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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

"Ataque dos Cães" , de Jane Campion (2021)

 

Deu pra ti, John Wayne
por Daniel Rodrigues

Jane Campion é uma cineasta que, mais do que somente pela qualidade de seus filmes, é por si só uma figura marcante para a história do cinema. Além de ser a segunda entre cinco mulheres nomeadas para o Oscar de Melhor Direção, foi a primeira cineasta feminina da história a receber a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes por seu marcante “O Piano”, em 1993. Mas é fato também que, guardada sua importância representativa, a talentosa diretora neozelandesa acumula bons feitos e outros nem tanto. Porém, invariavelmente voltados à visão da mulher no cinema. Desde seu primeiro e referencial “Um Anjo em Minha Mesa” (1990), que retrata a sofrida vida real da escritora Janet Frame, passando pelo inconsistente “Em Carne Viva” (2003) ou em seu celebrado “O Piano”, um dos melhores filmes dos anos 90, a figura feminina é sempre desafiada a situações as quais só mesmo uma mulher para expressar. Em “Ataque dos Cães”, seu novo filme, curiosamente, no entanto, este “lugar de fala” se desloca, visto que não é a personagem feminina quem o protagoniza. Aliás, não há um único protagonista, e isso talvez seja justamente o grande trunfo da produção, que põe Campion novamente na mira do Oscar com o filme com mais indicações em 2022, doze. Mas o longa a leva a se destacar mais uma vez, porém agora por um outro mérito, que é o de inscrever a obra numa importante ressignificação do tão simbólico - e questionável - gênero faroeste.

“Ataque...” se passa numa rústica Montana dos anos 20 em que os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons) possuem uma das maiores fazendas da região. Quando George se casa em segredo com a viúva Rose (Kirsten Dunst), dona de uma pequena pensão em que vive com o sensível filho Peter (Kodi Smit-McPhee), a cumplicidade familiar entra em jogo. Phil, de postura rígida e sedutora, faz o possível para atrapalhar a vida de Rose e de Peter, a quem ele cria certa obsessão. Apoiado pelos vaqueiros em suas zombarias, ele não pretende parar até criar conflitos maiores. No entanto, a investida do caubói leva a rumos inesperados – principalmente, para ele próprio.

A trama, construída em capítulos – o que dá ao filme um caráter autoral a exemplo do que fizeram com propriedade Kubrick, Godard e Tarantino – vale-se dos conceitos não só da feminilidade, mas também de masculinidade e da homossexualidade para dissolver mitologias e criticar estereótipos. Em uma sociedade bruta como a do Velho Oeste dos Estados Unidos, em que os instintos se sobrepõem, principalmente a tudo que for de natureza sensível e “feminina”, Campion põe em xeque a macheza do famoso homem “durão”, bem como subjetiva a fraqueza do homossexual e, realista, não inventa nenhuma falsa imagem de uma mulher forte e corajosa diante de uma condição social irrespirável. Tempos antigos, inspirações atuais.

trailer de "Ataque dos Cães"

O longa, embora não seja genial, é muito bem engendrado, uma vez que sabe dispor os elementos narrativos econômica e gradativamente, o que mantém a atenção do espectador que venceu os primeiros 20 minutos de história e diálogos naturalmente (e propositalmente) ainda vagos. Alguns méritos são evidentes. Faroeste sem um disparo de pistola sequer, o filme consegue manter a sensação de tensão quase permanentemente – seja pelo temperamento explosivo de Phil, pela iminência da doença dos animais ou pelo mistério que as montanhas do extremo Norte dos Estados Unidos guardam. O elemento sonoro-musical é outro ponto bem tratado, quase uma chave que liga dois mundos, o selvagem e o desenvolvido, isso tanto na trilha sonora invariavelmente dissonante, assinada pelo Radiohead Jonny Greenwood, quanto nas músicas incidentais. 

Fica claro que não é por acaso que Jane escolheu o faroeste como metáfora para refletir ideologicamente a sociedade atual. Embora não seja novidade a tentativa de Hollywood de mostrar que os brutos também amam, é inegável que o gênero mais yankee do cinema representa em boa medida a ideologia que os Estados Unidos vendem ao mundo, arraigado em boa parte em concepções machistas e patriarcais. Isso explica porque o western, enquanto símbolo cultural e hipérbole dessa ideologia, tenha perdido o passo ao galopar paralela e anacronicamente com o desenvolvimento sociocultural de sua nação. Neste processo, sofreu um considerável desgaste ao longo das décadas até quase sumir das telas nos anos 80-90, salvo por um clássico temporão, "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood (1992) . Hoje, sua revitalização só poderia vir em forma de crítica. O protagonismo de um caubói negro na refilmagem de "Sete Homens e Um Destino" (Fuqua, 2016), a descrença na natureza humana de “A Balada de Buster Scruggs” (irmãos Coen, 2018) e a feminização do herói valentão de “Cry Macho” (Eastwood, 2021) juntam-se a “Ataque...” nessa tendência de um olhar racional e reflexivo sobre a sociedade e seus padrões. O rei está nu e não se fazem mais John Wayne como antigamente. Ainda bem.

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Cão que ladra forte
por Cly Reis

Tenho que admitir que tinha um certo preconceito quanto a filmes dirigidos por mulheres. Jane Campion era uma exceção. Desde o primeiro momento, com seu brilhante "O Piano", vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1995, a diretora neozelandesa conquistou meu respeito e admiração. Agora, quando soube que seu novo filme, "Ataque dos Cães" era um faroeste fiquei bastante intrigado sobre como funcionaria um gênero tão rústico e pesado nas tão delicadas e talentosas mãos desta diretora. Certamente não poderia se tratar de um western convencional. E, efetivamente, não o é. Além de não ser exatamente um faroeste dentro dos moldes tradicionais, nem a época é exatamente a dos conflitos mais brutais e ignóbeis do oeste americano como duelos, assaltos a diligências ou corrida por ouro. "Ataque dos Cães" se passa no final dessa era sem lei, é o início da "civilização", onde há vaqueiros, há revolveres, há cavalos, mas também há  homens de terno que administram as fazendas, a caneta muitas vezes resolve mais do que a bala e o automóvel começa a dividir espaço  com as montarias, sinalizando um novo tempo.

