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segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

As Minhas 14 Preferidas de Suzanne Vega (16, na verdade)


Tem convites que são mais presentes que pedidos. Falar de Suzanne Vega já é algo que me apraz. Afinal, não é de hoje - desde os anos 80, pra falar a verdade, lá se vão mais de 30 anos - que admiro imensamente a obra desta artista californiana dona de um estilo muito próprio e sofisticado de música pop. Já a resenhei em duas ocasiões nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do blog, aliás. E o convite? Montar uma lista com 14 músicas preferidas do cancioneiro de Miss Suzanne. Um pedido mais que uma ordem, ainda mais vindo de outro fã da artista, meu amigo igualmente radialista André Buda, para a montagem de um programa especial O Método Buda de Controle Mental na Internova Rádio Web. Aí, falar de Suzanne Vega e montar lista não é tarefa: é juntar dois prazeres.

Muito já compartilhamos André e eu impressões em relação a ela e sua encantadora música. Parte delas, pois, está nesta listagem. A melodista incrivelmente criativa. A poeta e songwritter folk. A feminista consciente e existencialista. A cantora da voz de cristal e da dicção perfeita. A conhecedora de todos os caminhos para uma composição pop e cantarolável. A exímia violonista. Enfim, características que vão aparecendo no decorrer das selecionadas e que denotam, todas a seu modo, uma arte pop altamente elegante. 

Porém - e isso é uma das premissas que levou André a me convidar a colaborar tanto quanto o gosto que comungamos - o óbvio foi evitado. Ou seja, o megahit "Luka" e até "Tom's Diner", que tocou bastante no início dos anos 90 com o remix dance feita pela dupla inglesa D.N.A., não estão contemplados. Adoro ambas as músicas, aliás, mas Suzanne é muito mais do que elas. Está aqui, sim, uma playlist de 16 canções na ordem cronológica de suas feituras que, para além de transmitirem essas características as quais mencionei anteriormente (bem como outras possíveis de serem percebidas), o que se dá naturalmente, refletem a versatilidade da autora ao longo dos quase 40 anos de carreira e dão, assim, a dimensão de seu talento e de sua rica obra. 

Ah! E deram 16 faixas no final, pois convenci André de socar mais duas além das que tinha pedido. Coisa de fã, consentimento de outro fã. Mesmo assim fiquei me coçando pra incluir outras amadas, como "Book of Dreams", "Night Vision", In Liverpool", "Unbound", "Pornographer's Dream"... Paciência. Mas a quem estiver lendo esta seleção, além das escolhidas, recomendo fortemente a audição destas aqui também, quando não de seus discos completos.

Seja folk, bossa nova, ethnic, blues, jazz, punk, rap, tecno ou clássica. Tudo está na voz e no violão de e uma das artistas mais completas da música pop. Uma pequena deusa, que nem todos acham ou sabem. Mas André e eu concordamos com isso, isso que importa.

*********

O emblemático
primeiro disco
1. "The Queen and the Soldier"
(de Suzanne Vega”, de 1985)

A veia literata da filha de professora e poeta num folk “coheniano”. Suzanne no primeiro disco dizendo a que veio. 



 
2. "Ironbound / Fancy Poultry" (de “Solitude Standing”, de 1987)
Quanta elegância musical dessa mulher, credo! Folk-soul-pop com pitadas de bossa nova - sem ser nenhum deles propriamente dito. 

 
3. "Tired of Sleeping" (de “Days of Open Hand”, de 1990)
Perfect pop pra começar arrasando o terceiro disco. Daquelas perfeitas em tudo: letra, arranjo, estrutura, canto, poesia. 


O ótimo "Days...", com 3
na lista
4. "Rusted Pipe" (de “Days of Open Hand”, de 1990)
Afropop com a elegância só dela. Craque em melodias de voz. 
OUÇA AQUI
               







5. "Fifty-Fifty Chance" (de “Days of Open Hand”, de 1990)
A mais beatle de todas de Suzanne, e ainda com arranjo de Philip Glass. Que luxo. 


