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segunda-feira, 18 de junho de 2018

Nei Lisboa - Show "Duplo H" - Teatro Renascença - Porto Alegre/RS (12/06/2018)




Sou daqueles diletantes que comemoram datas de aniversários dos discos que gosto. Tenho feito isso direito no Clyblog por meio, principalmente, de resenhas da seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, que me dão oportunidade de falar a respeito de obras que admiro e ainda homenageá-las por estarem completando alguma idade fechada. Agora, nas comemorações de 10 anos do blog, tivemos o prazer de ter um desses discos aniversariantes resenhado pelo músico, escritor e jornalista Arthur de Faria: o “Hein?!”, do Nei Lisboa, que completa 30 anos de lançamento em 2018. Pois que, justo no Dia dos Namorados, tive – junto com Leocádia Costa, obviamente –, a felicidade de conferir pela primeira vez um show desse talentoso artista gaúcho especial não somente às três décadas do referido “Hein?!” como, igualmente, aos 20 de outro ótimo trabalho de sua discografia: o ao vivo “Hi-Fi”.

O show, muito bem intitulado “Duplo H”, referência às letras iniciais em comum do título de cada disco, fez lotar o Teatro Renascença em duas sessões naquele dia, sendo a anterior a que assistimos extra, devido à grande procura. Tocando os dois discos inteiros e na sequência, um simpático e sempre sagaz Nei Lisboa hipnotizou o público com o repertório ao mesmo conhecido, mas capaz de emocionar ao ser reouvido – ainda mais considerando a egrégora particular da ocasião.

Com Nei e Paulinho Supekóvia no violão/guitarra e Luis Mauro Filho ao piano/teclados, a apresentação deu a largada, conscientemente, pelas 14 faixas de “Hi-Fi”, cujo formato acústico original mostrou-se ideal para “começar os trabalhos” e por caber mais a este tipo de formação do conjunto. Os standarts, hits e AOR da música pop internacional, muito bem pescados por Nei para o set-list de “Hi-Fi”, são imbatíveis, visto que muito afins com o estilo e gosto pessoal dele. Tocando e, principalmente, cantando muito bem, Nei e a banda executaram as versões já tão queridas quanto suas originais, oscilando entre o folk, o blues, o country rock e as baladas no estilo da “Mellow Mafia” dos californianos anos 60/70. Casos de “Everbody's Talking”, do norte-americano Fred Neil; a linda “Summer Breeze”, da dupla setentista Seals & Croft; a beatle “Norwegian Wood”; “Fifity Ways to Leave you Lover”, do craque Paul Simon; e a sensibilíssima releitura de “Still... You Turn Me On”, da Emerson, Lake & Palmer.

Nei, ao centro, com sua enxuta e competente banda
Isso sem falar na emocionante “Cool Water”, de Bob Nolan e imortalizada na voz de Joni Mitchell, no reggae estilizado para “I Shot the Sherif”, de Bob Marley, no bluesão “Walking Away Blues”, de Ry Cooder, e em “Ruby Tuesday”, dos Rolling Stones, que, segundo Nei, embora não tenha entrado no show acústico em 1998, foi gravada em estúdio obedecendo a mesma ideia de arranjo, pois, “se tinha Beatles, não poderia faltar uma dos Stones”.

Completado “Hi-Fi”, agora era partir para as desafiadoras 11 faixas de “Hein?!”. Desafio duplo: primeiro, porque a formação do grupo não contava com bateria, fator essencial para a sonoridade do disco de 1988. “Como Nei vai resolver o arranjo?”, perguntava-me enquanto curtia o primeiro “H” da noite. O segundo desafio era mais íntimo ao próprio autor, uma vez que o disco foi composto sob a aura de uma tragédia na vida de Nei: a perda da então namorada, Leila Espellet, com quem se acidentou de carro na estrada, matando-a. “Como está o coração dele hoje, passadas três décadas, depois daquele acontecimento fatal? O que guarda no peito ainda: culpa, remorso, saudade, serenidade?”, passava-me à mente.