Essa situação histórica não é em vão, não é por acaso. O faroeste de Jane Campion, adaptado do romance do escritor Tomas Savage, é estrategicamente situado nesse recorte histórico de modo a sinalizar para um novo momento no qual não há mais espaço para homens que resolvem tudo na bala. Um novo homem aparece. Na verdade sempre esteve lá, mas agora quer sair. Esse é o conflito que se estabelece em um dos protagonistas, Phil Burbank (Benedict Cumberbatch), um típico vaqueiro, rústico de maus modos e pose de machão, que, além de desaprovar a civilidade do irmão, George, homem do campo como ele, porém mais adaptado aos novos tempos e administrador dos negócio da família, briga contra si mesmo por sentimentos íntimos que, contra sua vontade, o tornam frágil, vulnerável e fazem aflorar coisas que reluta em assumir. O conflito interior se acentua quando Phil tem contato com Peter
Cumberbatch e Smth-McPhee: faroeste com requintes
de um drama sensível e perspicaz
(Kodi Smth-McPhee), filho de uma estalajadeira, Rose (Kirsten Dunst), que, para seu desgosto, cai nas graças do irmão que a pede em casamento. O jovem é sensível, talentoso, emotivo e a percepção dessas qualidades por parte do cowboy fazem com que, incapaz de lidar com sua sexualidade, nutra pelo rapaz uma séria antipatia. Por extensão à repulsa pelo garoto, e também por "roubar" seu irmão e pelo fato de, na sua visão, enfraquecer os valores de homem do campo, Phil rejeita a nova cunhada destratando-a, a fazendo sentir-se uma estranha mesmo dentro da própria casa. O filho, o jovem Peter, que não havia ido morar com o casal, num primeiro momento, aproveita o recesso das aulas para passar uma temporada em companhia da mãe em seu novo lar, dando a ela um pouco de conforto naquele território hostil. No entanto, o que era para ser algo positivo acaba sendo mais uma dor de cabeça  para Rose quando o cunhado, seu desafeto, por incrível  que pareça, acaba se aproximando de seu filho, em parte por implicância, por provocação, mas em parte, também, por ver no rapaz algo parecido consigo e, nessa proximidade, a possibilidade de se libertar e de, minimamente, ser quem desejaria ser. E é nesse quadrilátero que a diretora desenvolve seu filme com engenhosidade e sabedoria para captar e transmitir o perfil psicológico e emocional de cada um de seus personagens principais, com rara sutileza e sensibilidade.

O título em português, embora justificável, de certa maneira, é um tanto infeliz e acaba insinuando uma violência que o filme não possui, o que acaba mais repelindo do que conquistando potenciais espectadores. Sei de gente que não quis ver ainda por conta da sugestão de atrocidade que o nome carrega. Mas não precisa ter medo dos cães. O filme passa longe de ser um bang-bang, um faroeste spaghetti e muito menos um desfile de atrocidades. "Ataque dos Cães" é, na verdade, um drama familiar de quatro pontas, um exame sobre a masculinidade que, no fim das contas, acaba por nos revelar que nem sempre o cão que late mais alto é o mais perigoso. 


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Ataque psicológico
por Vagner Rodrigues


Uma certa lentidão, uma narrativa arrastada, tudo isso é muito bem compensado com um terceiro ato magnífico. Que filme, senhoras e senhores!
"Ataque dos Cães" acompanha os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que são ricos proprietários da maior fazenda de Montana. Enquanto o primeiro é brilhante, mas cruel, o segundo é a gentileza em pessoa. Quando George secretamente se casa com a viúva local Rose (Kirsten Dunst), o invejoso Phil faz tudo para atrapalhá-los.
O fato do andamento ser mais arrastado e parado foi proposital, mas entendo aqueles que aproveitaram o filme em streaming para dar uma pausa, ir ao banheiro, fazer um lanche, pois realmente fica um pouco cansativo. Um dos aspectos que me tirava um pouco do filme era o modo como o personagem de Jesse Plemons foi utilizado, entrando e sando da história a todo instante. Seus momentos de interação são ótimos, mas ele acaba aparecendo bem pouco, e fiquei com a impressão de que poderia ter sido melhor aproveitado.
Já que estamos falando dos personagens, é simplesmente impossível falar do filme e não citar as grandes atuações. O elenco como um todo está inspirado. Começando pelo próprio, já citado Jesse Plemons (George) que, se por um lado é o que tem menos tempo de tela, por outro, quando aparece é cirúrgico. Poucas falas, mas muito é dito com seu olhar. Kirsten Dunst (Rose) fazia tempo que não via atuar tão bem. A dor, a confusão mental que essa mulher passa, você sente tudo. Kodi Smit-McPhee (Peter), é o segundo personagem mais importante da trama e a forma como ele muda o filme e também como cria os elos das pessoas é o que nos leva às surpresas finais. E ele, Benedict Cumberbatch, tem uma das melhores atuações de sua vida, (se bem que, para mim, ele esta sempre bem). A forma intensa que ele atua, como ela passa aquele ar do cowboy bruto, sujo, quieto, tudo muito natural em um personagem com uma presença enorme, interpretado em uma atuação magnifica.
A construção narrativa feita pelo longa é espetacular, desde como os personagens são apresentados passando por como eles vão interagindo entre eles, sendo essas interações repletas de detalhes muito bem colocados.
A fotografia exuberante de "Ataque dos Cães"

E a fotografia, se não for a melhor do ano, certamente é uma das melhores! O jeito como o cenário é construído, os enquadramentos em planos abertos, os detalhes nas composições de cena... Um esplendor.
Temos um bom trabalho na construção e desconstrução do cowboy, a forma como longa brinca com nossas expectativas nos induzindo a pensamentos, conduzindo nossa mente para um lado para o outro. Na sequência em que Phill e Peter terminam juntos de construir uma corda de laçar, por exemplo, Jane Campion cria toda uma situação cheia simbolismos e possíveis interpretações (eu tive a minha, depois me conta a sua) que nos prendem  a ela de uma maneira incrível, tal qual a tensão criada por um filme de terror psicológico.
“Ataque dos Cães” não brinca somente com o psicológico dos personagens porque, sim temos ataques psicológicos fortes no longa que são muito mais agressivos que os físicos. Não vá pensando em ver um “bang-bang”. "Ataque dos Cães" é um filme que não mexe apenas com o psicológico dos personagens, mas com o seu também.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Toshiro Mifune, O Samurai do Cinema



