“Trabalhar com Neil é
um privilégio,
não um direito.”
Stephen Stills
Um dos meus artistas preferidos é o cantor e compositor
canadense Neil Young. Ele me foi
apresentado pelo meu querido e saudoso primo José Carlos de Andrade Ribeiro, o
popular Chico Caroço, em 1972, quando ele mostrou pra mim o disco “Harvest”. De
cara, chapei com “Old Man” e fiquei de olho em alguma coisa que lançassem dele
no Brasil. Só voltei a ouvi-lo com toda a atenção em 1975, quando o mesmo Chico
Caroço me apresentou o disco favorito de hoje: “Zuma”, de Neil Young e seus fiéis escudeiros, o trio Crazy Horse
(Frank Sampedro na guitarra base; Billy Talbot, no baixo, e Ralph Molina na
bateria.
Com uma capa muito expressiva de Mazzeo, “Zuma” foi lançado
após uma trilogia de discos muito bons, porém terrivelmente tristes (“Time
Fades Away”, de 1973; “On the Beach”, de 1974, e o melhor de todos, “Tonight's
the Night”, de 1975), inspirados na morte por overdose de Danny Whitten, o
guitarrista original do Crazy Horse.
A viagem começa com “Don't Cry No Tears”, uma típica música
de NY com Crazy Horse. As guitarras distorcidas fazem a cama para uma letra
onde Neil Young pergunta: “Eu fico
pensando quem está com ela esta noite?/ E eu fico pensando quem a está
abraçando bem apertado/ Mas não tem nada que eu possa dizer/ para fazê-lo ir
embora/ Um velho amor verdadeiro não é difícil de ver/ Não chore, sem lágrimas
perto de mim”. Uma pegada country
rock com ênfase no rock.
“Danger Bird” põe o dedo sujo na ferida do relacionamento de
Young com a atriz Carrie Snodgress, mãe de seu filho Zeke. Como em todo o
disco, as guitarras ditam o clima que iria inspirar Lou Reed a dizer que Neil
tinha se tornado um grande guitarrista nesta época. E a letra é de um ressentimento
absoluto: “Agora eu penso em você o dia
inteiro/ Este é o momento em que ele se despedaça/ Porque você esteve com outro
homem/ Há um tempo atrás no museu com seus amigos/ Aqui você está e aqui estou
eu”. O homem ciumento que Neil havia se tornado lhe inspira a se comparar a
um pássaro perigoso cujas asas viraram pedra. Mas mesmo assim ele consegue voar
pra bem longe.
“Pardon my Heart” dá uma pausa na eletricidade e tem Neil em
todos os instrumentos, especialmente guitarras e violões e percussão mais o baixista
Tim Drummond e os backing vocals de
Billy Talbot e Ralph Molina. Uma balada bem folk
ao velho estilo. Mais um recadinho para Carrie Sondgress: “É uma triste comunicação/ Com pouca razão para acreditar/ Quando um
não está dando/ E o outro finge receber”. Mais adiante, ele tenta remendar
a situação dizendo: “Perdoe meu coração/
Se mostrei que me importava/ Mas eu te amo mais do que os momentos/ Que nós
dividimos ou não”.
A próxima canção, “Looking for a Love”, tem uma base country music e um alívio na tristeza. “Tenho procurado um amor/ Mas ainda não a
encontrei ainda/ Ela não será nada do que eu imaginei/ Nos seus olhos
descobrirei/ Outra razão porque/ eu quero viver e fazer o melhor do que eu
possa”. Mas ele sabe que não é moleza lhe aguentar quando, no refrão, ele
garante: “Tenho procurado um amor que
seja certo pra mim/ Não sei quanto tempo vai durar/ Mas espero tratá-la bem/ e
não mexer com sua cabeça/ quando ela começar a ver o meu lado negro”.
Autocrítica em dia, né?
“Barstool Blues” fala de um bebum num banco de bar e de sua
tristeza. “Se eu conseguisse aguentar por
apenas um pensamento/ o suficiente para saber/ porque minha mente está se
movendo tão rápido/ e a conversa é devagar”. Lá pelas tantas, o fantasma de
Danny Whitten volta a habitar – e a assombrar – Neil: “Era uma vez tinha um amigo meu/ que morreu milhares de mortes/ Sua
vida era cheia de parasitas/ e incontáveis ameaças vadias/ Ele confiava numa
mulher/ e nela fez suas apostas/ Era uma vez tinha um amigo meu/ que morreu
incontáveis mortes”. A mulher, no caso, a heroína que causou a morte de
Whitten.
