“Não foi difícil projetar para Niterói, porque esta é uma cidade de orla tão bela que possibilita a criação a céu aberto, como um itinerário cultural e religioso.”
Oscar Niemeyer
Já havia ido duas vezes a Niterói por conta, obviamente, do Museu de Arte Contemporânea, o MAC, aquele monumento que a cidade carioca abriga. Entretanto, sempre tivemos curiosidade de conhecer também o Caminho Niemeyer, altamente recomendado por concentrar o segundo maior conjunto arquitetônico assinado por esse genial brasileiro depois de Brasília, e também por estes serem alguns de seus últimos projetos construídos. Aliás, Oscar Niemeyer nos é um dos fatores turísticos mais instigantes sempre que viajamos, e isso em várias partes do mundo. Embora conheçamos pessoalmente apenas algumas delas e apenas brasileiras, todo local que conte com construções suas, seja São Paulo, Belo Horizonte, Tel Aviv, Paris, Milão ou Nova York, são, se não pelo óbvio, destinos turísticos interessantes também por conterem obras do arquiteto em suas paisagens.
Pois é a paisagem litorânea de Niterói, beirada à Baía de Guanabara e a qual se contempla a cidade do Rio de Janeiro ao fundo, que faz cenário para o Caminho Niemeyer, que finalmente visitamos Leocádia, Carolina e Iara em nossa estada no Rio em dezembro. Ao todo, ali na Praça Popular de Niterói, são 3 prédios – sem contar com o administrativo, simples mas bonito: a Fundação Oscar Niemeyer, o Memorial Roberto Silveira e o Teatro Popular de Niterói. Mas ao longo da orla da cidade há também outros edifícios espalhados: o Terminal de Barcas de Charitas, o Centro Petrobras de Cinema e a Praça JK. Da catedral da cidade, que deve ser erguida, vimos o lindo projeto: um alto prédio que remete a um galero religioso.
O exuberante teatro com formar que lembram o corpo feminino
Embora não tenhamos conseguido entrar em nenhum deles, visto que fomos num horário da manhã que não havia nenhum funcionamento, admirar os prédios e integrar-se com eles já vale a visita à Praça. O Teatro Popular é um desbunde. Com traços artísticos que lembram o curvilíneo corpo feminino, dialoga com outras de suas últimas obras, como o Museu Oscar Niemeyer (MON), de Curitiba. É o prédio que mais interage com a natureza da Baía entre todos dali, até pela proximidade com o mar. Isso se percebe tanto no foyer inferior, com pilotis espaçados que lhe conferem profundidade e amplitude, quanto no andar de cima, entre o mural com a marcha do MST e a entrada para o teatro. O desenho da bailarina, o mesmo do MON, está lá em impressão feita sobre os ladrilhos. Por falar no traço de Niemeyer, o espetacular mural, propositadamente incompleto, traz a ideia das transformações sociais ainda em curso em que o povo virá a protagonizar na ideia sonhadora do comunista Niemeyer. O Teatro traz ainda os vidros escuros que abrem “olhos” na arquitetura, mesmo material usado nos outros prédios, dando unidade ao complexo.
O Memorial Roberto Silveira lembra bastante a Oca do Ibirapuera, em São Paulo, e o Museu Nacional da República Honestino Guimarães, de Brasília, mas num formato menor, como uma pequena nave espacial branca ali assentada. Já o da Fundação Oscar Niemeyer – cujo conteúdo original fora transferido para a sede da mesma em Brasília, estando atualmente funcionando uma sessão administrativa da prefeitura de Niterói – foi possível subir a rampa curva e admirar o olho d'água logo abaixo, que dialoga com a Baía de Guanabara (assim como, mais adiante mas dentro do mesmo complexo de obras, o MAC o faz novamente, porém espelhando do alto do morro a água do mar).
Não deu pra tirar mais fotos, que o sol começou a ficar castigante a certa altura, mas esses registros aqui dão noção do quão deslumbrante é.