Toshiro Mifune é considerado o maior ator do Japão de todos os tempos. O mais interessante é que ele era chinês de nascimento, mas filho de pais japoneses. A parceria com Akira Kurosawa foi a grande responsável por esta popularização do astro e também do cinema japonês, juntos fizeram um total de 16 filmes, filmaram clássicos, ganharam prêmios e brigaram muitas vezes, tinha algo meio Ford e Wayne ou Kinski e Herzog nessa relação. Toshiro reclamou certa vez que Kurosawa fez ele passar por apertos financeiros quando filmou Red Beard” (1966), o filme estremeceu as relações entre ator e diretor que brigaram feio. A produção demorou dois anos para ficar pronta e durante esse tempo, Toshiro não pôde trabalhar porque o filme exigia que ele não fizesse a barba, "realmente comi o pão do diabo" dizia o ator. Em "Red Sun" 1971, o ator faz seu primeiro western, no filme trabalhou ao lado de Charles Bronson, Alain Delon e Ursula Andress. Muitos contam que ele realmente tinha um treinamento amplo de samurai, e que apreendeu muito desta cultura com alguns remanescentes da filosofia. No set do filme costumava mostrar a Bronson como se atacava o pescoço do inimigo com a espada, dizem que ele era tão veloz com a arma que fazia com que a lamina ficasse a centímetros de qualquer parte do corpo do oponente sem o tocar. O filme " Sete Homens e um Destino" do diretor John Sturges, foi totalmente inspirado em " Os Sete Samurais" da parceria Kurosawa e Mifune, assim como " Por um Punhado de Dólares" de Sergio Leone, que foi baseado em "Yojimbo" de 1961. Segundo a critica as produções eram tão semelhantes que Kurosawa processou Leone e ganhou 15% do filme em todo o mundo e os direitos exclusivos de distribuição e bruto para o Japão, Taiwan e Coréia. Kurosawa disse mais tarde que ele fez mais dinheiro com estes direitos do que ele em "Yojimbo". A "prova" existe, já que Clint Eastwood nunca escondeu que copiou o jeito durão dos personagens samurais de Mifune, para compor a sua atuação nos filmes de Leone. O certo é que Mifune foi quem apresentou ao mundo a figura do samurai através no cinema, deixando lapidado este legado do Japão antigo. Entre histórias e estórias ficou para os mortais cinéfilos, obras de arte vindas de tudo que é lado.


cena de "Yojimbo" com trilha sonora de "Por Um Punhado de Dólares"


sábado, 6 de agosto de 2011

Madonna - "True Blue" (1986)


“A mais bacana Rainha da Ferveção"...
"Uma combinação escandalosa de Orfãzinha Annie, Margaret Thatcher e Mae West”…
“Narcisista, rebelde, cômica....a Deusa dos Anos Noventa...”
trechos de matérias da imprensa
no encarte
da coletânea "The Immaculate Collection"



"True Blue" de 1986, representa um marco e a primeira virada na carreira de Madonna Veronica Louise Ciccone. A partir dele, a "material girl" de roupinhas sensuais, temas pueris e vocais de menina, dava lugar a uma mulher e a uma artista que sabia o que queria e onde pretendia chegar. Começava a dar rumos e um sentido artístico real e relevante à sua carreira que desde o início tivera sucesso mas que carecia de ser tomada à sério pelo público. Não que tivesse abandonado a sensualidade, a ironia, nem o apêlo pop, mas a partir de "True Blue", notava-se pela primeira vez uma certa ousadia, uma pretensão musical, intenções,  e objetivos.
Avalizada pelo sucesso comercial de seus discos anteriores, Madonna passava a escrever suas letras e compor parte delas, co-produzindo inclusive o disco e dando sua cara ao trabalho. O resultado é um disco diferenciado no âmbito vigente do pop daquele momento. "Papa Don't Preach" que abre o disco já dá mostras disso com uma introdução imponente de cordas que desemboca numa canção bem estruturada apoiada numa letra segura e madura que trata sobre aborto e gravidez precoce. Aborto? Mas isso lá é tema que se aborde numa canção para fácil consumo? Era Madonna causando polêmica e novo, mas agora não apenas por causa da lingerie. Era o início de uma rotina de afrontas aos padrões que se repetiriam e fariam uma de suas principais marcas.
"La Isla Bonita" com seu ritmo latino cheio de percussões e balanço, com partes da letra cantada em espanhol; e a pouco convencional balada confessional, "Live To Tell", longa, funkeada e com um improvável intervalo, atestam ainda mais essa diferenciação de qualidade e de estrutura do álbum em relação a seus 'similares', marcante sobremaneira pela variedade de alternativas, pelas temáticas pouco usuais, pela instrumentação qualificada com um bom time que inclui o brasileiro Paulinho da Costa na percussão, e pela cuidadosa produção.
Outra das boas do disco, a dançante e alegre "Open Your Heart", é apenas uma canção pop convencional, mas inegavelmente muito legal e um dos clássicos da rainha; a canção que dá nome ao disco,"True Blue", faz retornar um pouco aos discos anteriores com um pop juvenil, bastante simplório, porém extremamente gostoso e simpático. A boa e embalada "White Heat" vem com referências cinematográficas interessantes como o diálogo sampleado do filme "Fúria Sanguinária" que abre a música; a dedicatória da mesma a James Cagney que fizera parte do filme; além de trazer na letra o famoso bordão do personagem Dirty Harry de Clint Eastwood, o clássico "make my day" . Tem ainda a boa "Where's the Party", a frenética "Jimmy, Jimmy" e a otimista "Love Makes the World Go Round" para fechar este belo disco.
Sei que muitos torcem o nariz para a Madonna colocando-a no mesmo barco de umas outras tantas que na verdade só balançam a bunda e correm atrás e tentam imitá-la, mas a verdade é que a loira tem uma produção musical bem mais consistente, interessante e ousada que as imitações. Madonna sempre, desde o "True Blue", está um passo à frente e sempre incorporando novos elementos, ainda que às vezes sutilmente, à música pop. Ouço com frequência que Madonna não sabe cantar, que as músicas são fracas e biririborobó... Mas o curioso é que aceita-se tão facilmente artistas do metal, do punk, etc., que não cantam nada, mas para os quais se ressalta com ênfase atitude como grande mérito; bandas que não produzem mais que três acordes ou composições minimalistas de mestres tidas como geniais, a quem  a simplicidade, a força, o impacto, são celebrados como grandes virtudes, e no entanto as mesmos predicados sejam minimizados ou ignorados nesta artista extremamente relevante para a música e para o comportamento do final do século XX.
A verdade é que em se tratando de atitude, impacto, enfrentamento, polêmica, pouca gente foi mais 'punk' que Madonna nos últimos tempos. É verdade que se utiliza da mídia e da posição conquistada para expôr suas ideias, estética, conceitos e tudo mais; mas não deixa de ser até mesmo a grande ironia disso tudo, utilizar-se destes meios e ao mesmo tempo miná-los e colocá-los à prova. Coisa de artista diferenciado, coisa de uma mulher à frente de seu tempo. Gostem ou não gostem, parece que não há como negar que Madonna já pode ser considerada uma das maiores personalidades da história e uma das grandes mulheres do nosso tempo.

