A proximidade da Páscoa traz aquele monte de filmes sobre a vida de Jesus, a Via Sacra, a crucificação, etc., na TV. é oportunidade para se ver grandes filmes como "Ben-Hur", "O Manto Sagrado", "A Última Tentação de Cristo", "A Paixão de Cristo", entre outros, mas nenhum filme sobre a vida do Salvador se compara a "A Vida de Brian", do grupo britânico Monthy Pyton, dirigido pelo integrante, Terry Jones. Pra começar, o filme não é exatamente sobre a vida do filho de Deus, e sim de um pobre coitado, sonso e azarado que é confundido com o Messias. Suas vidas se cruzam desde o início quando o pequeno Brian nasce num estábulo próximo ao que o Menino-Jesus vem ao mundo, confundindo, já de cara, os Reis Magos que vão entregar os presentes para a criança errada, mas logo, percebendo o erro, voltam e os retiram bem indelicadamente da engraçadíssima mãe de Brian.
Embora goste muito também do clássico "O Sentido da Vida" e do hilário "Monthy Pyton Em Busca do Cálice Sagrado", considero "A Vida de Brian" a obra-prima do grupo. Por mais que a saga dos Cavaleiros da Távola Redonda em busca do Santo Graal promovida por eles seja absolutamente fantástica e inusitada, esta paródia da vida de Cristo, pela própria proposta, é mais inteligente e ousada, abordando de maneira sempre divertida, temas como política, o papel do Estado, o papel do cidadão na sociedade, direitos da mulher, desigualdades sociais, pensamento coletivo, etc., tudo isso sem ser panfletário ou tentar parecer sério. Tudo sem abrir mão do escracho, do bom humor e sobretudo da inteligência.
Filme genial num todo mas as cenas dos conspiradores tentando achar defeitos no governo romano, no Coliseu; a das mulheres usando barbas para poderem ir no apedrejamento; do carcereiro gentil que organiza a retirada de cruzes para cada condenado; a do julgamento público de Brian por um Pilatos 'língua presa'; e, é claro, a cena dos condenados cantando uma música extremamente otimista pregados à cruz, todas são impagáveis.
Cansado de ver Jesus Cristo sendo chicoteado e massacrado todo o ano? Que tal virar o disco e dessa vez dar umas boas risadas? O divertido, abusado, blasfemo e genial "A Vida de Brian" é uma ótima opção para se assistir nesta Páscoa. Tenho certeza que o cara lá de cima os perdoará.
Amigos do clyblog, muito honrado pelo convite de contribuir com essa resenha rockeira!
Vou falar sobre um assunto que com certeza já foi bastante debatido nas redes, que é o fato de
que hoje em dia, o mercado musical só produz single ou E.P.! São muitos artistas com sucesso
de uma música só! E isso não é exclusividade do universo tupiniquim. Sempre existiram bandas
que só fizeram sucesso com uma música. Mas o projeto hoje em dia é só comercial. Vender,
esgotar, exaurir a paciência até que a música vire jingle de supermercado. Faz parte!
Venho compartilhar com vocês algumas memórias afetivas de uma época onde o álbum era o
auge do artista. Ali ele colocava toda coerência estética e criatividade, todo seu ineditismo e sua
inventividade artística, do "Lado A ao Lado B". Estou falando de um tempo em que o vinil reinava
e chiava nas nossas vitrolas e, talvez, esse universo analógico e antológico sempre tenha seu
lugar. Seja Pop, underground, vintage… Quem não adoraria ter o disco da sua banda favorita em
vinil, mesmo nos dias de hoje? O vinil não saiu de moda, ficou caro!!! Hoje é só dar o play no
WAVE e MP3 e pronto: random na veia!
Fiz esse pequeno preâmbulo para situar a galera no tempo e trazer, na minha visão, alguns
dos álbuns fonográficos que são verdadeiras "obras completas". Não tem música ruim: o disco
é bom do começo ao fim!
Segue abaixo os 15 mais, mas com certeza tem muuuito mais…
E você que está lendo, pensa aí e me diz, qual álbum você acha perfeito, do início ao fim?
★★★★★★
1 - Pink Floyd - "The Wall" (1979)
FAIXAS:
1."In the Flesh?" 2."The Thin Ice" 3."Another Brick in the Wall (Part I)" 4."The Happiest Days of Our Lives" 5."Another Brick in the Wall (Part II)" 6."Mother" 7."Goodbye Blue Sky" 8."Empty Spaces" 9."Young Lust" 10."One of My Turns" 11."Don't Leave Me Now" 12."Another Brick in the Wall (Part III)" 13."Goodbye Cruel World"
14."Hey You" 15."Is There Anybody Out There?" 16."Nobody Home" 17."Vera" 18."Bring the Boys Back Home" 19."Comfortably Numb" 20."The Show Must Go On" 21."In the Flesh" 22."Run Like Hell" 23."Waiting for the Worms" 24."Stop" 25."The Trial" 26."Outside the Wall"
João Marcelo Heinz é músico, compositor, produtor musical e educador com 30 anos de estrada.
É integrante da banda Cidadão Free, com trabalho pop-rock autoral e com versões de
clássicos do rock nacional e internacional
Tem participações em produções para cinema, composições audiovisuais para artes plásticas, dirigiu peças teatrais, além de ter sido produtor musical e de eventos do centro cultural Othello, na Lapa, no Rio de Janeiro.