Espaço amplo do foyer com vista para a cidade do Rio
Leocádia integrando-se à arquitetura do Teatro do Povo
Eu em frente ao belíssimo painel desenhado por Niemeyer em homenagem à luta no campo
Caminhando em direção à Oca
Na entrada do Memorial Roberto Silveira
Mais um detalhe do fabuloso Teatro, as bailarinas, as mesmas vistas no MON, em Curitiba
Na rampa de acesso ao prédio da Fundação Niemeyer
texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa, Carolina Costa e Daniel Rodrigues
Como já falei aqui no blog – e acho que sempre vou falar quando lá estiver –, ir ao Museu de Arte Contemporânea de Niterói, o MAC, é por si um passeio e um exercício artístico, independentemente do que estiver em exposição. Aquele desenho de Oscar Niemeyer, que respeita e se integra com o redor, com a natureza exuberante do Mirante da Boa Viagem com mar, morros, verde, declives e aclives, faz com que o visitante também se integre àquela arquitetura. Niemeyer, através da beleza reveladora de sua arte, faz-nos revelar tal integralidade enquanto seres pertencentes a esta natureza.
Impressionante pela técnica e efeito a obra de Del Santo
Dito isso, volto as atenções à exposição em destaque, que está no local até 2 de abril: "Vontade de Mundo". A mostra algumas guarda parecenças com outra que vimos em nossa estada no Rio de Janeiro em dezembro, “A Cor do Brasil”, no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), pois ambas têm como base o acervo do colecionador João Sattamini. Isso faz com que alguns artistas, como Mira Schendel, Iberê Camargo e Aluísio Carvão, por exemplo, apareçam nas duas. Porém, o conceito, este sim, é totalmente próprio em cada uma delas. Nesta do MAC, consideravelmente menor que a outra, mesmo que exposta no salão principal, são 30 obras selecionadas, cerca de 90% menos do que a do MAR, que traz mais de 300! Afora o fator quantidade, "Vontade...” traz como tema não a cor como mote, mas um (questionável) sentido de unidade por meio de incontáveis mundos possíveis em cada obra de arte. O objetivo deste recorte é provocar cada visitante a tecer relações entre as obras entendidas como um mundo em si aberto ao tempo. Essa leitura é de certa forma facilitada na segmentação dada: Mundos sem Nome, Invisível, Casa, Amor e Comunidade. Segmentação esta, todavia, um tanto resvalante.
O sempre minimalista e surpreendente Antonio Dias
Mira, a quem já me referi, como sempre impressiona com sua acrílica sobre tela de 1985, assim como um dos meus queridos da arte moderna brasileira, Antonio Dias com o invariavelmente interessante “Projeto para One & Three”, de 1974, uma acrílica e fita crepe sobre papel sobre madeira. “Linear cubo”, de Dionísio Del Santo, de 1976, também impressiona tanto pela técnica (óleo e fios de algodão sobre tela colada em aglomerado) quanto pelo efeito estético e de tridimensionalidade obtido. Ainda, merece destaque a escultura em bambu pintado a óleo de Ione Saldanha – cujas peças da mesma série se encontram na exposição do MAR, Quem também está no MAR e no MAC é o gaúcho Iberê Camargo com seu não-figurativo carregado. Nesta, não poderia ter caído em outra classificação que não a de Mundos sem Nome.
Quadro de Hermelindo Fiaminghi na série Mundos sem Nome
Se o conceito de “Vontade...” é um tanto aberto, numa forma quase preguiçosa de aproveitar esse o acervo de Sattamini, as obras que a compõem são de inegável qualidade. Se me perguntarem se vale a pena ir ao MAC para conferir a exposição, diria de pronto que “sim”. Afinal, mesmo que não se goste, tem o próprio MAC para se apreciar.
Enlameada, obra de Iberê, sempre expressivo
Mais uma vez, o mínimo dizendo muito
Arte indígeno-moderna de Ione Saldanha no bambu pintado a óleo
Simples e brilhante quadro a esmalte de Ione Saldanha
Instalação de Jorge Duarte toda em metal
Um dos quadros da série que tematiza o Amor
*********************** “Vontade de Mundo” da Coleção MAC Niterói – João Sattamini local: Museu de Arte Contemporânea de Niterói - MAC período: até 2 de abril de terça a domingo, das 10h às 19h Ingresso: R$ 10 Entrada gratuita às quartas-feiras Curadoria: Luiz Guilherme Vergara
Fui fazer o tradicional passeio marítimo pela Baía de Guanabara, aqui no Rio, no lendário rebocador Laurindo Pitta, embarcação da Marinha brasileira utilizada na Primeira Guerra Mundial. Apesar do sol tímido, do dia nublado, foi possível fazer alguns registros fotográficos e registrar algumas imagens bonitas e interessantes do passeio.