FAIXAS:
1. Papa Don`t Preach
2. Open Your Heart
3. White Heat
4. Live to Teel
5. Where`s The Party
6. True Blue
7. La Isla Bonita
8. Jimmy Jimmy
9. Love Makes The World Go Round

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Ouça:
Madonna True Blue


Cly Reis

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Música da Cabeça - Programa #165


Não apenas conseguimos como merecemos respirar! O MDC de hoje enche os pulmões para falar sobre a morte de George Floyd nos EUA e as dignas reações de protesto que tomaram as ruas e o mundo. Também falamos, claro, de música, e temos para nos ajudar nisso George Clinton e Parliament/Funkadelic, Madonna, Erasmo Carlos, Portishead, RPM, New Order e mais. Ainda, um "Sete-List" em homenagem ao noventão Clint Eastwood, sua relação com a música e, claro, com o cinema. Respira fundo e atiça os ouvidos hoje, às 21h, aqui pela resfolgada Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues #MDCAntiFascista


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Oscar 2015 - Os Vencedores



O mexicano Alejandro Iñárritu com parte de sua equipe,
recebendo o Oscar de Melhor Filme 
E o Oscar foi para "Birdman"!
Sinceramente, me surpreendeu um pouco.
Embora torcesse por ele, por todas as qualidades que me revelou de maneira fascinante, imaginava que a Academia fosse mais conservadora e entregasse o prêmio de melhor filme ao meticuloso “Boyhood” ou a “Sniper Americano” como uma afirmação de americanismo. Mas não, o pouco convencional “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, de planos-sequência contínuos, discussões pesadas e atmosfera onírica levou não somente a estatueta principal da noite como fotografia, roteiro original e direção. Até achava que pudesse acontecer de, assim como no ano passado, as categorias máximas ficassem divididas, indo o Oscar de filme para um dos que apontei anteriormente, e o de direção para “Birdman”, pois pensava que por mais que se reconhecesse os méritos, a persistência, a projeto de Richard Linklater para “Boyhood”, era impossível ignorar o fantástico trabalho de direção de “Birdman”, que, contínuo, ininterrupto, integrando ambientes, atravessando o tempo, distorcendo a realidade, fez com que o brilhante roteiro, por sinal também premiado, funcionasse de maneira impecável e perfeita. A minha 'barbada' de direção poderia ter sido comprometida pelo fato do diretor ser estrangeiro e para piorar, já no ano passado um conterrâneo do diretor, o também mexicano Alfonso Cuarón, ter vencido na categoria. O fato poderia pesar para que Hollywood., como um todo, não quisesse repetir a dose e premiar novamente um estrangeiro, mas apesar da brincadeira de mau-gosto de Sean Penn na hora da divulgação, que só ajudou a fundamentar a origem da minha desconfiança, a justiça foi feita plenamente e outro 'chicano' saiu com o prêmio dourado nas mãos. Destaque também para o prêmio de fotografia de “Birdman”, que também me surpreendeu, não pela qualidade que julgo inegável, mas pelo anticonvencionalismo, tendo sido o filme rodado praticamente em corredores, camarins, bastidors, o que poderia dar a falsa impressão de pobreza de recursos técnicos.
Mas se o Homem-Pássaro de Iñárritu levou quatro estatuetas, o Hotel não ficou atrás. É verdade que “Birdman” ganhou os prêmios ditos principais, os definidores do que se entende por um bom filme, mas os prêmios estético-técnicos, por assim definir (figurino, direção de arte, maquiagem), e o, justíssimo, de trilha original, garantem a “O Grande Hotel Budapeste”, do bom Wes Anderson, o devido reconhecimento de suas verdadeiras qualidades, que para mim, não vão muito além disso.
Colado com eles, "Whiplash", o drama do baterista instruído por um professor severo, levou três estatuetas, sendo uma delas exatamente para o professor descontrolado, interpretado por J.K. Simmons. Os outros bem conceituados, que disputavam inclusive melhor filme, dividiram igualmente algumas das demais honrarias: "Sniper Americano" de Clint Eastwood, teve que se contentar apenas com o prêmio de Edição de Som; “O Jogo da Imitação” ficou com Roteiro Adaptado; “Selma” ficou com o prêmio de canção original, cuja interpretação, no palco, emocionou a platéia; Patricia Arquette justificou "Boyhood" com seu prêmio de atriz coadjuvante; Julianne Moore finalmente, com muita justiça levou seu primeiro Oscar por “Para Sempre Alice”; e na tradicional simpatia de Hollywood por covers e deficiências físicas, Eddie Redmayne, uniu as duas e levou pra casa o de melhor ator por sua interpretação de Stephen Hawkins, no filme “A Teoria de Tudo”.
De resto, gostei muito da parte técnica e estética do palco, dos telões, dos efeitos e recursos da cerimônia, mas achei mestre de cerimônias, Neil Patrick Harris, um tanto perdido e sem graça. Se no ano passado a reconhecidamente inteligente e talentosa Ellen DeGeneres me decepcionou pela ausência de tiradas interessantes, pela falta de criatividade, tendo que se socorrer num sefie coletivo para salvar a noite, que, é bom que se faça justiça, virou histórico, nosso glorioso apresentador da edição 2015 não conseguiu se salvar nem de cuecas no palco, parodiando a cena de “Birdman”.
Lamentável foi o fato de Scarlett Johansson, que apareceu deslumbrante num vestido verde, não ter levado nenhum prêmio. Sei que vão dizer que ela, afinal de contas, não estava concorrendo a nenhum, em nenhuma categoria e tal e blablablá. Sei, sei disso. Mas algum prêmio ela deveria ganhar. Qualquer coisa. Ela sempre merece.


