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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

R.I.P. Leonard Cohen

Cheguei tarde ao Leonard Cohen. Em 1979, meu amigo e colega da FAMECOS, Claudio Almeida, me emprestou o disco "Recent Songs". Como eu descobria Joni Mitchell na época, não dei muita importância a Lenny. Só fui voltar a prestar a atenção em 1987/88, quando dois discos me levaram ao canadense: "Famous Blue Raincoat", da cantora Jennifer Warnes (ela mesma, a parceira de Joe Cocker em "Up Where We Belong" da trilha de "Na Officer and a Gentleman" e de Bill Medley no mega-sucesso "I Had The Tme of My Life" do filme "Dirty Dancing"). Jennifer foi backing vocal de Cohen e ele a encorajou a gravar um disco só de composições suas. O trabalho é um dos melhores discos que tenho na minha discoteca. 
Já "I'm Your Man", de Cohen, me assustou um pouco pelo uso excessivo de teclados e baterias eletrônicas, bem ao gosto da música pop oitentista. De qualquer maneira, três faixas me chamaram a atenção: "Ain't No Cure for Love", "I Can't Forget" e "Tower of Song", cuja ironia e auto-depreciação são muito engraçadas: "Eu nasci assim, não tive escolha / Nasci com o presente de uma voz de ouro". 
Depois, foi a vez de Oliver Stone transformar em sucesso pop com "The Future", música do seu enlouquecido filme "Natural Born Killers". Mas foi um disco ao vivo que me ganhou e me fez virar fã absoluto: "Cohen Live" com uma versão de "There is a War", outro portento de ironia: "Eu vivo aqui com uma mulher e uma criança, a situação me faz ficar um pouco nervoso / Eu a levanto pelos braços, ela diz, ' Imagino que você chama isso de amor, eu chamo de serviço de quarto'. 
Daí em diante, todos os lançamentos de Cohen passaram a frequentar minha discoteca e o meu CD player. Agora, aguardo a chegada de "You Want it Darker", seu derradeiro trabalho. BowiePrince e agora Cohen. 2016 está levando nossos ídolos, mas a música fica. RIP Leonard Cohen.




por Paulo Moreira

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Luciano Berio - "Folk Songs" (1964)




"Até Cathy Barberian sabe/
Não há uma volata que
 ela não possa cantar"
da música "Your Gold Teeth"
do Steely Dan


Por séculos a música erudita pautou a música popular, ditando com autoritarismo estético e formal o que seria aproveitado ou não na música de acesso geral – já que, historicamente, a música clássica nunca foi acessível. O contrário mal acontecia, ou seja, da música pop ou folclórica influenciar a clássica (quando ocorria, prevalecia o lado “clássico”). Até que, na senda aberta pelos modernistas da primeira metade do século XX, Shoenberg, Berg, StravinskiOrff, entre outros, a turma de compositores da vanguarda erudita que veio logo em seguida entrou para derrubar todas as barreiras. Um deles foi o italiano Luciano Berio (1925-2003), prolífero autor que, em 1964, compôs o que para muitos é (e para mim também) sua obra-prima: as “Folk Songs”, marco da fusão entre pop, folclore e erudito.Concisão, precisão e requinte em pouco mais de 20 minutos. Resultado de um trabalho de pesquisa de Berio a cantigas folclóricas de diversas partes do mundo, "Folk Songs" é perfeito em tudo: sonoridade, melodia, harmonia, métrica. As sonoridades típicas do lugar de onde se originaram ganham uma síntese, um corpo, como que uma nova linguagem sonora. O arranjo se resume a sete grupos de instrumentos: flauta, clarinete, cello, violino, viola, percussão e harpa. Ah! Claro, tem um oitavo instrumento fundamental e sem o qual a obra não existiria: a voz da mezzo-soprano norte-americana Cathy Barberian. À época casada com Berio, Cathy ganhou do marido esse ciclo de músicas, feitas especialmente para seu vocal apurado e expressivo. Altamente influente em trabalhos para voz na música como um todo, as "Folk Songs" se tornaram uma referência tanto para compositores desta linha, como Meredith Monk e Phillip Glass  quanto para cantoras pop como Elizabeth Frazer (Cocteau Twins), Sinéad O'Connor, Joni Mitchell, entre várias outras.
 E as faixas? Todas impecáveis. Abrindo, "Black Is the Colour (Of My True Love's Hair)" e "I Wonder as I Wander" – minha preferida, com um lindo conjunto harmônico de viola, cello e harpa que forma um som de sanfona “caipira” –, são adaptações livres de canções do compositor folk norte-americano John Jacob Niles. A valsa “Loosin Yelav”, da Armênia, país dos antepassados Cathy, descreve de forma fantástica a trajetória da lua, transmitindo para os sons a impressão deste movimento onírico. “Rosssignolet Du Bois” vem suave e assim se mantém, límpida, contrastando com a intensidade dramática siciliana da seguinte, “A La Femminisca”.
 "La Donna Ideale" e "Ballo" não provêm de bardos populares anônimos; porém, são composições de Berio sobre temas folclórico-amorosos de sua terra natal. A primeira vem de um poema no velho dialeto genovês, "A Mulher Ideal", o qual diz que, se um homem encontrar uma mulher educada, bem formada e com um bom dote, não pode deixá-la escapar. Já a outra, intensa em seus arpejos de violino e cuja letra também é extraída de um antigo poema, diz que o mais sábio dos homens perde a cabeça por amor, mas, em contrapartida, resiste a tudo por causa desse sentimento. Ainda na Itália, a melancólica e dissonante “Motettu de Tristura” baixa o tom lindamente.
 A França retorna nas duas seguintes, inspiradas em peças resgatadas pelo musicólogo Joseph Canteloube no idioma occitano. "Malurous qu'o uno Fenno", bastante medieval com sua flauta doce acompanhando o canto, fala sobre os desencontros conjugais entre homens e mulheres. Já "Lo Fïolairé", em que uma menina em sua roda de fiar canta uma imaginária troca de beijos com um pastor, é uma das mais belas do círculo. Com uma maravilhosa performance de Cathy, que executa uma impressionante progressão harmônica, abre com um violoncelo grave e introspectivo do desejo reprimido da moça, mas progride e termina em acordes cristalinos e deleitosos de harpa. Um gozo.
 A alegre “Azerbaijan Love Song” termina a obra em dança típica russa e uma interpretação bem mais solta da solista, fechando este trabalho que é, do início ao fim e através de várias lógicas, uma declaração de amor do autor à sua amada.
 Um disco pop com ares clássicos ou vice-versa, onde as faixas têm, inclusive, como que feito para tocar nas rádios, o mesmo tempo médio de 2 min e 30 seg de duração. Enquanto, nos anos 50 e 60, vários outros compositores modernos como Berio, ao tentar exprimir os horrores do pós-guerra e as tensões de um mundo dividido faziam de tudo para combater a tonalidade da música, ele não só acolheu a escala cromática como, ainda, a reelaborou, criando uma obra única e agradável a todos os ouvidos, do mais rebuscado ao mais desavisado. Afinal, quando a música é boa, tudo acaba sendo, saudavelmente, a mesma coisa.
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O CD original traz ainda o “Recital I for Cathy” (para voz feminina e 17 instrumentos), considerada uma das mais importantes releituras musicais da segunda metade do século passado. Luciano Berio escreveu esta debochada peça de 35 minutos de teatro em que inclui numerosas citações de história musical (Bach, Monteverdi, Ravel, Wagner, Prokofiev, Bizet e vários outros, inclusive ele mesmo) em estilo tragicômico.
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FAIXAS:
1. Black Is The Colour (Of My True Love's Hair) (EUA) - 3:01
2. I Wonder As I Wander (EUA) - 1:42
3. Loosin Yelav (Armênia) - 2:34
4. Rosssignolet Du Bois (França) - 1:17
5. A La Femminisca (Sicília, Itália) - 1:38
6. La Donna Ideale (Itália) - 1:02
7. Ballo (Itália) - 1:20
8. Motettu De Tristura (Sardenha, Itália) - 2:16
9. Malorous Qu'o Uno Fenno (Auvergne, França) - 0:55
10. Lo Fiolaire (Auvergne , França) - 2:50
11. Azerbaijan Love Song (Azerbaijão) - 2:09