Parte da resposta veio na conversa com a plateia antes de começarem os números. De forma muito aberta e bonita, Nei pediu uma salva de palmas à memória da ex-companheira e executou na íntegra aquela que é apenas uma vinheta de abertura no álbum, “Zen”, escrita para o filho de Leila, à época com apenas 6 anos de vida. A música, a qual não conhecia por completo, apenas os poucos versos que foram parar na edição final de “Hein?!”, são um tocante recado de conforto de um padrasto talvez tão perdido e triste quanto àquele então pequeno órfão. “A vó da gente é mãe/ Da mãe da filha/ A filha da tia/ O pai do filho/ O espírito são/ Gente do bem, do mal/ Gente gorda, gente fina/ Quando vai pro céu/ O céu se ilumina”, diz a letra. Noutra parte (que também não consta no disco), Nei mostra o quanto aquelas palavras são tanto para ele quanto para o garoto: “Não tem desculpa, não tem culpa/ A culpa é sempre minha/ A culpa é da vizinha/ É uma chatice infernal.”

Um show carregado de canções fortes e emocionais já começou assim! O coração seguiu batendo forte com “No Fundo” e a brilhante faixa-título, uma das melhores do cancioneiro do gaúcho de Caxias do Sul. Nela foi possível conferir o acerto na escolha do arranjo, visto que se trata de uma música-chave do disco e que, se não funcionasse sem a bateria (possante nas baquetas de Renato Mujeiko no disco de 1988), correria sério risco de perder intensidade e, por consequência, identidade. Não foi o que aconteceu. Harmonizando com o arranjo dado à primeira parte do show, o formato violão/guitarra/teclado se encaixou muito bem também na segunda metade da apresentação. A mesma sensação ficou em outras duas igualmente adoradas por mim e pela plateia: a sentida “Nem Por Força” (“Nem por força do diabo/ Eu volto a vegetar/ Nessas malditas esquinas/ Na pressa de te encontrar”) e “A Fábula (Dos 3 Poréns”), debochada mas igualmente ferida pela perda que a motivou ser escrita: “Quebrei uns vinte, trinta espelhos/ De perguntar/ Se tinha alguém mais bela que ela/ Noutro lugar/ Comi todas maçãs da feira/ Pra adormecer/ E em vez do príncipe encantado/ Veio um baixinho assim”.

“Faxineira”, um blues elétrico, ganhou uma sonoridade de piano-bar muito adequada, além de uma leve modernização na letra que, segundo Nei, são para a “faxineira empoderada” dos tempos atuais. Outras que sofreram adaptação para o arranjo foram a country-rock “Fim do Dia”, menos acelerada, e o sucesso “Telhados de Paris”, que, embora parecesse a mais fácil de se adaptar – haja vista que é originalmente só no violão e voz –, ganhou o acertado acompanhamento do piano de Mauro Filho e teve a linha vocal levemente modificada. Nada que comprometesse um dos hinos da Porto Alegre moderna.

Mas os questionamentos que levantei intimamente no início do show sobre o envolvimento emocional de Nei Lisboa com o marcante motivo de “Hein?!”, mesmo que não tenham sido respondidos totalmente, deram-me a entender que permanecem de alguma maneira ainda latente nele, homem amadurecido e vivido em relação àquela época da composição do disco, anos 80. O que talvez tenha me passado a impressão de que as baladas não eram de uma época, assim, tão remota foi a supressão dos últimos versos de uma das preferidas da galera: “Baladas”. Emotiva, a canção fala sobre a referida perda de Leila e a briga interna para manter-se íntegro e desvencilhado do passado. Porém, os versos de “Baladas” escritos depois do acidente, como relatou Arthur de Faria, desta vez não foram cantados: "Só, muito além do jardim/ Viajo atrás de sombras/ Não sei a quem chamar/ Mas sei que ela diria ao acordar/ ‘Tudo bem/ Você me arrasou, meu bem/ E qualquer dia desses eu como as tuas bolas/ Mas agora esqueça o drama na sacola/ Não puxe o cobertor/ Não tape o sol que resta nessa dor’/ Foi bom: não durou”.

Se Nei optou por não cantá-los por não enxergar-lhes mais sentido ou por qualquer outro motivo, os da talvez ainda mais carregada “Teletransporte nº 4” foram ditos na íntegra. Faixa que finaliza o disco num clima de balada triste, foi tocada exatamente como é originalmente: violão, guitarra, piano e muita dor. E que versos fortes! “Porém o céu parece estúdio/ Nem o silêncio não diz nada/ Mesmo essas frases vão pro lixo/ São como lenços de papel/ Ainda por cima aquelas pernas/ Algumas coisas serão eternas/ Que bela ideia acreditar/ Que o mundo te aprendeu.” Para arrebatar os corações apaixonados em pleno 12 de junho.