Confira abaixo, então, todos os vencedores em todas as categorias.

***

Melhor filme
"Birdman"
Riggan (Michael Keaton)
de cuecas na Broadway














Melhor diretor
Alejandro González Iñárritu, "Birdman"


Melhor ator
Eddie Redmayne, "A Teoria de Tudo"


Melhor atriz
Julianne Moore, "Para Sempre Alice"


Melhor ator coadjuvante
J.K. Simmons, "Whiplash - Em Busca da Perfeição"
J.K. Simmons teve sua
grande atuação premiada
por "Whiplash"
















Melhor atriz coadjuvante
Patricia Arquette, "Boyhood - Da Infância à Juventude"


Melhor roteiro original
"Birdman"


Melhor roteiro adaptado
"O Jogo da Imitação"


Melhor animação
"Operação Big Hero"


Melhor filme estrangeiro
"Ida", da Polônia


Melhor documentário
"Citizenfour"


Melhor edição
"Whiplash - Em Busca da Perfeição"


Melhor fotografia
"Birdman"


Melhor direção de arte
"O Grande Hotel Budapeste"
O filme de Wes Anderson 
levou com justiça o prêmio de
direção de arte













Melhores efeitos visuais
"Interestelar"


Melhor edição de som
"Sniper Americano"


Melhor mixagem de som
"Whiplash - Em Busca da Perfeição"


Melhor figurino
"O Grande Hotel Budapeste"


Melhor cabelo e maquiagem
"O Grande Hotel Budapeste"


Melhor trilha sonora original
"O Grande Hotel Budapeste"


Melhor canção original
"Glory", do filme "Selma"


Melhor curta-metragem
"The Phone Call"


Melhor curta-metragem de animação
"O Banquete"


Melhor curta-metragem de documentário
"Crisis Hotline: Veterans Press 1"



Cly Reis

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

“Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese (2023)


INDICADO A
MELHOR FILME
MELHOR DIREÇÃO
MELHOR ATRIZ
MELHOR ATOR COADJUNVANTE
MELHOR TRILHA SONORA
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
MELHOR MONTAGEM
MELHOR FOTOGRAFIA
MELHOR FIGURINO
 

Assisto Martin Scorsese no cinema há mais de 30 anos. Desde o célebre “Os Bons Companheiros”, em 1990, até hoje, acompanho a filmografia do cineasta nova-iorquino a cada lançamento, tendo perdido assim, na tela grande, talvez apenas uns dois nesse período. Vi desde produções menos empolgantes, como “Vivendo no Limite” e “O Irlandês” até obras-primas como “Os Bons...”, “Cabo do Medo” e “O Lobo de Wall Street”. Agora, em 2023, posso afirmar que presenciei mais uma de suas grandes realizações: “Assassinos da Lua das Flores”. Estrelado pelos dois atores favoritos do diretor, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, reúne pela primeira vez, por incrível que pareça, ambos em um filme sob suas lentes, celebrando o encontro de duas gerações de atores/parceiros da longa carreira.

O filme se passa no ano de 1920, na região norte-americana de Oklahoma, rica em petróleo, onde misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage. A série de ocorridos violentos desencadeia uma grande investigação envolvendo o recém-criado FBI, que passa a investigar um esquema maquinado pelo ganancioso pecuarista William Hale (De Niro), que convence seu sobrinho Ernest Burkhart (Di Caprio) a se casar com Mollie Kile (Lily Gladstone) para tirar-lhe as preciosas terras.

Llly no papel da rica indígena Mollie:
atuação que comanda o filme
O entrosamento do diretor de “Taxi Driver” com a dupla de atores é evidente, e isso é uma das forças do filme, tendo trabalhado com De Niro por 9 ocasiões e com DiCaprio, 6, totalizando 15, quase 60% de toda a filmografia do cineasta. “Assassinos...” é conduzido pelo talento da dupla, porém, assim como já ocorreu com Sharon Stone e Margot Robbie, outra atriz tem um papel primordial na trama, formando com eles um tripé narrativo, que dá especial ação à história: Lily Gladstone, no papel de Mollie. Ela divide as atenções da câmera, não raro atraindo-a para si e, mais que isso, ditando o aspecto emocional da história. Além de bonita, Lily é daquelas figuras, que, sob o olhar de Scorsese, tem o poder de dominar a cena quando filmada, principalmente pela força de sua expressividade e olhar, misto de encantamento, força e fragilidade. Quão simbólica é a sua personagem, uma vez que evoca a importância dos povos originários formadores das Américas tão dizimados pela cultura branca europeia.

Para além das boas atuações (que se estende a todo o elenco), “Assassinos...” é tecnicamente perfeito, como é característico do perfeccionista Scorsese. A Direção de Arte, a cargo de Jordan Crockett, em especial, juntamente com a fotografia, a maquiagem e os figurinos, são impecáveis, creio que dignas de indicação ao Oscar para 2024. A trilha sonora, do amigo e ídolo Robbie Robertson, ex-líder da The Band (a qual Scorsese filmara em 1978 no doc “The Great Waltz”) falecido em agosto, é econômica, mas totalmente assertiva, misturando os sons folk do interior norte-americano, desde o blues de raiz e os spirituals de trabalho a temas indígenas típicos. Na edição, mais uma vez a parceira Thelma Schoonmaker, fazendo chover e contribuindo para que um filme de extensas 3 horas e 26 minutos de rolo não perdesse o ritmo.