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Ouça:



quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Música da Cabeça - Programa #74 (retrospectiva)


Vocês, que acompanham o Música da Cabeça, sabem que por aqui já rolou Erasmo Carlos, Marku Ribas, Joni Mitchell, Stevie Wonder e Talking Heads. Mas que eles estariam todos juntos, isso vocês não previam. Pois neste programa de hoje vamos fazer uma breve retrospectiva com temas que já rolamos nessas mais de 70 edições, bem como vamos reexibir cada um de nossos quadros: “Cabeça dos Outros”, “Sete-List”, “Cabeção” e “Palavra, Lê”. Afinal, nosso substrato não é mesmo a própria memória? Então, (re)ouça conosco o programa de hoje, que será no mesmo horário e local de sempre: 21h, pela Rádio Elétrica. Produção, apresentação e flashbacks: Daniel Rodrigues.




Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Neil Young & The Crazy Horse - "Zuma" (1975)




“Trabalhar com Neil é um privilégio,
não um direito.”
Stephen Stills


Um dos meus artistas preferidos é o cantor e compositor canadense Neil Young. Ele me foi apresentado pelo meu querido e saudoso primo José Carlos de Andrade Ribeiro, o popular Chico Caroço, em 1972, quando ele mostrou pra mim o disco “Harvest”. De cara, chapei com “Old Man” e fiquei de olho em alguma coisa que lançassem dele no Brasil. Só voltei a ouvi-lo com toda a atenção em 1975, quando o mesmo Chico Caroço me apresentou o disco favorito de hoje: “Zuma”, de Neil Young e seus fiéis escudeiros, o trio Crazy Horse (Frank Sampedro na guitarra base; Billy Talbot, no baixo, e Ralph Molina na bateria.
Com uma capa muito expressiva de Mazzeo, “Zuma” foi lançado após uma trilogia de discos muito bons, porém terrivelmente tristes (“Time Fades Away”, de 1973; “On the Beach”, de 1974, e o melhor de todos, “Tonight's the Night”, de 1975), inspirados na morte por overdose de Danny Whitten, o guitarrista original do Crazy Horse.
A viagem começa com “Don't Cry No Tears”, uma típica música de NY com Crazy Horse. As guitarras distorcidas fazem a cama para uma letra onde Neil Young pergunta: “Eu fico pensando quem está com ela esta noite?/ E eu fico pensando quem a está abraçando bem apertado/ Mas não tem nada que eu possa dizer/ para fazê-lo ir embora/ Um velho amor verdadeiro não é difícil de ver/ Não chore, sem lágrimas perto de mim”. Uma pegada country rock com ênfase no rock.
“Danger Bird” põe o dedo sujo na ferida do relacionamento de Young com a atriz Carrie Snodgress, mãe de seu filho Zeke. Como em todo o disco, as guitarras ditam o clima que iria inspirar Lou Reed a dizer que Neil tinha se tornado um grande guitarrista nesta época. E a letra é de um ressentimento absoluto: “Agora eu penso em você o dia inteiro/ Este é o momento em que ele se despedaça/ Porque você esteve com outro homem/ Há um tempo atrás no museu com seus amigos/ Aqui você está e aqui estou eu”. O homem ciumento que Neil havia se tornado lhe inspira a se comparar a um pássaro perigoso cujas asas viraram pedra. Mas mesmo assim ele consegue voar pra bem longe.
“Pardon my Heart” dá uma pausa na eletricidade e tem Neil em todos os instrumentos, especialmente guitarras e violões e percussão mais o baixista Tim Drummond e os backing vocals de Billy Talbot e Ralph Molina. Uma balada bem folk ao velho estilo. Mais um recadinho para Carrie Sondgress: “É uma triste comunicação/ Com pouca razão para acreditar/ Quando um não está dando/ E o outro finge receber”. Mais adiante, ele tenta remendar a situação dizendo: “Perdoe meu coração/ Se mostrei que me importava/ Mas eu te amo mais do que os momentos/ Que nós dividimos ou não”.
A próxima canção, “Looking for a Love”, tem uma base country music e um alívio na tristeza. “Tenho procurado um amor/ Mas ainda não a encontrei ainda/ Ela não será nada do que eu imaginei/ Nos seus olhos descobrirei/ Outra razão porque/ eu quero viver e fazer o melhor do que eu possa”. Mas ele sabe que não é moleza lhe aguentar quando, no refrão, ele garante: “Tenho procurado um amor que seja certo pra mim/ Não sei quanto tempo vai durar/ Mas espero tratá-la bem/ e não mexer com sua cabeça/ quando ela começar a ver o meu lado negro”. Autocrítica em dia, né?
“Barstool Blues” fala de um bebum num banco de bar e de sua tristeza. “Se eu conseguisse aguentar por apenas um pensamento/ o suficiente para saber/ porque minha mente está se movendo tão rápido/ e a conversa é devagar”. Lá pelas tantas, o fantasma de Danny Whitten volta a habitar – e a assombrar – Neil: “Era uma vez tinha um amigo meu/ que morreu milhares de mortes/ Sua vida era cheia de parasitas/ e incontáveis ameaças vadias/ Ele confiava numa mulher/ e nela fez suas apostas/ Era uma vez tinha um amigo meu/ que morreu incontáveis mortes”. A mulher, no caso, a heroína que causou a morte de Whitten.
Apesar do disco estar cheio de guitarras luminosas e aparentemente ser mais “solar" dos que os anteriores, “Zuma” tem sua carga de demência, ódio e ressentimento. O lado B começa com uma diatribe dirigida a uma “Stupid Girl”. Comenta-se que a canção seria direcionada à cantora e compositora canadense Joni Mitchell, com quem ele teve um namoro rápido e conturbado. E a letra é puro rancor: “Você é uma garota tão estúpida/ Realmente tem muito o que aprender/ Comece a viver de novo/ Esqueça de lembrar/ Você é uma garota tão estúpida”. E a agressão não dá refresco: “Você é um peixe muito bonito/ Pulando na areia do verão/ Olhando pra onda que perdeu/ quando outra já está chegando/ Você é uma garota tão estúpida”. Como as mensagens são diretas, a música não poderia ser diferente. Batidas simples, baixo marcando o tempo e as guitarras em distorção total. Nada de sofisticação.