Depois de 25 sessões em que a carga emocional só foi aumentando, partindo das músicas de “Hi-Fi” para as de “Hein?!”, Nei Lisboa encerra com uma que não entrou no repertório do primeiro por acaso: “Live and Let Die”, de Paul McCartney, numa competentíssima versão que dispensou até a orquestra que embala as aventuras de James Bond. Show perfeito do início ao fim deste que é um dos ícones da cultura de Porto Alegre. Se já tinha assistido ao vivo Tangos & Tragédias, Replicantes, De Falla, Renato Borghetti e Orquestra da Ospa na Praça da Matriz, faltava-me um show de Nei Lisboa para completar a lista dos patrimônios culturais da minha cidade. Uma estreia de luxo.

SET-LIST:

"Hi-Fi":
1 Everbody's talking   
(Fred Neil)
2 Bennie & The Jets  
(Bernie Taupin, Elton John)
3 Summer breeze  
(Dash Crofts, Jim Seals)
4 Norwegian wood  
(John Lennon, Paul McCartney)
5 Sometimes it snows in April  
(Lisa Coleman, Rogers Nelson, Prince, Wendy Melvoin)
6 Fifty ways to leave your lover   
(Paul Simon)
7 I'm having a gay time  
(Alberta Hunter)
8 That's why God made the movies  
(Paul Simon)
9 Walking away blues  
(Ry Cooder, Sonny Terry)
10 Still... you turn me on  
(Lake)
11 Cool water  
(Nolan)
12 Ventura highway  
(Deney Bunnel)
13 I shot the sheriff   
(Bob Marley)
14 Ruby Tuesday  
(Mick Jagger, Keith Richards)


"Hein?!"
15 Zen [Vinheta] 
16 No fundo 
17 Hein!? 
18 Nem por força 
(Ricardo Cordeiro, Nei Lisboa)
19 A fábula [Dos três poréns] 
20 Faxineira 
21 Baladas 
22 Rima rica / Frase feita 
23 Fim do dia 
24 Telhados de Paris 
25 Teletransporte n 4 
(Glauco Sagebin, Nei Lisboa)
Todas composições de Nei Lisboa, exceto indicadas

Bis:
26. Live and Let Die
(Paul McCartney) 



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Música da Cabeça - Programa #21


Já pensou num programa que tem do jazz de Lee Morgan - Blue Note Records ao punk rock dos Os Replicantes? Pois nós temos a solução! Este programa se chama Música da Cabeça, da Rádio Elétrica. Na edição de hoje, às 21h, além dos quadros fixos e móveis, a sempre abordando temas interessantes que estiveram em pauta durante a semana, vão rolar também David Bowie, Milton Nascimento, Racionais MC's e mais. Comprou a ideia? Então sintoniza lá e escuta o programa hoje. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.

Ouça: Música da Cabeça - programa #21

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Ratos de Porão – 30 Anos de “Crucificados pelo Sistema” – Segunda Maluca – Bar Opinião – Porto Alegre/RS (19/10/2015)




