com eles, restando apenas mais uma (e igualmente brilhante) composição sua em “A Saucerful of Secrets”, de 1968: “Corporal Clegg”. Vieram ainda duas obras-primas solo em 1970: “The Madcap Laughts” e “Barrett”, nos quais já se nota o progressivo agravamento do quadro físico e psíquico. Logo em seguida, entra numa reclusão autoimposta de 30 anos até a morte, em 2006. Porém, os parcos 6 anos em que produziu seguem influenciando profundamente a cultura pop meio século depois de seu surgimento em “The Piper...”. Para o próprio Pink Floyd foi assim: com talento, souberam apreender e reelaborar o legado de seu ex-líder, avançando em suas ideias mas mantendo-lhe uma ligação permanente. Mesmo com as capacidades criativas de e liderança tanto de Waters quanto de Gilmour, o Pink Floyd foi e sempre será como um tal personagem de conto de fadas chamado Syd Barrett.

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“The Piper…” teve, em 1967, uma edição norte-americana que, além de alterar a ordem das faixas e suprimir duas delas (“Bike” e “Astronomy Dominé”), conta com uma nova, “See Emily Play”.  Em 1974, os dois primeiros álbuns do Pink Floyd são reunidos num único volume, “A Nice Pair”. Ainda, “The Piper...” consta na íntegra com outros discos nas caixas “First XI” (1979), “Shine On” (1992), “1997 Vinyl Collection” e “Oh By the Way” (2010).

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FAIXAS:
1- "Astronomy Domine" – 4:12
2 - "Lucifer Sam" – 3:07
3 - "Matilda Mother" – 3:03
4 - "Flaming" – 2:46
5 - "Pow R. Toc H." (Nick Mason, Richard Wright, Roger Waters, Syd Barrett) – 4:26
6 - "Take Up Thy Stethoscope and Walk" (Waters) – 3:05
7 - "Interstellar Overdrive" (Barrett, Mason, Waters, Wright) – 9:41
8 - "The Gnome" – 2:13
9 - "Chapter 24" – 3:42
10 - "The Scarecrow" – 2:11
11 - "Bike" – 3:21
todas as composições de autoria de Syd Barrett, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


por Daniel Rodrigues

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Coluna dEle #34 - Os 10 Mandamentos do Rei do Universo



Oi, gente, Eu sou... vocês sabem quem, tenho mais de um zilhão de anos e vou falar pra vocês sobre os 10 Mandamentos.
Eu soube que um mané aí anda falando umas merdas boca a fora sobre 10 mandamentos e coisa e tal.
É isso mesmo?
Que audácia.
Só quem pode vir com essas parada de mandamentos  sou Eu que, afinal de contas, sou o Rei de toda essa merda.
Mas as leis não tem nada a ver com aquelas maluquices que o Zezo (é assim que a gente chama o Moisés aqui) contou pra vocês. Ele subiu naquele morro, encontrou uns trafica lá, fumou um ou dois baseados e desceu doidão dizendo que Eu que tinha escrito aquelas sandices. E ainda por cima, que tinha escrito com FOGO. E numa PEDRA. Pode?
Não, não. Não é nada daquilo.
Os 10 Mandamentos do Rei do Universo são os seguintes:



I. Roupas: Nem precisa ser de grife. Desde que vocês usem alguma coisa pra Mim já tá ótimo. Eu vejo cada coisa por aí que até Eu duvido. Principalmente aí no Brasil. Desde que Eu tentei deixar o Adão e a Eva lá, assim, peladões, Eu percebi que teria problemas com vocês. Até tentei consertar a coisa e botar algumas noções de moral, pudor, mas aí já tinha fudido tudo mesmo. 
Mas, assim, ó, o mandamento é o seguinte: NÃO OSTENTAREIS USANDO VESTES QUE NÃO CONDIGAM COM VOSSA REAL CONDIÇÃO, MAS SE DER NO JEITO DAIS UM TAPA NO VIZU. Ou seje, não precisa ficar nessas de roupas de grife, Armani, Gucci, Lacoste. Até porque, se tu é pobre tu só vai te endividar gastando nessas marcas o que não vai te fazer ficar fino;  se tu é feio, não vai ser um terno ou um vestido que vai te fazer ficar bonito, tem que voltar aqui e pedir pra nascer de novo; se tu é rico, aí sim, gasta teu dinheiro com o que tu bem entender; e se tu é tipo uma Gisele Bündche, um Beckham, pode até andar de pijama que vai estar arrasando. Falei?