              
6. "Rock in This Pocket (Song of David)" (de "99.9 F°", de 1992)
Pedrada feminista pra arrancar o ótimo 99.9. Suzanne se renova em alto estilo. 


7. "Blood Makes Noise" (de "99.9 F°", de 1992)
Eletrorap com o fluxo sanguíneo como batida, é isso mesmo? Genial (e um baita clipe)



8. "99.9 F°" (de "99.9 F°", de 1992)
De novo a África correndo nas veias. Sensual pra caralho. 


9. "Blood Sings" (de "99.9 F°", de 1992)
Literalmente, encarnada. Das melodias misteriosas de Suzanne. Triste, triste! Mas linda, linda! E como toca violão, como canta com afinação e assertividade, cruzes! 


10. "Birth-Day (Love Made Real)" (de “Nine Objects of Desire”, de 1995)
Essa vem lá de dentro da selva, de tão orgânica que é. Começo arrasador do melhor disco de Suzanne. 

11. "Caramel" (de “Nine Objects of Desire”, de 1995)
Sinceramente: só uma grande compositora pra fazer uma bossa nova com essa elegância e personalidade sem ser brasileira



12. "Thin Man" (de “Nine Objects of Desire”, de 1995)
Outro samba da brasileirinha Suzanne. Quanta sensualidade - e letra na primeira voz feminina. 


13. "World Before Columbus"
 
(de “Nine Objects of Desire”, de 1995)
Das mais tocantes de sua quase irretocável obra. Que letra, que melodia! Quanta beleza! 


Filme brasileiro
"Jenipapo"
14. "Ignorant Sky"
(da trilha sonora do filme “Jenipapo”, de 1995)

A única que não é de sua autoria, mas o motivo é grandioso, pois é parceria de Philip Glass com Antonio Cícero. Tá bom? 


 

15. "Penitent" (de "Songs in Red and Gray", de 2001)
A songwriter ataca de novo! Que fineza ao cantar! Outra abertura de disco. 



Arte do Blue Note
"B&C"
16. "Zephyr & I"
(de “Crime and Beauty”, de 2007)

A música de Suzanne já é charmosa, agora imagine gravada pelo selo Blue Note?! E como sabe abrir um disco, né?




Daniel Rodrigues


segunda-feira, 21 de março de 2022

Suzanne Vega - “99.9 F°” (1992)

 

“'Foi muito emocionante trabalhar com ele, porque a música era sua paixão e ele sabia muito sobre isso.”
Suzanne Vega sobre Mitchell Froom, em entrevista de 2017

"Você me parece/
Como um homem/
A ponto de queimar/
99,9 graus Fahrenheit"
Da letra da faixa-título

Dizem que as paixões são febris. Intensas, podem durar pouco como o fulgurante instante de um gozo, mas nem por isso - na verdade, inclusive por isso – deixam de ficar marcadas para sempre na pele de quem sente. E quando se juntam paixão carnal e espiritual, então! Aí o ser humano atinge o raro momento de completude. Suzanne Vega pode dizer que viveu um momento assim há exatos 30 anos. Cantora e compositora de mão cheia e poetisa afiada, esta nova-iorquina filha de um escritor e de uma professora traz na voz doce e afinada a pronúncia cristalina de um inglês o qual se vale com sensibilidade e inteligência literária, buscando referências tanto nas feministas quanto na geração beat. De ouvido raro, adiciona ainda à sua musicalidade a música brasileira, latina, celta e do Oriente. Foi com essa personalidade única que Suzanne surgiu com seu folk pop para o showbizz no elogiado disco de estreia, em 1985. 

No entanto, já no segundo trabalho, “Solitude Standing”, de dois anos depois, aconteceu-lhe o que todo artista pop almeja: fama. O hit “Luka”, 3º lugar na Billboard Hot 100 e indicado a Grammy em três categorias, estourou e tornou-a mundialmente conhecida. Porém, perigosamente estigmatizada. Suzanne Vega havia virado sinônimo de “Luka”. O que poderia ser bom para muito artista descompromissado com sua obra, para alguém como ela, que sabia ter muito ainda a dizer, definitivamente não era. Parafraseando a letra da própria música, Suzanne precisava sair daquele mesmo segundo andar em que Luka morava e mudar-se para outro lugar longe dali. 