Apesar do disco estar cheio de guitarras luminosas e
aparentemente ser mais “solar" dos que os anteriores, “Zuma” tem sua carga
de demência, ódio e ressentimento. O lado B começa com uma diatribe dirigida a
uma “Stupid Girl”. Comenta-se que a canção seria direcionada à cantora e
compositora canadense Joni Mitchell, com quem ele teve um namoro rápido e
conturbado. E a letra é puro rancor: “Você
é uma garota tão estúpida/ Realmente tem muito o que aprender/ Comece a viver
de novo/ Esqueça de lembrar/ Você é uma garota tão estúpida”. E a agressão
não dá refresco: “Você é um peixe muito
bonito/ Pulando na areia do verão/ Olhando pra onda que perdeu/ quando outra já
está chegando/ Você é uma garota tão estúpida”. Como as mensagens são
diretas, a música não poderia ser diferente. Batidas simples, baixo marcando o
tempo e as guitarras em distorção total. Nada de sofisticação.
A faixa seguinte abre com o que diria o meu amigo João César
Nazário, o grande Alemão: uma guitarrada pra levantar defunto. “Drive Back” tem
os solos mais lancinantes de todo o disco. Os puristas da guitarra acham que
Neil é um mau músico, que não tem técnica. Pode até ser. Ele não é nenhum Larry
Carlton, Allan Holdsworth ou Steve Vai. Mas o feeling deste homem é incrível. Carregando esta selvageria nas seis
cordas, tem mais uma letra detonando: “O
que te levar pela noite/ tá certo pra mim/ quando chegar a hora de dizer adeus/
Vou te fazer ver/ Que você não me conhece/ Não vou te ligar/ Não estarei aqui/
pra te lembrar/ o que você me disse/ Quando te mostrei/ pela manhã/ Deixa te
dizer/ Dirija de volta pra sua velha cidade/ Quero acordar com ninguém por
perto”. Restou alguma dúvida, querida?
“Cortez the Killer” é a faixa mais conhecida do disco. Ele a
regravou em “Live Rust” e ainda toca em seus shows. A letra conta a história de
Hernán Cortes, um conquistador espanhol que derrotou o império asteca de
Montezuma, comandando um dos grandes massacres de índios da história do mundo ocidental.
“Ele veio dançando através da água/ com
seus galeões e arma/ À procura do novo mundo/ naquele palácio no sol/ Na praia
estava Montezuma/ com suas folhas de coca e pérolas/ E nos lugares onde andava/
com os segredos das palavras... E as mulheres eram todas bonitas/ E os homens
eram formes e fortes/ Eles ofereceram suas vidas em sacrifício/ para que outros
pudessem continuar”. Durante sete minutos e 29 segundos, Neil e o Crazy
Horse contam esta história de conquista e dizimação dos mais fracos.
Depois de tudo, a última faixa dá uma folga pras guitarras e
Neil resgata uma canção do abortado projeto de reunião de CSN&Y em 1974, no
Hawaii, com “Through my Sails”. Nela, os quatro cavaleiros do country rock mesclam suas vozes em
harmonias perfeitas ao som do violão de Young, do baixo de Stephen Stills e das
congas do convidado Russ Kunkel. As coisas realmente não estavam fáceis para
eles nesta tentativa de reencontro. Os sentimentos eram conflitantes e Neil os
captura bem falando de velejar, um dos esportes favoritos de seu irmão e rival
de música, Stills: “Ainda fitando as
luzes da cidade/ No Paraíso eu me elevo/ Incapaz de descer/ por razões que não
sei explicar/ total confusão/ Desilusão/ Coisas novas que estou aprendendo...
Vento soprando através das minhas velas/ Parece que estou longe/ Deixando o
vento soprar/ através de minhas velas”.
Mesmo tendo as guitarras na linha de frente e dando a
impressão de ser um disco ensolarado, especialmente após as tragédias de
“Tonight's the Night”, “Zuma” não deixa de ser um disco carregado de uma raiva
inerente a tudo que estava acontecendo na época. Além disso, esta foi uma das
fases mais complicadas de Neil Young com as drogas, as mulheres, as parcerias
musicais que não decolavam, o nascimento de um filho com paralisia cerebral e a
morte rondando tudo o tempo inteiro. Como a carreira de Young é pontuada por
momentos de rara beleza, como "Everybody Knows This Is Nowhere", “After the
Gold Rush”, “Tonight's the Night”, “Rust Never Sleeps”, entre muitos outros,
“Zuma” tende a ficar num patamar secundário. Mas é meu disco favorito dele por
todos estes motivos relatados acima.
Dois anos depois, Neil se reúne com a nata dos músicos de
Nashville mais uma colaboradora que iria acompanhá-lo por muito tempo, a
cantora Nicolette Larson, e gravaria o seu disco mais conhecido e menos
neurótico de todos: “Comes a Time”. Mas esta é outra história.
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FAIXAS:
1. Don't Cry No Tears - 2:34
2. Danger
Bird - 6:54
3. Pardon
My Heart - 3:49
4. Lookin'
For A Love - 3:17
5. Barstool
Blues - 3:02
6. Stupid
Girl - 3:13
7. Drive
Back - 3:32
8. Cortez
The Killer - 7:29
9. Through
My Sails - 2:41
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OUÇA O DISCO
por Paulo Moreira
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