A banda tocando "Crucificados pelo Sistema" na íntegra.
foto: Leocádia Costa
O show do Ratos de Porão na Segunda Maluca, no bar Opinião, já é um programa anual confirmado em Porto Alegre. A galera alternativa, que curte de verdade a pioneira banda do punk nacional, não deixa de comparecer, tanto que se veem os mesmos malucos por lá ano após ano – eu, inclusive, que os vi numa mesma ocasião, em 2013.
 Porém, agora teve um porque ainda mais especial: os 30 anos do seminal “Crucificados pelo Sistema”, histórico álbum lançado por eles em 1984 e que, passando por cima de toda a precariedade típica dos punks da época, abriu portas para toda uma geração do punk nacional (e gringo!) ao mesclar a “fudência” do hardcore com outras vertentes do rock pesado, como heavy metal, grind-core, trashcore e afins, o crossover. A comemoração pelo primeiro álbum individual de uma banda de hardcore da América Latina incluiu um documentário (lançado ano passado) e shows como este com sua execução na íntegra, além do reencontro da formação antiga da banda: o irreverente João Gordo no vocal, Jabá, no baixo, e Mingau na guitarra, uma vez que o guitarrista oficial desde 1985, Jão, que tocou bateria nas gravações de “Crucificados...”, reassumiu as baquetas para essa ocasião excepcional.
João Gordo,
sempre empático com a galera.
foto: Leocádia Costa
 Para completar, o show de abertura foi em alto nível com Os Replicantes, minha banda favorita de punk-hardocre brasileiro. Mesmo sem seu principal cabeça, Carlos Gerbase, nem o performático Wander Wildner – ambos participantes esporádicos hoje –, o grupo mandou muito bem com a rascante Julia Barth à frente. Set-list de primeira, intercalando clássicos replicantes (“África do Sul”, “Chernobil”, “Nicotina”) com outras do repertório novo – na mesma linha baixo-rock-bateria pegado e riffs inteligentes com letras idem. Mas, principalmente, a boa surpresa foi ver a própria Julia comandando o palco, numa performance de tirar o chapéu. Até me desfez a má impressão que fiquei dela do show de 30 anos d'Os Replicantes, há dois anos, quando, provavelmente intimidada com os integrantes mais velhos (Gerbase, Wander, Luciana Tomasi), mostrou-se numa postura defensiva e um tanto pedante. 
Eu vidrado no show da RDP.
foto: Leocádia Costa
Mas e o Ratos de Porão? A qualidade de sempre. Desta vez, porém, somente para tocar os “tiros curtos” de “Crucificados...”, disco que tem pouco mais de 18 minutos no original. No caso, com bis e outras coisas, foi pouco mais de meia-hora. Conforme anunciou Gordo, orgulhoso e brincalhão: “’Cês tão ligado que hoje não tem essa coisa metal, não, né?. Com essa formação é só a coisa pura, a coisa ingênua, do coração”, referindo-se à sonoridade ainda crua e bastante inspirada no punk e hardcore do final dos anos 70 e início dos 80, como Dead Kennedy's, D.R.I. e Exploited. “Morrer”, com sua memorável abertura – a bateria cavalgando rápida, guitarra e baixo na combinação 2/2 e Gordo abrindo com aquele berrado: “Um dois, três, quaaaaa...” –, incendeia de cara a plateia, que cai no pogo e não para até o fim da apresentação. “Caos”, a mais curta de todas (ridículos 15 segundos) e “Guerra Desumana” antecedem outra boa de poguear: “Agressão/Repressão”, cantada em coro no refrão. Igualmente, “Que vergonha!”, que emenda com outra clássica, “Poluição Atômica”, presente também na coletânea "Sub", primeiro registro da RDP e de vários outros grupos do punk brasileiro. 
O melhor performer
do rock nacional em ação.
foto: Leocádia Costa
Também das mais queridas da galera é “FMI”, cujo refrão simplesmente genial todos entoaram: “O FM-ê não está nem aê!”. “Só penso em matar”, com seu riff poderoso, é outra das grandes do disco e do show. “Não me Importo”, mais um hino do punk nacional (“Não me importo com o mal/ Que assola a humanidade/ E a poluição que sufoca minha cidade/ Não me importo com o papa/ Fazendo caridade/ E a corrupção me tira a liberdade”), é daqueles de sair dando botinada pra tudo que é lado. A melhor – e talvez mais conhecida do disco fora do meio alternativo –, a faixa-título, é daqueles riffs geniais, prenúncio do avanço composicional que a banda teria mais tarde, a partir de 1987, com “Cada dia Mais Sujo e Agressivo”, principalmente. Os próprios integrantes, totalmente à vontade e curtindo o momento, gostaram tanto de tocá-la (e o público de ouvir e dançar) que a repetiram logo em seguida – o que não somou 3 minutos, visto que a música tem menos de 1 e meio. Fechando com “Corrupção”, o bis trouxe “Periferia”, faixa do próprio disco que tinham se esquecido de tocar, e outras três clássicas: “Velhus Decréptus” (do “Descanse em Paz”, de 1986), “Vida Ruim” (“Não dá mais pra aguentar/ Essa vida ruim/ Essa vida de pião/ Você anda sem nenhum tostão...”), e “Realidades da Guerra” (essas duas últimas do “Sub”).
 Festa punk completa, com direito a entrada, prato principal e cereja do bolo. Leocádia Costa, que registrou em fotos e vídeo o show, e nunca tinha visto os Ratos ao vivo, saiu positivamente impressionada. Afinal, uma coisa é certa – e pouco falada –: o RDP é das grandes bandas do rock mundial e João Gordo é o melhor performer do rock brasileiro. Ponto. Que venham os Ratos de Porão novamente em 2016, que estarei lá na certa. Quem sabe, comemorando o aniversário do “Descanse em Paz”?