Depois de “Solitude...”, veio ainda o belo “Days of Open Hand”, de 1990, nova parceria com o produtor e arranjador Anton Sanko, com quem havia obtido o seu até hoje maior êxito comercial. Mas Suzanne sentia que precisava de algo mais, algo que a movesse, que a desacomodasse. Que fizesse pulsar seu coração de forma diferente. Uma paixão. Foi então que o destino lhe pôs na frente o músico e produtor Mitchell Froom, que havia trabalhado com Elvis Costello e Los Lobos. Suzanne e Froom identificaram-se, apaixonaram-se e passam a viver sob o mesmo teto, tanto do estúdio quanto de casa. Num intervalo de 6 anos, casaram-se, tiveram uma filha, Ruby, e produziram dois discos, os melhores da carreira de Suzanne: “Nine Objects of Desire”, de 1996, e o primeiro em colaboração: o não coincidentemente intitulado “99.9 F°”: a temperatura do corpo, correspondente a 37,72°C, a partir da qual pode-se considerar que alguém está com febre.

O disco, de fato, respira essa ruptura artística e pessoal de Suzanne, que urgia mostrar isso. O recado é dado já no primeiro verso de “Rock in this Pocket”, a impressionante faixa de abertura em que ela diz elegantemente, como lhe é característico, mas de maneira abertamente confessional: "Desculpe/ Se eu puder/ Volte sua atenção/ A meu caminho/ Um momento/ Eu não vou implorar/ Não é muito/ É o que eu preciso". E que refrão! (“And what's so small to you/ Is so large to me/ If it's the last thing I do/ I'll make you see” - “E o que é tão pequeno para você/ É tão grande para mim/ Se é a última coisa que eu faço/ Eu vou fazer você ver”). A ideia do álbum está já toda ali, em brasa: sonoridade moderna, discurso intimista, texturas, poesia e a evolução conceitual de uma artista parindo a si própria para uma nova vida.

Em “99.9F°”, mantém-se a seresteira da tradição voz e violão e a criadora de "chicletes de ouvido" melodiosos, mas adiciona a isso a visão de uma mulher madura, sensualizada e de veias pulsantes. É esta a ideia da brilhante “Blood Makes Noise”, em que uma programação eletrônica engendra um ritmo que supõe o som de um fluxo sanguíneo, como se fosse possível captar - e transformar em música - a sensação de um corpo afogueado de tesão, de urgência. A sonoridade dá forma a esta nova proposta na injeção pertinente de sons sintetizados, vestindo a música naturalmente criativa dela com uma roupagem moderna. Longe da singeleza melancólica de “Luka”, dá pra ouvir até os respiros de Suzanne enquanto canta este rap estilizado e potente: “Mas o sangue faz barulho/ É um zumbido no meu ouvido/ O sangue faz barulho/ E eu não posso ouvi-lo/ No espessamento do medo”.

O excelente clipe de "Blood Makes Noise"
dirigido pelo alemão Nico Beyer

A faixa-título, por sua vez, leva ainda mais às entranhas a dicotomia carne/espírito. Se “Blood...” emula através de sons mecânicos a ideia de um organismo vivo, “99.9° F” reconduz a artista a origens selvagens, instintivas. Numa espécie de tribal pop, Suzanne dança nua em plena floresta para atrair o seu amor: “Algo legal/ Contra a pele/ É o que você/ Pode estar precisando”. Prenúncio de sexo quente.