Flávio Basso é visto por muitos, por setores da crítica
especializada, principalmente, como um músico de extremo talento, arrojado e
inventivo, um multi-instrumentista de mão cheia. Um de seus álbuns, “Plastic
Soda” (Trama, 1999), totalmente escrito, produzido, arranjado e executado por
ele, chegou a ser premiado, em 2000, como o melhor disco do ano pela Associação
Paulista de Críticos de Arte (APCA), recebendo também o Prêmio Açorianos,
concedido pela Secretaria de Estado da Cultura/RS. Em votação feita por cerca
de 50 músicos, críticos, jornalistas e produtores musicais, para a revista
Aplauso, publicada em 2007, “A Sétima
Efervescência”, seu primeiro álbum solo, foi eleito o melhor álbum da
história do rock gaúcho. O mesmo disco foi eleito também pela revista Rolling
Stone Brasil (n. 13, outubro de 2007, p. 127) como um dos 100 melhores álbuns
brasileiros de todos os tempos, figurando na 96º posição. Na ocasião, assim se
pronunciou a revista:
“Um raio lisérgico
atingiu a cabeça do ex-Cascavelletes Flávio Basso nos anos 1990 e ele reuniu
diferentes pontas soltas pelo rock – Jovem Guarda, mod, garagem e psicodelia –
em um disco forte, coeso e chapado. Começa com “Um Lugar do Caralho”, um Cavalo-de-Tróia que não prepara o ouvinte
para a chuva Technicolor de referências que flutuam ao redor do compositor como
alucinações sorridentes. Em algum lugar entre Roberto Carlos, Rita Lee e Syd Barret, Júpiter sente seu corpo derreter, visita planetas e conversa com seres imaginários.
“Loki” é elogio”.
Aqui, duas abordagens sobre Flávio Basso, o Júpiter Maçã, que trazem à luz sua
representatividade e complexidade dentro da cena musical rock gaúcha e
brasileira.
Estrangeirismos,
fantasias e complexidade de Júpiter Maçã
O texto do jornalista Alex Antunes, publicado no portal
Yahoo! Notícias, em 23/12/2015, abordando a morte de Flávio Basso, músico
gaúcho conhecido como Júpiter Maçã, se caracteriza, sobretudo, por sua
pronunciada pessoalidade. Dizendo-se fã do álbum “Hisscivilization”, lançado em
2002, declarando admiração por certas composições do artista recém-falecido,
Antunes também menciona o amigo pessoal Cisco Vasques – produtor audiovisual
com quem Júpiter havia trabalhado –, refere-se à própria timeline como plataforma de acesso ao mundo e, de quebra, utiliza
Rogério Skylab como recurso para fazer um autoelogio sutil, o trampolim de um
pequeno panfleto classista.
O escrito, no entanto, para além do tom auto-centrado,
possui outras características interessantes: é cheio de sinuosidades,
insinuações e implicâncias. Por trás delas – ou junto delas – encontram-se
distintos julgamentos de valor, nunca explicitados ou assumidos com franqueza.
A começar pelo próprio título: “O crepúsculo do Zé Louquinho”, infantil,
brincalhão e jocoso, numa primeira leitura, depreciativo e desrespeitoso, numa
segunda passada de olhos.
Antunes reclama cautela quanto ao uso abusivo da expressão
“gênio” para definir Basso, vida e obra. É um alerta, sem dúvida, apropriado.
Muito embora se esqueça de considerar aí, nesse flagrante exagero retórico, o
impacto da notícia da morte e o próprio carinho que, assim, mal elaborado, se
manifesta publicamente, no calor do momento. De todo modo, reconhece, trata-se
de um músico “talentoso” e inspiradíssimo. Ou seja: Antunes considerou mais
eloquente a imprecisão do que a espontaneidade dos admiradores de Júpiter Maçã.
Para ele, o músico falecido seria, em realidade, mais “chapado e folclórico” do
que propriamente “genial”.
Aponta então uma razão adicional pela qual “estranhou” as
narrativas e os depoimentos que atravessavam, em profusão, naquele momento, sua
timeline: o “fator Gainsbourg”, isto
é, a capacidade de certos artistas provocarem maior comoção, serem melhor
acolhidos, por sua base de fãs, depois que morrem.
São considerações tão problemáticas quanto provocativas. Por
um lado, servem ao necessário debate público sobre a figura e o legado musical
de Júpiter Maçã. Por outro, contudo, são afirmações frágeis, que escondem
vieses e limitações pessoais, limitações de perspectiva.
Obviamente, não se pode estipular com clareza a linha
divisória entre a “genialidade” e a “chapação”, o caráter “folclórico”
atribuído ao gaúcho Basso. Não é uma distinção fácil de ser feita, afinal de
contas. Ao entendê-lo e ao enunciá-lo como “genial”, os fãs poderiam ter em
mente, justamente – talvez tivessem em mente, de fato – os momentos em que,
para eles, um criador “chapado” ganhou corpo, alçando-se muito acima de
qualquer expectativa média ou qualquer previsibilidade que se pudesse ter. O
terreno da música pop, mais do que qualquer outro campo de produção artística,
é ideal para que proliferem embaralhamentos (bem como epifanias) deste tipo. A
rigor, em se tratando de Júpiter Maçã, é extremamente difícil separar com
clareza tais personificações (o “gênio”, o “folclórico” e o “chapado”). A não
ser que se queira, deliberadamente, mais do que enfrentar a complexidade viçosa
que ele carrega, produzir insinuações e desacreditações sutis a respeito dela.