A multipremiada dupla De Niro/DiCaprio: ao todo,
15 filmes com Scorsese

Aliás, embora a montagem contribua para a coesão da obra, é indiscutível que o resultado final (seja acertado ou não) se deve em última análise ao diretor. E aí entra Scorsese e sua maestria. Com o aval da indústria cinematográfica para fazer produções no formato que quiser, seja longa, curta, documentário, série ou especial, ele não abre mão de estender-se para contar a história a que se propõe. E o faz isso sem provocar sequer uma “barriga” em todo o decorrer da fita! Atuações, música, arte, edição, foto, tudo contribuiu. Mas nada disso funcionaria não fosse a mão habilidosa do cara que já experimentou diversas formas de fazer filme, mas que busca, mesmo passados dos 80 anos de vida, surpreender o espectador. Contumaz crítico da “tecnologização” exacerbada de Hollywood e suas intermináveis e interdependentes franquias Marvel, Scorsese – embora não desconsidere o uso de efeitos especiais, a se ver por “A Invenção de Hugo Cabret”, de 2011 – vale-se da gramática do cinema para extrair nuances narrativas e técnicas que produzam impacto ao espectador. Isso, sim, é inovação. O uso de imagens de arquivo em P&B antigas com imagens de arquivo ”fake”, por exemplo, embora não novos, é um recurso que funciona muito bem em “Assassinos...”, cabendo-lhe perfeitamente à narrativa.

Foto dos verdadeiros Osage usadas
de forma documental no film
e
O roteiro, contudo, é responsável por tamanho sucesso. Escrito pelo próprio Scorsese em conjunto com o premiado Eric Roth (Oscar de Roteiro por “Forrest Gump”, em 1994), a história se baseia no best-seller homônimo do escritor David Grann, o roteiro prevê todos os diversos pontos de flexão e inflexão, estabelecendo o ritmo de uma história complexa e rica em detalhes e delineamentos. A própria escolha do tema, aliás, faz parte de um entendimento maior e, em certo aspecto, “alternativo” de Scorsese como cidadão norte-americano. Assim como outro talentoso cineasta contemporâneo seu, Clint Eastwood, Scorsese ama seu país, mas nem por isso (e até por isso) deixa de evidenciar as barbaridades que constituíram sua sociedade. A mesma abordagem crítica de obras como “Cabo do Medo” e “Taxi Driver” se refletem na sua visão revisionista em filmes históricos, casos de “Gangues de Nova York” e “A Época da Inocência”. É preciso trazer a luz a podridão do passado para que os novos tempos corrijam os rumos.

A este aspecto o roteiro também traz méritos no que se refere à construção psicológica das personagens. A obra original favorece, mas dar corpo a personagens tão complexos no audiovisual ganha uma dificuldade diferente, visto que diversas nuances que a escrita absorve, a tela exige que se escancare. A personalidade contraditória de Ernest, por exemplo, ora um marido dedicado, ora um ganancioso induzido pelo tio, é facilmente indutora a erros, por mais talento que Di Caprio tenha. 

Misturando drama histórico com faroeste, policial e filme de tribunal, Scorsese consegue forjar um filme rico em referências e qualidades diversas, que o colocam entre os melhores de sua longa filmografia. Se serão justos com o velho Scorsese ao indicá-lo ao Oscar, bem como DiCaprio como ator, Lily para atriz e DeNiro em coadjuvante, ainda é cedo para prever. É comum a Academia fazer “vistas grossas” a grandes realizadores como ele, Steven Spielberg, Spike Lee ou Brian De Palma como que fazendo de conta que eles sejam “premiáveis” por si só - erro que a leva, não raro, a ter que dar apressadamente um prêmio logo após cometerem uma descarada injustiça. Nestes vários anos que acompanho Scorsese seja na tela grande ou na televisão, ele ganhou apenas uma vez o Oscar de Direção pelo não mais que competente “Os Infiltrados”, em 2006, por terem-no esnobado pela superprodução “Gangues...” quatro anos antes. Porém, até o começo de 2024, quando começam a pipocar as previsões dos favoritos à estatueta, ainda tem bastante coisa para rolar e a indústria do cinema é muito programada para este período. Mas que seria justo, seria.

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trailer de "Assassinos da Lua das Flores"




Daniel Rodrigues

terça-feira, 26 de abril de 2016

15 filmes essenciais de prisão



Assim como os de gângster ou que retratam a Segunda Guerra Mundial, os filmes de prisão são bastante atrativos. Até mesmo os mais puramente aventurescos, como “Condenação Brutal”, com Sylvester Stallone, ou “A Rocha”, com Sean Connery, se estiverem passando na TV te puxam para que se assista pelo menos um pouco ou mesmo daquele ponto até o final. De fato, os filmes sobre sistema prisional guardam uma magia especial. Talvez porque, assim como os de gângster ou Segunda Guerra, muitas vezes se baseiem em fatos reais. Quando não, são tão passíveis de verdade quanto um verídico, haja vista a identificação que seus personagens geram junto ao espectador ou mesmo pelas barbaridades que geralmente denunciam, sejam ficção ou não. Não raro estão em jogo os mais basais direitos humanos.

Desta forma, busquei listar 15 títulos bem abrangentes e interessantes sobre o tema. De produções europeias a asiáticas, passando pelos cinemas brasileiro (bem representado), argentino e, claro, norte-americano, que domina largamente neste quesito. Desde clássicos do passado até os dias de hoje, os Estados Unidos são imbatíveis em filmes de prisão. Valeu entrarem filmes não apenas de penitenciária – embora sejam a maioria – mas também de cadeias comuns e de prisioneiros de guerra. De presos políticos, como nos essenciais “A Confissão” (Costa-Gavras) ou “Pra Frente, Brasil” (Roberto Farias), ficaram para uma outra seleção. Como valeu apenas longas-metragens, merece menção honrosa “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, curta-metragem de Jorge Furtado e José Pedro Goulart, uma obra-prima que, inclusive, completa 30 anos de seu lançamento em 2015.