Já na lírica “In Liverpool”, outra joia do disco, vê-se a cantora e compositora de temas melodiosos como “Night Vision”, de “Solitude...”, e “Thin Man”, do posterior “Nine...”, certeira em sua delicadeza. Tão lírica que foi a música escolhida por Suzanne para dividir os vocais com o tenor italiano Luciano Pavarotti em “Pavarotti & Friends”, daquele mesmo 1992. Aliás, lirismo este o qual a norte-americana nunca abandonou. Com “Blood Sings”, que vem na sequência, ela reitera a temática "blood on the tracks" do disco – já a essas alturas o mais ousado de sua carreira. Porém, fez resgatando a singer woman dos primórdios. Somente voz e violão de aço tocado com dedos chorosos e uma melodia primorosa, a la Bob Dylan e Leonard Cohen, dois de seus ídolos, igual os que ela inundou seu primeiro disco, em 1985. “Quando o sangue vê sangue/ De si próprio/ Ele canta para se ver novamente/ Ele canta para ouvir a voz que é conhecida/ Ele canta para reconhecer o rosto”. Triste e profundamente bela. 

A ótima banda, que conta com o próprio Froom aos teclados e arranjos, mais Bruce Thomas, ao baixo, Jerry Marotta, bateria e percussão, e David Hidalgo, Tchad Blake e Richard Pleasance, nas guitarras – além de Suzanne no violão base –, dá uma reviravolta no climão deixado pela faixa anterior e engata a simpática “Fat Man And Dancing Girl”. Algo como um eletro-jazz em que se ouve com destaque o baixo, aqui tocado por Jerry Scheff, sob a arquitetura sonora estilosa dada por Froom na mesa de estúdio. Mesma coisa ele faz em “(If You Were) In My Movie”, de ares arábicos como Suzanne já havia feito em “Room of the Street”, de “Days...”, mas agora mais texturizado, encorpado. Por feitos como este, ele recebeu indicação ao Grammy de produtor do ano em 1993 por este disco.

Sequência de fotos da arte do encarte:
Suzanne descobre-se feminina e plena

Já em “As a Child”, Froom põe sua musa a brincar num carrossel de parque de diversões, literalmente, como uma criança, enquanto que “Bad Wisdom”, logo em seguida, quebra de novo o estado de euforia. Introspectiva, tem a cara dos tradicionais temas do folclore norte-americano, especialidade de Suzanne, a se ver pela cara country que ela sabe muito bem imprimir como já o fizera em “Predictions”, de “Days...”, e “Cracking”, do álbum de estreia. E como Suzanne está cantando bem! Impossível não lembrar uma de suas principais referências no canto, a bossa-novista brasileira Astrud Gilberto

Num disco tão peculiar como este, até o “perfect pop” não é, assim, tão “perfeito”. Diferentemente do que fez em exemplos clássicos disso, como “Book of Dreams” e a própria “Luka”, em “When Heroes Go Down” ela não respeita o tempo de duração comum a uma música de trabalho (entre 3min30 e 4min), e condensa a ideia em menos de 2 min! Mas o faz aproveitando cada segundo, visto que é daquelas de sair dançando imediatamente. Com cara de que se está se encaminhando para o final, “As Girls Go”, com um excelente solo de guitarra de Richard Thompson ao final, tem, regendo toda a banda, o violão. O velho violão desde sempre tocado com muita habilidade por Suzanne, outra de suas marcas. 

Pinho, aliás, que encerra triunfalmente um álbum surpreendente até nisso. Se começou e se manteve repleto de efeitos e experimentações, agora baixa a rotação e aposta na simplicidade do acústico. “Songs of Sand”, deprê, mas absolutamente poética em letra e melodia, faz Suzanne remeter ao violão perfeito e a colocação exata das frases vocais de Nick Drake. As cordas, arranjadas por Froom, adensam ainda mais essa atmosfera. É o violão também que volta puro novamente na valseada “Private Goes Public” (faixa adicional da edição europeia), em que se ouvem apenas as cordas para finalizar o repertório: as do seu vocal e as do instrumento.