O rebocador Laurindo Pitta
Na proa
Vista da Glória
O Aterro do Flamengo
O Pão de Açúcar parecendo um vulcão
Velas
Duas fortificações que limitam o ponto mais esteito da Baía
“Nessa madrugada, Alice Caymmi me
deu um toque em seu Facebook: o novo disco do Tono, intitulado ‘Aquário’,
finalmente entrou no ar para audição no Soundcloud. Pronto. Era tudo que eu
precisava para... não dormir. Que coisa linda, que disco maravilhoso.”
DJ Zé
Pedro
As coisas até que não andam tão mal em termos de música brasileira
ultimamente. Se noutros segmentos o Brasil insiste no atraso, na música uma
galera nova, cheia de referências e de cabeça aberta, vem surpreendendo positivamente
esse que vos fala. Primeiro, a descoberta de Lucas Arruda, que já relatei recentemente
num urgente ÁLBUM FUNDAMENTAL, jovem da soul-samba
dono de uma criatividade e técnica diferenciadas. Agora, recomendado por minha
antenada amiga Luciana Danielli, de Niterói (RJ), conheci a Tono. E que bela surpresa!
A banda é do filho de Gilberto Gil, Bem Gil, violonista/guitarrista de
mão cheia – e, ao que se nota, ótimo compositor também a exemplo do pai –,
conta ainda com a doce voz de Ana Claudia Lomelino, o baixista Bruno Di Lullo – que já
tocou com Gal Costa –, e Rafael Rocha na bateria e programação
eletrônica. Com forte inspiração na turma Maravilha 8 (Moreno Veloso, Berna
Ceppas, Kassim, Domenico, Daniel Carvalho, Pedro Sá e agregados), que vem ditando
a MPB desde o final dos anos 90, a Tono, no entanto, não apenas repete uma
fórmula. Aliás, até repete, mas a faz com personalidade e uma elegância ímpares.
Se for comparar a sonoridade da Tono a um look
de vestuário de moda, caberia muito bem dizer que eles são um “chic despojado”.
No seu terceiro disco da carreira (lançaram “Auge”, em 2009, e “Tono”,
em 2010), “Aquário”, de 2013, a
rapaziada apresenta uma sonoridade que mistura Tropicalismo, Clube da Esquna,
jazz e eletrônica a uma serena psicodelia rock, quase hippie. Alternativo, indie,
experimental, pós-rock: várias acepções podem ser dadas a eles que já foram
classificados de “charme desarrumado” e até de “Indefinível”.
Belíssima, “Murmúrios” abre o disco numa bossa-dub com ares jazzísticos (um tanto Incognito e Stereolab), numa
revisita à atmosfera melancólica de “Gestos”, de Amado Maita (do “gesto” ao
“murmúrio”). A voz de Ana Cláudia é despretensiosa, leve, porém não desnutrida
como a de uma Mallu Magalhães. Sem rebuscamentos, embora afinada e precisa. Os
sons eletrônicos, bem retrô, se mantém o tempo todo junto aos instrumentos
acústicos, interagindo-se, mesclando-se.
As letras, igualmente, bastante bonitas: “Como Vês” (“Como vês o amor vai desbotar/ As cores nas
fotos que ele tocar...”), “Tu Cá, Tu Lá” (“Nem sempre é possível/ Perceber o infinito/ Como algo em que se/
Possa tocar/ Mas talvez acessível/ Seja a busca do profundo/ Precipício
imprevisível que há...”) e “A Cada Segundo” (“A Cada Segundo no mundo/
Dorme-se um sono profundo...”) são exemplos.
Destaque para a versão de “Chora Coração”, de Tom e Vinicius, num
arranjo cadenciado, quebrado e dissonante; a citada “Como vês”, música de
Domenico e Di
Lullo já muito bem gravada por Alice Caymmi e que aqui ganha um arranjo
espacial e delicado, lembrando coisas de Rita Lee nos Mutantes ou o
experimentalismo da obscura banda norte-americana The United States of America;
“Do Futuro”, em que Ana Cláudia encarna uma moderna Nara Leão para entoar um
samba-marcha hi-tech; e “Da
Bahia”, em que o violão encantado do mestre Gil presenteia o grupo com seu
toque, além do backing vocal e da
própria melodia, de sua autoria, que carrega a assinatura do velho
tropicalista.