É o que faz Antunes. Desse modo, Júpiter resulta, no mínimo, como um tipo
suspeito.
E há mais. Trata-se de focar, num tom crítico e severo, o
“comportamento abusivo do gênio incompreendido, como um todo”. Aqui, através de
outra definição vaga e inespecífica, sugere-se algo sobre a conivência
necrófila dos fãs e o apego dos gaúchos aos “mitos datadões do rock” clássico.
Em outros termos, está se falando sobre perversidade e culpabilização dos fãs
(assim equiparáveis, num extremo radicalíssimo, à criminalização do próprio
músico, exigida conforme episódio relatado [ou melhor: insinuado, apenas, sem o
devido trato jornalístico]). Está se falando ainda sobre a desatualização dos
gaúchos, presos em clichês trágicos e românticos, incapazes de ceder diante do
curso natural e incorrigível da história (leia-se: as mãos do mercado). Júpiter
Maçã deveria ter se tornado Cidadão Instigado, assevera Antunes.
Ou seja: são avaliações muito parciais, muito
auto-centradas, que advogam para si uma centralidade e uma razão centralizadora
incapazes, em última instância, de dar conta das mutações descentralizadoras,
da criação policêntrica, do exercício de dissolução de núcleos de poder e força
estética que marcaram, permanentemente, a trajetória de Flávio Basso. Numa
pérola, Alex Antunes chega a dizer que Basso “não estava se embatendo com nada
real”, parecendo não reconhecer que este suposto ente imaginário, esta fantasia
doente, tirou-lhe, por fim, a vida real de que gozava. É o caso raro de uma
irrealidade mortal.
O artigo termina abruptamente. Deixa-nos a sensação de que
faltou complementar o argumento, assinar a pintura, assumindo-lhe, a ferro e
fogo, a autoria. Esta falta parece o produto de um recuo político e estratégico
– jogadas ao ar, como já estão, as insinuações. E Júpiter Maçã, claro, “pode
ser considerado vítima de uma doença, a da adição a substâncias”. Ponto. Assim
como Alex Antunes pode não saber exatamente o que fala. Ou pode também não
querer dizê-lo integralmente, talvez por razões pessoais, razões que
desconhecemos, que não podem ser ditas ou ouvidas; talvez por simples (e
inconfessável) respeito ao morto, aos estrangeirismos, às fantasias e à
complexidade da vida que ele deixou.
Flávio Basso foi uma das figuras mais controversas da música
jovem feita no Rio Grande do Sul nos últimos trinta anos. É também um dos
maiores talentos já vistos na cena local, sem sombra de dúvida. De fato,
notoriedade e controvérsia não lhe faltaram em momento algum. Gostaríamos de
examinar aqui, em função de sua representatividade, o modo como este artista
singularíssimo se traduziu e se deixou traduzir no imaginário da cidade.
O bar Garagem Hermérica, por exemplo, situado na rua Barros
Cassal, entre 1992 e 2013, foi o ambiente (de contatos, bebedeiras, vínculos
afetivos e circulação de informações) no qual "A Sétima Efervescência" (1997),
seu primeiro álbum solo, foi concebido. Por hipótese, pode-se dizer (pode-se
suspeitar, pelo menos) que o Garagem Hermética – em sua primeira fase (cf. Leo
Felipe, 2014) – é justamente o “lugar do caralho”, que ele canta numa de suas
canções mais conhecidas, a música de abertura, o primeiro grande hit do álbum.
“Eu preciso encontrar/
Um lugar legal pra mim dançar/ E me escabelar/ Tem que ter um som legal/ Tem
que ter gente legal/ E ter cerveja barata/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam
mesmo afudê/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas / E super chapadas/ Um
lugar do caralho/ Sozinho pelas ruas de São Paulo/ Eu quero achar alguém pra
mim/ Um alguém tipo assim/ Que goste de beber e falar/ LSD queira tomar/ E curta
Syd Barrett e os Beatles/ Um lugar e um alguém/ Que tornarão-me mais feliz/ Um lugar onde as pessoas/ Sejam loucas e super chapadas/ Um lugar do caralho/
Lugar do caralho.”
No entanto, para encontrarmos Porto Alegre inscrita na obra
de Júpiter Maçã, não devemos procurá-la explicitada, límpida e fácil,
prontamente exposta nas letras das composições. Do ponto de vista referencial,
acreditando-se então em sua carga denotativa, “Um Lugar do Caralho” narra
buscas noturnas e aventuras lisérgicas paulistanas. É a cidade de São Paulo que
funciona como um campo de ações, no qual anunciam-se algumas vontades e emerge
uma pequena série de referências simbólicas (que são também referências
anímicas). Porto-alegrense, no caso, é a coloquialidade, o repertório de gírias
e o sotaque empregados.
