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terça-feira, 21 de abril de 2015

Maria Bethânia – Show “Abraçar e Agradecer” – Teatro do SESI – Porto Alegre/RS (16/04/2015)



O encanto e a graça de Bethânia no Teatro do SESI
foto: Amanda Costa
Não sou um expectador de shows tão rodado, bem como sei que já perdi muitos deles que nunca mais assistirei, pois os artistas já se foram para outro plano. Mas sei também que já vi muita coisa boa pelos palcos da vida, e dificilmente algo se comparará ao megaespetáculo de Paul McCartney no Estádio Beira-Rio ou, noutra ponta, ao “concerto caseiro” que Paulinho da Viola proporcionou aos porto-alegrenses num belo domingo matinal na Redenção. Mas o que estou falando não tem nada a ver com isso. Tem a ver com a talvez maior cantora, maior performer, maior intérprete viva deste esférico e redundante planeta: Maria Bethânia. E em se tratando de Bethânia não há comparação.
O espetáculo “Abraçar e Agradecer”, apresentado por ela no Teatro do Sesi, em Porto Alegre, comemorando irrepreensíveis 50 anos de sua carreira, deixa muito claro todas essas acepções: vê-se uma artista plena no palco, ciente e aproveitadora de sua trajetória, carregada pelo alto profissionalismo e por suas próprias individualidade, apaixonada pelo o que faz. Como muitos gostam de dizer – mas que a ela se atribui de fato –: uma diva. Foram cerca de 1 hora e 45 minutos que percorrem vários momentos de sua trajetória como uma das mais importantes artistas da história da música brasileira.
Sob luzes intensas de um cenário magnificamente montado por Bia Lessa apenas por estas, Bethânia entra no palco. E é ai que tudo se ilumina de fato. A abertura é tão grandiosa quanto autorreferencial: “Eterno em Mim”, de autoria do mano Caetano Veloso, compositor preferido dela (junto com Chico Buarque) e de maior presença no repertório do show, com seis canções ao total. Tão lindo e completo que minha sensação era de que, logo que terminou o primeiro número, a apresentação poderia terminar ali. Exagero meu, pois tinha muito mais. Mais uma, “Dona do Dom” (de Chico César, de quem também Bethânia cantara outra marcante do show, o fado milongado “Xavante”), e vem um belíssimo poema da própria Bethânia, misto de agradecimento ao público, aos orixás, à natureza, aos amigos, à vida e a si mesma. Tão bonito que não deixa em nada a dever aos outros textos que, como de costume, ela entremeia às canções nos seus shows. Neste espetáculo, obviamente, não poderia ser diferente: tem Clarice Lispector (com três passagens), Waly Salomão, Carmen Oliveira e Fernando Pessoa.
Mas voltando às músicas, o repertório celebra sua história na música brasileira, mas, exceto o hit “Gostoso Demais” (Dominguinhos e Nando Cordel), evita obviedades como “Fera Ferida”, “Reconvexo”, “Álibi” ou “Um Índio”. Mas clássicos há, e vários deles. Tanto que Bethânia arrasa numa versão vibrante e comovente de “Gita”, de Raul Seixas e Paulo Coelho. Todas as músicas se emendam umas nas outras, o que faz com que intensifique ainda mais a montanha-russa emocional que ela impõe ao público, pois além da carga gerada pelas próprias músicas, ainda não dá tempo de respirar entre estas. No caso, “Gita” se liga com outra de Caê: a lírico-romântica “A Tua Presença Morena”, joia que o genial irmão compôs-lhe para o álbum “A Tua Presença”, de 1971, ainda no exílio em Londres. De arrebatar. Aí vem outra dele para ela: “Nossos Momentos” (“Quem pode compartilhar dos meus sentimentos/ Na hora que o refletor bater/ Momentos de luz e de nós/ Momentos de voz e de sonho/ Momentos de amor que nos fazem felizes/ E às vezes nos fazem chorar”), num diálogo tanto com o que veio antes quanto com o trecho de Lispector lido na sequência, que diz: “Antes de julgar a minha vida, calce os meus sapatos, percorra o caminho que percorri, viva as minhas tristezas, minhas dúvidas, viva as minhas alegrias. Tropece aonde eu tropecei, e levante-se assim como eu fiz.”
Gonzaguinha, outro importante parceiro, amigo e compositor da carreira de Bethânia, retoma a seção musical metalinguisticamente: “Começaria Tudo Outra Vez”. No palco de LED em que Bethânia pisa se projetam de diversas formas: flores, estrelas, letras, desenhos, geométricos. E as luzes sobre ela ajudam a marcar a incrível performance de uma artista que dança e interpreta com alegria e jovialidade, apesar dos cabelos tomados de branco e os quase 70 anos. “Alegria”, aliás, é o que ela traz em seguida no lindo samba de Arnaldo Antunes, que ganha batuques de axé. Logo após, “Voz de Mágoa” (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), uma tocante interpretação do clássico bossa-novista “Dindi” e uma ainda mais emocionante execução de “Você Não Sabe”, de Roberto e Erasmo, compositores “incultos” para a dita intelligentsia que Bethânia fora uma das primeiras a demonstrar a beleza de suas construções melódicas. Quando se pensa que vai se respirar um pouco, ela vem com “Tatuagem”, de Chico e Ruy Guerra, e aí os olhos marejam inevitavelmente.