***
vídeo Ratos de Porão - “Só pensa em matar”



fotos e vídeo: Leocádia Costa




segunda-feira, 5 de outubro de 2015

“Rock Grande do Sul: 30 Anos”, de Lucio Brancato e Fabrício Almeida (2015)



Capa da coletânea de 1985
Não venho falando que o bairro Bom Fim e sua história andam recorrentes pra mim? Pois pouco tempo depois de ter assistido a "Filme Sobre um Bom Fim" e visitado a Lancheria do Parque nas vésperas da despedida do garçom Ildo, ambos assuntos que me motivaram a escrever aqui para o blog, outro acontecimento envolvendo o bairro me impele a falar a respeito do Bonfa de novo. É o documentário “Rock Grande do Sul: 30 Anos”, para o qual tivemos a honra de sermos convidados para a pré-estreia por um de seus diretores, meu amigo e jornalista Lucio Brancato, o que aconteceu no simpático Panama Estudio Pub, na Cidade Baixa, numa (mais uma!) noite chuvoso de setembro na capital.
Dentre os que assistiram, estavam o codiretor e também jornalista Fabrício Almeida, os colegas de Grupo RBS Alexandre Lucchese e Porã Bernardes, que ajudaram na pesquisa e entrevistas, e um dos protagonistas do filme, o DJ e produtor musical Claudinho Pereira, responsável pelos contatos que fizeram com que Rock Grande do Sul acontecesse 30 anos atrás. O disco impulsionou as bandas gaúchas dos anos 80, as quais já mobilizavam multidões por aqui, mas ainda não tinham projeção nacional. A trajetória começa em setembro de 1985 com um show no Gigantinho, o “Rock Unificado”, que reuniu pela primeira vez somente bandas locais e um público de mais de 10 mil pessoas. Disso, culmina com a escolha de cinco desses conjuntos para participarem de uma coletânea, engendrada por Claudinho junto a Tadeu Valério, executivo da RCA Victor, que veio a seu convite como olheiro assistir ao espetáculo. Convencido por Claudinho, se valesse a pena, Valério os lançaria um disco. Valeu. Assim, gravariam pela primeira vez em um LP nacional TNT, Garotos da Rua, Engenheiros do HawaiiOs Replicantes e DeFalla (este último, que não participou do tal show no Gigantinho, mas era visivelmente um destaque na cena pela sonoridade, visual e postura).
Antes da avant-première
Vendo o filme, impossível não compará-lo a “Filme sobre Um Bom Fim”, tendo em vista a quase simultaneidade em que foram lançados. A temática, que faz ambos passarem necessariamente pelo bairro e pela cena cultural da época, os une numa leva de realizações que se completa com outro documentário desde ano, “Sobre Amanhã”, de Diego de Godoy e Rodrigo Pesavento, a respeito da banda DeFalla, lançado também faz pouco, em agosto, no Festival de Gramado. Vários entrevistados são, obviamente, os mesmos, visto que nomes como Biba Meira, Carlos Gerbase, Carlos Eduardo Miranda, Claudinho e Edu K, por exemplo, são essenciais para a história dessa efervescência cultural vivida por Porto Alegre num passado recente.
Conversei sobre isso com Lucio, que me revelou ter sido, de fato, apenas um feliz acaso. As semelhanças existem, tanto que tiveram que evitar de usar imagens e vídeos repetidos em uma obra e outra. Mas a ideia de “Rock...” surgira entre seus idealizadores há pouco tempo, quando Porã se dera conta do aniversário do disco, sendo que o projeto de “Filme...”, consideravelmente maior, já vinha sendo tenteado há uma década. E é aí que as coisas começam a se diferenciar. Por tratar de um tema menos complexo, o lançamento do disco e suas consequências (“Filme...” remonta parte da história e vivências do Bom Fim e arredores em mais de duas décadas), “Rock...” exige um menor número de entrevistados (menos de 20 ao todo) e recortes temporal e narrativo idem.
Começando a projeção.
Talvez por esses fatores, “Rock...” tenha ficado tão agradável e lúdico. Não que “Filme...” também não o seja; mas a complexidade que seu tema central levanta, bem como os vários desvelamentos que não se pode deixar de fazer (política, cultura, boemia, história, antropologia, comunicação, literatura, cinema, arquitetura histórica, urbanismo, etc.), lhe dão necessariamente um caráter mais denso – desafio este que o diretor Boca Migotto cumpre muito bem, diga-se. No caso de “Rock...”, essa exigência é menor, pois os caminhos para dissecar o assunto tornam-se naturalmente menos intrincados, ajudando, inclusive a detectar com mais facilidade os pontos a serem destacados no decorrer da narrativa. Dá até para fazer “firulas”. É o que acontece, por exemplo, na hora em que King Jim, d’Os Garotos da Rua, levemente “desmemoriado”, recorda que até havia plateia no Gigantinho na fatídica noite de 11 de setembro de 1985, depoimento imediatamente reconsiderado por Charles Master, do TNT, a quem era óbvio que havia um grande público. Momento engraçado e bem construído pela montagem.