Convém lembrar que o rótulo “rock gaúcho”, como disseram
Humberto Keske e Lidiani Lehnen (2012), antes de indicar uma procedência
geográfica, indica um certo acento, um certo dialeto – um dialeto gaúcho, dizem
os autores –, alguma insularidade, “moldada entre o conservadorismo e a
vanguarda cultural” (Keske e Lehnen, 2012, p. 521). “A Sétima Efervescência” é
assim: conservador (pois revivalista) e vanguardista, quase displicente em
relação ao horizonte real em que está imerso. Quase nada é dito sobre Porto
Alegre, sobre a vida em Porto Alegre. A rigor, não há ali nenhum localismo,
nenhum tradicionalismo, nenhuma cultura gaúcha (num sentido folclórico ou
etnográfico, ao menos).
A cidade deixa-se avistar apenas de passagem, numa ou noutra
menção, numa ou noutra estrofe, um tanto lateral e circunstancialmente. É o
caso das canções “Querida Superhist x Mr. Frog” (que diz: “Hey querida, domingo vamos passear lá no Parque da Redenção/ Vamos
viajar”) e “Eu e Minha Ex” (“Eu e
minha ex/ Na tempestade/ Sob o mesmo guarda-chuva/ Pelas alamedas de Porto
Alegre/ Do Mercadão até oBom Fim”). E isto é tudo. Com exceção de “Canção
para Dormir”, que fala, muito de relance, sobre uma lenda típica da região sul
do Brasil (“Eu acredito em fantasmas/ Em
mula sem cabeça/ Negrinho do Pastoreio”), não há mais nada. Absolutamente
nada. E não faz a menor falta!
Todavia, esta desaparição da cidade do universo temático do
artista se mantém nos quatro discos posteriores? Em linhas gerais, sim. Como
predominância, sim. Os olhos de Júpiter não estão vidrados na cidade. Muito
embora, algumas ocorrências sinalizem certas nuances e/ou variações
importantes. É o caso da
canção “Bridges of Redemption Park”, de “Plastic Soda”, uma bossa nova escrita
como uma crônica afetiva sobre o Parque da Redenção, cuja letra diz: “Brigdes of Redemption Park/ So little/ So
chinese/ So guiding/ So inviting/ There is few Buddhist and Christians/ Some
‘gloomy’/ And people who drop out to see…”.
Mas sua singularidade não reside apenas nisto, no fato de
ser um aparte, uma ilha temática – um retrato de Porto Alegre fazendo-se então
visível –, num conjunto de obsessões e preocupações outras, muito mais
habituais, quase sempre na linha “sexo, drogas e rock and roll”, apresentadas
em tônicas mais ou menos ácidas, conforme o estilo musical invocado. Trata-se
de uma bossa nova cantada em inglês, versando sobre um conhecido parque situado
próximo ao centro da cidade. No entanto, de algum modo, o cenário descrito, em
seu significado e em sua aderência local, é contradito e duplamente
neutralizado, seja pelo idioma (o inglês, língua universal), seja pelo
imaginário construído em torno do gênero (o caráter nacional, não
necessariamente regionalista, da bossa nova).
Mas há outros casos equiparáveis. Um deles é “Casa de
Mamãe”, do álbum “Uma Tarde na Fruteira”. Num trecho, a letra diz o seguinte:
“Olhando os mísseis na
tevê/ Tomando chá/ Tô hospedado na capital/ Com Thalita F. Jones/ Na casa de
mamãe/ Outra vez/ Na casa de mamãe/ Além disso eu nem progredi/ No meu blues
tropicalista/ No meu blues neo-modernista/ Na minha canção mais estereofônica/
Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/ Eu gosto de Porto Alegre/
Eu gosto de Porto Alegre.”
É um relato enfático, de tons intimistas e metalinguísticos,
mas que pouco diz verdadeiramente sobre a cidade. Recorrer, portanto, ao
conteúdo manifestado nas letras não é, decididamente, uma boa estratégia. Não
só porque canções como “Casa de Mamãe” e “Bridges of Redemption Park” perfazem
um grupo minoritário, junto com mais duas ou três, mas porque a relação de
Júpiter Maçã com Porto Alegre é mesmo muito mais complexa, podendo ser
decomposta e examinada a partir de várias outras angulações complementares. Em
primeiro lugar, pode-se cotejá-la à trajetória, às fases da carreira do
artista, que vai amadurecendo e se transformando, artisticamente, que vai sendo
reconhecido na medida em que se constitui um mercado midiático (um conjunto de
rádios e espaços de mídia impressa, por exemplo) e a própria cultura do rock local.
* O texto é parte de
um artigo maior e mais desenvolvido, publicado no México, como um capítulo
independente, num volume sobre música e cidade na América Latina. A publicação
saiu no primeiro semestre de 2015. Aqui, alguns pequenos ajustes foram feitos.
A referência correta é: SILVEIRA, Fabrício. Porto Alegre en el espejo partido
de Júpiter Maçã. In: VARGAS, Herom y KARAM, Tanius (eds). De Norte a Sur:
música popular y ciudades en América Latina. Apropiaciones, subjetividades y
reconfiguraciones. Mérida (Yucatán, México): Secretaría de la Cultura y las
Artes de Yucatán, D. R. Consejo Nacional para la Cultura y las Artes, Editorial
Libro Abierto, 2015, p. 347-376. Agradeço a Herom Vargas e Tanius Karam, os
organizadores do livro.
Referências
FELIPE, Leo. A
Fantástica Fábrica. Porto Alegre – RS: Publicatto Editora, 2014.
KESKE, Humberto Ivan; LEHNEN,
Lidiani. Na trilha sonora dos pampas: a batida pesada do rock ‘n’ roll a
la gaúcho. Rio de Janeiro – RJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), revista Polêmica, v. 11, n. 3, julho/setembro de 2012, pp. 503-523.