A faixa seguinte abre com o que diria o meu amigo João César Nazário, o grande Alemão: uma guitarrada pra levantar defunto. “Drive Back” tem os solos mais lancinantes de todo o disco. Os puristas da guitarra acham que Neil é um mau músico, que não tem técnica. Pode até ser. Ele não é nenhum Larry Carlton, Allan Holdsworth ou Steve Vai. Mas o feeling deste homem é incrível. Carregando esta selvageria nas seis cordas, tem mais uma letra detonando: “O que te levar pela noite/ tá certo pra mim/ quando chegar a hora de dizer adeus/ Vou te fazer ver/ Que você não me conhece/ Não vou te ligar/ Não estarei aqui/ pra te lembrar/ o que você me disse/ Quando te mostrei/ pela manhã/ Deixa te dizer/ Dirija de volta pra sua velha cidade/ Quero acordar com ninguém por perto”. Restou alguma dúvida, querida?
“Cortez the Killer” é a faixa mais conhecida do disco. Ele a regravou em “Live Rust” e ainda toca em seus shows. A letra conta a história de Hernán Cortes, um conquistador espanhol que derrotou o império asteca de Montezuma, comandando um dos grandes massacres de índios da história do mundo ocidental. “Ele veio dançando através da água/ com seus galeões e arma/ À procura do novo mundo/ naquele palácio no sol/ Na praia estava Montezuma/ com suas folhas de coca e pérolas/ E nos lugares onde andava/ com os segredos das palavras... E as mulheres eram todas bonitas/ E os homens eram formes e fortes/ Eles ofereceram suas vidas em sacrifício/ para que outros pudessem continuar”. Durante sete minutos e 29 segundos, Neil e o Crazy Horse contam esta história de conquista e dizimação dos mais fracos.
Depois de tudo, a última faixa dá uma folga pras guitarras e Neil resgata uma canção do abortado projeto de reunião de CSN&Y em 1974, no Hawaii, com “Through my Sails”. Nela, os quatro cavaleiros do country rock mesclam suas vozes em harmonias perfeitas ao som do violão de Young, do baixo de Stephen Stills e das congas do convidado Russ Kunkel. As coisas realmente não estavam fáceis para eles nesta tentativa de reencontro. Os sentimentos eram conflitantes e Neil os captura bem falando de velejar, um dos esportes favoritos de seu irmão e rival de música, Stills: “Ainda fitando as luzes da cidade/ No Paraíso eu me elevo/ Incapaz de descer/ por razões que não sei explicar/ total confusão/ Desilusão/ Coisas novas que estou aprendendo... Vento soprando através das minhas velas/ Parece que estou longe/ Deixando o vento soprar/ através de minhas velas”.
Mesmo tendo as guitarras na linha de frente e dando a impressão de ser um disco ensolarado, especialmente após as tragédias de “Tonight's the Night”, “Zuma” não deixa de ser um disco carregado de uma raiva inerente a tudo que estava acontecendo na época. Além disso, esta foi uma das fases mais complicadas de Neil Young com as drogas, as mulheres, as parcerias musicais que não decolavam, o nascimento de um filho com paralisia cerebral e a morte rondando tudo o tempo inteiro. Como a carreira de Young é pontuada por momentos de rara beleza, como "Everybody Knows This Is Nowhere", “After the Gold Rush”, “Tonight's the Night”, “Rust Never Sleeps”, entre muitos outros, “Zuma” tende a ficar num patamar secundário. Mas é meu disco favorito dele por todos estes motivos relatados acima.
Dois anos depois, Neil se reúne com a nata dos músicos de Nashville mais uma colaboradora que iria acompanhá-lo por muito tempo, a cantora Nicolette Larson, e gravaria o seu disco mais conhecido e menos neurótico de todos: “Comes a Time”. Mas esta é outra história.
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FAIXAS:
1. Don't Cry No Tears - 2:34
2. Danger Bird -                6:54
3. Pardon My Heart - 3:49
4. Lookin' For A Love - 3:17
5. Barstool Blues - 3:02
6. Stupid Girl - 3:13
7. Drive Back - 3:32
8. Cortez The Killer - 7:29
9. Through My Sails - 2:41

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OUÇA O DISCO

por Paulo Moreira


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Meus 10 melhores baixistas de todos os tempos

Não é a primeira vez – nem deve ser a última – que, abismado com alguma lista de supostos “melhores” publicada na imprensa, eu venha aqui por meio do Clyblog manifestar a minha contrariedade. E preferências. O modo de fazê-lo é, no entanto, não apenas criticando, mas montando a minha própria lista em relação àquele mesmo tema. Desta vez, o alvo é uma listagem publicada pela famosa revista de música britânica New Musical Express, que elencou os 40 maiores baixistas de todos os tempos (?!).

De novo, minha ressalva é pelos critérios. Como respeitar uma seleção que não inclui, pelo menos entre os 40, nomes fundamentais do instrumento para o desenvolvimento da música pop como Geddy Lee, do Rush, ou Steve Harris, do Iron Maiden? “Ah, Simon Gallup (The Cure) e Matt Freeman (Rancid) não são ‘dinossauros’ virtuosos”. Mas Krist Novoselic (Nirvana) nem Colin Greenwood (Radiohead) o são – e estão entre os votados. E mais: está lá – por merecimento, diga-se – o jazzista Charles Mingus. Ok, mas, se vai entrar na seara do jazz, da qual diversos músicos são de altíssima qualidade, técnica e influência, como não abarcar os óbvios nomes de Ron Carter, Paul Chambers, Jimmy Garrison, Stanley Clarke, Marcus Mïller e Dave Holland? Ou ainda: em 40, nenhum brasileiro? Nem Dadi, Bi Ribeiro ou Arthur Maia? Num mundo globalizado e conectado como o de hoje, foi-se o tempo em que músicos como eles eram meros desconhecidos de um país de música desimportante para o cenário mundial.