Sem ordem de preferência, a condição foi a de que a história se passe, se não inteiramente, pelo menos a maior parte do tempo dentro das celas, sendo-lhes um elemento narrativo preponderante. Assim, ficaram de fora ótimos exemplares como “Dançando no Escuro”, de von Trier, “O Último Imperador”, de Bertolucci, ou “Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratton, que têm, sim, sequências em prisões, mas relatam muito mais do que isso em suas tramas. No nosso caso, não basta: tem que estar encarcerado mesmo, atrás das grades, em cana, no xadrez, detido, vendo o sol nascer quadrado. Então, “teje preso” a esses 15 títulos essenciais sobre prisão:


- “O Homem de Alcatraz”, de John Frankenheimer (“Birdman of Alcatraz” - EUA, 1962)
Com a mão do craque John Frankenheimer, diretor que nunca se omitiu de mostrar mazelas do sistema norte-americano e nem de aprofundar aspectos psicológicos muitas vezes relegados à superficialidade, este filme traz a realidade de uma penitenciária típica dos Estados Unidos a partir de um conflito entre o pragmatismo e o humanismo. Um prisioneiro (Robert Stroud, por Burt Lancaster) condenado pelo assassinato de dois homens passa a vida na cadeia. Lá se torna um autodidata sobre pássaros, sendo reconhecido mundialmente como uma grande autoridade no assunto. Mas, apesar de demonstrar regeneração e um intelecto superior, o Estado se recusa a libertá-lo.






- “O Processo de Joana D’arc”, de Robert Bresson (“Procès de Jeanne D´Arc” - FRA, 1962)
 A austeridade e sobriedade de Robert Bresson emprestam ao filme uma narrativa absolutamente austera, desde o uso de atores não-profissionais até o centramento exclusivo aos documentos oficiais sobre o caso, passado no século XV. Para muitos o grande filme do diretor, “O Processo...” mostra outro tipo de prisão, a religiosa, uma vez que a iluminada Joana era considerada bruxa pelas visões e percepções espirituais que tinha naturalmente. Com rigor, Reconstituiu a prisão, o julgamento e a execução da mártir.






- “Fugindo do Inferno”, de John Sturges (“The Great Escape” - EUA, 1963)
Clássico filme de prisão de guerra à época da Segunda Guerra e baseado em fatos reais. Aliados tentam fugir de um campo de concentração alemão, o Stalag Luft III, considerado como o mais seguro do gênero. Elenco impagável com Steve McQueen, James Garner, Richard Attenborough, Charles Bronson, James Coburn, entre outros feras. Globo de Ouro de Melhor Filme de Drama.









- “Rebeldia Indomável”, de Stuart Rosemberg (“Cool Hand Luke” - EUA, 1967)
Filme impactante e com a excelente atuação de Paul Newman, que faz o rebelde e inconsequente Luke Jackson. Preso, ele recusa-se a obedecer as regras do local e ganha o respeito dos demais presidiários por sua valentia e malandragem. Insiste em fugir, mas a cada nova recaptura as punições são mais severas, aumentando constantemente o ódio entre ele e os guardas. Indicado ao Oscar, Newman não levou este, que foi para o ator coadjuvante, George Kennedy. Porém, em 2003, seu personagem Luke foi escolhido pelo American Film Institute (AFI) como o trigésimo maior herói dos filmes norte-americanos.







Dustin Hoffman e Steve McQueen
em "Pappilon"
- “Papillon”, de Franklin Schaeffner (EUA, 1973)
Obra-prima ainda pouco valorizada, esta superprodução é dos filmes mais realistas e impactantes do gênero. Conta a história verídica de Henri Charrière (Steve McQueen, novamente encarcerado), conhecido como Papillon, que, apesar de reclamar inocência da acusação de assassinato, é condenado à prisão perpétua e enviado para cumprir a sentença na Guiana Francesa, na Ilha do Diabo, num presídio de segurança máxima. A direção de Schaeffner não deixa nada às escuras: as torturas, a fome, as punições, a desumanidade do presídio, está tudo ali. McQueen, impecável, assim como Dustin Hoffman (o amigo francês Dega). Incrivelmente, recebeu apenas indicações no Oscar e Globo de Ouro, mas não levou nada. Das injustiças históricas.




- “O Expresso da Meia-Noite”, de Alan Parker (“Midnight Express” - ING, 1978)
Dos mais impactantes e dramáticos filmes do gênero, passa-se, ao contrário das jaulas superequipadas dos Estados Unidos, numa insalubre e insana prisão da Turquia. O saudoso Brad Davis interpreta magistralmente Billy Hayes, um estudante norte-americano que é pego traficando drogas num aeroporto de Istambul. Não só vai parar numa prisão degradante, onde é torturado física e psicologicamente, como ainda recebe como exemplo uma pena mais rigorosa que o normal. Parker, em ótima fase, leva o espectador a entrar num mundo de introspecção e loucura, dando um sentido metafórico e simbólico ao título. Oscar de Melhor roteiro adaptado, de Oliver Stone, e de Melhor Trilha Sonora, com os marcantes temas synth-pop de Giorgio Moroder.




- “Alcatraz – Fuga Impossível”, de Don Siegel (“Escape from Alcatraz” - EUA, 1979)
Para muitos, o maior filme de penitenciária já realizado, o que não é nenhum absurdo. Ápice da parceria entre Siegel e Clint Eastwood, que interpreta Frank Morris, um condenado que tem várias tentativas de fugas em seu histórico e é enviado para a prisão de segurança máxima da Ilha de Alcatraz, conhecida por não deixar nenhum preso fugir ou sair vivo numa escapada. Porém, obstinado e calculista, Frank vê os pontos vulneráveis de Alcatraz e, com a ajuda de alguns outros internos, cria uma rota de fuga perigosa e improvável. Não tem como não torcer pelo bandido!