Aproveitando a data comemorativa do Dia dos Pais, lembramos aqui de filmes que, sob enfoques distintos entre si, abordam o tema da paternidade. Produções de diferentes nacionalidades e épocas que, a seu modo, trazem, por conta das peculiaridades culturais e históricas, também diferentes formas de expressão daquilo que é ser pai. Porém, uma coisa fica evidente em todos estes títulos: o amor. Seja incondicional, conflituoso, arrependido, culpado ou manifesto, está lá sentimento que norteia a relação entre eles, pais, e seus filhos.
Fazendo uma panorâmica, vê-se que há menos filmes significativos sobre pais do que de mães. Pelo menos, aqueles em que o pai é protagonista e não simplesmente uma figura acessória. Até por isso, torna-se interessante levantar uma listagem como esta no dia dedicado a eles. Escolhemos 9 títulos, afinal, estamos no dia 9. E detalhe: selecionamos apenas filmes premiados, desde Oscar até premiações estrangeiras ou nacionais. Indicações imperdíveis aos que ainda não viram, lembrança bem vinda aos que, como eu, terão a felicidade de revê-los - de preferência, com seus pais.
PAI PATRÃO, irmãos Taviani (Itália, 1977)
Baseado no romance autobiográfico de Gavino Ledda, conta a
história da dura infância e adolescência do escritor quando, aos seis anos, é
obrigado pelo pai a abandonar os estudos para trabalhar no campo. Todas as suas
tentativas de mudar de vida são abortadas pela ignorância e violência do
patriarca. Aos 20 anos, ainda analfabeto, Gavino acaba entrando para o
exército, onde adquire, enfim, algum conhecimento. Renunciando à carreira
militar, ele volta à sua terra para seguir estudando. No entanto, o choque com
o pai é inevitável.
Explorando a linda paisagem e luz naturais da região da
Sardenha, “Pai Patrão” é um tocante e contundente drama que põe a nu extremos
da relação entre pais e filhos, fazendo-se psicanalítico mesmo naqueles confins
da Itália. O pai (muito bem interpretado por Omero Antonutti) é uma
representação do quanto os instintos do bicho homem falam mais alto quando a
ignorância impera. O amor, existente – e contraditoriamente motor disso tudo –,
submerge diante do medo e da insegurança de uma pessoa despreparada para
aspectos da paternidade. A abordagem dos Taviani é crítica ao ressaltar o
comportamento de vários personagens muito próximo ao de animais. Também,
surpreendem ao desviar em alguns momentos o foco dos protagonistas, mostrando
ações e pensamentos de outros que os rodeiam, evidenciando sentimentos muito
parecidos com os de Gavino e de seu pai.
Gavino, já adulto, encara seu pai: amor e ódio
Palma de Ouro no Festival de Cannes, “Pai Patrão” foi a afirmação
dos irmãos Vittorio e Paolo Taviani como importantes cineastas da
cinematografia moderna italiana a partir dos anos 70, uma vez que tinham como
herança a responsabilidade de fazer jus à obra de gênios já consolidados como
Fellini, Antonioni e Pasolini. Os Taviani, no entanto, cunharam um estilo mais
próximo ao dos neo-realistas, principalmente De Sica, no engenhoso jogo de
grandes e médios com primeiros planos, adicionando a isso um modo sempre muito
peculiar de contar as histórias, este, próprio do cinema moderno.
A FONTE DA DONZELA, de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)
Na Suécia do século XIV, um simples casal cristão dono de uma propriedade rural incumbe a filha Karin (Birgitta Pettersson), uma adolescente pura e virgem, de levar velas para a igreja da região. No caminho, ela é estuprada e assassinada por dois pastores de cabras. Quando a noite chega, ironicamente os dois vão pedir comida e abrigo para os pais de Karin, onde são recebidos cordialmente. Porém, ao descobrirem a tragédia, os pais são tomados pelo sentimento de ódio.
Temas recorrentes na obra do sueco, a morte, a religiosidade e a compaixão servem de tripé para essa história magistralmente dirigida por Bergman. O contraste entre luz e sombra da fotografia em preto-e-branco do mestre Sven Nykvist realça, principalmente a partir da segunda metade da fita, a polaridade emocional da trama: bem e mal, Deus e Diabo, brutalidade e candura, vingança e perdão, vida e morte. O dilema recai sobre o pai, interpretado pelo lendário Max Von Sydow (recentemente morto, no último mês de março), que, com o coração dilacerado e pressionado pela mulher a matar os criminosos, perde a cabeça. E sua religiosidade? E a culpa em sujar-se de sangue? E a dor sua e da esposa? Isso aplacará a perda? Como administrar tudo isso?
filme "A Fonte da Donzela"
Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Globo de Ouro na mesma categoria, esta obra-prima de Bergman valoriza, como em “Pai Patrão”, os elementos da natureza (água, pedra, sol, terra) como representação dos desafios essenciais da vida, mas difere do filme dos Taviani no tratamento da relação pai-filho. Se no outro a questão centra-se na distância emocional entre os personagens, aqui, é a morte que se impõe como separação. Por este ângulo, mesmo num filme transcorrido na Idade Média, “A Fonte da Donzela” é atualíssimo, pois traz um dilema muito comum na sociedade urbana atual: o de como os pais se posicionam diante da perda de um filho vitimado pela violência. Afinal, trata-se de uma obra incrível e significativa a qualquer época.