Como dizem por aí: “se não sabe brincar, não desce pro play”! Parece, sinceramente, que a tão consagrada NME não tem gente suficientemente entendedora daquilo que está tratando. As lacunas, sejam pelos critérios tortos, desconhecimento ou até preconceito, comprometem as escolhas largamente. Além disso, a ordem de preferências é bastante questionável. Parece terem optado por contemplarem baixistas de todos os estilos e subgêneros dentro daquilo que se considera música pop e deram “com os burros n’água”. Claro que há acertos, mas muito mais pela obviedade (seriam também loucos de não porem Jaco Pastorius, John Paul Jones, Kim Deal ou John Entwistle), fora que há aberrações como Flea aparecer numa ridícula 22ª posição - a Rolling Stone, em 2011, havia escolhido o baixista do Red Hot Chili Peppers como 2º melhor...

Pois, então, minimamente tentando “corrigir” o que li, monto aqui a minha lista de 10 preferidos do contrabaixo. Toda classificação deste tipo, inclusive a minha, é cabível de julgamento, sei. Porém, ao menos tento, com o conhecimento e gosto que tenho, desfazer algumas injustiças a quem ficou inexplicavelmente mal colocado ou, pior, nem incluso foi. E faço-o com algumas regrinhas: 1) sem ordem de preferência; 2) lançando breves justificativas e; 3) ao final de cada, citando três faixas em que é possível ouvir bons exemplos do estilo, performance e técnica de cada um dos escolhidos.

1 - Peter Hook
Um dos mal colocados da lista da NME, Peter Hook é certamente o baixista da sua geração que melhor desenvolveu sua técnica, tornando-se quase que o principal “riffeiro” do New Order. Entretanto, seu estilo próprio e qualidade já se notam desde o 1º disco da Joy Division. Baixo inteligente, potente e de muita personalidade.

Ouvir: “She’s Lost Control” (Joy Division); "Leave Me Alone" (New Order); “Regret” (New Order)



2 - Ron Carter
Qualquer um que pense em elencar os melhores contrabaixistas de todos os tempos, jamais pode deixar de mencionar o mestre do baixo acústico, cujo toque inconfundível tem inequívoca presença para a história do jazz, da MPB e da música pop moderna. O homem simplesmente tocou no segundo quinteto clássico de Miles Davis, participou da gravação de “Speak No Evil”, do Wayne Shorter, e tocou nos discos “Wave” e “Urubu” de Tom Jobim, pra ficar em três exemplos. Aos 80 anos, Ron Carter é uma lenda vida.

Ouvir: “Blues Farm” (Ron Carter); “O Boto” (com Tom Jobim); “Oliloqui Valley” (com Herbie Hancock)


3 - Flea
O cara parece de outro mundo. Compõe linhas de baixo complexas e não apenas sustenta tal e qual durante os show como o faz improvisando e pulando enlouquecidamente. Vendo Flea no palco, seja na mítica banda punk Fear, no Chili Peppers ou em participações como as com Jane’s Addiction e Porno for Pyros, parece fácil tocar baixo. Como diziam Beavis & Butthead: “Flea detona!”

Faixas: “Sir Psycho Sexy” (Red Hot Chili Peppers); “Pets” (Porno for Pyros); “Ugly as You” (Fear)


4 - Jaco Pastorius
Dos acertos da lista da revista. Afinal, como deixar de fora a maior referência do baixo do jazz contemporâneo? O instrumentista e compositor, presente em gravações clássicas como “Bright Size Life”, de Pat Metheny, e “Hejira”, de Joni Mitchell, equilibra estilo, timbre peculiar e rara habilidade. Como seria diferente vindo de alguém que se diz influenciado (nessa ordem) por James Brown, Beatles, Miles Davis e Stravinsky?

Ouvir: “Birdland” (com Weather Report); “The Chicken” (Jaco Pastorius); “Vampira” (com Pat Metheny)


5 - Geddy Lee
Quando o negócio é power trio, fica difícil desbancar qualquer um dos três no seu instrumento. Caso de Geddy Lee, do Rush. Mas acreditem: ele não está na lista da NME! Pois é: alguém que cria e executa linhas de baixo altamente criativas, de estilo repleto de contrapontos (e ainda toca teclado com o pé ao mesmo tempo), não poderia deixar de ser citado jamais. Pelo menos aqui, não deixou.

Ouvir: “La Villa Strangiato”; “Xanadu”, “Spirit Of The Radio


6 - Les Claypool
Outro dos gigantes do instrumento que não tiveram sua devida relevância na lista da NME (29º apenas). Principal compositor de sua banda, o Primus (outro power trio), Claypool, além disso, é um verdadeiro virtuose, que faz seu baixo soar das formas mais improváveis. Tapping, slap, dedilhado, com arco: pode mandar, que ele manja. Domínio total do instrumento.

Ouvir: “My Name is Mud”; “Tommy The Cat”; “Mr. Krinkle


7 - Simon Gallup
Se Peter Hook aperfeiçoou o baixo da geração pós-punk, colocando-o à frente muitas vezes da sempre priorizada guitarra no conceito harmônico do Joy Division e do New Order, o baixista do The Cure não fica para trás. Dono de estilo muito próprio, seu baixo é uma das assinaturas do grupo. Se a banda de Robert Smith é uma das bandas mais emblemáticas dos anos 80/90 e responsável por vários dos hits que estão no imaginário da música pop, muito se deve às quatro cordas grossas de Gallup.

Ouvir: “Play for Today”; “Fascination Street”; “A Forest


8 - Mark Sandman
Talvez a maior injustiça cometida pela NME – pra não dizer amnésia. Se fosse apenas pela mente compositiva e pelo belo canto, já seria suficiente para Sandman ser lembrado. Mas, além disso, o líder da Morphine, morto em 1999, era um virtuose do baixo capaz de inventar melodias com a elegância do jazz e a pegada o rock. Fora o fato de que seu baixo soava a seu modo, com a afinação totalmente fora do convencional, que ele fazia parecer como se todos os baixos sempre fossem daquele jeito: geniais.

Ouvir: “Buena”; “I'm Free Now”; “Honey White



9 - Bernard Edwards
A Chic tinha na guitarra do genial Nile Rodgers e no vocal feminino e no coro de altíssima afinação uma de suas três principais assinaturas. A terceira era o baixo de Bernard Edwards. O toque suingado e vivo de Edwards é um patrimônio da música norte-americana, fazendo com que a soul disco cheia de estilo e harmonia da banda influenciasse diretamente a sonoridade da música pop dos anos 80 e 90.

Ouvir: "Good Times" (Chic); “Everybody Dance“ (Chic); “Saturday” (com Norma Jean)"



10 - Bootsy Collins
Quando se pensa num contrabaixista tocando com habilidade e alegria, a imagem que vem é a de Bootsy Collins. Ex-integrante das míticas bandas Parliament-Funkadelic e da The J.B.’s, de James Brown, Bootsy é um dos principais responsáveis por estabelecer o modo de tocar baixo na black music. Quem não se lembra dele no videoclipe de “Groove is in the Heart” do Deee-Lite? A NME não lembrou...