É muito gostosa a sensação de ouvir a Tono. Parece que se está dentro
d’água, no ritmo das ondas aquáticas e sonoras. Tudo muito audível, bem tocado,
bem equalizado. A produção do craque
Arto Lindsay, há mais de três décadas conectado com a modernidade estética da
MPB, amarra tudo num som pequeno e inteiro. Em termos musicais, lembra, de fato,
a sina aberta pelo Tropicalismo desde Mautner, mas ainda mais fortemente a
sonoridade do revolucionário "Recanto", de Gal (2012), o qual, por sinal, já se
nutria de elementos explorados por Moreno/Kassim/Domenico desde “Máquina de
Escrever Música”, de 2000 (vide a faixa “Assim”, que as semelhanças ficam bem
evidentes). Um aquário de peixes bem alimentados e em evidente fase de
crescimento.
Nosso
primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos
da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães.
Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo
de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em
sua page diversos textos sobre várias
fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e
sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos,
assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que
depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por
cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No
Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes
paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema
independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele
que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de
intensidade e paixão real pelo cinema.
BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir
de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele
que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ
EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”,
1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele
essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia
a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu
vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do
diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema,
ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de
Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu
espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu
que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o
meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em
Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da
sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e
20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas
totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200
vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”,
1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”,
1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre
descubro coisas novas.
B: O primeiro filme que a gente assiste no
cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo
até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema
foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho”
(“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me
deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos
arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo
lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as
canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui
criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um
relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva,
afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha
cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o
filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da
Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.
B: Sobre tuas preferências no cinema em geral,
quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há
muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a
minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente,
o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético
Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo
Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um
pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema
Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo
tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no
compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo.
Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant
Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o
cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas
vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de
convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo
Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em
tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia
europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento
de auge, a desesperança e o fatalismo.
O
Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na
destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob
a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real,
vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito
à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas
sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em
cena.
Já o
Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e
dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda,
não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso
gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena.
Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não
havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa
ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a
psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É
como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de
expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas
tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle
Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer
dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a
juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava
principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia
autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era
possível, o glamour pouco importava.
Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda
hoje preserva em seus ensaios fílmicos.
cena de "Acossado" de Jean-luc Godard
O Free
Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era
menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência.
Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil,
o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar
o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas
industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber,
maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de
filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço
tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à
mesmice de agora.
B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse
gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema
mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam
o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser
caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente
falando. O cowboy ou seus similares
estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e
vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há
precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas
estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso
encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais
tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses,
principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o
Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no
personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o
desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros
de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália,
país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras
formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo.
No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas
estruturas narrativas também herdadas dos westerns,
principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à
menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única,
ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou
de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas
determinações e vontades.
B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme
que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70,
também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo
esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança
Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem
recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de
produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos
tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há
primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e
telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato
de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um
passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os
custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir
o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena,
pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se
tratando de Estados Unidos, é o western.
Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida
que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais
cosmopolitas, o western foi se
tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a
realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.
B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western,
cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente,
em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada
qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem
abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser
sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches.
O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os
Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a
ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais
jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais
barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa
própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou
dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim
desponta como limitações.
B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10
grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse
negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos
lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No
tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)
2 - Paixão
dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio
Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O
preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos
também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros
de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"
7 -
Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde
começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O
homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford
(1962)
10 - Meu
ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa,
apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero
essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.
B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando
Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos
diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos
antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção
nestes últimos anos?
JE: Esse
tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de
renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado,
que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem
disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas,
formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que
todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as
exceções —se incorporando ao mainstream,
ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters,
com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”.
Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e
amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes
esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente.
O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado,
esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem
está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche,
XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro
Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais
alguém.
B: E sobre as produções Brasileiras e
Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom...
O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na
fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente,
com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias
mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em
mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos
políticos não ajudaram.
Já vi
muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos
anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que
fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O
cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema
Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco
conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina,
que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que
estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não
podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio
Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as
dificuldades.
B: O que tu achas do cinema como ferramenta de
inclusão social?
As
contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que
não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com
temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral,
principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa
ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a
tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco
dessa fase, em meus dias de cineclubismo.
B: Para finalizar, se você se definisse como
pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não
sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo
Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso.
Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores.
Se tivesse que ser um cowboy,
encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem
difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.
Mais
do que qualquer exposição ou parque (e olha que lá têm muitos),
certamente o que mais me impactou em Curitiba foi o Museu Oscar
Niemeyer, o MON. É fantástica a emoção que se tem ao chegar pela
estreita Rua Marechal Hermes, no bairro Centro Cívico, e, ao
desvencilhar o olhar das árvores do entorno, dar de frente com
aquele impressionante olho suspenso e espelhado. Tal como foi quando
estivemos Leocádia e eu no MAC, de Niterói, no Rio, ao ver aquela
nave-flor totalmente integrada com a natureza e a topografia.