- “Furyo – Em Nome da Honra”, de Nagisa Oshima (“Merry Christmas, Mr. Lawrence” - JAP/ING/NZL, 1983)
Raro filme do sempre profundo Oshima, que reúne dois gênios da música como atores: David Bowie (em sua melhor atuação no cinema) e Ryuichi Sakamoto, que assina também a ótima trilha. Na Segunda Guerra, num campo de concentração na Ilha de Java, o prisioneiro inglês Jack Celliers (Bowie) provoca um conflito quando decide não obedecer às rígidas regras do capitão Yonoi (Sakamoto), insolência repudiada com violência. Porém, o oficial inglês se mantém irredutível, o que enfurece ainda mais o capitão. Interessante reflexão sobre orgulho, honra e os limites humanos tanto físicos quanto psicológicos.






Sônia Braga nos lances oníricos
do filme.
- “O Beijo da Mulher Aranha”, de Hector Babenco (BRA/EUA, 1984)
Um dos cineastas mais talentosos vivos, Babenco está nesta lista com dois filmes. Um deles é este até então raro acerto de coprodução brasileira com os EUA, uma vez que, quando se fazia, prevalecia o poderio yankee. Com equilíbrio, Babenco consegue fazer com que Milton Gonçalves e José Lewgoy ficassem no mesmo nível de William Hurt (Oscar de Melhor Ator pela atuação) e Raul Julia, sem falar, claro, na participação mais que especial de Sônia Braga. As sequências em que Hurt e Julia contracenam na cela são históricas em diálogos e afinação entre atores, pois, além de talentosos, nota-se que estão muito bem dirigidos.




- “Memórias do Cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos (BRA, 1984)
Prêmio da crítica em Cannes e Melhor Filme em Moscou (quando o evento ainda era importante), este épico do cinema brasileiro é uma aula de construção narrativa, a qual dialoga metalinguisticamente o tempo todo com a obra de memórias escrita por Graciliano Ramos, quando este fora preso na vida real pelo governo Getúlio Vargas. Ainda, atuações impecáveis de Carlos Vereda, José Dumont, Tonico Pereira, os saudosos Jofre Soares e Wilson Grey e da jovem Glória Pires. Cenas memoráveis, como a “transmissão” da Rádio Libertadora dentro do quartel, o momento da deportação de Olga Benário e a ajuda dos presos a esconderem os escritos do  suposto livro, entre outras várias. 





- “Barrela: Escola de Crimes”, de Marco Antonio Cury (BRA, 1990)
Daqueles filmes que tem tudo para ser monótono, mas o roteiro, as atuações e a direção são tão bons que formam uma obra coesa. O texto teatral de Plínio Marcos se encaixa com densidade à adaptação cinematográfica, sustentada no jogo certo de distribuição das falas de cada personagem (todos MUITO nem construídos) e nas atuações intensas de cada um dos atores. São seis presos condenados a longas penas e confinados numa cela onde cada qual disputa seu espaço. A situação se torna mais angustiante quando junta-se a eles um jovem de classe média preso durante briga. Frustração, tristeza, humilhação, autoproteção. Plínio Marcos tece tudo isso numa teia em que coabitam o amor mais profundo e inalcançável ao abandono concreto e degradante.






- “Um Sonho de Liberdade”, de Frank Darabont (“The Shawshank Redemption” - EUA, 1994)
Junto com “Alcatraz”, disputa o posto de grande filme de prisão da história. Emocionante, toca em temas fortes como morte, amizade, religião, injustiça e desejos essenciais do ser humano. Em 1946, Andy Dufresne (Tim Robbins), um bem sucedido banqueiro, tem a sua vida radicalmente modificada ao ser condenado por um crime que nunca cometeu, o homicídio de sua esposa e do amante dela. É mandado para a Penitenciária Estadual de Shawshank, para cumprir pena perpétua. Lá, conhece muita gente, desde o corrupto e cruel agente penitenciário, o prisioneiro Ellis Boyd Redding (Morgan Freeman), com que faz amizade, e até Al Capone, que cumpria sua pena lá depois de ser pego por Elliot Ness. Figura na lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos pelo AFI.



- “Carandiru”, de Hector Babenco (BRA, 2003)
Outro de Babenco, este ainda mais imerso na questão prisional. Ao contrário de “O Beijo...”, entretanto, faz o movimento narrativo inverso: parte do ambiente social para o da prisão, estabelecendo uma permanente comotivação entre os dois espaços – física e psicologicamente. De narrativa moderna, faz com estes paralelismos um dos melhores filmes nacionais da primeira década dos anos 2000, estabelecendo diversos atores que se tornariam astros nos anos seguintes, como Rodrigo Santoro, Lázaro Ramos, Wagner Moura e Caio Blat. A história, baseada no best seller do médico e escritor Dráuzio Varella, culmina no fatídico Massacre de 1992. Filmaço.






Os próprios presos constroem a
narrativa no documentário.
- “O Prisioneiro da Grade de Ferro”, de Paulo Sacramento (BRA, 2003)
Brilhante documentário de Sacramento em que ele coloca os próprios presos a construir com ele o filme, numa cocriação que reforça o realismo documental da proposta. Utilizando as técnicas aprendidas em um curso de filmagem ministrado dentro do presídio, os detentos encarcerados no maior centro de detenção da América Latina, o Carandiru, documentam seu cotidiano, registrando as condições precárias nas quais sobrevivem. Filmado 10 anos após o Massacre do Carandiru, que custou a vida de mais de uma centena de detentos, mostra o quanto uma tragédia como esta promovida pelo Estado não se apaga com facilidade, haja vista as marcas inapagáveis nas pessoas e na sociedade.



- “Leonera”, de Pablo Trapero (ARG – 2008)
Do grande cineasta argentino Pablo Trapero, um dos maiores da atualidade, tem a peculiaridade de contar a vida dentro de uma penitenciária feminina, no caso uma para mães e grávidas sentenciadas. No caso de Julia (a bela e talentosa Martina Gusman), acusada de um crime sem provas, o filme mostra sua adaptação à nova realidade social, o que a transforma intimamente. Porém, seu desejo de fugir dali nunca esmorece, e é isso que a move. Não é o melhor de Trapero, mas guarda várias qualidades de seu cinema.