Ouvir: “P-Funk (Wants to Get Funked Up)” (com Parliament); “Uncle Jam” (com Funkadelic); “More Peas” (com James Brown & The J.B.'s)



por Daniel Rodrigues
com a colaboração de
Marcelo Bender da Silva
e Ricardo Bolsoni

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

V.S.O.P. - “Five Stars” (1979)


"Eu pensei que seria impossível colocar pessoas como Tony Williams ou Ron Carter ou Wayne Shorter ou Freddie Hubbard na mesma sala ao mesmo tempo, porque muitos deles são líderes de bandas."
 
"A ideia era atualizar o passado. Eu não tinha a intenção de tentar tocar como toquei, mas pegar a música que tocamos no início e meados dos anos 70 e deixar a música acontecer a partir de nossos estados de espírito do momento."
Herbie Hancock 

É compreensível o folclore em torno dos chamados “times dos sonhos”. Seja no esporte ou nas artes, os “dream teams” criam uma verdadeira aura de fascínio. Na música, embora algumas bandas sejam consideradas excelentes, elencar uma seleção dos melhores entre os melhores é quase um sonho para os fãs. Imagine-se, por exemplo, se o rock tivesse conseguido promover o encontro de Jimi Hendrix, na guitarra; John Bonham, na bateria; Keith Emerson, nos teclados; e John Entwistle, no baixo? Impossível. 

No jazz? Tão improvável quanto. Para formar um timaço de melhores, só se fosse no Japão! E não é que este milagre aconteceu? E, pasme-se: não foi nos Estados Unidos, berço do jazz, mas, sim, na Terra do Sol Nascente. O feito raro tem um responsável: Herbie Hancock. Além de ser um dos integrantes deste “dream team”, foi ele quem catalisou as intenções e teve a ideia de, junto com o empresário David Rubinson, formar a “The Quintet”. Mas uma reunião tão especial não poderia chamar-se de outro jeito que não de algo que transmitisse bem essa ideia. A criativa solução foi dar o nome ao grupo de V.S.O.P., sigla que significa, na linguagem etilista, "Very Special One Time Performance", ou seja, a classificação dada à bebida conhaque envelhecida de alta qualidade.

Para isso, Hancock chamou, claro, só os melhores. Amigos músicos tão brilhantes quanto ele: Ron Carter, para o baixo; Tony Williams, para a bateria; Wayne Shorter, no sax; e Freddie Hubbard, ao trompete. Todos “all stars”, todos band leaders, todos lendas do jazz, que tocaram com outras lendas como Charlie Parker, Dizzie Gillespie, Miles Davis, Tom Jobim e Art Blakey. Todos senhores de obras que revolucionaram o jazz e a música moderna. Estavam todos ali, milagrosamente juntos. Seja por currículo ou por talento, a V.S.O.P. era o verdadeiro “dream team” do jazz.

Para materializar essa conjugação tão estelar, Rubinson promoveu um histórico show em San Diego, em 1977, que foi registrado no álbum “The Quintet”. O projeto deu tão certo, que deu vontade de também produzirem algo em estúdio. Foi aí que a turma foi parar no Japão, onde já eram individualmente aclamados. Foi a conexão que faltava: além de realizarem um novo disco ao vivo naquele mesmo ano, “Tempest in the Colosseum”, que encerrava a turnê, a turma, principalmente Hancock, acabou ficando lá pelo outro lado do mundo. Somente em 1979, dos seis discos que o pianista lança naquele ano, entre projetos solo ou acompanhados, quatro são gravados em Tóquio e lançados pelo selo Sony Japan. Um deles é justamente o colossal “Five Stars”, da V.S.O.P., único trabalho de estúdio da banda e cujo título não poderia ser mais adequado.

Coube ao engenheiro japonês Tomoo Suzuki comandar as mágicas gravações de 29 de julho daquele ano, nos estúdios CBS/Sony, em Tóquio. Mesmo experiente e calejado, por incrível que pareça o que o quinteto traz é de um frescor surpreendente e até tocante, não fosse, principalmente e acima de tudo, empolgante. Donos dos melhores currículos do jazz, eles tocam com a graça de jovens iniciantes. É surpreendente e comovente o misto coração e habilidade que estes cinco amigos, senhores do mais alto nível da música internacional, entregam na exuberante faixa de abertura, “Skagly”. São 10 minutos que é fácil duvidar que qualquer criatura que goste de música queira que em algum momento acabe. 

Sob a energia funk que todos conhecem e dominam, a faixa é um verdadeiro show de cada um dos participantes. Trata-se de um tema tão rico, que merece uma apreciação pormenorizada. A começar pelo autor, Hubbard. É ele quem dá as costuras altamente sofisticadas de fusion e hard bop do chorus. É ele quem estica as notas para os tons agudos, bem a seu estilo. É ele quem, com mérito, começa solando com a técnica invejável de quem tem seu nome gravado em álbuns como “Empyrean Isles”, de Hancock, “Free Jazz”, de Ornette Coleman, ou “Out to Lunch”, de Eric Dolphy. Carter: o único que não “sola”. Mas para quê? Afinal, o que o maior baixista da história do jazz faz é milagre. Quem conseguiria extrair tanta sonoridade, tanta personalidade do baixo acústico? Carter, que dispensara o baixo elétrico fazia tempo, prova por A mais B o porquê de sua escolha. Em “Skagly”, suas deliciosas ondulações e sua timbrística característica, aquela do quinteto mágico de Miles Davis e da sonoridade de Gil Scott-Heron, estão mais do que palpáveis: são uma caixa de ritmo. Só podia vir de quem já fez samba-jazz com Tom, Hermeto Pascoal e Airto Moreira.

Hancock: sabem aquelas notas que saltitam do piano em “Cantaloupe Island” e “Blid Man, Blind Man”? E a noção de ritmo repleta de groove e blues de quem contribuiu para a construção da sonoridade de gente como Miles, Shorter, Milton Nascimento, Lee Morgan e Joni Mitchell? De quem faz a improvável ligação entre Gershwin a hip hop? Pois é: Hancock em “Skagly” é tudo isso. Falemos, então, de Shorter. Bem, o que dizer de Shorter? A genialidade em forma de saxofone, a estirpe de Coltrane, a mente fusion da Weather Report, o buda do jazz, o solista incansavelmente criativo e hábil, o autor das obras-primas “Juju”, “Night Dreamer”, “Speak no Evil”? Pouco tem a se dizer e muito a aplaudir. Por fim, Williams. Este não ficou por último à toa, pois sua performance na faixa de abertura (nossa, isso, ainda é “apenas” a abertura do disco!) é, mesmo para os que sabem se tratar do, provavelmente, mais influente baterista da história do jazz, assombrosa. O que é I-S-S-O? Williams dá, literalmente, um show do início ao fim do tema, sem que isso, porém, se torne maçante ou confuso. Pelo contrário! É ele quem segura no punho o ritmo funk de cabo a rabo, mas não deixa de esmerilhar nas quebras e descidas. Quantas variações de rolos, polirritmia, mudanças de timbres! Conhecido por sua categoria nas baquetas, como as que executa em clássicos como “Maiden Voyage”, de Hancock, “Refuge”, de Andrew Hill, ou “Shhh”, de Miles, e inúmeros outros, aqui ele não economiza na explosão.