Mesmo com esse encerramento, “99.9F°” é, nos seus contornos e contrastes, um instante de êxtase. Naquele começo de anos 90, Suzanne sabia que nunca mais faria o sucesso que fez com “Luka”, e pelo visto nem desejava isso. Queria, a partir de então, satisfazer-se, estar plena como mulher e artista, e em Mitchell Froom ela encontrou abrigo para tal aspiração existencial. Mas como o fogo dos arrebatados, a chama foi arrefecendo. Como uma fogueira acesa, ainda teve força para iluminar o sensual “Nine...”, registro daquele momento da relação em que ainda desconfiavam se o ardor poderia transformar-se em amor eterno. Não aconteceu: Suzanne e Froom separaram-se e nunca mais voltaram a trabalhar juntos. A temperatura, antes febril, foi baixando cada vez mais no ponteiro do termômetro até voltar a um grau de normalidade corporal. A paixão, tal uma enfermidade deleitosa, enfim, passou. Suzanne, hoje casada há 16 anos com outro homem, talvez veja um disco como 99.9F°”, gravado há três décadas, como algo valioso mas pertencente a um passado muito distante. Da MPB que ela tanto adora, talvez se enxergue naqueles sábios versos de Chico Buarque“vestígios de estranha civilização”.  Já Froom, por sua vez, quem sabe ainda pense consigo mesmo ouvindo a mesma música: “Futuros amantes, quiçá/ Se amarão sem saber/ Com o amor que eu um dia/ Deixei pra você”.

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FAIXAS:
1. “Rock In This Pocket (Song Of David)” - 3:31
2. “Blood Makes Noise” - 2:28
3. “In Liverpool” - 4:41
4. “99.9F°” - 3:15
5. “Blood Sings” - 3:18
6. “Fat Man And Dancing Girl” - 2:18 (Mitchell Froom/ Suzanne Vega)
7. “(If You Were) In My Movie” - 3:06
8. “As A Child” - 2:56
8. “Bad Wisdom” - 3:22
9. “When Heroes Go Down” - 1:54
10. “As Girls Go” - 3:26 (Nils Petter Molvær/ Vega)
11. “Private Goes Public” - 1:57
Todas as composições de autoria de Suzanne Vega, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Música da Cabeça - Programa #29


“E 29 anjos me salvaram”. E salvo pela música, claro! Pois chegamos ao programa de nº 29, que vai ao ar hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Os amigos alados nos trazem esta semana desde a docilidade angelical de Suzanne Vega e Hubert Laws até a energia dos anjos rebeldes, com o rock brasileiro e alternativo ou com o tropicalismo. Ah! Também tem aqueles anjos invocam a ancestralidade e a cultura afro-brasileira. Estamos falando damúsica de Paulo César PinheiroMarlui Miranda e Jards Macalé. Bem: motivo de sobra pra não perder o programa de hoje. Produção, apresentação e auréola: Daniel Rodrigues.



Ouça: Programa #29

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Suzanne Vega - "Nine Objects of Desire" (1996)

Os (12) Objetos de Desejo de Miss. Suzanne


“Quem se lembra de Suzanne Vega apenas pelo hit mundial ‘Luka’
está perdendo a chance de conhecer
uma das artistas mais inteligentes da música do nosso tempo.
Ela vem de um passado folk,
mas a partir do trabalho com o produtor Mitchell Froom
lançou alguns dos melhores discos da carreira.
Este álbum traz Suzanne Vega num estado encantado.
Falando de coisas que acontecem à sua volta com um olhar delicado,
a compositora e violonista nos transporta para perto dela.
O disco é permeado de sonoridades instigantes.
Doses certeiras de dúvida existencial,
sensualidade, paixão e alguns mistérios.”
Fernanda Takai