II. Carros: Maldita hora que vocês vieram com aquela coisa de Revolução Industrial! Máquinas, carros, tecnologia, aí veio a velocidade e bum! Deu no que deu. Vivem dando com a cara no poste. Manerem com isso aí.
Mas, naquelas... Se é pra ter, e se Eu te fizer ter sorte na vida de nascer em berço de ouro, ou te fizer ganhar uma bolada na Mega de Ano-Novo, o carro tem que ser uma Ferrari, né. Ah, uma Ferrari é um mito, um sonho de consumo, chama a atenção.
Mas, agora, se não puder ter uma, se só conseguir comprar um furbeco de última categoria caindo aos pedaços, não coloquem aquele maldito adesivo dizendo “Foi Deus que me deu”. Esse tipo de coisa só queima Meu filme. Faz Eu parecer um miserável.
Então, é o seguinte: NÃO USAREIS MEU SANTO NOME PARA ME ATRIBUÍRES FALSAS BENESSES.
Entendido? Então vamos para a próxima.

III. Trono: Ah, assim que Eu fiz acabei de criar o mundo Eu tratei de subir pra cá e ficar vendo vocês do Meu trono, que pra vocês seria, assim, o equivalente a um camarote. Até podia descer e Me misturar a vocês, mas aí embaixo, na pista você é só mais um. No trono não: um trono evidencia status. É tudo exclusivo, tudo de primeira. 
Sem falar que se Eu ficasse aí embaixo teria que viver como vocês e ter limitação de vida e tal, mas aqui em cima você pode viver de 5000 anos até o infinito.
O mandamento é: NÃO VOS MISTURAIS COM A GENTALHA.

IV. Serviço Exclusivo: Aqui, ó,... que que adianta ser quem Eu sou se não tiver umas vantagenzinhas? Ah, aqui em cima sempre tem um pessoal pra Me servir, pra trabalhar pra Mim. Botei um santo pra casa assunto pra Eu ficar só na boa. Botei o Pedrinho pra cuidar do clima, o Tonho pra atender esssas chateações de pedidos de solteironas, o Chico pra cuidar dos bichinhos, a Clara pras telecomunicações e tal. Todos Me atendem com muita prestatividade. São uns anjos. Sem falar que essa coisa de ter muita gente te atendendo mostra um certo glamour, né?
Então, a regra é: TODOS SÃO IGUAIS PERANTE O SENHOR, MAS SE VÓS TIVERDES UM POUQUINHO MAIS DE GRANA, CONTRATAI EMPREGADOS E MANDAI FAZER POR VÓS.

V. Segurança: Eu tenho seguranças até pela minha integridade física. Sendo quem Eu sou não posso sair por aí, assim, desportegido. Infelizmente, até por bobeira mesmo, no fundo rola um pouco de inveja. Então, Eu tenho seguranças até por ter um certo cuidado com a Minha vida, mesmo, e com Meus bens.
Meu lema nesse caso é: NÃO MATAREIS, MAS SE VIEREM MEXER COMIGO, MANDO MEUS SEGURANÇAS BAIXAREM A PORRADA.