Bastaria falar apenas sobre a faixa de abertura, mas esses cinco jovens tarimbados não deixariam o ânimo cair jamais. Tanto que, na sequência, vem o sofisticado jazz bluesy “Finger Painting”, com lances modais e bopers fluindo naturalmente entre si, coisa de quem toca jazz de olhos fechados. O baixo de Carter escalona sons ondulados enquanto Shorter e Hubbard se encarregam de lançar frases em colorações medianas, Williams privilegia o tintilar dos pratos e chipô e Hancock mantém o clima onírico em notas claras e prolongadas. Em “Mutants On The Beach”, a terceira, hard-bop mais clássico e não menos gracioso, Carter novamente “carrega” no baixo, dando agora aos sopros maior amplitude para voaram com apoio do ritmo embalado marcado por Williams e Hancock. O pianista, aliás, confere dissonâncias perfeitas em seu improviso, ligando o anterior, de Hubbard, com o seguinte, de Shorter. Mas Williams estava chispando fogo como um dragão japonês, e manda ver num magnífico solo para terminar a música.

Sabe o gol de Carlos Aberto para a Seleção Brasileira sobre a Itália na final da Copa de 70? Ou a trinca “Golden Slumbers/Carry That Weight/The End” para encerrar o último disco dos Beatles, “Abbey Road”? É esta sensação que deixa “Circle”, a que finaliza o disco do “dream team” V.S.O.P. Quanta perfeição! Enigmática, é um misto de “In a Silent Way”, de Miles, com “Maiden Voyage”, com “Psalm”, de Coltrane, e mantra oriental. A melodia espiral, cadenciada pelo baixo já tradicionalmente assim de Carter, dá literalmente uma sensação de circularidade, absorvendo quem escuta numa atmosfera de vertigem. Ainda bem que se trata da menor faixa das quatro, pois se não os ouvintes entrariam em transe – se é que não entram.

Depois deste álbum japonês, a V.S.O.P. lançaria ainda apenas mais um disco também ao vivo como os dois primeiros antes de se dissolver ou transformar-se em outros projetos, visto que os integrantes seguiram contribuindo uns para os outros em vários momentos. Porém, embora a formação do grupo tenha se dado ainda nos Estados Unidos para um show quase comemorativo de músicos “envelhecidos de alta qualidade”, foi no Japão que este prosseguiu e onde se concretizou o histórico registro do quinteto em estúdio – feito que, infelizmente, nunca mais se repetirá uma vez que Hubbard faleceu em 2008. Contudo, é normal que “times dos sonhos” não permaneçam por muito tempo mesmo. A conjunção de fatores para que esse milagre ocorra é tão improvável que os deuses podem resolver que ela ocorra quando e onde menos se espera. No Japão, por exemplo. 

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FAIXAS:
1. "Skagly" (Hubbard) - 9:56
2. "Finger Painting" (Hancock) - 6:44
3. "Mutants On The Beach" (Williams) - 11:04
4. "Circe" (Shorter) - 4:30

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues


quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Crosby, Stills & Nash - “CSN” (1977)



“CSN&Y nunca fará uma turnê de novo, jamais... mas eu amo esses caras.” 
Neil Young


Como falei noutra ocasião sobre o disco "Zuma", do Neil Young, pra fazer justiça pros meus velhos queridos Stephen Stills, Graham Nash e David Crosby, falo agora de “CSN”, de 1977. Aquele dos três no barco do Stills. Comprei este disco no segundo semestre de 1977, quando terminava o 2º Grau no glorioso Colégio Estadual Inácio Montanha, em Porto Alegre, e fazia o IPV (Lembram? Claro que não!). Já tinha ouvido os discos deles em casa de amigos, mas nunca tinha comprado um. E acertei na mosca. O disco é maravilhoso, talvez o melhor deles, mesmo que não tenha um sucesso estrondoso da carreira do trio. Nesta época, em plena era punk, os já veteranos apostavam na música para se manter acima da superfície do mercado. Conseguiram: o disco chegou ao segundo lugar entre os mais vendidos na ocasião.

E o que se pode dizer de um disco que começa direto com uma obra-prima como “Shadow Captain”, composta por Crosby e pelo tecladista Craig Doerge. Segundo o próprio Crosby, ela foi feita no seu barco, 220 milhas longe da costa, quando acordou num dia e resolveu escrever toda a letra numa sentada. O piano de Doerge e a guitarra slide de Stills dão o tema musical que carrega as harmonias vocais. Neste disco, uma curiosidade: Crosby ainda não tinha mergulhado nas drogas de forma absoluta. Portanto, eles não precisavam de ajuda nas vozes, como no disco posterior, “Daylight Again”, de 1982, no qual ArtGarfunkel dá uma força. No refrão, “Shadow Captain” diz “Quem guia este barco/ sonhando através do mar/ Virando e procurando/ Qualquer que seja o jeito que te agradar/ Fale comigo/ Preciso ver seu rosto/ Capitão ensombreado/ num lugar escuro”.

“See the Changes” tem o violão de Stills e aqueles vocais pelas quais eles ficaram conhecidos. Na canção, Stills fala das mudanças pelas quais um homem passa e do encontro com uma mulher que, finalmente, o entende. “Ela tem me visto mudando/ não tem sido fácil rearranjar/ E fica mais difícil à medida que se envelhece/ Ficando cada vez mais longe quanto mais perto você chega”.

“Carried Away” é a primeira contribuição de Graham Nash no disco. Uma balada com direito a solo de harmônica. De acordo com o próprio Nash, sua esposa Susan não gosta desta música, pois fala de uma paixão platônica que o compositor teve na Flórida por uma mulher que viu numa cafeteria. A letra é bem explícita: “Você veio dos céus/ Sua pele e seus olhos/ As cores do bronze/ A lua em seu ouvido/ Brilhou e resplandeceu/ Em breve, você terá ido embora... mudando através das minhas mudanças/ tão rápido quanto possa/ tentando trazer o balanço entre eu e o homem/ Parte de mim está gritando para dizer/ que quero ser carregado pra longe”. É claro que Susan não gostou. Só ver esta mulher na rua fez Nash querer ir embora. A suavidade de Nash aflorando.

A faixa seguinte, “Fair Game”, tem uma levada latina, bem ao estilo caribenho do gosto de Stills, que dá um show no violão. Na época, separado da cantora francesa Dominique Sanson, ele estava pronto pro jogo e “Fair Game” conta uma história assim. “Encontre uma maneira de chegar nela, se faça de bobo/ Mas faça com um pouco de classe, não siga as regras/ porque este cara sabe que chegar ao fundo do poço não vai te conseguir uma namorada/ o patinho feio ataca novamente e ele vai decidir seu destino/ e você é um alvo/ Nunca vai saber o que ela vai decidir/ Você é o alvo/ apenas relaxe e aproveite”.