Na minha adolescência, eu e meus amigos sempre tivemos gostos musicais parecidos. Éramos praticamente unânimes quanto a The Cure e The Smiths, por exemplo. Mas todos tinham suas paixões, aqueles pelos quais nutriam um sentimento especial. Não que se deixasse de gostar também em certa medida do que os outros preferiam; mas aquele era “queridinho” de cada um. Tinha quem fosse fã de Sting, de Depeche Mode, de New Order, de Genesis. A minha “queridinha” era Suzanne Vega. Sempre me encantaram a elegância, a limpidez da voz e o lirismo das músicas dessa compositora, violonista, poeta e cantora surgida nos anos 80 com seu estilo folk-pop arrojado que remete a Leonard CohenLou ReedBob Dylan e a bossa nova – especialmente Astrud Gilberto. Percebi que, desde o início, ela trilhara por um caminho de invariavelmente trabalhos bem elaborados, que, por consequência, lhe renderam grandes sucessos, como “Tom’s Diner”, “Book of Dreams”, “Blood Makes Noise” e, principalmente, o belo e melancólico megahit “Luka”. A música, um dos melhores exemplos de perfect pop de toda a história do rock, encheu seus bolsos e a deixou mundialmente conhecida.

Mesmo com o estrelato, Suzanne Veja nunca quis ser apenas “a cantora de Luka”. Com o inseparável violão, ela construiu uma carreira sólida e em crescente evolução, primando pelas letras literárias, harmonias e arranjos sofisticados e pungentes, batida do violão marcante, influências da MPB, dos sons étnicos e até da vanguarda (haja vista as parcerias com Philip Glass). Depois do aclamado álbum de estreia (produzido por Lenny Kaye e Steve Addabbo, de 1985), teve como parceiro e arranjador o competente Anton Sanko, com quem cunhou “Solitude Standing”, de 1987, e “Days of Open Hand”, de 1990. Quis o destino, entretanto, que, em 1991, ela conhecesse o também versátil Mitchell Froom – que trabalhara com Elvis Costello no passado. Não só trocou de parceiro na música como o assumiu na vida, casando-se com Froom e tendo como fruto (até se separarem, em 1998) uma filha, Ruby, e dois excelentes discos: o “febril” “99.9 F°”, de 1992; e este, o primoroso “Nine Objetcs of Desire”, de 1996.

Auge da musicalidade da artista, auge da feminilidade da mulher. Mãe pela primeira vez e próxima de completar 40 anos, Suzanne realça a sua beleza alva e doce de bailarina profissional (é graduada em Dança Moderna desde os 18) e compõem um disco arrasador em que vida artística e pessoal se homogeneízam. São 12 faixas em que Miss. Suzanne aborda temas como sexo, maternidade, prazer, orgasmo, castidade, culpa. Elementos do imaginário feminino e íntimo, do erotismo à religião, estão expostos, na epiderme. Tudo com uma sensibilidade ímpar e num invólucro perfeito. Desde a capa, em que Suzanne aparece com uma maçã, a picardia está presente. Mas do jeito dela, sob sua ótica (tanto que a maçã não é eroticamente vermelha, mas exoticamente verde). Na arquitetura sonora, Froom estabelece um diálogo igualmente inteligente entre sons eletrônicos, instrumentos de base e timbres, modulados pela mesa de som com tamanha adequação que somente alguém muito próximo à artista como ele poderia realizar.

Uma batida tribal dá os primeiros acordes, quando entra um brilhante riff de guitarra heavy-country. É “Birth-Day”, faixa inicial que relata, numa poesia forte, o momento do parto (“Uma coisa eu sei/ esta dor vai passar/ Atravesso tudo o que me resta sentir/ Eu espero para conhecer o meu amor se tornando real”). No refrão, o nascimento; e os sons não se fazem cândidos, mas, sim, estouram saborosamente ruidosos. Como diria Tom Zé: um rebento como um “orgasmo invertido”.

Em “Headshots”, a sensação de sensibilidade à flor da pele é evidente. Desde a bateria e o baixo retumbantes até à voz e a respiração de Suzanne, a qual é ouvida no mesmo patamar sonoro que os enigmáticos samples de cítara, do gongo oriental e do sensual assovio. Exímia contadora de histórias, na tradição dos bons trovadores folk-country norte-americanos, Suzanne fala sobre uma mulher que vê estampado num anúncio de “procura-se” o rosto de um ex-amor, que agora parece triste e fatalmente distante dela: “A placa diz ‘Headshots’/ É tudo que eu vejo/ Um menino torna-se uma imagem/ De culpa e simpatia/ E então eu penso em você/ Em memória/ Dos dias em que estávamos juntos/ E eu sabia que você me amava/ Essa era a diferença/ Daquilo que vemos/ Mas isso é história.../ Ah...”.

