sábado, 15 de agosto de 2015
Crianças da Guerra
quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
Debate 17ª Mostra Unisinos de Cinema - Cinemateca Capitólio - Porto Alegre/RS (19/12/2022)
Esta aproximação, aliás, já vinha sendo alentada desde o ano
passado, quando Milton havia me convidado para uma sessão comentada sobre o
clássico filme gaúcho “Um É Pouco, Dois É Bom” (1970), primeiro longa-metragem
dirigido por um cineasta negro no Rio Grande do Sul, Odilon Lopez. Na ocasião,
um conflito de agendas me impossibilitou de participar, mas desta vez não titubeei.
Numa Cinemateca Capitólio lotada e com mediação da professora Jessica do Vale Luz, assistimos a cinco curtas, todos produzidos
por alunos de Milton e do também professor e cineasta Vicente Moreno,
coordenadores do curso de Realização Audiovisual da universidade.
Impossível não notar algumas inconsistências nos filmes, compreensíveis a trabalhos acadêmicos, pois geralmente os primeiros exercícios no audiovisual de seus realizadores. Os filmes, no entanto, guardam todos qualidades em narrativa e nos aspectos técnicos, como edição de som, fotografia e edição. Os roteiros, alguns menos trabalhados do que outros, foram os grandes responsáveis por balizar o maior ou menos sucesso das obras. O simpático “Confluência”, que narra os encontros e desencontros de uma juventude porto-alegrense, é um exemplo disso. O frescor das histórias de amor juvenis, tão presentes no cinema da Nouvelle Vague ou mesmo no moderno cinema gaúcho dos anos 80, funciona até o momento em que, por escolha da diretora, Valentina Ritter Hickmann, recentemente premiada em Gramado com o emocionante "Somente para Registro", doc subjetivo e pessoal, não consegue repetir a mesma coesão nesta nova realização. Muito por delegar (palavras da própria autora) a fruição da história aos atores e menos ao roteiro, base de toda obra audiovisual. Enfim, erros e acertos inerentes ao caminho.
Interessante filme, mas que também requer maior trato de
roteirização, é “Sufoco”. Dirigido pelo jovem negro Maicon F. Silva, aborda
aspectos sociais importantes como preconceito, bullying, ancestralidade e
identidade. Porém, as amarrações narrativas parecem um tanto soltas, fazendo
com que elementos interessantes – como o colar capaz de encorajar o aflito
protagonista – ressinta-se de maior coerência.
Já “Sem Cabeça”, de Beatriz Potenza, é daqueles casos em que
tudo funciona de forma bastante eficiente. Contando a história de um casal de
jovens em que a moça experimenta pela primeira vez maconha na casa do namorado,
a diretora extrai de uma história pequena nuances bastante profundas. Olhares,
diálogos bem alocados, tempo de ações e uma eficiente fotografia revelam uma
questão social nem tão abordada como deveria, que é a relação heteroafetiva
abusiva.
Também feliz a realização de "Fim de Festa",
inclusive por tratar de outro tema tabu, mas igualmente essencial de ser
exposto assim como racismo e a violência doméstica, que é a questão LGBTQIA+. Afora
alguma inconsistência cênica, o curta de Luísa Zarth Carvalho traça, num
engenhoso diálogo entre duas jovens que vai se de desenrolando pouco a pouco,
perfis bem estruturados das personagens, a quem se descobre ter havido num
passado algo velado entre ambas.
Dessa leva, no entanto, “Enquanto Irmãos”, de Leonardo Kotz,
se destaca pela inteireza da realização. Filme que funciona do início
ao fim, traz a história de dois pequenos amigos que se encontram na casa de um
deles no dia em que o irmão do outro está nascendo. As delicadas falas, as
sutilezas da relação de irmandade entre os amigos, bem como as preocupações
existenciais das crianças, são conduzidas com absoluta assertividade.
Tecnicamente também. Para quem formou sua cinefilia assistindo filmes
protagonizados por crianças como “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios”, “Minha Vida de Cachorro” e “Pelle, O Conquistador”, este curta foi uma
grata surpresa.
Enfim, filmes que, mesmo desiguais, mostram que a difícil
arte de se fazer cinema é objeto de paixão das novas gerações. Uma ótima maneira
de terminar um 2022 repleto de cinema, mas desta vez, num encontro com a raiz. Como
diz o policial Malone vivido por Sean Connery a Elliot Ness (Kevin Costner) em “Os
Intocáveis”: “se você não quer pegar uma maçã podre, não vá ao cesto: tire-a da
árvore”.
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Panorâmica do palco com os realizadores e a professora Jessica |
Começando o bate-papo |
Falando aos alunos e público |
domingo, 27 de março de 2022
"Licorice Pizza", de Paul Thomas Anderson (2021)
Mas não se enganem: “Licorice...” é, por mais que pareça uma contradição, quiçá o melhor entre os candidatos nesta categoria junto com “Drive my Car” (outro que também não deve levar o Oscar de Melhor Filme, uma vez que, ao que tudo indica, o de Melhor Filme Internacional esteja lhe esperando). O filme de Anderson (cujo estranho título faz uma referência a uma loja de discos que realmente existiu, mas que não aparece em nenhum momento), conta a história de Alana Kane (Alana Haim) e Gary Valentine (Cooper Hoffman), dois jovens que, embora a diferença de 10 anos dela para ele, vivem a adolescência no Vale de San Fernando, no Sul da Califórnia do início dos anos 70, engendrando vários negócios juntos e flertando um com outro, mas também se desencontrando.
Comédia romântica com ares de nouvelle vague e realismo poético, “Licorice...”, que também é escrito por PT Anderson, diferencia-se, por isso, muito do que a Academia costuma prestigiar. Desde seu primeiro longa, “Jogada de Risco", de 1996, passando pelo genial “Boogie Nights” (1997) e pelo retumbante “Magnolia”, Melhor Filme em 1999 (só que em Berlim...), fica claro que o estilo de seu "cinema de autor" carrega singularidades que lhe aproximam bastantemente da escola europeia. Neste sentido, ele é muito mais peculiar do que seus contemporâneos Tarantino, Rodriguez e Nolan, todos também autorais mas com um pé muito mais firme em Hollywood do que ele. Com o forte “Sangue Negro”, de 2007 – para muitos, sua melhor realização –, pode-se dizer que Anderson tenha se esforçado para arrebatar o prêmio máximo do cinema, mas sua mão “pesada” o fez dar tons muito mais trágicos à história que os jurados da Academia estão acostumados.
trailer de "Licorice Pizza", de Paul Thomas Anderson
A última tentativa de Anderson de levar esse bendito Oscar de Melhor Filme parece ter sido há quatro anos com “Trama Fantasma”, seu até então último longa e no qual repete a parceria com o excelente ator irlandês Daniel Day-Lewis. Porém, mesmo recebendo seis indicações (inclusive a de Filme), novamente sem sucesso. “Licorice...”, assim, dá a impressão de ser saudavelmente aquele filme em que o diretor disse a si mesmo: “Quer saber? Foda-se! Aceitem-me como eu sou!”. E deu muito certo. Descompromissado, o cineasta fez uma obra carregada de sentimentos, daquelas que ao mesmo tempo fazem emocionar terna e alegremente. É de encher o peito em uma gargalhada, mas também de soltar risos surpresos durante o decorrer por conta de seus diálogos e roteiro inteligentes.
Gary e Alana: feitos um para o outro (mas será que eles próprios sabem disso?) |
Se não é o melhor entre todos da safra 2021/22, “Licorice...”, ao menos, é o que melhor cumpre um dos requisitos dos grandes filmes: o encerramento marcante. O cineasta conduz o espectador até o último segundo para, com sutileza, deixá-lo suspirando na poltrona com um sorriso no rosto – ou uma lágrima. Sabe aquele sabor de terminar de assistir “Nós que nos Amávamos Tanto”, “Pierrot le Fou” ou “Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios”? É este o sentimento que fica com "Licorice...". Tudo bem: “Ataque...”, “O Beco...” e “Drive...” também terminam muito bem. Mas é tão mais impactante sentir uma ponta de "cinema de arte", assim, tão espontaneamente numa produção norte-americana, que o valor se duplica. Neste caso, o melhor que PT Anderson pode fazer é não ganhar prêmio nenhum mesmo. Será sinal de que continuará fazendo seu cinema tão original quanto encantador.
Daniel Rodrigues