Depois de novo texto de Lispector, Chico retorna noutra marcante na carreira de Bethânia: a apoteótica “Rosa dos Ventos”, título do memorável show da cantora de 1971 quando ela consolida este formato de apresentação altamente íntima e com composições de diversas vertentes. Um pout-pourri com a ótima banda comandada por Jorge Helder preenche o interlúdio, quando Bethânia sai para trocar de figurino e voltar para o segundo ato. “Tudo de Novo“, mais uma de Caetano, faz a montanha-russa, que havia estacionado por alguns minutos, voltar com toda a velocidade.
As referências aos orixás, principalmente Iansã e Oxum, e aos elementos “água” e “vento” aparecem do início ao fim, e bastantemente nesta segunda parte. “Doce”, de Roque Ferreira (“A lagoa escura que a Bahia tem/ Que a areia branca rodeou/ São as águas de Oxum que Caymmi batizou...”), ”Oração de Mãe Menininha”, de Caymmi (“E a Oxum mais bonita, hein? Tá no Gantois...”), “Eu e Água”, outra de Caetano (“O mar total e eu dentro do eterno ventre/ E a voz de meu pai/ voz de muitas águas”) dialogam entre si e mostram claramente isso. A música que dá título ao show, de Gerônimo e Vevé Calazans (porém na ordem inversa: “Agradecer e Abraçar”), mantém a mesma linha: “Abracei o mar na lua cheia...”. Igualmente as três de Roque Ferreira que vêm em sequência: “Vento de Lá” (“Foi o vento de lá, foi de lá que chegou/ Foi o vento de Iansã dominador que dormia...”), “Imbelezô Eu” (“Alecrim beira d'água/ Que me beijou percebeu/ Alguma coisa em mim aconteceu/ A mão que me tocou imbelezô eu...”) e a bela “Folia de Reis”.
Um samba antigo, “Mãe Maria”, de Custódio Mesquita e David Nasser, precede outra maravilhosa declamação de Bethânia – como talvez no Brasil ela seja a que melhor o saiba fazer –, agora com poesia do conterrâneo Waly: “Cresci sob um teto sossegado, meu sonho era um pequenino sonho meu. Na ciência dos cuidados fui treinado/ Agora, entre meu ser e o ser alheio, a linha de fronteira se rompeu.”. Neste momento, Bethânia, dona do repertório, faz um singular paralelo entre a música rural (“Eu, a Viola e Deus”, “Criação”, “Casa de Caboclo”, “Viver na Fazenda”) com a raiz indígena brasileira (“Povos do Brasil”, o canto tupi “Maracanandé” e a já citada “Xavante”) com o autorreconhecimento da voz (“Alguma voz”, outra de PC Pinheiro e Dori, e “Motriz”, última de Caetano no show), seleção de músicas cujo simbolismo, entremeada pelo pungente e feminino texto “Candeeiro”, de Carmen Oliveira, representa a sua própria existência como pessoa e cantora.
“Eu Te Desejo Amor”, canção francesa de Charles Trenet e Léo Chauliac, de 1942, vertida para o português por Nelson Motta, arrebatou o público, que a essas alturas já a aplaudia de pé. Ao final desta, por sinal, dois minutos de aplausos diante de uma Bethânia visivelmente emocionada que dizia: “Que plateia é essa?!”. Mas o deslumbre não terminaria ali, pois, depois de ler um de seus poetas preferidos, Pessoa, Bethânia inunda de emoção o teatro com uma interpretação, esta em francês de fato, do clássico de Edith Piaf “Non, Je ne Regrette Rien”, enquanto uma projeção no chão de uma faixa de estrada parece cruzar-lhe o peito em alta velocidade.
“Silêncio” fecha o show em versos que traduzem a despedida e a delicadeza daquele momento tão especial, tanto para a artista quanto para o público: “Silêncio, eu quero ouvir o que me diz a imensidão/ Saber se minha alma tem razão/ Quando acredita que essas coisas vão durar”. A banda encerra ao som de outro marco da trajetória de Bethânia: “Carcará”, de João do Vale. Sob um mar de aplausos ela sai do palco, mas logo retorna para entoar dois sucessos: `”É o Amor”, de Zezé di Camargo e Luciano, que ela, em 1999, recolocou num outro patamar interpretativo, e “O que é o que é”, o grande sucesso de Gonzaguinha. É quando a plateia, já de pé e dançando, entoou junto com ela os inesquecíveis versos: “Viver/ E não ter a vergonha de ser feliz/ Cantar e cantar e cantar/ A beleza de ser/ Um eterno aprendiz...”.
Pra mim, admirador de sua obra e colecionador de vários de seus discos, a sensação que saí foi, além do deslumbre, de que Bethânia, ainda por cima, é ótima de estúdio. Pois a maior certeza que se tem é que ela é inteiramente do palco. Como disse no início, dificilmente verei apresentações melhores de algumas que já vi, pois estas estão guardadas no coração do diletante. Mas como este show de Maria Bethânia, a quem vi pela primeira vez, acho que nunca mais presenciarei. Ao fim, as cortinas se cerram e não se vê mais Bethânia, mas, como dizem os versos de Chico: “Sei que além das cortinas/ São palcos azuis/ E infinitas cortinas/ Com palcos atrás.” Bethânia está sempre lá, atrás das cortinas, além das cortinhas. Ela é luz, ela é azul, ela é o palco.



terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

15 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 70


Seguimos com a listagem de filmes essenciais para entender o cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80. Começamos com os gloriosos e revolucionários anos 60, do qual extraímos, de um universo numeroso e profícuo, 20 joias. Agora, no entanto, como diz a gíria popular, “o buraco é mais embaixo”. Nos anos de chumbo, com o afunilamento dos direitos sociais e políticos advindos com o AI-5, de 1968, o cerco fechou para qualquer cidadão que quisesse se expressar ou simplesmente dar-se ao direto de pensar diferente do sistema vigente. Torturas, desaparecimentos e perseguições aumentaram. E claro que a classe artística, incluindo quem fazia cinema, foi uma das maiores prejudicadas nos anos 70. Toda a geração de cineastas e autores advindos com a explosão criativa dos 50/60, acuados ou exilados, mal conseguiam levantar recursos para produzir aquilo que pensavam – claro, se aquilo que pensavam não concordava com o que os militares queriam.

Resultado? Perda de espaço para o cinema norte-americano e europeu e, no próprio mercado interno, para as famigeradas “pornochanchadas”, as malditas produções baratas e mal-acabadas financiadas pelo governo não eram nem pornôs nem chanchadas e que serviam basicamente para entreter o povo com o que ele mais gosta e odeia em si: a malandragem e a sacanagem.

O minguamento do cinema de autor foi perceptível: nos anos 70, a grande cabaça do moderno cinema brasileiro, Glauber Rocha, produziu na Espanha, Itália, Cuba, Portugal e Congo, menos no Brasil. Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Paulo César Saraceni e vários outros não conseguiam estabilizar um nível de produção digno, oscilando entre filmes ótimos a fracos. E pior: às vezes, faziam filmes até bons, mas cuja qualidade técnica comprometia tanto que restaram inviáveis de se assistir.

No entanto, era muito talento e coragem para que nada desse certo. De tudo que se produziu na década, 15 longas podem ser considerados, cada um por um motivo, obras essenciais para o, àquela época, ainda mais combalido e combativo cinema brasileiro no século XX. Tanto é verdade de que foram cineastas vitoriosos que todos os títulos elencados são obras de nomes da geração anterior. Nota-se um aperfeiçoamento da linguagem metafórica do Cinema Novo e um amadurecimento do cinema popular, bem escrito e com olhos para todos os públicos. Em contrapartida, há um adensamento da linguagem transgressora do cinema marginal e que o coloca ainda mais à margem do mercado. Então, entre mortos e feridos (literalmente), os 15 filmes essenciais para entender o que é cinema brasileiro nos anos 70:



1 - “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (70) – O cinema underground do Sganzerla avança brutalmente neste filme altamente transgressor e simbólico, onde ele mistura metáforas do terceiro mundo, chanchada, rádio Nacional e cinema de poesia. Anárquico, louco e ainda assim engraçado por conta do maravilhoso Jorge Loredo como Zé Bonitinho, que “ancora” toda a (não)história. Memorável sequência com Luis Gonzaga tocando enquanto Helena Ignez e Loredo encenam.







2 - “Copacabana Moun Amour”, Rogério Sganzerla (70) – O cara tava tão inspirado que fez dois filmes essenciais em apenas 365 dias. Devaneio intelectual na Rio de Janeiro em época de ditadura, numa referência metafórica ao fim da civilização, à nouvelle vague (principalmente Resnais de “Hiroshima Moun Amour”) e, claro, ao cenário político brasileiro. E a trilha é algo de genial, composta especialmente por Gilberto Gil, que a mandou do exílio em Londres, e que virou um disco clássico da carreira do baiano.







3 - “São Bernardo”, Leon Hirszman (71) – Adaptação do livro do Graciliano Ramos, que transporta para a tela não só a história, mas a secura das relações e a incomunicabilidade numa grande fazenda do início do século XX, escorada na desigualdade dos latifúndios. Não há diálogo: a vida é assim e pronto. Daqueles filmes impecáveis em narrativa e concepção. E o Leon, comunista como era, não deixa de, num deslocamento temporal, dar seu recado quanto à reforma agrária.







4 - “O Doce Esporte do Sexo”, Zelito Viana (71) – Filme de episódios com ninguém menos que Chico Anysio, na época, no auge de sua criatividade como ator e escritor. Dirigido por seu irmão, Zelito, é um bom exemplo de que já se faziam comédias mesmo numa época de produções pobres como foi os anos 70, considerando que hoje se faz esse gênero às pencas no Brasil com ótimas produções mas nem de perto com a qualidade de texto de “O Doce Esporte...”.







5 - “Como Era Gostoso o Meu Francês”, Nelson Pereira dos Santos (71) – Nelson Pereira teve dificuldades nos 70 de produzir com a qualidade técnica que ele sabe, mas esse aqui saiu perfeito. Comédia bizarra sobre antropofagia cultural e canibal. Uma fantasia que põe Hans Staden em cores modernistas e que evidencia uma série de lacunas de nossas cultura e civilização. Ganhou Brasília e foi indicado ao Urso de Ouro em Berlim. Engraçado e profundo.








6 - “Vai Trabalhar, Vagabundo”, Hugo Carvana (73) – Outra ótima comédia, primeiro filme do Carvana atrás das câmeras – que se pôs na frente também, pois ele mesmo faz o hilário Secundino Meireles, personagem principal que retrata o brasileiro consciente com a situação do País mas de saco cheio com a miséria moral e política. Trama inteligente, crônica da sociedade da época. Venceu Gramado. Trilha original linda do Chico Buarque. Um barato.








7 - “O Marginal”, Carlos Manga (74). O Manga produziu pouca coisa pra cinema depois dos 60. Esse é o único de ficção dele dos anos 70, mas toda sua experiência de cenas de aventuras nas várias chanchadas que dirigiu desde os anos 40 estão aqui, adicionado a um teor psicológico superconvincente e bem conduzido. Música original de autoria de Roberto e Erasmo, um luxo. E o Tarcisão tá ótimo.






8 - “Dnª Flor e seus Dois Maridos”, Bruno Barreto (76) – Provavelmente a melhor adaptação de Jorge Amado para a tela grande e o melhor brasileiro da década. Por 34 anos foi recordista de público no cinema brasileiro, levando mais 10 milhões de espectadores às salas de exibição. Fotografia, roteiro, trilha e atuações memoráveis. Cheio de cenas inesquecíveis, como a da morte do Vadinho e os diálogos entre Wilker e Sônia Braga. Um clássico vencedor de Gramado e indicado ao Globo de Ouro de Filme Estrangeiro.






9 - “Xica da Silva”, Cacá Diegues (76) – Também sucesso de bilheteria. Cacá emendou uma sequência de ótimas produções nos anos 70, talvez o cineasta que melhor tenha produzido de todos os remanescentes do Cinema Novo. Este é um “épico à brasileira”. Zezé Mota encarnou super bem Xica, o grande papel dela no cinema. Mais uma vez, a trilha do filme do Cacá se destaca: a música original é do Jorge Ben.








10 - “A Queda”, Ruy Guerra e Nelson Xavier (76) – Ruy Guerra, outro comunista irrefreável como o Leon, co-dirige com o também ator Xavier um pequeno episódio de um operário que morre na queda de um andaime, história que usa pra gerar toda uma crítica político-social. Trilha do cineasta (que também era compositor) em parceria com ninguém menos que Milton Nascimento. Urso de Prata em Berlim e Margarida de Prata pela CNBB.








11 - “Iracema, Uma Transa Amazônica”, Jorge Bodanzky e Orlando Senna (76) – Quer filme mais “marginal” do que um com cara de documentário anárquico, rodado com câmera na mão, usando vários atores amadores nativos, Pereio cheirado e fumado até as guampa, proibido pela censura e que só foi exibido pós-Abertura, 6 anos depois de finalizado? Filme que inspirou muito Fernando Meirelles. Palavras dele.







12 - “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, Hector Babenco (76) – Lembro que assisti esse filme pequeno e me deixou com medo, de tão tenso que é. Policial bem realista, com Reginaldo Faria estupendo no papel do assaltante de bancos em crise de identidade, mas que não tem como sair daquele círculo vicioso. Forte pra caralho. Melhor Filme na Mostra Internacional de Cinema São Paulo, além de levar vários Kikitos em Gramado (Ator, Ator Coadjuvante, Fotografia e Edição).







13 - “Chuvas de Verão”, Cacá Diegues (78) – Filme pequeno com cara de conto. Delicado e atípico em tema, pois aborda o amor na terceira idade. Interessantes as ligações com a vida social brasileira e do choque de culturas do velho e do novo. Uma joia que levou prêmios em Brasília, Rio e São Paulo.










14 - “Tudo Bem”, Arnaldo Jabor (78) – Embora não goste do Jabor, pretensioso e “intelectualóide” reacionário, esse aqui é muito legal. Durante a obra de uma antiga casa no subúrbio carioca, a sociedade brasileira (a qual se transformaria na classe média atual) aparece como uma “fauna”: caricata, preconceituosa, mal-resolvida. Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo geniais.





15 - “Bye Bye Brasil”, Cacá Diegues (79) – Demarca o fim da segunda fase de Cacá, com referências do Cinema Novo mas mais amadurecido. Ao mesmo tempo que reflete com crueza a vida de pessoas pobres e sem perspectivas, também ressalta a beleza e a magia intuitiva de artistas mambembes. Daqueles filmes feitos na hora certa e pela pessoa certa. Um registro sociocultural e político de um Brasil florescendo e que veio a dar naquilo que somos hoje. Destaque de novo pra trilha, não só as músicas originais do Chico Buarque mas também os “bregas”, que tocam aqui e ali e funcionam tri ambientais.







terça-feira, 19 de novembro de 2013

59ª Feira do Livro de Porto Alegre - Retrospectiva Visual


Finda a edição deste ano da Feira do Livro de Porto Alegre, na qual tivemos novamente registros diários da nossa colaboradora Leocádia Costa, na nossa página do Facebook, repassamos aqui algumas imagens registradas por ela e pelo nosso amigo, já praticamente um colaborador também, Luís Ventura do que aconteceu de legal na Feira. Obrigado aos dois e até a sexagésima edição no ano que vem.

O escritor Tino Freitas,
do projeto "Roedores de Livros"e a magia da literatura infantil
foto: Luís Ventura

O ator Jairo Klein encarnando Fernando Pessoa
foto: Luís Ventura

A recepção aos autores na Noite da Literatura Fantástica
na Biblioteca Pública de Porto Alegre
foto: Leocádia Costa

O cartunista Claúdio Spritzer sempre irreverente
foto: Luís Ventura

Poesias por certo valem muito
foto: Luís Ventura

O pequeno leitor aprendendo a ver o mundo por outro ângulo
foto: Luís Ventura

Luís Ventura, entre parênteses
foto: Leocádia Costa

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Livros



E chegamos ao último especial da série 5+ do clyblog. Não que não tivéssemos mais assunto, daria pra pesquisar sobre mais um monte de coisas com os  amigos, saber o que mais um monte de pessoas interessantes pensam, levantar listas mas acredito que estes temas abordados, além de bastante significativos, resumem, de certa forma, a ênfase de assuntos e as áreas de interesse do nosso canal.
E pra encerrar, então, até aproveitando o embalo da Feira do Livro de Porto Alegre, cidade que é uma espécie de segundo QG do clyblog, o assunto dessa vez é literatura. Sim, os livros! Esses fantásticos objetos que amamos e que guardam as mais diversas surpresas, emoções, descobertas e conhecimentos.
Cinco convidados especialíssimos destacam 5 livros que já os fizeram sonhar, viajar, rir, chorar, os livros que formaram suas mentes, os que os ajudaram a descobrir verdades, livros que podem mudar o mundo. Se bem que, como diz aquela frase do romando Caio Graco, "Os livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros mudam as pessoas.".
Com vocês, clyblog 5+ livros:




1. Afobório
escritor e
editor
(Carazinho/RS)
" 'O Almoço Nu' é muito bom.
Gosto muito desse livro."

1- "Trilogia Suja de Havana", Pedro Juan Gutiérrez
2 -"Búfalo da Noite", Guillermo Arriaga
3- "Numa Fria", charles Bukowski
4 - "Sorte Um Caso de Estupro", Alice Sebold
5 - "O Almoço Nu", William Burroughs
 
Programa Agenda falando sobre o livro "O Almoço Nu", de William Burroughs

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2. Tatiana Vianna
funcionária pública e
produtora cultural
(Viamão/RS)


Kerouac, um dos 'marginais'
da geração beatnik
"Cada um destes são livros que chegaram as minhas mãos em momentos diferentes de vida
e foram importantes para muitos esclarecimentos.
Algumas destas leituras volta e meia as retomo novamente para entender melhor,
porque sempre algo fica pra trás ou algo você precisa ler depois de um tempo,
de acordo com o seu olhar do momento."

1- "On the Road, Jack Kerouak
2 - "1984", George Orwell
3 - "Os Ratos", Dionélio Machado
4 - "A Ilha", Fernando Morais
5 - "O livro Tibetano do Viver e Morrer", Sogyal Rinpoche






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3. Jana Lauxen
escritora e
editora
(Carazinho/RS)


"Minha vida se resume a antes e depois de "O Acrobata pede desculpas e cai".
"O Jardim do Diabo", do Veríssimo, é um romance policial incrível
do tipo que você não larga enquanto não acabar. E quando acaba dá aquela tristeza.
"Capitães da Areia" li há muito tempo e não consigo me esquecer desse livro.
O engraçado é que a primeira vez que o li, tinha uns 12 anos e  não gostei.
A segunda vez eu tinha mais de 20 e fiquei fascinada pela obra.
O "Livro do Desassossego" é para ter sempre por perto, para abrir aleatoriamente e dar aquela lidinha amiga.
Conheci Pedro Juan em uma entrevista que ele concedeu para a revista Playboy,
e a "Trilogia Suja de Havana" foi o primeiro livro do autor que eu li.
Seus livros são proibidos em seu próprio país, visto a crítica social que o autor acaba fazendo sem querer.
Digo sem querer por que sua temática não é política – ele fala de sexo, de drogas, de pobreza, de putas,
e detesta ser classificado como um autor político.
Mas acaba sendo, pois é impossível descrever qualquer história que se passe em Cuba sem acabar fazendo alguma crítica social.
Mesmo que enviesada."

"Capitães da
Areia"

1- "O Acrobata Pede Desculpas e Cai", Fausto Wolff
2 - "O Jardim do Diabo", Luís Fernando Veríssimo
3 - "Capitães da Areia", Jorge Amado
4 - "Livro do Desassossego", Fernando Pessoa
5 - "Trilogia Suja de Havana", Pedro Juan Gutiérrez





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4. Walessa Puerta
professora
(Viamão/RS)


"Estes são os meus favoritos."

1- "O Tempo e o Vento", Érico Veríssimo
2 - "O Mundo de Sofia", Jostein Gaarder
3 - "Era dos Extremos", Eric Hobsbawn
4 - "Dom Casmurro", Machado de  Assis
5 - "O Iluminado", Stephen King



 A brilhante adaptação de Stanley Kubrick, para o cinema, da obra de Stephen King

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5. Luan Pires
jornalista
(Porto Alegre/RS)


"Dom Casmurro" tem uma das personagens mais emblemáticas da literatura nacional:
Capitu. A personagem dos "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" é um verdadeiro ensaio para quem curte a construção de um personagem.
Toda criança deveria ler a coleção do "Sítio do Pica-Pau amarelo". E todo adulto deveria reler.
Uma homenagem a imaginação, a cultura e ao sonho das crianças e dos adultos que nunca deveriam deixar de ter certas inquietações juvenis.
Desafio qualquer um no mundo a descobrir o final de "O Assassinato de Roger Ackroyd"! [ponto final!].
Cara, pra mim, "Modernidade Líquida" é o livro mais necessários dos últimos tempos.
Pra entender a sociedade e o caminho para onde estamos seguindo.
"@mor" é um ensaio perfeito das relações humanas atuais.
O que me chamou atenção é que não demoniza a internet, mas aceita o papel dela nos relacionamentos atuais.
O formato, só em troca de e-mails, é um charme. E o final é de perder o fôlego."


1- "Dom Casmurro", Machado de Assis
2 - "Sítio do Pica-Pau Amarelo" (qualquer um da coleção), Monteiro Lobato
A turma do Sítio, do seriado de TV
da década de 70, posando com seu criador
(à direita)
















3 - "O Assassinato de Roger Ackroyd", Agatha Christie
4 - "Modernidade Líquida", Zigmunt Bauman
5 - "@mor", Daniel Glattauer




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sábado, 15 de junho de 2013

cotidianas #230 - The Times

Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
Do Times, claro, inclassificável, lido,
Supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo...

Santo Deus!... E talvez a tenha tido!


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"The Times"
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

cotidianas #112 - "Poema em Linha Reta"


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...




Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


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"Poema em Linha Reta"
Álvaro de Campos*
(*heterônimo de Fernando Pessoa)

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

'Ensaio sobre a Cegueira" - Fernando Meirelles (2008)




Perturbador, tenso, angustiante. Estes são alguns muitos dos adjetivos com os quais se pode definir o filme Ensaio Sobre a Cegueira (Blindnes), do diretor Fernando Meirelles. Mas o filme não se limita a criar "climas" e "atmosferas". Existem muitos outros méritos neste que é, com certeza, um dos melhores filmes que assisti nos últimos tempos.

A direção é impecável, com uma contraste de imagem quase sempre esbranquiçado, fazendo com que o espectador participe, em parte, da cegueira dos personagens. Até como uma provocação, o diretor trabalha muito, em boa parte do filme, com imagens obtidas de maneira indireta (sombras, reflexos e às vezes imagem direta interagindo com reflexo no mesmo enquadramento,) como quem pergunta se realmente estamos vendo o que estamos olhando.

O filme tem uma série de outras questões intrínsecas, mas se sobressai principalmente, me parece, a da convivência humana em um estado limite. Como as pessoas começam a reagir em uma situação crítica comum dentro de um grupo em um espaço restrito. Aí, se não prevalece o espírito de solidariedade, ordem, princípios, a coisa desanda e fatores como ganância, vaidade, anarquia, passam a imperar. É o como se um Caos se aproveitasse de uma inquietude coletiva, de uma insatisfação, um cansaço geral, somado ao isolamento, divergências, desesperança e à fome, para fazer seu ninho.

É o que acontece em determinado momento quando pessoas acometidas por uma cegueira epidêmica desconhecida que repentinamante começa a se alastrar, são levadas para um isolamento e lá ao longo de alguns dias, com a população de doentes crescendo e os problemas de higiene, comida, comunicação, aumentando alguns internos de uma das alas resolvem tomar o poder pela força e aí então é que estas mazelas humanas explodem. O caso é que apenas uma pessoa pode enxergar e esta resolve permanecer naquele sanatório por amor e solidariedade ao marido, só que para ela, nesta condição, tudo é mais torturante apesar de sua grande força interior.

Filmaço!

Vale a pena dar uma olhada.

Um barato também as cenas externas com locações em uma São Paulo abandonada e suja, como se fosse o fim do mundo.
(deve ter sido difícil em uma cidade como SP isolar trechos grandes, como os que vemos, e filmar sem nenhuma viva-alma na rua ou mesmo aparecendo nas janelas dos prédios)

Belos trabalhos de cenografia e fotografia.



Cly Reis
Cly Reis