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terça-feira, 9 de maio de 2017

domingo, 7 de maio de 2017

"A Onda", de Dennis Gansel (2008)


Deixa eu me levantar, ajeitar minha postura, respirar e pronto, já posso falar. Uma obra muito bem realizada, "A Onda", além de ótimas atuações, nos coloca para pensar o quanto somos manipuláveis (você ai também). É uma crítica social que funciona como um soco.
Rainer Wegner, professor de ensino médio, deve ensinar seus alunos sobre autocracia. Devido ao desinteresse deles, propõe um experimento que explique na prática os mecanismos do fascismo e do poder. Wegner se denomina o líder daquele grupo, escolhe o lema “força pela disciplina” e dá ao movimento o nome de A Onda. Em pouco tempo, os alunos começam a propagar o poder da unidade e ameaçar os outros. Quando o jogo fica sério, Wegner decide interrompê-lo. Mas é tarde demais.
A única coisa  que nos distancia do filme, é o fato da sua cronologia fazer com que as coisas aconteçam rápido demais, tudo se desenvolve numa velocidade enorme para apenas uma semana, mas vamos encarar isso como uma licença poética.
Fora isso, o longa e um "tapa na cara" da sociedade. A forma clara e direta com que mostra como funciona o fascismo ou comunismo, ou dê o nome que você achar melhor é provocativa e questionadora. Aqui o professor utiliza sua influência e poder para impor suas ideias sobre a turma formada por adolescentes que ainda não tem suas ideias totalmente formadas e, portanto, ainda buscam um lugar na sociedade para se encaixar, assim acabam sendo seduzidos pelos ideais desta ONDA.
Essa liderança que a princípio parece ser boa, justa, disciplinadora, libertadora vai se tornando hegemônica, abusiva, autoritária, acabando por excluir os diferentes, ficando cada vez mais poderosa julgando invariavelmente suas ideias como sendo superiores às demais.
O filme retrata muito bem isso e o quanto maléfico esse tipo de ditadura pode ser. Ao mesmo tempo que a turma fica unida, vestem o mesmo uniforme, compartilham os mesmos gostos, até mesmo se protegem entre si, passam a se considerar superiores ao resto da escola, ou até mesmo da cidade, como é retratado na cena das pichações e na partida de polo aquático.
Uma obra cinematograficamente muito bem realizada, que consegue passar bem por todos os personagens. Mesmo com um elenco bastante numeroso, o filme não deixa de ninguém sem seu devido destaque e nada acontece por acaso. O melhor é quando termina o filme e você ainda consegue vê-lo, transportá-lo para conversas além da tela, e “A Onda” faz isso, trazendo um assunto muito delicado e importante, ainda mais no atual momento que vivemos no Brasil (e porque não no mundo), onde temos uma juventude tão descrente com figuras políticas. É necessário que professores tomem muito cuidado e percebam a importância e dificuldade do seu papel. Sim devemos lutar pelo o que acreditamos, mas não devemos subjugar os outros.
Uma imagem assustadora, e não, não estou exagerando.



Vagner Rodrigues

quinta-feira, 4 de maio de 2017

cotidianas #508 - A Cruz


- Padre, eu pequei.
O padre, dentro do seu cubículo no confessionário, fez no ar suavemente um sinal em cruz, aproximou o rosto da divisória treliçada que o separava do confessor e falou com voz gentil:
- Pode falar, filho. Deus há de perdoar seus pecados.
- Acho que Ele não pode me perdoar. - declarou o homem.
- A misericórdia do Senhor é infinita. Não há pecado que Ele não possa perdoar desde que haja sincero arrependimento. - argumentou o padre.
- Eu não sei se me arrependo...
- Mas fale então, filho. Talvez a confissão possa trazer conforto para sua alma.
Depois de um breve silêncio do outro lado, o homem finalmente botou para fora:
- Eu tirei a vida de um homem.
O padre fora, inegavelmente, surpreendido com algo tão grave. Olhou estarrecido para a divisória vazada enxergando apenas um vulto borrado do outro lado, enxugou a testa com um lenço e refazendo-se do espanto inicial, tratou de voltar à confissão:
- Filho, isso é muito sério. O que o levou a fazer uma coisa dessas? O que?
- A voz. A voz me diz pra fazer isso...
Com uma curiosidade que unia o dever do ofício com a mais desprezível bisbilhotice humana, o homem de Deus perguntou:
- E como você fez isso, meu filho?
- Eu não queria mas a voz me disse... A cabeça do corvo deve ser separada do corpo...  Assim os maus pensamentos não contaminarão a casa do Senhor. Entende? O corpo. A casa de Deus... Aquilo que nos foi dado... E que insistimos em sujar com pecado...
- Você arrancou a cabeça um homem? - perguntou o padre com terrificado espanto.
- É, padre. - confirmou o homem - E os braços, as pernas e aquele coração impuro.
Em meio a seu pavor, entre pensamentos conflitantes e imagens repugnantes que lhe perpassavam a mente, o padre conseguiu associar a descrição macabra à de um crime ocorrido há pouco tempo numa cidade próxima, o qual que não teria como esquecer considerando a brutalidade do ato, a ampla cobertura que lhe fora dado pelos meios de comunicação, mas principalmente por um detalhe que pretendia confirmar mas cuja mera possibilidade já o aterrorizava:
- Filho, por acaso foi você que...? Isso aconteceu...? - não conseguia encontrar a melhor maneira de tirar aquela dúvida até que, por fim, resolveu simplificar - Foi um padre?
- A voz me disse pra fazer. Eu não tenho culpa. - confirmava, ao que parecia, mesmo que confusamente - Eu não queria. Ou queria... Não sei. A voz me diz que é minha missão. "Vai e varre da face da terra aqueles ímpios que se dizem servos do Senhor. Aqueles que vestem negro como o corvo e que carregam consigo os símbolos da Trindade. Vai e arranca a cabeça do corvo. Afasta-a da casa do Senhor para que nela os intentos impuros não tornem a habitar. É missão tua, com o sangue desses heréticos marcar sobre a terra o símbolo da dor de Jesus."... Me perdoa, padre. Eu tenho que fazer isso. A voz tá me mandando. Me perdoa.
O padre voltou a fazer o sinal da cruz no vazio e sussurrou para si mesmo:
- Que Deus tenha piedade da minha alma.


Cly Reis

Estudos - II









Mãos - COSTA, Leocádia
(Grafite sobre sulfite, set-out 1992)


COSTA, Leocádia