“Anything at All” traz a ironia sempre presente de Crosby em dia. Um contestador pro bem e pro mal, David Crosby sempre fez da metáfora e da linguagem figurada o mote para suas canções. Vide “Almost Cut My Hair”, do disco “Déja Vu”, onde fala da briga do establishment com os cabelos compridos no final dos anos 60. Aqui, ele vai um pouco mais longe: “Tudo que você quiser saber/ me pergunte/ eu sou o cara mais opinativo do mundo/ Te darei uma resposta se eu puder/ pegue uma que estiver passando/ se for legal pra você... tudo que você quiser saber apenas pergunte/ vale cada centavo/ mas pra você é de graça/ liquidação especial/ Tudo que você quiser saber/ você vê apenas abaixo da superfície da lama/ tem mais lama aqui/ Surpresa...”.

Já “Cathedral” conta uma experiência de Nash na Winchester Cathedral em Londres, após tomar LSD no dia do seu 32º aniversário. Esta canção e “Dark Star” são as únicas que eles mantêm no repertório de seu show. Vi eles em SP em 2012 e pirei. A viagem literal de Nash começa na catedral, passa por um túmulo de uma pessoa que morreu em 1779 e vai terminar em Stonehenge. Põe viagem nisso! “Abre as portas e me deixe sair daqui/ Muitas pessoas mentiram em nome de Cristo/ para qualquer um considerar o chamado/ muitas pessoas morreram em nome de Cristo/ que não posso acreditar de jeito nenhum/ e agora estou sobre um túmulo de um soldado que morreu em 1779/ E o dia em que ele morreu era um aniversário/ e notei que era o meu/ e na minha cabeça não sabia quem eu era/ comecei a voltar no tempo/ e estou chapado no altar/ chapado no altar, chapado”. Tudo isso com um arranjo de cordas que dá uma sensação de grandiosidade à faixa.

O lado 2 começa com “Dark Star”, mais uma música latina de Stills com Ray Barretto nas congas e Russ Kunkel na bateria, tirando um mezzo samba de americano dos couros e pratos. A canção tem ainda os solos de piano elétrico de Doerge e do violão de Stills que valem o ingresso. Na letra, ele fala de um amor que rolou. Como namorou Judy Collins, Joni Mitchell e Rita Coolidge, não se sabe quem é a “vítima”, mas a música é ótima e os vocais vêm com tudo. “Estrela negra, te vejo pela manhã/ Estrela negra, dormindo perto de mim/ estrela negra, deixe a memória da tarde/ ser a primeira coisa que você pensa/ quando abre seus olhos e me vê, estrela negra”. A convivência, às vezes, não é pacífica, mas Stills tem esperança que as coisas se ajeitem.

”Just a Song before I Go” foi o sucesso radiofônico da época, mais uma daquelas baladas românticas de Nash. Mais uma vez, Nash se envolve com uma mulher, agora no aeroporto, depois de uma turnê. “Ela me ajudou com minha mala/ Ela parou em frente aos meus olhos/ me carregando ao aeroporto/ e pelos céus amigáveis/ passando pela segurança/ eu a segurei por muito tempo/ ela finalmente olhou pra mim com amor/ e se foi”. Um daqueles amores efêmeros que rolam durante uma turnê. Rendeu o 7º lugar na parada dos compactos da Billboard na época.

“Run From Tears” é o momento roqueiro de Stephen Stills. Mais uma vez, os amores desfeitos são o mote da canção: “Não fujo das lágrimas/ esta é a minha fraqueza/ E sei que você ainda me ama/ apesar de não acreditar nisso..você está me punindo/ pela minha fraqueza/ quando souber a meu respeito/ não vai poder bater tão forte/ e não quis te subestimar/ apenas sabia que me sentia bem em casa/ mas você me deixou tão desencantado/ estava cego é claro até que você foi embora”. A guitarra de Stills sola furiosamente sob uma base do órgão de Mike Finnigan, ex-músico de Jimi Hendrix e que integrou a banda de CS&N no final dos 70 e começo dos 80.

“Cold Rain” é mais uma música de Nash composta lembrando seus tempos de Inglaterra, quando fazia parte do grupo The Hollies. Ele fala em terceira pessoa de si mesmo. “Chuva fria cai sobre meu rosto/ ônibus se apressam/ Trabalho terminou, aí vem a turba/ Pessoas indo pra casa/ Não te conheço?/ Não te vi antes?/ Você parece com alguém que eu conheço/ ele viveu aqui, e se foi/ quando achou que tinha mais”.

A penúltima música, “In My Dreams” traz Crosby e um clima jazzístico acústico, com direito a vibrafone de Joe Vitale. Como Crosby sempre foi apaixonado por músicas com vocalize, esta realmente ter sido composta sem letra e o autor resolveu contar um pouco da história de camaradagem e desavenças do trio (ou quarteto, se lembrarmos que Neil Young entrou e saiu deste grupo milhões de vezes, ou ainda da dupla que mantém com Nash há anos). “Duas ou três pessoas entrando e saindo do ar/ como uma emissora de rádio que fico pensando/ mas não consigo ouvir/ quem traz o café da manhã?/ Quem traz o almoço?/ Quem é o líder desta turma?/ Quem vai conduzir?”

Pra encerrar a fatura, Stills volta com sua guitarra enlouquecida solando sobre uma cama de cordas arranjadas por Mike Lewis em “I Give You Give Blind”. Ele também toca o piano, que carrega a melodia. Como em todo o disco, a busca do amor não é fácil e Stepehn Stills reclama: “Ei, você gosta de ficar sozinha?/ E me diga quando vai voltar pra casa/ Por que me deixou abandonado/ Você me fez pirar... Então o amor não pode se perder tão fácil/ e viver não vai ser tão tranquilo e sereno/ olhe em meus olhos e veja o que estou falando”.

Um belo disco, com vocais maravilhosos e atuações musicais perfeitas. O que se pode querer mais? Quem não conhece, tá aqui. E pra quem já ouviu, mais uma chance de se deliciar com os três.