VI. Champagne: Pra ser bem sincero Eu prefiro uma ceva bem gelada, ou mesmo uma  boa pinga, mas a champagne tem todo o negócio do status, do glamour e na Minha condição é importante transmitir uma imagem de santuosidade. E desde que eu ouvi aquela da 'bebida que pisca' Eu sempre peço pra Minha vir com fogo, e aí, sabe como é que é, cama atenção.
Sabem por que que a noite de vocês é estrelada? E porque tem festa aqui todas as noites. O que vocês vêem é o foguinho das champanha!
A regra é clara, Arnaldo: NÃO CONSUMAIS BEBIDA EM EXCESSO MAS SE FOR PRA TOMAR UMAS, TRAZ A BEBIDA QUE PISCA.

VII. Famosos: Outra coisa importante é ter aqui em cima pessoas conhecidas, celebridades, isso agrega a tudo. Agrega a suas estrels, às suas nuvens, à sua Terra.  Eu, por exemplo, sempre que posso, trago aqui pra cima alguém conhecido, alguma celebridade. Trouxe recentemente Nêgo Nelson, lá da África do Sul; esse carinha esse do "Velozes e Furiosos"; o tal do Chorão, que Eu nem curto muito mas a galera mais jovem daqui se amarra; trouxe há algum tempo atrás, a Diana por que sempre é legal ter alguém da realeza; trouxe o Jobs; o Senna, o Freddie Mercury, o John, o Harrison, tô tentando trazer o Richards dos Stones mas ele não vem. Enfim, isso agrega tudo! 
O negócio é o seguinte:  CULTIVAI A AMIZADE, SOBRETUDO COM PESSOAS QUE AGREGAM.

VIII. Mulheres: Meu camarote tem que ter mulheres. Mulheres bonitas. Porque não faz sentido ter tudo isso, um céu, o paraíso, se não tiver as mulheres. É como você ser o dono do mundo e botar o Eike Batista pra administrar. Não faz sentido.
Pra abrilhantar, aqui, o lugar Eu tenho comigo a Brittany Murphy que subiu há pouco; a Sylvia Kristell que muito Me deu calo nas mãos; a Amy, que não é de todo de se jogar fora; a eterna Marilyn; sem falar numa infinidade de ilustres anônimas que aparecem por aqui todos os dias.
Sabem de uma coisa, mas aí Eu acho que é pesado falar... Eu que as criei mas... Eu já me masturbei por mulher... No banheiro.
Assim, a regra manda: NÃO DESEJAI A MULHER DO PRÓXIMO, MAS SE ESTIVER NA PISTA PRA NEGÓCIO E ESTIVER DANDO MOLINHO, VA PRA DENTRO DELA.

IX. Música: O som que Eu gosto de curtir, na verdade é um rock'n roll de primeira. Um Led, um Sabbath, Beatles, Stones, mas no camarote tem que rolar um house, hip-hop, black, um funk. Quando toca um funk então é bom porque daí elas ficam loucas e perdem a noção. "Ah, elas estão descontroladas". (kkkkk)
O  9º Mandamento é:  ROCK'N ROLL FOREVER, MAS ABRIREIS UMA EXCEÇÃO EM NOME DA PUTARIA.

X. Instagod: Quem tem um camarote como o Meu tem que ter um Instagod. Se não tiver um Instagod não é legal. Você tem que compartilhar, tem que divulgar suas fotos, seus vídeos. Hoje em dia quem não compartilha tá fora do mundo.
O Mandamento é: COMPARTILHAI COM VOSSOS IRMÃOS.


Quem não queria ter um mundo inteiro como Eu? Estar em todos os lugares ao mesmo tempo, poder fazer as mulheres mais impressionantes que se possa imaginar, poder transformar as cataratas do Niágara em champagne? Eu sei que muitos Me criticam, Me acham arrogante, prepotente, mas Eu vejo isso como inveja.


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Opiniões, críticas, manifestações, ofensas, xingamentos para:
god@voxdei.gov 

Fiquem Comigo e que Eu vos abençoe.

Fui!