STALKER, de Andrei Tarkowski (Rússia, 1979)
Em um país não nomeado, a suposta queda de um meteorito criou uma área com propriedades estranhas, onde as leis da física e da geografia não se aplicam, chamada de Zona. Dentro dela, segundo reza uma lenda local, existe um quarto onde todos os desejos são realizados por quem pisa seu chão. Com medo de uma invasão da população em busca do tal quarto, autoridades vigiam o local e proíbem a entrada de pessoas. Apenas alguns têm a habilidade de entrar e conseguir sobreviver lá dentro: os chamados "stalkers". É aí que um escritor, um cientista querem entrar e contratam um stalker para guiá-los lá dentro. No caminho até o quarto, vão passar por rotas misteriosas e muitas vezes, mutáveis, que simbolizam uma ida ao subconsciente e a verdades de suas próprias naturezas nem sempre afáveis. Acontece que este stalker (Alexandre Kaidanovski) quer salvar a sua filha mutante e desenganada alcançando o misterioso quarto.
Talvez o melhor filme de Tarkowski, “Stalker” é uma ficção-científica hermética e reflexiva sobre o homem e a sua existência, sendo a questão da paternidade a chave para tal reflexão. Trazendo a atmosfera onírica comum aos filmes do russo, vale-se do fantástico de “Solaris” (1971), porém burilando-lhe o cerebralismo existencial. A narrativa, transcorrida num clima de suspensão do tempo/espaço, tem como motor o amor de um pai desesperado em salvar sua filha. Ou seja: assim como em “Solaris”, a percepção difusa da realidade é totalmente explicável pelo estado de angústia vivido pelo protagonista. É como se, participante de sua busca, o espectador também adentre naquele mundo surreal. A sempre brilhante fotografia sombreada, o cenário apocalíptico e o recorrente uso de elementos sonoro-visual-narrativos como a água (símbolo da vida) unem-se ao ritmo muito peculiar, pois contemplativo e poético, de Tarkowski.
Os três homens adentram a Zona, mas é o pai que carrega a motivação mais genuína
Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1980, este filme ímpar na história do cinema alinha-se, em verdade, com outros filmes de arte do gênero ficção científica produto do período de Guerra Fria, em que a noção temporal é imprecisa, a humanidade jaz desenganada, o estado comprometeu-se e os avanços tecnológicos, promessas de avanço no passado, não deram tão certo assim no presente. Haja vista “Alphaville” (Godard, 1965), “Laranja Mecânica” (Kubrick, 1972) e “Fahrenheit 451” (Truffaut, 1966). Esse compromisso de crítica recai ainda mais sobre Tarkowski como cidadão da Rússia, um dos pilares da tensão planetária junto com os Estados Unidos.
KRAMER VS. KRAMER, de Robert Benton (EUA, 1979)
Se já falamos da questão paterna nos confins da Itália rural, na Idade Média e num lugar imaginário, aqui o tema é colocado na modernidade urbana norte-americana. No enredo, Ted Kramer (Dustin Hoffman), leva seu trabalho acima de tudo, tanto da família quanto de Joanna (Maryl Streep), sua mulher. Descontente com a situação, ela sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem que se deparar com a necessidade de cuidar de uma vida que não apenas a dele, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com o filho e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted porém se recusa e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy.
“Kramer vs. Kramer” é arrebatador. Começando pelas interpretações dos magníficos Hoffman e Maryl. No entanto, mesmo com o talento que os é inerente, não estariam tão bem não fosse o roteiro contundente, que aprofunda o drama familiar e social aos olhos do espectador. Os diálogos são tão reais e bem escritos, que naturalmente transportam o espectador para situações conflituosas da vida cotidiana, gerando identificação com os personagens. Quantos pais já não foram despedidos do emprego justo no momento em que estava tentando se erguer. E qual pai não ficaria desesperado e sentindo-se culpado por um acidente com seu filho, principalmente quando o acontecido pode ser usado pela mãe para justificar a perda da guarda?
Ted aprendendo e gostando de ser pai
Tamanho êxito como obra não passou despercebido. O filme foi o principal vencedor do Oscar de 1980, abocanhou os de Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante e Roteiro Adaptado, além de vários Globo de Ouro e outros festivais. Exemplo de drama da cinematografia norte-americana, uma vez que o filme de Robert Benton consegue unir atuações muito bem dirigidas, um roteiro “europeizado”, visto que forte e realista – feito raro em Hollywood – e um enredo tocante, mas que facilmente poderia escorregar para o piegas ou uma enfadonha DR. Filmado no mesmo ano de “Stalker”, traz a figura do pai em um momento de autorreconhecimento desta condição, ao passo de que o filme russo, esta condição já foi compreendida. No entanto, em ambas as produções, a distância entre as culturas são movidas pela mesma busca de um pai pela sobrevivência do filho.
A BUSCA, de Luciano Moura (Brasil, 2012)
Filme brasileiro relativamente recente, renova o olhar para o problema da distância entre pais e filhos (estado inicial e propulsor da narrativa de “Kramer...”) por questões sentimentais não resolvidas ou dialogadas. Theo Gadelha (Wagner Moura) e Branca (Mariana Lima) são casados e trabalham como médicos. O casal tem um filho, Pedro (Brás Antunes), que desaparece quando está perto de completar 15 anos. Para piorar a situação, Theo fica sabendo que Branca quer se separar dele e que seu mentor (Germano Haiut) está à beira da morte. Theo sai em busca do filho sumido, viagem que o impele a se redescobrir e a ressignificar a relação com o filho.
Road-movie muito bem realizado, “A Busca” tem na atuação de Moura, principalmente, a grande força da obra. Ele transmite ao espectador desde a irascibilidade e insensibilidade de um homem controlador e fechado em si próprio até, conforme o trama se desenrola nos lugares que percorre em busca do filho, passar pelo desespero, a frustração, a esperança e o encontro consigo mesmo. Todos estes momentos perfeitos por uma grande solidão emocional, estado ao qual o caminho lhe dá condições de repensar e transformar.
Wagner Moura em etapa do trajeto em busca de seu filho e de si mesmo
Vencedor do Prêmio do Público no Festival do Rio 2012, “A Busca” lembra o recorrente mote narrativo de filmes iranianos, a se citarem “Vida e Nada Mais”, “Gosto de Cereja”, “O Círculo” e “O Balão Branco”. Sempre há algo a se buscar, seja alguém ou algo que não se sabe exatamente ao certo. Metáfora da vida, essa busca simboliza a passagem do tempo e a (mesmo que não acontece durante o filme) inevitável morte, que um dia alcançará a todos independentemente da rota. Essa simbologia ganha ainda mais realce pelo fato de se tratar da genealogia sanguínea, ou seja: a única possibilidade de não-morte. O longa de Luciano Moura reafirma o entendimento de que, mais do que o final, o importante mesmo é o que se faz na jornada.
IRONWEED, de Hector Babenco (EUA, 1987)
Francis Phelan (Jack Nicholson) e Helen Archer (Maryl Streep, olha ela aí de novo!) são dois alcoólatras que vivem mendigando nas ruas tentando sobreviver às lembranças do passado: Ela, deprimida por ter sido uma cantora e pianista cheia de glórias e hoje estar na sarjeta. Já o caso dele é o que tem a ver com o tema em questão: o motivo por viver como um vagabundo é a não superação do trauma de ter sido o responsável pela morte do filho, ao deixá-lo cair no chão ainda bebê 22 anos antes. Ao mesmo tempo, Francis precisa voltar à realidade, e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida. E o sentimento de pai do protagonista é, ao mesmo tempo, pena e salvação, uma vez que se configura como a única força capaz de tirá-lo da condição de mendicância.
Ainda mais do que “Kramer...”, “Ironweed” é um filme sui generis na cinematografia dos Estados Unidos, e isso se deve, certamente, ao olhar sensível do platino-brasileiro Hector Babenco. Com o aval dos estúdios para fazer uma produção própria em terras yankees após o grande sucesso do oscarizado “O Beijo da Mulher Aranha”, produção financiada com dinheiro norte-americano mas bastante brasileira em conteúdo e abordagem, o cineasta transpõe para as telas – com a habilidade de quem havia extraído poesia do abandono infantil – o romance de William Kennedy e dá de presente para dois dos maiores atores da história do cinema um roteiro redondo. Isso, ajudado pela fotografia perfeita do craque Lauro Escorel e edição de outra perita, Anne Goursaud, responsável pela montagem de filmes com “Drácula de Bram Stocker” e “O Fundo do Coração”, ambos de Francis Ford Coppola.
cenas de "Ironweed"
“Ironweed” levou o prêmio da New York Film Critics Circle Awards de Melhor Ator para Nicholson, embora tenha concorrido tanto a Oscar quanto Globo de Ouro. Babenco foi um cineasta tão diferenciado que, conforme contou certa vez, Nicholson, bastante sensibilizado com o filme que acabara de realizar, procurou-o um dia antes da estreia e pediu para ir à sua casa para o reverem juntos e que, durante aquela sessão particular, segurou bem firme na mão de Babenco e não a soltou até terminar.
À PROCURA DA FELICIDADE, de Gabriele Muccino (EUA, 2007)
Chris (Will Smith) enfrenta sérios problemas financeiros e Linda, sua esposa, decide partir e deixá-lo. Ele agora é pai solteiro e precisa cuidar de Christopher (Jaden Smith), seu filho de 5 anos. Chris tenta usar sua habilidade como vendedor de aparelhos de exames médicos para conseguir um emprego melhor, mas só consegue um estágio não remunerado numa grande empresa. Seus problemas financeiros, inadiáveis, não podem esperar uma promoção nesta empresa e eles acabam despejados. Chris e Christopher passam, então, a dormir em abrigos ou onde quer que consigam um refúgio, como o banheiro da estação de trem. Mas, apesar de todos os problemas, Chris continua a ser um pai afetuoso e dedicado, encarando o amor do filho como a força necessária para ultrapassar todos os obstáculos.
Se é difícil a vida de um pai solteiro na América urbana, como em “Kramer...”, imaginem um jovem-adulto negro e pobre 30 anos atrás? Baseado na história real do empresário Chris Gardner, este comovente filme tem alguns trunfos em sua realização. Primeiramente, o de trazer à luz a superação individual de um negro na sociedade norte-americana e no meio corporativo capitalista, ainda hoje majoritariamente dominado por brancos. Segundo, por revelar Jaden, filho de Will na vida real que, além de uma criança graciosa, é talentoso, vindo a lograr uma carreira de sucesso a partir de então a exemplo do pai, também um talento mirim no passado. Por fim, o êxito de consolidar Will como um dos mais importantes nomes de sua geração, daqueles Midas de Hollywood capazes de fazer brilhar onde quer que ponham a mão.
Will e Jaden: pai e filho no cinema e na vida real
Além de indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, “À Procura da Felicidade” faturou o NAACP Image Award de Melhor Filme mas, principalmente, premiou pai e filho por suas maravilhosas atuações. Will, o Phoenix Film Critics Society Awards. Já o pequeno Jaden levou não só este como o MTV Movie Award de Melhor Revelação. A sintonia entre pai e filho na frente e atrás das câmeras é captada com delicadeza pelo cineasta italiano Gabriele Muccino, que se valeu desta química para transpor para o cinema esta história inspiradora para qualquer pessoa, quanto mais, para um pai.
UP: ALTAS AVENTURAS, de Pete Docter (EUA, 2009)
Carl Fredricksen é um solitário idoso vendedor de balões que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Após um incidente, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado. Para evitar que isto aconteça, ele põe balões em sua casa, fazendo com que ela levante voo e vá em direção a Paradise Falls, na América do Sul, onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Porém, Carl descobre que um “problema” embarcou junto: Russell, um menino de 8 anos.
A divertida e tocante animação, dirigida pelo assertivo Pete Docter (dos dois primeiros “Toy Story” e “Wall-E”), é das mais felizes realizações da Disney/Pixar. Acertos técnicos inquestionáveis como é de costume ao megaestúdio, mas principalmente, no enredo e nas metáforas que suscita. A simbologia do voo como elevação espiritual, da velhice e a proximidade com a morte é uma delas, bem como a casa como representação do corpo e daquilo que há no interior de cada um. Mas a trama toca também na questão da amizade, da lealdade e da paternidade, mas não necessariamente sanguínea. O ranzinza Carl, contrariado de princípio com a presença de Russell, vai se afeiçoando ao menino e compreendendo a importância do papel e da figura para este de um pai, o qual, ocupado com sua vida, pouco lhe dá atenção. As altas aventuras vividas por eles provam o quanto o pai também pode ser o que adota. Não no papel, mas no sentido mais emocional da palavra. Com o coração. O garoto, por sua vez, traz para o melancólico cotidiano de Carl, além de confusões – afinal, criança dá trabalho também – vida. Ah, e nisso inclui também a tiracolo um cãozinho, o simpático (e falante!) Dug.
O trio impagável de "Up": paternidade de quem adota com o coração
“Up” ganhou Oscar e Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora (Michael Giacchino), e chegou a concorrer a Oscar de Filme com títulos como “Guerra ao Terror” (vencedor), “Bastardos Inglórios”, “Avatar” e “Preciosa”, um feito para uma animação que seria igualado apenas por “Toy Story 3”, um ano depois. Uma qualidade do filme é que, devido à sua abordagem fantástica e resolução da trama, dificilmente terá uma continuidade, que, assim como acontece com várias outras animações, seguidamente entregam a primeira realização pela inconsistência e pela mera repetição caça-níquel. Vale muito também a pena assistir a versão brasileira dublada, que tem Chico Anysio impagável como Carl Fredricksen em um dos últimos trabalhos do humorista antes de morrer.
RAN, de Akira Kurosawa (Japão/França, 1985)
Adaptação de “Rei Lear”, de William Shakespeare, retrata de forma épica e brilhante o Japão feudal do século XVI, onde um velho senhor da guerra Hidetora, patriarca do clã Ichimonji (Tatsuya Nakadai), renuncia ao poder, entregando o seu império e conquistas aos três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder, ficando Jiro e Saburo, respectivamente, com o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios Contudo, ele subestima como o poder recém-descoberto dos filhos irá corrompê-los e levá-los a virarem-se uns contra os outros.
Obra-prima, “Ran” é mais uma adaptação de Shakspeare que Akira Kurosawa promoveu de forma pioneira no cinema japonês – assim como para com outros autores não-orientais como Dostoiévski, Gorky e Arsenyev. Porém, desta vez em cores, diferentemente do que fizera em 1957 adaptando “Macbeth” em “Trono Manchado de Sangue”, o que amplia a magnífica fotografia em grandes planos, o desenho de cena primoroso, os figurinos em que os tons simbolizam estados psicológicos e cenografia que remete ao milenar teatro japonês.
trailer de "Ran"
“Ran” levou o Oscar de Melhor Figurino e concorreu a Melhor Direção de Arte, Fotografia e Diretor, sendo a primeira e última vez que Kurosawa seria nomeado pela Academia. A tragédia teatral ganha uma dimensão ainda mais bela na tela grande, mais do que adaptações anteriores da mesma peça, ao retratar os desacertos internos dos Ichimonji, evidenciando um problema recorrente em famílias poderosas, que é a briga pelo poder e o desafio à autoridade e figura do pai. Numa produção digna do anseio de seu realizador, "Ran" revela conflitos e sentimentos muito genuínos como inveja, cobiça e orgulho e questionando a ancestralidade como formas de manutenção (ou não) do sangue.
Daniel Rodrigues com colaborações deLeocádia Costa e Cly Reis