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FAIXAS

1. "Shadow Captain" (David Crosby, Craig Doerge) - 4:32
2. "See the Changes" (Stephen Stills) - 2:56
3. "Carried Away" (Graham Nash) - 2:29
4. "Fair Game" (Stills) - 3:30
5. "Anything at All" (Crosby) - 3:01
6. "Cathedral" (Nash) - 5:15
7. "Dark Star" (Stills) - 4:43
8. "Just A Song Before I Go" (Nash) - 2:12
9. "Run from Tears" (Stills) - 4:09
10. "Cold Rain" (Nash) - 2:32
11. "In My Dreams" (Crosby) - 5:10
12. "I Give You Give Blind" (Stills) - 3:21

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por Paulo Moreira

terça-feira, 28 de maio de 2013

Wayne Shorter - "Night Dreamer" (1963)



“Este disco é um marco para mim,
pois veio em um momento em que eu
 estava entrando em uma nova fase como autor.
E também eu sabia que
 em meu primeiro álbum para a Blue Note
eu teria que dizer algo substancial.”
Wayne Shorter,
no texto do encarte original


São inúmeros os discípulos de Miles Davis no universo do jazz. A lista vai de mestres geniais como Chick Corea, Herbie Hancock, Sonny Rollins, John McLaughlin e John Coltrane – para mim, o maior deles. Mas talvez o mais fiel aluno tenha sido outro genial jazzista: o saxofonista Wayne Shorter, lenda viva da música mundial. De estilo arrojado tanto nos improvisos quanto nas harmonias, Shorter começou na cena em 1959 na banda bebop de Art Blakey, a The Jazz Messengers, pela qual não só ajudou a gravar álbuns memoráveis, como, hábil e líder, tornou-se logo o diretor musical do grupo. Além disso, como todos da sua geração, foi fortemente influenciado pelo jazz em escalas do “divisor de águas” "Kind of Blue", de Miles (1959), passando, tempo depois, a formar o aclamado “segundo grande quinteto” do mestre, juntamente com Hancock, Ron Carter e Tony Williams. Tudo isso deu embasamento para Shorter, valendo-se de todas estas referências, gravar, em 1963, seu grande trabalho: o encantador “Night Dreamer”, onde se nota um compositor maduro e criativo, além de um instrumentista virtuoso.

Depois de três LP’s pelo selo Vee-Jay, onde ainda se percebe um artista em busca de identidade própria, “Night Dreamer”, seu primeiro pela mais cultuada gravadora do jazz, a Blue Note, é o acerto da medida: cool, sofisticado, intenso, coeso. Tudo favorecendo: a técnica de estúdio Rudy Van Gelder, a produção caprichada de Alfred Lion e esplêndida arte, na foto borrada de Francis Wolff e o design de Reid Miles. Campo preparado para um disco impecável. Como o título sugere, começa numa atmosfera de sonho com a arrebatadora faixa-título, em que o piano de McCoy Tyner anuncia, em acordes ondulantes e oníricos, a beleza da melodia modal que se forma a seguir com o restante da banda (e que banda!): Lee Morgan (trompete), Reggie Workman (baixo) e Elvin Jones (bateria). O chorus, sobre o andamento cadenciado e bluesy de Jones e dos dois tempos de quatro do piano, desenha um riff pegajoso que, entre leves ascendências e declives, surpreende pelas dissonâncias sem, contudo, se afastar do coração do ouvinte. Espiral como um sonho, volta, no fim da série, para o acorde inicial. A mesma ideia circular serve de concepção para os improvisos, momento em que Shorter dá um verdadeiro show de tempos, variações e groove. Há claras inspirações no fraseado econômico e certeiro de Miles, inclusive na repetição da famosa frase de trompete que antecede o solo histórico de Coltrane em "Freddie Freeloader", do “Kind of Blue”, que Morgan pronuncia rapidamente mas com exatidão, numa visível homenagem. No final, ao invés de toda a banda tencionar para cair junta, o mais comum à época, Shorter subverte, desfechando-a em pleno solo ascendente, em ritmo aberto.

Os anos como cérebro da The Jazz Messengers deram à Shorter a cancha de produzir adaptações tão primorosas como a de "Oriental Folk Song", uma canção tradicional chinesa em que o músico recria o tema original timbrística e harmonicamente, compondo um jazz novamente complexo em construção, mas orgânico a quem ouve. A introdução em tons orientais abre espaço para uma segunda e intermediária parte com o chorus de tempos longos e articulados. Porém, a música progride ainda mais, e uma terceira sequência atinge outra envergadura, subindo a gradação em uma interpretação vigorosa de toda a banda.

“Virgo”, uma das mais lindas baladas do cancioneiro jazz, vem em seguida, e aqui Shorter novamente arrebenta, mas não da forma carregada como nas primeiras faixas, mas, sim, em solos lânguidos e perfeitamente pronunciados. Sem pressa e repleta de sussurros, pausas e desvelos; sensual como uma transa apaixonada madrugada adentro. É tão incrível que, mesmo empunhando um saxofone tenor, há momentos em que parece estar tocando um sax alto, tamanho rebuscamento que extrai das notas graves e na modulação que atinge com o instrumento. Para arrematar, um breve solo enlevado à capela, só sax e ouvidos. Perfeita.

Embalada e não menos saborosa, “Black Nile” vem com toda a banda em altíssimo nível de performance. É, seguramente, a mais “agitada” do disco, que só veio a acelerar-se um pouco mais já na sua segunda metade. No entanto, o tom suave que perfaz o álbum é novamente demarcado em "Charcoal Blues", em que o saxofonista exercita pequenas variações sobre o riff, numa simplicidade mais uma vez com ares de Miles Davis, inclusive pelo visível apreço pelo blues. Nesta, McCoy Tyner merece atenção especial na manutenção da base e, principalmente, em seu solo.

Nada mais perfeito para terminar uma noite de fantasia do que com o próprio “Armageddon". Considerada por Shorter como o ponto focal do álbum, contém como mensagem a força da dualidade do ser humano na última batalha entre o bem e o mal. Por isso, as notas reflexivas e densas, mas nem por isso menos belas. Nela, sonho passa a significar utopia, alucinação. “A minha definição do julgamento final é um período de esclarecimento total que vai descobrir o que somos e por que estamos aqui", disse o compositor sobre esta obra. Não sei se um dia chegaremos a isso, mestre Shorter, mas certamente sua música nos eleva a um ponto que, mesmo que apenas como meros sonhadores de uma noite qualquer, talvez consigamos revelar algo tão profundo de nós mesmos.

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Corrijo em tempo um erro desta resenha: “Night Dreamer” não é O grande trabalho de Wayne Shorter, mas, sim, seu PRIMEIRO grande trabalho. Em plena atividade mesmo prestes a completar 80 anos, o músico lançou este ano um novo CD, o elogiado “Without A Net”. Mas para alguém dono de uma obra tão extensa e marcante, eleger apenas um disco como o melhor é tarefa impossível. Basta lembrar-se de outros grandes discos solo, como ”Ju-Ju” (1964), “Speak no Evil” e “The Soothsayer” (ambos de 1965), os trabalhos com uma das pioneiras do jazz-fusion, a Wheater Report, nos anos 70, ou as parcerias, como os que gravou com Milton Nascimento, Carlos Santana e Joni Mitchell.

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FAIXAS:
1. Night Dreamer - 7:15
2. Oriental Folk Song - 6:50
3. Virgo - 7:00
4. Virgo (alternate take 14) – 7:03
5. Black Nile - 6:25
6 Charcoal Blues - 6:50
7. Armageddon - 6:20

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Ouvir: