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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

49º Festival de Cinema de Gramado - Os Premiados

 

É curioso constatar que é mais comum fazermos aqui retrospectivas de festivais de cinema de fora, como Oscar e Cannes, do que de algum de dentro do Brasil, caso o Festival de Cinema de Gramado, que ocorre aqui no nosso pátio sulista. Embora um adorador do festival há muito tempo – como não poderia deixar de ser a qualquer cinéfilo do Brasil, que guarda um sentimento especial pelo maior e mais tradicional evento de cinema brasileiro –, nunca, porém, estive durante sua realização. Mesmo com os anos de crítica, Gramado sempre esteve, mesmo que perto geograficamente, muito longe em termos práticos, visto que a vida cotidiana com suas obrigações e afazeres sempre me impossibilitou de subir a Serra para passar uma semana imerso somente em filmes.

Acontece que, com a pandemia, não apenas eu como milhares de outros espectadores pude ter essa maior proximidade que a exigência de exclusividade do festival sempre afastou. Desde o ano passado, os filmes concorrentes passaram a ser exibidos não no icônico Palácio dos Festivais para poucos afortunados e com pessoas se acotovelando para conseguir uma poltrona, mas, sim, dada a necessidade de distanciamento social, através de sessões pelo Canal Brasil. No conforto da poltrona de casa. Aí, foi um abraço. Se em 2020 já havia conseguido assistir a alguns títulos como espectador, este ano, convidado pela organização do festival, tive a honra de compor, como membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul  o Júri da Crítica, na qual tive como colegas Ela Bittencourt, Pedro Butcher, André Bozetti e Joyce Pais. A missão: escolher os melhores filmes nas categorias de Curta-Metragem Brasileiro, Longa-Metragem Brasileiro e Longa-Metragem Estrangeiro, 24 títulos no total.

A maratona, embora um pouco cansativa, foi extremamente prazerosa, bem como o processo de seleção junto aos colegas de júri, com quem pude aprender mais sobre o papel do crítico, principalmente para situações como a de um corpo julgador a qual nos cabia. Com temas e abordagens variadas, tanto a seleção de curtas quanto a de longas trouxeram obras bem interessantes, algumas empolgantes. Particularmente, destaco dois títulos de duas das categorias que pude ter maior aprofundamento – Curta-metragem Brasileiro e Longa-Metragem Brasileiro – sem deixar, contudo, de abordar outros filmes juntamente:

"Entre Nós e o Mundo"
, de Fábio Rodrigo (2019)

Curta-metragem que já havia assistido, primeiramente na mostra competitiva do 1º Festival Cinema Negro em Ação, do qual participei também como jurado justamente para esta categoria, e, posteriormente, quando fui mediador de debates do 14º Cine Esquema Novo, em abril deste ano, ocasião em que tive a oportunidade de conversar diretamente com o cineasta e discutir mais sobre este pequeno documentário gigante em profundidade e sensibilidade. O filme relata a história de Erika, prima de Rodrigo e moradora da comunidade de Vila Ede, na periferia São Paulo. Ela sofre por ter perdido seu filho mais novo durante uma abordagem policial, ao mesmo tempo que teme pela vida de seu outro filho e da nova que está trazendo ao mundo, a pequena e resistente Alicia.

Impressiona em “Entre...”, escolhido por nós da crítica e também ganhador como Melhor Filme pelo Júri, é a abordagem não óbvia para um problema crônico da sociedade brasileira, que é a violência urbana e o racismo. Denunciativo sem ser escancarado, consciente sem ser agressivo, o curta deixa ao espectador, em sua montagem peculiar (aliás, vencedora nesta categoria em Gramado também) – que formula um “work in progress” cuja bússola é o processo emocional do diretor, também personagem da história – o sentimento raro em um momento de revolta da beleza e da continuidade da vida. Competente, bem à frente de seus concorrentes, “Entre...” ainda rendeu a Rodrigo Melhor Direção e Montagem.

"Animais na Pista", um dos destaques entre os curtas

Não posso deixar de mencionar, no entanto, outro filme que me surpreendeu bastante entre os curtas, que foi “A Fome de Lázaro”. Também documental, o filme do paraibano Diego Benevides traz um olhar antropológico e despido de crítica de um ritual de promessa à São Lázaro em uma pequena comunidade do interior da Paraíba, lembrando em certa medida filmes de “cinema direto” do cineasta e antropólogo francês Jean Rouch. Fotografia e enquadramentos precisos em um roteiro em que não se escuta um diálogo sequer, mas que o espectador o entende em sua completude. Embora não consensual entre nós jurados da crítica, posso dizer que minha percepção não estava de um todo equivocada, visto que o filme recebeu o prêmio de Melhor Filme de Curta-Metragem, premiação máxima para esta categoria no festival, além de também merecidamente o de Direção de Arte.

Menciono também outra produção paraibana: “Animais na Pista”, de Otto Cabral (vencedor de Melhor Trilha Musical e Melhor Fotografia), um ousado e difícil exercício de plano-sequência para um drama que faz uma crítica dura à sociedade e a raça humana; o paulista “Fotos Privadas”, de Marcelo Grabowsky (Melhor Ator para Lucas Galvino e Melhor Roteiro), de personagens e situações muito bem construídas; e o ousado doc-denúncia “O Que Há em Ti”, do igualmente paulista Carlos Adriano, que quebra os limites entre Brasil e Haiti – se é que ele “não é aqui”.

*******

“O Novelo”
, de Cláudia Pinheiro (2020)
Talvez o que mais tenha me impactado de todo o Festival, este longa é uma preciosidade. Drama humano e com carga emocional bastante bem conduzida no roteiro, traz, mesmo que numa narrativa mais regular, paralelos entre passado e presente sempre adequados à trama. Os diálogos são tão bem escritos, que parecem se dar em situações reais cotidianas. Contudo, principalmente, o forte do filme está, como poucas vezes se vê com tamanha qualidade no cinema nacional, na direção de atores. 

Cinco irmãos acabam sendo criados pelo irmão mais velho, após o desaparecimento do pai e, posteriormente, a morte da mãe. Um dia, já adultos, eles recebem a notícia de que um homem em coma em uma UTI pode ser seu pai. Na sala de espera do hospital os irmãos mergulham em seus conflitos e memórias através do tricô aprendido na infância. Além de retratar uma família de negros de classe média, contrariando a pecha brancocêntrica de “senzala” em relação ao lugar do negro no audiovisual brasileiro, o longa de Cláudia questiona também outros tabus, como os papeis sociais de homens e mulheres, a identidade e a essência das relações familiares, representadas todas na ideia de continuidade e de origem do novelo de lã.

As atuações, portanto, não se restringem a uma ou outra de destaque – principalmente se comparado com outros filmes da mostra competitiva, os bons “Homem Onça”, conduzido pelo personagem principal vivido por Chico Diaz, ou “A Suspeita”, protagonizado por Glória Pires, vencedora, inclusive do prêmio de Melhor Atriz – mas a pelo menos 16 atores, a excelente Isabél Zuaa o os irmãos, apresentados na história em três momentos temporais ao longo de três décadas. O feito de “O Novelo” neste sentido é, justamente, o de equalizar tantas atuações intensas que, por sua vez, entregaram o que lhes foi exigido.

trailer de "O Novelo"


Ajuda para este resultado cênico a construção muito sensível e precisa de cada personagem, principalmente os cinco irmãos, cada um com suas características pessoais/emocionais complementares entre si. Filme que vem para se somar a grandes produções brasileiras dos últimos anos, como “Três Verões”, “Pacarrete” e “Aos Olhos de Ernesto”, mas que não obteve o prêmio máximo do Festival de Gramado, dado ao pernambucano “Carro Rei”. Entretanto, o Júri Popular fez-lhe justiça entregando-lhe o Kikito de Melhor Filme, além dos de Melhor Ator (Nando Cunha) e as menções honrosas para Isabél Zuaa e para os jovens Fernando Lufer, Michel Gomes, Victor Alves, Kaike Pereira, Pedro Guilherme e Caio Patricio.

Carro Rei: vitória contestada
de Gramado 2021
Afora “O Novelo”, merece apreciação “A Primeira Morte de Joana”, da gaúcha Cristiane Oliveira, vencedor, aliás, do prêmio do Júri da Crítica. Embora tenha me encantado mais por “O Novelo”, a premiação ao filme de Cristiane, além do consenso entre nós, jurados, justifica-se plenamente pela proposta bastante mais “cinematográfica”, por assim dizer, em relação não apenas a “O Novelo”, mas talvez a todos os outros ao explorar aspectos gramaticais do cinema com maior profundidade. Isso porque “A Primeira...” é ao mesmo tempo uma investigação factual, pessoal e cinematográfica, capaz de traduzir o ponto de vista de uma adolescente com um trabalho de câmera sensível, atento aos elementos táteis, às texturas e aos silêncios. 

Curiosamente, nem “O Novelo” e nem “A Primeira...” – quanto menos outro forte concorrente, “Homem Onça” – ficaram perto em termos de realce do errático “Carro Rei”, o grande vencedor da noite, uma ficção futurista com seus méritos (venceu, entre seus 4 Kikitos, os de melhor Trilha Musical, Direção de Arte e Desenho de Som), mas que não se situa nem entre o filosofal e nem no pop. Até mesmo “Jesus Kid” obteve, no pesar das premiações, mais destaque. Comédia boa em direção de arte e fotografia, mas que se consagrou justamente naquilo mais peca: a direção, apressada e destoada do curitibano Aly Muritiba (muito em razão da fraca atuação do seu ator principal, Paulo Miklos), e o roteiro, que, embora baseada na obra do celebrado escritor Lourenço Mutarelli, é o responsável pelo resultado desigual do filme. Vai entender. 

O fato é que, diferentemente de outros anos, em que o principal premiado condizia com o tamanho de Gramado, este ano, mesmo que "Carro Rei" não seja desprezível, parece não estar-lhe à altura. Mas tudo bem. O que ficou foi o sentimento de resistência do único festival de cinema brasileiro ininterrupto a tantas edições e que, em 2022, se prepara para o cinquentenário. Todos torcendo para que a pandemia já tenha amenizado.

Conheça os vencedores do 49º Festival de Cinema de Gramado:

CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS

·         Melhor Filme – “A Fome de Lázaro”, de Diego Benevides

·         Melhor Direção – Fabio Rodrigo, por “Entre Nós e o Mundo”

·         Melhor Ator – Lucas Galvino em “Fotos Privadas”

·         Melhor Atriz – Tieta Macau em “Quanto Pesa”

·         Melhor Roteiro – Marcelo Grabowsky, Aline Portugal e Manoela Sawitzki, por “Fotos Privadas”

·         Melhor Fotografia – Rodolpho Barros, por “Animais na Pista”

·         Melhor Montagem – Caroline Neves, por “Entre nós e o Mundo”

·         Melhor Trilha Musical – Eli-Eri Moura, por “Animais na Pista”

·         Melhor Direção de Arte – Torquato Joel, por “A Fome de Lázaro”

·         Melhor Desenho de Som – Breno Nina, por “Quanto Pesa”

·         Melhor Filme pelo Júri Popular – “Desvirtude”, de Gautier Lee

·         Melhor Filme pelo Júri da Crítica – “Entre Nós e o Mundo”, de Fábio Rodrigo

·         Prêmio Especial do Júri – Fabio Rodrigo, por “Entre Nós e o Mundo” por responder de forma consciente em termos estéticos, afetivos e narrativos a pergunta “Como falar da dor da perda e ainda ter esperança?”.

·         Menção honrosa da Comissão Julgadora para os curtas brasileiros vai para o filme “A Beleza de Rose”, de Natal Portela, por fazer um delicado recorte da vida de muitas mulheres negras no nordeste do Brasil.

·         Prêmio Canal Brasil de Curtas – “A Beleza de Rose”, de Natal Portela


LONGAS-METRAGENS ESTRANGEIRO

·        Melhor Filme – “La Teoría De Los Vidrios Rotos”, de Diego Fernández Pujol

·         Melhor Filme Júri Popular – “La Teoría De Los Vidrios Rotos”, de Diego Fernández Pujol

·         Melhor Filme pelo Júri da Crítica – “Planta Permanente”, Ezequiel Radusky

·         Prêmio Especial do Júri – Pela abordagem de temas tão presentes em nossa sociedade, que refletem as consequências de um sistema corrompido e afetam diretamente os valores humanos; e pelas interpretações das protagonistas femininas que representam a força das mulheres latinas em nosso cinema. O Júri de Longas-metragens estrangeiros do 49º Festival de Cinema de Gramado decidiu conceder o Prêmio Especial do Júri ao filme “Planta Permanente”, de Ezequiel Radusky.


LONGAS-METRAGENS GAÚCHOS

·         Melhor Filme – “Cavalo de Santo”, de Carlos Eduardo Caramez e Mirian Fichtner

·         Melhor Direção – Gilson Vargas, por “A Colmeia”

·         Melhor Ator – João Pedro Prates, por “A Colmeia”

·         Melhor Atriz – Luciana Renatha, Alexia Kobayashi e Veronica Challfom, por “Extermínio”

·         Melhor Roteiro – Carlos Eduardo Caramez, por “Cavalo de Santo”

·         Melhor Fotografia – Bruno Polidoro, por “A Colmeia”

·         Melhor Direção de Arte – Gilka Vargas e Iara Noemi, por “A Colmeia”

·         Melhor Montagem – Joana Bernardes e Mirela Kruel, por “Extermínio”

·         Melhor Desenho de Som – Gabriela Bervian, por “A Colmeia”

·         Melhor Trilha Musical – Cânticos Sagrados dos Orixás preservados pelos Terreiros gaúchos e Alabê Oni, por “Cavalo de Santo”

·         Melhor Filme pelo Júri Popular – “Cavalo de Santo”, de Carlos Eduardo Caramez e Mirian Fichtner


LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS

·         Melhor Filme – “Carro Rei”, de Renata Pinheiro

·         Melhor Direção – Aly Muritiba, por “Jesus Kid”

·         Melhor Ator – Nando Cunha, em “O Novelo”

·         Melhor Atriz – Glória Pires, em “A Suspeita”

·         Melhor Roteiro – Aly Muritiba, por “Jesus Kid”

·         Melhor Fotografia – Bruno Polidoro, por “A Primeira Morte de Joana”

·         Melhor Montagem – Tula Anagnostopoulos, por “A Primeira Morte de Joana”

·         Melhor Trilha Musical – Dj Dolores, por “Carro Rei”

·         Melhor Direção de Arte – Karen Araújo, por “Carro Rei”

·         Melhor Atriz Coadjuvante – Bianca Byington, por “Homem Onça”

·         Melhor Ator Coadjuvante – Leandro Daniel Colombo, por “Jesus Kid”

·         Melhor Desenho de Som – Guile Martins, por “Carro Rei”

·         Melhor Filme pelo Júri Popular – “O Novelo”, de Claudia Pinheiro

·         Melhor Filme pelo Júri da Crítica – “A Primeira Morte de Joana”, de Cristiane Oliveira

·         Prêmio Especial do Júri para Matheus Nachtergaele, em “Carro Rei”, pela construção e domínio do personagem e pela brilhante capacidade de se reinventar.

·         Menção honrosa para Fernando Lufer, Michel Gomes, Victor Alves, Kaike Pereira, Pedro Guilherme e Caio Patricio por seu talento e potência em “O Novelo”

·         Menção honrosa para Isabél Zuaa pela bela e impactante atuação em “O Novelo”


Daniel Rodrigues 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

50º Festival de Cinema de Gramado - Bastidores e Premiados

 

Muito se fala sobre cinema e arte cinematográfica em razão do Festival de Cinema de Granado. Por óbvio. Porém, após ter participado como jurado na edição de 2021, realizada ainda de forma online em virtude da pandemia da Covid-19, motivei-me a, finalmente, fazer algo que nunca tinha conseguido: estar presencialmente no festival. Motivos pra isso, não faltavam: este ano, realizou-se a histórica 50ª edição do festival mais longevo ininterruptamente do Brasil e por ter me tornado este ano secretário da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), apoiadora institucional do festival e responsável por algumas das curadorias, juris e premiações. Outra motivação não menos substancial era o lançamento do livro “50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho”, ao qual participo como um dos autores e que era importante marcarmos esse momento dentro do principal festival de cinema do nosso Estado. Afora isso, queria saber como era a emoção de viver o Festival de Gramado, ainda mais assim, no auge do inverno, em que tanta gente visita a cidade, que é a mais procurada pelos turistas no Brasil esta época.

Nós da ACCIRS, no espaço
Elizabeth Rosenfeld, lançando
o livro em Gramado

Com o socorro do amigo José Carlos Sousa, o querido Zeca, que nos ofereceu transporte de ida e um ótimo pouso, fomos Leocádia e eu. Cheios de incertezas de como seriam as movimentações por lá, partimos, na cara e na coragem, para conferir o primeiro final de semana do festival. Mesmo não sendo possível assistir à maioria dos filmes, principalmente os longas-metragens brasileiros e internacionais que rodariam diariamente até a semana seguinte, os pouco mais de dois dias a que nos programamos nos oportunizaria ver pelo menos duas das estreias de longas brasileiros, curtas-metragens nacionais e os curtas-metragens gaúchos, que passam na seção vespertina no segundo e terceiros dias. Igualmente, podemos pegar também a tão badalada abertura do festival, o que, convenhamos, embora menos apoteótico, é quase tão emocionante quanto estar no encerramento.



A emoção de pisar pela primeira vez no 
tapete vermelho do
Festival de Gramado

Se coube a nós apenas o começo do festival, no entanto, nosso batismo foi com a devida graça dos deuses do cinema. Na sala de imprensa, logo após termos tirado nossas credenciais para podermos pisar o tão famoso “tapete vermelho” que dá acesso ao Palácio dos Festivais – ou seja, logo que conseguimos confirmar que poderíamos, sim, participar efetivamente do festival, o que haviam nos dito que talvez não fosse possível por ainda não termos credenciais até então – conversávamos com o colega de ACCIRS Paulo Casanova e somos surpreendidos pela atriz Marcélia Cartaxo, que veio em nossa direção como se nos conhecesse. “Será que ela se enganou?”, pensamos. Mas acho que não. Ao que disseram, é muito o modo de ela ser, assim, despachada e extrovertida, e prefiro acreditar que aquela foi uma bênção de Macabea ou de Pacarrete que recebemos por estarmos estreando no festival. Após o choque de ter sido procurado por Marcélia (que, aliás, ganhou mais uma vez o Kikito de Melhor Atriz, como já o havia feito por "Pacarrete", em 2018) para ganhar um abraço, atentado por Leocádia, fui atrás dela novamente para fazermos um registro daquele momento – afinal, todo mundo deve ter uma foto de seu batizado. Ao lhe abordar, agradeci por sua existência em nossos corações como personagens tão memoráveis. Ela retribuiu, generosamente, agradecendo também.

Leocádia e eu recebendo a bênção do festival de Gramado da divina Marcélia

O talentoso Palmeira recebendo
uma das principais honrarias do
cinema brasileiro, o Oscarito
Após o batismo inicial, assistimos filmes, conhecemos outros artistas, vimos Marcos Palmeira receber o Troféu Oscarito – e passar por nós, a questão de metro, e olhar-nos no olho em agradecimento às palmas. Os filmes que mais conseguimos ver foram os curtas gaúchos, com coisas bem boas, como o tenso e tecnicamente perfeito “O Abraço”, prenunciando um dos próximos realizadores de longas no Rio Grande do Sul como recentemente alçaram nomes como Davi Pretto e Felipe Matzembacher; o curto mas tocante “A Diferença entre Mongóis e Mongoloides”, de Jonatas Rubert, documentário pessoal de animação sobre a relação do diretor com seu irmão e seu tio, ambos portadores de TEA (transtorno do espectro autista); e o grande premiado do Prêmio Assembleia Legislativa — Mostra Gaúcha de Curtas: “Sinal de Alerta: Lory F”, de Fredericco Restori, que conta a meteórica vida da artista que lhe dá título, uma lenda do rock gaúcho. Mais uma das magias que Gramado nos proporcionou: na fila para entrar para a seção do primeiro dia de curtas gaúchos, conversávamos com dois jovens atrás de nós que logo revelaram serem os responsáveis pelo filme. Leocádia, sagaz, providenciou de que eu tirasse uma foto com eles, uma vez que tanto ela quanto eu temos relação com personagens do filme: o filho de Lory, meu ex-colega e amigo Ricardo, e o ex-marido dela, Ricky Bols, artista visual já falecido com quem Leocádia trabalhou e também nutria amizade. E não é que justo eles ganhariam, no dia seguinte, o principal prêmio entre os curtas gaúchos?

Ao lado de Natália Pimentel e Restori, de "Lory F..." - antes de ganharem o prêmio!

Sem se estender muito, cabe comentar que os dois longas brasileiros, que passam na programação noturna, agradaram. O triste e revoltante “A Mãe”, de Cristiano Burlan, que traz Marcélia como uma mãe em busca do filho desaparecido na periferia de São Paulo; e o cômico “O Clube dos Anjos”, de Angelo Defanti, adaptação e Luis Fernando Verissimo. A difícil tarefa de adaptar o autor do Analista de Bagé foi bem executada pelo diretor, embora o filme perca um pouco do ritmo do meio para o fim, mas consiga terminar bem. O grande trunfo de “O Clube...” é, porém, seu elenco. Nada mais nada menos que Otávio Muller, Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos, Marco Ricca, Augusto Madeira, César Melo, Ângelo Antônio, Samuel de Assis, António Capelo e André Abujamra

Este último, aliás, merece um aparte, pois tornou-se um novo amigo. Ao ver Abujamra no tapete vermelho (aliás, corrijo: Leocádia que o avistou e me avisou) abordei-o e, fã, quis entrevistá-lo para meu programa, Música da Cabeça. Fizemos ali mesmo, em meio à algazarra do público, mas deu tudo certo e a entrevista foi curta mas ótima. Justifiquei a Abujamra que se eu já tinha entrevistado Maurício Pereira e Pena Schmidt, os outros dois responsáveis pela lendária Os Mulheres Negras, não poderia perder a oportunidade de fazer o mesmo com ele.

Abu e eu: sintonia e entrevista em pleno tapete vermelho

Tudo isso para confirmar o que disse no início: muito se fala em cinema no Festival de Gramado, mas estar lá, poder conviver ao menos um pouco com artistas, realizadores, colegas críticos, jornalistas, organizadores do evento e toda aquela turba de pessoas que lotam a cidade nesta época, caminhar pelas ruas, observar as reações, frequentar o comércio em alto movimento; prova que o festival é muito mais do que as sessões de cinema. É, sim, essa atmosfera, essa egrégora misto de encanto, excitação, surpresa, expectativa – e até certa afetação, confesse-se. O que tiro é que a experiência foi linda, a ponto de nos programamos para, em próximas edições, talvez voltarmos não só para a abertura, mas esticar um pouco mais e até cobrir todos os sete dias de evento. 

O Kikitão e eu em pleno tapete vermelho

O consagrado "Noites...",
o grande vencedor 

A solenidade de premiação ocorreu no dia 20 e pude assistir pela televisão. O grande vencedor foi o amazonense “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, que não pudemos ver mas fiquei curiosíssimo desde que soube da existência. Outra produção que também se destacou dos longas foi “Marte Um”, de Gabriel Martins (MG), que se mostrou muito querido do público por, assim como o lindo “O Novelo”, que concorreu no ano passado na mesma categoria, traz a vida de uma família de negros, mas sem recorrer aos chavões de submundo, pobreza, violência, etc. Também não vi, mas o bom é que este estreia em circuito nacional esta semana. Louco pra ver.

Por ora, segue aqui a lista de premiados com os Kikitos desta histórica edição de meio século de Festival de Gramado. Quem sabe, ano que vem não esteja lá mandando just in time essa lista?

*********

LONGA-METRAGEM BRASILEIRO

Melhor Filme – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Melhor Direção – Cristiano Burlan, por “A Mãe”
Melhor Ator – Gabriel Knoxx, de “Noites Alienígenas”
Melhor Atriz – Marcélia Cartaxo, de “A Mãe”
Melhor Roteiro – Gabriel Martins, de “Marte Um”
Melhor Fotografia -Rui Poças, de “Tinnitus”
Melhor Montagem – Eduardo Serrano, de “Tinnitus”
Melhor Trilha Musical – Daniel Simitan, de “Marte Um”
Melhor Direção de Arte – Carol Ozzi, de “Tinnitus”
Melhor Atriz Coadjuvante – Joana Gatis, de “Noites Alienígenas”
Melhor Ator Coadjuvante – Chico Diaz, de “Noites Alienígenas”
Melhor Desenho de Som – Ricardo Zollmer, de “A Mãe”
Júri da Crítica – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Júri Popular – “Marte Um”, de Gabriel Martins
Prêmio Especial do Júri – “Marte Um”, de Gabriel Martins, que nos trouxe o afeto para a tela.
Menção Honrosa a Adanilo, por “Noites Alienígenas”, pela excelência da construção da linha do personagem e interpretação.

CURTA-METRAGEM BRASILEIRO

Melhor Filme – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Melhor Direção – Leonardo Martinelli, por “Fantasma Neon”
Melhor Ator – Dennis Pinheiro, de “Fantasma Neon”
Melhor Atriz – Jéssica Ellen, de “Último Domingo”
Melhor Roteiro – Fernando Domingos, de “O Pato”
Melhor Fotografia – Fernando Macedo, de “Último Domingo”
Melhor Montagem – Danilo Arenas e Luiz Maudonnet, de “O Elemento Tinta”
Melhor Trilha Musical – “Nhanderekoa Ka´aguy Porã” Coral Araí Ovy e Conjunto Musical La Digna Rabia, por “Um Tempo pra Mim”
Melhor Direção de Arte – Joana Claude, de “Último Domingo”
Melhor Desenho de Som – Alexandre Rogoski, de “O Fim da Imagem”
Júri da Crítica – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Júri Popular – “O Elemento Tinta”, de Luiz Maudonnet e Iuri Salles.
Menção Honrosa – “Imã de Geladeira”, de Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo, por catapultar a urgente discussão sobre o racismo estrutural através do horror cósmico
Prêmio Especial do Júri – “Serrão”, de Marcelo Lin. Pelo frescor da narrativa a partir de um olhar ressignificado, emergente e com o coração no lugar certo
Prêmio Canal Brasil de Curtas – “Fantasma Neon” Leonardo Martinelli

LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO 

Melhor Filme – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Melhor Direção – Néstor Mazzini, de “Cuando Oscurece”
Melhor Ator – Enzo Vogrincinc, de “9”
Melhor Atriz – Anajosé Aldrete, de “El Camino de Sol”
Melhor Roteiro – Agustin Toscano, Moisés Sepúlveda e Nicolás Postiglione, de “Inmersión”
Melhor Fotografia -Sergio Asmstrong, de “Inmersión”
Júri da Crítica – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Júri Popular – “La Pampa”, de Dorian Fernández Moris
Prêmio Especial do Júri a Direção de Arte de Jeff Calmet, de “La Pampa”

LONGA-METRAGEM GAÚCHO

Melhor Filme – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Melhor Direção – Bruno Gularte Barreto, por “5 Casas”
Melhor Ator – Hugo Noguera, de “Casa Vazia”
Melhor Atriz – Anaís Grala Wegner, de “Despedida”
Melhor Roteiro – Giovani Borba, de “Casa Vazia”
Melhor Fotografia – Ivo Lopes Araújo, de “Casa Vazia”
Melhor Direção de Arte – Gabriela Burk, de “Despedida”
Melhor Montagem – Vicente Moreno, de “5 Casas”
Melhor Desenho de Som – Marcos Lopes e Tiago Bello, de “Casa Vazia”
Melhor Trilha Musical – Renan Franzen, de “Casa Vazia”
Júri Popular – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Menção Honrosa – Clemente Vizcaíno, por “Despedida”, pela presença destacada no filme e por sua importância na história do cinema gaúcho
Menção Honrosa – “Campo Grande é o Céu”, de Bruna Giuliatti, Jhonatan Gomes e Sérgio Guidoux, pelo resgate da tradição de cantorias e da importância das comunidades quilombolas daquela região do Rio Grande do Sul

CURTA-METRAGEM GAÚCHO - PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA — MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS

Melhor filme: "Sinal de Alerta Lory F"
Melhor direção: Jonatas Rubert - "Diferença entre Mongóis e Mongoloides"
Melhor ator: Victor Di Marco - "Possa Poder"
Melhor atriz: Valéria Barcellos - "Possa Poder"
Melhor roteiro: Jonatas Rubert, - "Diferença entre Mongóis e Mongoloides"
Melhor fotografia: Flora Fecske - "O Abraço"
Melhor montagem: Frederico Restori - "Sinal de Alerta Lory F"
Melhor direção de arte: Gabriela Burck - "Diferença entre Mongóis e Mongoloides"
Melhor trilha sonora: Gutcha Ramil, Andressa Ferreira e Ian Gonçalves Kuaray - "Mby Á Nhendu - O Som do Espírito Guarani"
Melhor desenho de som: Andrez Machado - "Fagulha"
Melhor produção executiva: Henrique Lahude - "Drapo A" 
Menção honrosa: "Drapo A" 
Prêmio da crítica (ACCIRS): "Apenas para Registro"

LONGA-METRAGEM DOCUMENTAL

Melhor Filme – “Um Par Pra Chamar de Meu”, de Kelly Cristina Spinelli.                 
Menção Honrosa – “Elton Medeiros – O Sol Nascerá”, de Pedro Murad, pela valorização do compositor, parceiro dos grandes nomes da música popular brasileira, e também pelo rigor formal e criativo na recriação visual da vida e das grandes composições de Elton Medeiros, que faleceu em 2019. Parabéns ao diretor Pedro Murad e equipe.



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues, Leocádia Costa e ACCIRS

domingo, 27 de novembro de 2022

Live Museu do Festival de Cinema de Gramado - Homenagem a Sirmar Antunes (24/11/2022)


Tive a honra de mediar, dias atrás, a convite do meu amigo e colega de profissão e de ACCIRS Matheus Pannebecker, uma live promovida pelo Museu do Festival de Cinema de Gramado em homenagem ao ator Sirmar Antunes. Na ocasião, durante a Semana da Consciência Negra, pude intermediar uma conversa muito proveitosa com a cineasta Mariani Ferreira e a educadora e integrante do Coletivo Sanfoka - Valorização da Diversidade Cultural Lis Reis. 

Com quase 50 anos de carreira no cinema e no teatro, Sirmar, falecido em agosto deste ano, dias antes da realização do 50º Festival de Cinema de Gramado, do qual ele tanto é uma referência quanto, igualmente, participaria como jurado, foi um dos mais queridos e competentes homens do audiovisual gaúcho. 

Na live, pelo Instagram do Museu, Mariani e Lis trouxeram seus olhares afetivos e conscientes tanto sobre Sirmar quanto a condição da pessoa negra nos seus meios e na sociedade como um todo. A própria existência e exemplo de Sirmar, aliás, deu este lastro para que o tema se aprofundasse. Chamou-me atenção, além das próprias falas das convidadas, a capacidade de enxergar a questão da negritude pela ótica da coletividade e da ancestralidade. 

Particularmente, tenho grande apreço pela figura de Sirmar tanto como ator preto quanto por sua importância referencial no cinema gaúcho que aprendi a gostar desde os anos 80. É ele quem interpreta o Sargento de “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, de 1986 (Jorge Furtado e José Pedro Goulart), filme especial em minha trajetória como cinéfilo e crítico de cinema, tanto por ter me apresentado a ele quanto por ser um dos filmes mais pungentes sobre o racismo que já assisti. Esta obra, inclusive, me motivou a escrever, em 2020, uma resenha crítica após o episódio de racismo na live da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos do Rio Grande do Sul (APTC-RS) sobre o filme “Inverno”, e que envolveu, aliás (mas não coincidentemente, por mais triste que seja) a própria Mariani. Várias conexões.

Enfim, confiram o vídeo, que vale a pena.

SOBRE MARIANI FERREIRA
É roteirista, diretora e produtora. Começou sua carreira como trabalhadora doméstica, estudou jornalismo, foi crítica de cinema e redatora e diretora de publicidade. Atualmente trabalha como roteirista na TV Globo. Seu filme de estreia, o curta-metragem de ficção “Léo", foi exibido em diversos festivais pelo mundo. Mariani também é produtora executiva e roteirista do documentário “O Caso do Homem Errado”. Também é roteirista da sitcom “Necrópolis”, exibida pela Netflix, e diretora do curta-metragem "Rota", que ganhou Menção Honrosa do Júri do 49º Festival de Gramado e o Prêmio Canal Brasil de Curtas no Cabíria Festival de 2021. Em 2022, estreia duas séries das quais é criadora e roteirista, a animação "Os Pequenos Crononautas" e o drama histórico "Filhos da Liberdade".

SOBRE LIS REIS
Educadora da rede de Gramado, trabalha com consciência vocal desde 2009. Participa como cantora em espetáculos da região desde 2004. Atuando como  oficineira em pontos de cultura e de grupos teatrais nas cidades de Canela e Gramado. Integrante do coletivo Sankofa.

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Assista: https://www.instagram.com/p/ClXH8zPh_XB/ 


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

53º Festival de Cinema de Gramado - Bastidores e Premiações


Júri de Longas Gaúchos:
ao lado das colegas
Gabi e Keyti
Minha proximidade e intimidade com o Festival de Cinema de Gramado vem numa crescente desde que passei a, ainda na pandemia, a participar mais ativamente daquele que é o maior festival de cinema do Brasil. Se em outros anos compus Júri da Crítica, comissão de seleção de curtas-metragens brasileiros e, nas duas últimas edições, o júri do Prêmio Accirs, que revela o prêmio da crítica para a Mostra Gaúcha de Curtas-Metragens no Prêmio Assembleia Legislativa, ocorrido durante o evento, desta vez a experiência foi ainda mais completa. Segunda edição à frente da Accirs e primeira em tempo integral, desta vez minha participação foi para a composição do júri de longas gaúchos.

Juntamente com minhas queridas colegas, a gaúcha Gabrielle Fleck, atriz e produtora gaúcha baseada em Los Angeles, Estados Unidos, e Keyti Souza, produtora executiva baiana, formamos um júri coeso e harmonioso. E principal: saímos os três satisfeitos com o resultado de nossa deliberação, que distribuiu de forma meritocrática Kikitos para todos os cinco filmes da mostra. 

Afora essa incumbência, claro, também integrei, assim como no ano passado, o nosso querido júri do Prêmio Accirs na 22º Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas no primeiro final de semana. Ao lado dos colegas Mônica Kanitz, Paulo Casanova, Roger Lerina, Cristian Verardi e Ivana Almeida da Silva, premiamos com certificado o filme “Gambá”, dirigido por Maciel Fischer, o qual tive novamente a alegria de entregar no palco do Palácio dos Festivais. Outro orgulho também foi a presença preta nos júris do festival, uma vez Keyti e eu estivemos acompanhados das ilustres Fernanda Lomba, Dríade Aguiar, Isabel Fillardis e Polly Marinho. O registro, pode-se dizer, resultou numa foto histórica para o festival de Gramado.

Entregando o Prêmio Accirs para o curta gaúcho "Gambá"

Mas o bom mesmo de festival de filmes é ver... filmes! Ao todo, assisti 45 deles, entre documentários, curtas e longas, dentre estes, “O Último Azul”, vencedor do Urso de Prata em Berlim que fez sua pré-estreia em Gramado. Da programação geral, o destaque realmente fica por conta dos longas brasileiros, praticamente 100% de acerto, a não ser o fraco “Querido Mundo” (RJ), de Miguel Falabella, um “Sai de Baixo” cinematográfico esquizofrênico e indeciso entre a linguagem do cinema e do teatro. 

Afora este, só filmes de alto nível, como os ótimos “Cinco Tipos de Medo” (MT), grande vencedor do 53º Festival de Cinema de Gramado (levou para casa quatro Kikitos: Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Montagem para Bini, além do prêmio de Melhor Ator Coadjuvante para Xamã), “Nó” (PR) e “A Natureza das Coisas Invisíveis” (DF), meu preferido da mostra. Já as outras mostras foram bastante mais inconstantes. A de documentários brasileiros, por exemplo, continha filmes mais fracos que alguns da mostra de longas metragens gaúchos, tal “Uma em Mil” ou o grande vencedor, “Quando a Gente Menina Cresce”, melhores que qualquer um dos candidatos nacionais.

Momento histórico dos jurados pretos em Gramado: eu com 
Fernanda Lomba, Dríade Aguiar, Keyti, Isabel Fillardis
e Polly Marinho
Na mostra de curtas nacionais, idem. A seleção trouxe um conjunto mais fraco em relação ao do ano passado, o mesmo para com os curtas gaúchos. O que talvez explique seja a enxurrada de inscrições justificada este ano por conta das produções realizadas a partir das leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, que faz aumentar o número de filmes, mas não necessariamente de filmes bons, uma vez que dá espaço para realizadores ainda imaturos cinematograficamente falando. Melhor assim do que os recentes anos de falta de incentivo e negacionismo.

Chamou atenção, por fim, os vários filmes de criança nas diferentes categorias, tipo de temática não tão corrente no cinema brasileiro. Dos curtas gaúchos, os ótimos “Gambá”, laureado por nós da Accirs, e “Trapo”, grande vencedor da Mostra Gaúcha, são quase filmes irmãos, tamanha semelhança narrativa e temática. Ambos tratam do universo infantil e trazem, ludicamente, questões como amadurecimento, medos e anseios. Entre os longas gaúchos, outro filme nesta linha: o já mencionado “Quando...”, que trata sobre a passagem da infância para a adolescência de meninas na fase da primeira menstruação.  

Nos curtas e longas brasileiros, idem. O curta paranaense “Quando Eu For Grande”, sobre um menino que volta para casa com sua mãe após uma visita ao pai e ao irmão na prisão, carregando dúvidas e incertezas sobre o futuro, e o longa candango “A Natureza...”, que trata da relação de duas meninas na faixa dos 10 anos, são exemplares.

A clássica foto final com os premiados

Ademais, confiram, então, os premiados da edição de 2025. Ano que vem tem mais.

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LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS

Melhor Filme: "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini

Melhor Direção: Laís Melo, por “Nó”

Melhor Ator: Gero Camilo, por “Papagaios”, de Douglas Soares

Melhor Atriz:  Malu Galli, por "Querido Mundo", de Miguel Falabella

Melhor Roteiro: Bruno Bini, por "Cinco Tipos de Medo" 

Melhor Fotografia: Renata Corrêa, por "Nó", de Laís Melo 

Melhor Montagem: Bruno Bini, por "Cinco Tipos de Medo" 

Melhor Trilha Musical: Alekos Vuskovic, por "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo

Melhor Direção de Arte: Elsa Romero, por "Papagaios", de Douglas Soares

Melhor Atriz Coadjuvante: Aline Marta Maria, por "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo 

Melhor Ator Coadjuvante: Xamã, por "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini

Melhor Desenho de Som: Bernardo Uzeda, Thiago Sobral e Damião Lopes, por "Papagaios", de Douglas Soares

Prêmio Especial do Júri: "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo

Menção Honrosa: "Sonhar com Leões", de Paolo Marinou-Blanco

Melhor Filme pelo Júri Popular: "Papagaios", de Douglas Soares 

Melhor Filme pelo Júri da Crítica: "Nó", de Laís Melo


Xamã, premiado como Melhor Ator Coadjuvante por seu papel e "Cinco..."


CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS

Melhor Filme: “FrutaFizz”, de Kauan Okuma Bueno

Direção: Adriana de Faria, por “Boiuna”

Ator: Pedro Sol Victorino, por “Jacaré”

Atriz: Jhanyffer Santos e Naieme, por “Boiuna”

Roteiro: Ítalo Rocha, por “Réquiem para Moïse”

Fotografia: Thiago Pelaes, por “Boiuna”

Montagem: Lobo Mauro, por “Samba Infinito”

Trilha Musical: As Musas, por "As Musas"

Direção de arte: Ananias de Caldas e Brian Thurler, por “Samba Infinito”

Desenho de som: Marcelo Freire, por “Jeguatá Xirê”

Prêmio Especial do Júri: "Aconteceu a Luz da Lua", de Crystom Afronário

Menção Honrosa: "Quando Eu For Grande", de Mano Cappu

Prêmio Júri da Crítica: “O Mapa em que Estão Meus Pés”, de Luciano Pedro Jr.

Prêmio Canal Brasil de Curtas: “Na Volta Eu Te Encontro”, de Urânia Munzanzu

Melhor Filme Júri Popular: “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli

"Frutafrizz", melhor curta brasileiro no 53º Festival de Gramado


LONGAS-METRAGENS DOCUMENTAIS

Melhor Longa-metragem Documentário: “Lendo o Mundo", de Catherine Murphy e Iris de Oliveira

Menção Honrosa Documentário: "Para Vigo Me Voy!", de Lírio Ferreira e Karen Harley

O doc sobre Paulo Freire e seu método de ensino levou o principal Kikito na categoria


LONGAS-METRAGENS GAÚCHOS - MOSTRA SEDAC/IECINE

Melhor Filme: “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli

Direção: Jonatas e Tiago Rubert, por “Uma em Mil”

Ator: Stephane Brodt, por “Passaporte Memória”

Atriz: Lara Tremouroux, por “Passaporte Memória”

Roteiro: Jonatas e Tiago Rubert, por “Uma em Mil”

Fotografia: Bruno Polidoro, por “Bicho Monstro”

Direção de arte: Gabriela Burck, por “Bicho Monstro”

Montagem: Joana Bernardes e Thais Fernandes, por “Uma em Mil”

Desenho de som: Rodrigo Ferrante e André Tadeu, por “Rua do Pescador n° 6”

Trilha musical: Renato Borghetti, por “Rua do Pescador n° 6”

Menção Honrosa: para o elenco feminino de "Quando a Gente Menina Cresce"

Melhor Filme pelo Júri Popular: “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli

Prêmio Iecine Destaque: “Um é Pouco Dois é Bom”, de Odilon Lopez (recebido por Vanessa Lopez)

Prêmio Iecine Inovação: Victor Di Marco e Marcio Picoli 

Prêmio Leonardo Machado: Araci Esteves

Prêmio Iecine Legado: Gustavo Spolidoro

Prêmio Sirmar Antunes: Glória Andrades 

O belo "Quando...": merecia estar na mostra nacional

MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS - PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

Melhor filme: ‘Trapo’

Melhor direção: Viviane Jag Fej Farias e Amalia Brandolff (‘Fuá – O Sonho’)

Melhor atriz: Mikaela Amaral, por‘Bom Dia, Maika!'

Melhor ator: Igor Costa, por ‘O Pintor’

Melhor roteiro: Cássio Tolpolar, por ‘Imigrante/Habitante’

Melhor fotografia: Takeo Ito, por ‘Gambá’

Melhor direção de arte: Clara Trevisan, por ‘Mãe da Manhã’

Melhor trilha sonora/música: Zero, por ‘Bom Dia, Maika!’

Melhor montagem: Alfredo Barros, por ‘Imigrante/Habitante’

Melhor figurino: Samy Silva, por ‘A Sinaleira Amarela’

Melhor edição de som/desenho de som: Vini Albernaz, por ‘Mãe da Manhã’

Melhor produção/produção executiva: Renata Wotter, por ‘O Jogo’

Melhor filme - Prêmio Accirs - Júri da Crítica: ‘Gambá’

"Trapo", um dos filmes de criança do festival, levou o troféu de Curta Gaúcho


HOMENAGENS ESPECIAIS

Troféu Kikito de Cristal: Rodrigo Santoro

Troféu Eduardo Abelin: Mariza Leão

Troféu Oscarito: Marcélia Cartaxo



Daniel Rodrigues