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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Debate 17ª Mostra Unisinos de Cinema - Cinemateca Capitólio - Porto Alegre/RS (19/12/2022)

 

Nada como terminar o ano de diversas atividades de crítica cinematográficas junto àqueles que estão iniciando a caminhada no meio do cinema: os alunos. 2022 foi novamente de bastante envolvimento meu para com o cinema e a crítica, o que pude exercitar em diferentes frentes. Depois de largar com o lançamento do livro da Accirs, “50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho”, em março; de integrar a comissão curatorial da Mostra gaúcha do CineSesc, de março a maio; de presenciar pela primeira vez o Festival de Cinema de Gramado na histórica edição de n° 50, em agosto; de mediar um bate-papo sobre Sirmar Antunes numa live para o Museu do Festival de Cinema de Gramado, em novembro; e de estrear com artigo na igualmente histórica edição de 20 anos da revista Teorema, no último mês do ano; participei como convidado pelo professor da Unisinos, o cineasta Milton do Prado, a debater criticamente a 17ª Mostra Unisinos de Cinema, que apresenta os trabalhos de alunos feitos durante o ano.

Esta aproximação, aliás, já vinha sendo alentada desde o ano passado, quando Milton havia me convidado para uma sessão comentada sobre o clássico filme gaúcho “Um É Pouco, Dois É Bom” (1970), primeiro longa-metragem dirigido por um cineasta negro no Rio Grande do Sul, Odilon Lopez. Na ocasião, um conflito de agendas me impossibilitou de participar, mas desta vez não titubeei. Numa Cinemateca Capitólio lotada e com mediação da professora Jessica do Vale Luz, assistimos a cinco curtas, todos produzidos por alunos de Milton e do também professor e cineasta Vicente Moreno, coordenadores do curso de Realização Audiovisual da universidade.

Impossível não notar algumas inconsistências nos filmes, compreensíveis a trabalhos acadêmicos, pois geralmente os primeiros exercícios no audiovisual de seus realizadores. Os filmes, no entanto, guardam todos qualidades em narrativa e nos aspectos técnicos, como edição de som, fotografia e edição. Os roteiros, alguns menos trabalhados do que outros, foram os grandes responsáveis por balizar o maior ou menos sucesso das obras. O simpático “Confluência”, que narra os encontros e desencontros de uma juventude porto-alegrense, é um exemplo disso. O frescor das histórias de amor juvenis, tão presentes no cinema da Nouvelle Vague ou mesmo no moderno cinema gaúcho dos anos 80, funciona até o momento em que, por escolha da diretora, Valentina Ritter Hickmann, recentemente premiada em Gramado com o emocionante "Somente para Registro", doc subjetivo e pessoal, não consegue repetir a mesma coesão nesta nova realização. Muito por delegar (palavras da própria autora) a fruição da história aos atores e menos ao roteiro, base de toda obra audiovisual. Enfim, erros e acertos inerentes ao caminho. 

Interessante filme, mas que também requer maior trato de roteirização, é “Sufoco”. Dirigido pelo jovem negro Maicon F. Silva, aborda aspectos sociais importantes como preconceito, bullying, ancestralidade e identidade. Porém, as amarrações narrativas parecem um tanto soltas, fazendo com que elementos interessantes – como o colar capaz de encorajar o aflito protagonista – ressinta-se de maior coerência.

“Sem Cabeça”, de Beatriz Potenza, é daqueles casos em que tudo funciona de forma bastante eficiente. Contando a história de um casal de jovens em que a moça experimenta pela primeira vez maconha na casa do namorado, a diretora extrai de uma história pequena nuances bastante profundas. Olhares, diálogos bem alocados, tempo de ações e uma eficiente fotografia revelam uma questão social nem tão abordada como deveria, que é a relação heteroafetiva abusiva.

Também feliz a realização de "Fim de Festa", inclusive por tratar de outro tema tabu, mas igualmente essencial de ser exposto assim como racismo e a violência doméstica, que é a questão LGBTQIA+. Afora alguma inconsistência cênica, o curta de Luísa Zarth Carvalho traça, num engenhoso diálogo entre duas jovens que vai se de desenrolando pouco a pouco, perfis bem estruturados das personagens, a quem se descobre ter havido num passado algo velado entre ambas.

Dessa leva, no entanto, “Enquanto Irmãos”, de Leonardo Kotz, se destaca pela inteireza da realização. Filme que funciona do início ao fim, traz a história de dois pequenos amigos que se encontram na casa de um deles no dia em que o irmão do outro está nascendo. As delicadas falas, as sutilezas da relação de irmandade entre os amigos, bem como as preocupações existenciais das crianças, são conduzidas com absoluta assertividade. Tecnicamente também. Para quem formou sua cinefilia assistindo filmes protagonizados por crianças como “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios”, “Minha Vida de Cachorro” e “Pelle, O Conquistador”, este curta foi uma grata surpresa.

Enfim, filmes que, mesmo desiguais, mostram que a difícil arte de se fazer cinema é objeto de paixão das novas gerações. Uma ótima maneira de terminar um 2022 repleto de cinema, mas desta vez, num encontro com a raiz. Como diz o policial Malone vivido por Sean Connery a Elliot Ness (Kevin Costner) em “Os Intocáveis”: “se você não quer pegar uma maçã podre, não vá ao cesto: tire-a da árvore”.

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Panorâmica do palco com os realizadores e a professora Jessica


Começando o bate-papo

Falando aos alunos e público

Jessica fazendo minha apresentação


Dando as minhas primeiras considerações na noite de debates



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa e Vicente Moreno

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