Enteada de um escritor porto-riquenho, Ed Vega (com quem aprendera o gosto pela poesia e literatura), Suzanne cresceu, por causa dele, na região latina de Manhattan, Nova York. Por isso, sua veia de música brasileira não só se justifica como é extremamente presente. “Caramel”, hit do disco, talvez seja o segundo melhor exemplo disso em seu cancioneiro: uma linda bossa nova com todos os elementos característicos da batida de João Gilberto e a complexidade harmônica de Tom Jobim. A letra, sobre um amor impossível, carrega em referências sensoriais ao paladar (“caramelo”, “canela”, “pele”). E ela diz: “Então, adeus/ doce apetite/ Nem uma única mordida/ Poderia satisfazer...”. A voz de Suzanne é suave, sugerindo um sussurro de dor e prazer. O refrão é ainda mais belo com a característica pronúncia perfeita de seu canto. E o charme do solo de clarinete, então!? Um show.

Digo que “Caramel” é a “segunda” grande bossa de Suzanne Vega porque a melhor é “Thin Man”. Tocado com instrumentos de rock, mas em um inconfundível ritmo de samba, tem uma das mais belas melodias de voz criadas pela compositora. O violão, centro harmônico da melodia, desenha a canção como fazem todos os bons “filhos de João”. Sensual e cadenciada, põe a personagem no universo de um homem de modos finos e misterioso. “Ele não é meu amigo, mas ele está comigo/ E ele me promete uma paz que eu nunca conheci/ Eu não posso desistir, não, eu tenho que resistir/ Mas eu podia mesmo ser a única a resistir àquele beijo tão verdadeiro...”

A capacidade de incutir toques étnicos ao folk (como já procedera claramente em "Room off the Street", “In the Eye” e “As a Child”, de discos anteriores) faz com que Suzanne Vega não restrinja as influências apenas à música brasileira ou latina, mas também aos sons árabes e orientais. “Stockings”, sobre uma moça que se atrai pela voluptuosa amiga (“Você sabe onde a amizade termina e paixão se inicia?/ É entre o que liga suas meias-calças à sua pele...”), é exatamente isso: uma linha de violão de natureza country, porém simplificado, direto ao ponto, quase um riff de guitarra. E acompanhando o canto limpo dela a percussão de tablas, isso sem falar nas cordas, que Froom escreve em notas bem próprias das danças arábicas.

“Casual Match”, pouco variável e mais fraca do disco, nem por isso chega a desnivelar o repertório, pois na sequência vem a outra “música de trabalho” de “Nine Objects...”: “No Cheap Thrill”, pop-rock infalível como Suzanne sabe fazer com o pé nas costas; e “Lolita”, uma rumba estilizada que, mais uma vez literária, Suzanne referencia à imagem da clássica ninfeta nabukoviana, revelando a farsa deste estereótipo (“Ei, garota/ Não seja como um cão toda a sua vida/ Não peça/ Algumas poucos migalhas de afeto/ Não tente/ Para ser mulher de alguém/ Tão jovem/ Você precisa de uma palavra de proteção...”).

A maternidade, em forma de “descobrimento” de si mesma e da nova vida que entra em seu universo, volta na emocionante “World Before Columbus”. Mais do que uma declaração de amor à filha (“Se o seu amor fosse tirado de mim/ Cada cor seria preto e branco/ Seria tão monótono como o mundo antes de Colombo...”), Suzanne faz uma crítica ao materialismo do mundo moderno e uma ode ao verdadeiro afeto, engendrando um deslocamento temporal e simbólico típico de escritores como ela (“Aqueles homens que têm cobiça por terra/ E por riquezas estranhas e novas/ Quem ama essas bugigangas de desejo/ Oh, eles nunca vão ter você”).

“Honeymoon Suite” resgata a Suzanne Vega original, a trovadora de violão em punho, num country voz-viola tão germinal que parece ter sido extraído de um filme de faroeste. Enigmática, imaginativa. E para fechar todo esse clima de volúpia, um... jazz! Sim, um jazz swing marcado no piano e cheio de simbologias à morte, à passagem do tempo e ao prazer carnal: “Se você me perguntar como faz para chegar ao/ meu humilde mapa/ Eu sei por que porta você pode entrar/ Mostre-me sua fraqueza/ E o tempo está queimando, queimando, queimando/ Queima até o fim”. Um final digno desse caldeirão de ideias e sentimentos.

(Mas eu falei “final”? Ops!)

Ainda não é o fim! Suzanne Vega ainda nos revela, depois de um longo silêncio após o término da 11ª faixa – como aquele presente picante escondido meio ao alcance para que possa ser revelado com surpresa –, “My Favorite Plum”, uma valsa sexy conduzida na guitarra do craque Tchad Blake em que reveem-se o gozo e o prazer que entra pela boca, tendo a delicada e saborosa fruta vermelha como metáfora-chave.

Um disco que, desde que conheci se tornou um dos favoritos da discoteca. Já havia me impressionado bastante com “99.9F°”, quando a parceria com o então marido começou. Mas este representa na carreira dela uma consolidação de várias coisas: musicalidade, personalidade e, principalmente, feminilidade. È tão forte e sincero que o deleite de escutar suas canções é quase carnal: quando se está numa faixa, já se sabe a delícia que será quando chegar à seguinte. Deseja-se ouvir cada uma delas. E que cheguem, e que se aproveite enquanto estão tocando, e quando terminam, e quando começa outra, e quando virá a próxima, nossa!... Hum, acho melhor parar por aqui, porque 12 vezes é demais.
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FAIXAS:
1. Birth-Day (Love Made Real) - 3:38
2. Headshots (Suzanne Vega/Mitchell Froom) - 3:08
3. Caramel - 2:53
4. Stockings - 3:30
5. Casual Match (Vega/Froom) - 3:10
6. Thin Man - 3:39
7. No Cheap Thrill - 3:10
8. World Before Columbus - 3:26
9. Lolita (Vega/Froom) - 3:33
10. Honeymoon Suite - 2:56
11. Tombstone - 3:07
12. My Favorite Plum - 2:47

todas as composições de Suzanne Vega, exceto indicadas
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OUÇA O DISCO:







terça-feira, 14 de janeiro de 2014

cotidianas #266 - "Luka"



Meu nome é Luka
Eu moro no segundo andar
Eu moro bem em cima de você
Sim, acho que você já me viu antes


Se ouvir alguma coisa de madrugada
Algum tipo de encrenca, algum tipo de briga
Não me pergunte o que aconteceu
Não me pergunte o que aconteceu
Não me pergunte o que aconteceu


Acho que é por que sou desastrado demais
Tento não falar alto demais
Talvez seja por que eu seja louco
Tento não bancar o orgulhoso


Eles só batem até você chorar
Depois disso, você não pergunta por quê
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais


Sim, acho que estou bem
Dei outra vez com a cara na porta
Se você perguntar, é o que eu vou dizer
Seja como for, você não tem nada a ver com isso
Acho que gostaria de ficar sozinho
Sem nada quebrado, sem nada jogado


Só não me pergunte como estou
Só não me pergunte como estou
Só não me pergunte como estou


Meu nome é Luka
Eu moro no segundo andar
Eu moro bem em cima de você
Sim, acho que você já me viu antes


Se ouvir alguma coisa de madrugada
Algum tipo de encrenca, algum tipo de briga
Não me pergunte o que aconteceu
Não me pergunte o que aconteceu
Não me pergunte o que aconteceu


Eles só batem até você chorar
Depois disso, você não pergunta por quê
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais
Simplesmente nem discute mais

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"Luka"
Suzanne Vega