Rampa de entrada para o
prédio principal com a torre
e o lago artificial
Nesta
obra, a arquitetura de Niemeyer, embora num ambiente menos
privilegiado naturalmente do que o de Niterói, traz novamente esta
sensação impactante e de fusão com o que lhe cerca. O MON une duas
épocas de sua carreira e da Arquitetura como um todo. Isso porque o
projeto original foi composto pelo arquiteto em 1967 para as
instalações doInstituto
de Educação. Esta primeira obra comportava já o prédio em
linhas retas que fica ao fundo, o qual dá de costas para o Parque
Polonês, uma área verde de convívio ligada à outra de mata
fechada. Pois em 2002, Niemeyer, já em sua fase mais madura, foi
chamado para reelaborar o projeto, onde seria construído, enfim, o
museu que leva seu nome.
Em primeiro plano,
a escultura em aço, La Luna,
de Niemeyer
Escultura em bronze do
modernista Bruno Giorgi
Foi
quando se ergueu o chamado “olho”, que, na verdade, foi inspirado
no formato de uma pinha de araucária, árvore característica da
região e daqui do Sul. Sobre um lago artificial, o olho – cujo
traço da borda em concreto armado branco é de uma beleza infindável
– é sustentado por uma “sutil” base retangular, a “Torre”,
em cor amarelo-canário, onde se estampam a traço preto desenhos do
mestre que dialogam com outros feitos por ele em Niterói para o
Caminho Niemeyer, obra também pertencente à sua última fase. Digo
“sutil”, pois, como é natural em Niemeyer, as dimensões
gigantescas se aliam à precisão das proporções dentro do todo,
fazendo com que se percebam claramente os volumes, distinguindo o que
é menor e o que é maior. O que não quer dizer que o “menor”
seja necessariamente pequeno. Pelo contrário: ao todo, são 35 mil
metros quadrados de área construída. Somente dentro da base
amarela, vimos depois, há três andares de espaço expositivo mais o
do próprio olho anexo. Isso, rodeado de rampas curvas que, além da
função de acesso e mobilidade, emprestam movimento ao desenho.
Espaço Niemeyer traz maquetes, fotos e vídeos
dos principais projetos do arquiteto pelo mundo
Ao
fundo, então, o prédio principal, distribuído em três pisos.
Reto, amplo, moderníssimo. À Bauhaus. A estrutura do prédio é de
concreto protendido, que permite vencer os grandes vãos da
edificação com um enorme arrojo estrutural. Nele, estão nove salas
de exposição, a maioria do museu. Além das mostras temporárias,
há duas permanentes que cabem muito bem serem destacadas. A primeira
fica na área externa do subsolo, que é o Pátio das Esculturas. Ali
é possível perambular entre obras de Tomie Ohtake, Xico Stockinger,
Erbo Stenzel, Amélia Toledo, Bruno Giorgi e até do Niemeyer.
Leocádia percorre o tunel a la "Solaris"
que liga o prédio principal
à "torre do olho"
A
outra exposição permanente digna de realce refere-se ao próprio Oscar Niemeyer, num espaço reservado à sua obra, com projetos,
fotos e maquetes do arquiteto de vários países do mundo, como os
clássicos Cassino da Pampulha, o MAC, o Ibirapuera, as obras de
Brasília, o Centro Cultural Le Havre (Paris), entre outros.
Interessantíssimo, embora a proposta seja generalista, visto que não
apresenta projetos dele menos famosos mas tão legais quanto, como a
sede do Partido Comunista da França, em Paris, ou o Palazzo
Mondadori, em Milão, Itália. Mas pra arrematar o desbunde, saindo
dali, um lindo corredor em concreto que liga o prédio principal à
torre, o qual passa por debaixo do lago artificial da entrada.
Desenhada em curvas, dá a sensação de se estar percorrendo os
corredores da nave espacial do "Solaris", do Tarkovski – só
para se ter uma ideia do barato que dá.
Nós entre as esculturas
Enfim,
para nós que, aonde vamos, procuramos sempre conhecer algo do Niemeyer que tenha no local, foi uma visita mais uma vez
deslumbrante. Um museu organizadíssimo que, mesmo que não se veja
nenhuma exposição, por si só, vale como passeio.