O tempo recorde em que foi produzido – desde a concepção do roteiro, entrevistas, decupagem e montagem levou-se apenas sete semanas (algo como menos de dois meses), conforme Lucio, impressionado com o próprio feito, me relatou – não prejudicou o resultado final. Muito pela experiência dos realizadores, talhados nas várias mídias do jornalismo (tevê, jornal, rádio, etc.), “Rock...” ganhou agilidade e fluência, contando desde o surgimento das bandas e o furor da cena gaúcha dos anos 80, passando pelo “Rock Unificado”, os bastidores da assinatura do contrato com a RCA e o sentimento dos protagonistas quanto àquela conquista. Além disso, remonta o que aconteceu dois anos depois da coletânea como resultado: a gravação do disco de cada uma das cinco bandas que integraram a “Rock Grande do Sul”, dentre estes os clássicos “Papaparty”, da DeFalla, "O Futuro É Vortex" (1987), d’Os Replicantes, e o LP homônimo da TNT.
Bem interessante esse momento do filme, em que contam sobre a aventura de ir para o Rio de Janeiro para gravarem os discos, o que rende histórias engraçadas e com sabor nostálgico. Charles fala da reação “jeca” dos rapazes da TNT ao se depararem com o rico aparato do estúdio e, logo em seguida, voltarem ao hotel onde estavam hospedados e esconderem os seus instrumentos de vergonha que ficaram. Ou das sacanagens que Os Garotos da Rua, suburbanos também no jeito de ser, faziam no quarto do hotel dos membros do Engenheiros do Hawaii, que, universitários intelectualizados, respondiam às brincadeiras testando-lhes o conhecimento, tal como relataram Jim e Humberto Gessinger. Eu, que sou especialmente fã de Replicantes, adorei saber das condições que a banda de Gerbase impôs à gravadora. Punks cientes – e orgulhosos – de sua inaptidão técnica como músicos, embora extremamente criativos e donos de uma música inteligente e pungente, tinham critérios desde a escolha do repertório até o método de gravação, em que a banda tocava junta (sem overdub) e escolhiam, ao final, o take “menos pior”, como relatara engenheiro de som que os apadrinhara, o Barriga.
Master, Gessinger e Gerbase,
três das figuras centrais do filme.
Detalhes cuidadosos estabelecem o ritmo da montagem, da fotografia e locações, mantendo tempos regulares e bem conduzidos das falas – um exemplo simples mas que denota essa delicadeza é o lettering que credita cada entrevistado, o qual aparece apenas depois da primeira ideia dita por estes. Ao final, fica um sabor de “quero mais”, e não pela sensação de ter sido pouco, pois, mesmo sendo um curta, o filme supera esse fator uma vez que conta muito bem a história. Fica, sim, o sentimento de “que pena, passou tão rápido!”
O filme desfecha com uma rodada de percepções de vários dos entrevistados sobre o que a coletânea “Rock Grande do Sul” representava para eles hoje. Com o a capa do vinil na mão, num exercício psicológico tátil, cada um dá seu depoimento que vai do orgulho ao carinho. Olhando-os nessa sequência, hoje todos mais velhos de quando realizaram a obra, fica a sensação de que parece ter passado pouco tempo de lá para cá, o que é imediatamente contrariado pelo fator cronológico, o qual relembra serem caprichosas três décadas. Não é pouco, de fato. A sensibilidade dos diretores e o carinho com que trataram do tema é provada no desfecho: percebendo essa atmosfera nostálgica que permeia a psique coletiva, o que se escuta no final não é "Segurança", "Entra Nessa" ou “Surfista Calhorda”, faixas do disco que automaticamente são ligadas a este – e com as quais seria óbvio demais encerrar. Ouve-se, sim, apenas o chiado da agulha no sulco do vinil, metáfora de uma obra que não inicia, pois seus ecos, na verdade, ainda não terminaram.
Afora isso, foi saboroso assistir a esse tributo a um dos discos que foi um dos principais responsáveis por fazer a mim e a meu irmão a gostarmos de rock e pelo qual guardo um sentimento especial até hoje. Pelo visto, não só eu.

trailer "Rock Grande do Sul: 30 anos" 




quarta-feira, 16 de setembro de 2015

“Filme sobre um Bom Fim”, de Boca Migotto (2014)






Ando escrevendo bastante sobre Porto Alegre e sobre o Bom Fim especialmente nos últimos tempos. Talvez não seja acaso, pois a considerar os sentimentos que venho nutrindo pela cidade, mais para mal do que para bem, ter assistido ao documentário “Filme sobre um Bom Fim” deve significar alguma coisa. Tanto para bem quanto para mal. Para bem, porque é um barato conhecer mais da história, identificar-se e ouvir os depoimentos de quem presenciou e viveu os períodos heroicos do famoso “Bonfa”. Para mal é que, infelizmente, minhas queixas e decepções se confirmam nas de outras pessoas – e não qualquer uma, mas as que ajudaram a escrever a biografia cultural recente da cidade.

Mas comecemos pela parte boa. Dirigido por Boca Migotto, com fotografia competente de Bruno Polidoro, “Filme...” resgata de forma bastante eficiente a história do Bom Fim, bairro boêmio (muito mais no passado do que hoje) que, no final dos anos 60 até o início dos anos 90 – ou seja, percorreu basicamente toda a época do Regime Militar no Brasil – foi ponto de confluência das mais ricas manifestações artísticas de Porto Alegre. Numa narrativa tradicional, cronológica e construída com base em depoimentos de figuras-chave entremeados de imagens de arquivo e locações coerentes, o filme cumpre muito bem o objetivo ao qual se presta: evidenciar a importância do bairro enquanto arcabouço de toda uma cena que, por diversos motivos (nem sempre lógicos), se criou em torno deste.

Bares lotados na movimentada Osvaldo Aranha dos anos 80.
Começa de forma bem poética e veneradora ao fazer um paralelo entre o documentário e o longa “Deu pra ti, Anos 70” (de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, de 1981) repetindo um plano-sequência em que uma câmera (digital, no atual; Super 8, no antigo), como um ponto-de-vista de um passageiro da janela de um ônibus que sai do viaduto da Conceição, saindo do Centro da cidade, em direção à consagrada Osvaldo Aranha, avenida principal do Bom Fim, percorrendo-a de ponta a ponta. É a partir dessa cena que Migotto constrói toda a genealogia cultural e sociopolítica que se manifestou ali, desde a época da “Esquina Maldita”, nos anos 60, até o seu declínio, nos anos 90, quando a pressão imobiliária e a ação política esvaziaram física e emocionalmente a movimentação em prol da “família e dos bons costumes”. Aspectos como a delimitação geográfica do bairro, suas origens e fisionomia arquitetônica dão suporte para, partindo de depoimentos bastante ricos e bem estruturados, contar como o cinema, o teatro, a música, o rádio, a boemia e, principalmente, a ação de vários personagens ajudou a criar uma cena de absoluta democracia e diversidade que chegou ao ápice nos anos 80, quando a Osvaldo fechava para receber até 5 mil pessoas aos finais de semana. Todas bebendo, curtindo, andando, trocando (coisas lícitas ou não) e tendo como ponto principal os bares, tanto os de antigamente (Copa 70, Lola, Escaler, João) quanto os de ainda hoje (Ocidente, Lancheria do Parque, Mariu’s).

Dessa trajetória, muito legal ver como se deu o surgimento da galera do cinema (Carlos Gerbase, Giba, Jorge Furtado, Werner Schünemann, Marcos Breda), embrião da Casa de Cinema de Porto Alegre e do atual cinema gaúcho. As cenas dos primeiros filmes, “Deu pra ti...”, “Inverno” e meu amado “Verdes Anos”, bem como o ambiente em que foram filmados, são resgatados de maneira bonita, mostrando a paixão com a qual se dedicavam a rodá-los, bem como as referências estéticas novas que trouxeram. Igualmente, passa pelas sessões de cinema nos saudosos Baltimore e Bristol; pelas funções do teatro: montagem de “Deu pra ti, Anos 70” (diferente do filme mas quase simultânea a este) e a formação dos grupos Terreira da Tribo, Vende-se Sonhos e GTI; da rádio: a já saudosa Mary Mezzari e Mauro Borba falando da Ipanema FM; e da tevê, em que programas revolucionários como Quizumba e Pra Começo de Conversa, da TVE dirigida por Cândido Norberto, deram espaço para os roqueiros malucos, bem como para os primeiros trabalhos jornalísticos e audiovisuais de gente renovadora como Furtado e Eduardo Bueno (Peninha).

Edu K, figura essencial na movimentação cultural da cidade.
Mas é especialmente legal ver que tudo se construiu a partir da juventude, motivo pelo qual todos os momentos são muito ligados ao rock, seja o pop de Nei Lisboa, o rockabilly d’Os Cascavelletes, o hardcore d’Os Replicantes ou o pós-punk do De Falla. Nisso, interessante notar a devida reverência à figura de Edu K como pioneiro e agitador cultural e a liderança de Gerbase não só no cinema, mas na cena rock. Engraçado e saboroso ouvi-lo dizer que, à época da formação da banda, notara o desconforto do colega de cinema Giba Assis Brasil, que não apreciava a barulheira e inaptidão técnica dos Replicantes, inclusive a de Gerbase com as baquetas. Ele explica: “O negócio é que eu não queria tocar bateria: eu queria era bater naquilo”.

E a parte ruim? Nada que se refira à qualidade do filme, mas justamente quanto à conclusão que o próprio levanta: a de que Porto Alegre estagnou culturalmente. Isso fica claro no final, seja em forma de provocação, como fizera Peninha desafiando que o provassem que o momento áureo do Bom Fim significara de fato um “movimento cultural”, seja em depoimentos mais moderados, nos quais se ouve e/ou se subentende expressões como “estagnação”, “desdém” e “descontinuidade”. O próprio filme é um exemplo: mesmo sendo um sucesso garantido de público (a sala estava lotada, o que se repete desde sua estreia), levou sofridos 10 anos para ser aprovado na lei de incentivo do município, e isso por causa de muita insistência. 

Peninha, ferino e hilário.
Tristes constatações que, mais tristemente ainda, coferem com as minhas. E não somente as dos últimos tempos, mas a da real validade de produtos artísticos porto-alegrenses endeusados aqui mas que, num contexto geral (e no comparativo com as coisas boas daqui mesmo), são bastante fracas. Carlos Eduardo Miranda ainda tentar argumentar que bandas como De Falla e Graforréia Xilarmônica influenciaram o rock brasileiro dos anos 90, porém (e aí se entende o fundamento da provocação lançada por Peninha), está longe de poder ser considerado um movimento cultural de sotaque gaúcho. Cabe ao próprio Gordo Miranda finalizar num depoimento romântico de que, um dia, quiçá, se repita um momento tão efervescente e interessante na cidade.

Sabemos que não se repetirá.

A Casa de Cinema ganhou relevância nacional e mudou para melhor o cinema e a televisão brasileira a partir dos anos 90; porém, não formou escola. Do rock gaúcho, por motivos diferentes, grandes bandas surgiram, mas nenhuma engatou uma carreira contínua e de real expressão nacional – fora os Engenheiros do Hawaii, que rumaram para longe demais da capital – ou, muito menos, internacional. Do teatro, a monopolização dos mesmos nomes para, pateticamente, não apresentarem nada de novo desde aquela época. Só posso concluir que tudo isso é junção de fatores psicossociais, como falta de antevisão e renovação, pouco-caso para com o seu semelhante, um sentimento de superioridade intelectual injustificável e a crise econômica que se arrasta há anos no Estado. Mas tudo, na verdade, não seria importante se não faltasse de fato um quesito: qualidade. Ter, tem; mas só em algumas frentes e que não são suficientes para formar algo que se possa intitular propriamente como porto-alegrense.

No entanto, até as constatações negativas de “Filme...” são méritos do filme, que não temeu em mostrá-las ou escondê-las num endeusamento pró causa abordada, como acontece em alguns filmes do gênero (o às vezes parcial “Lóki”, a respeito do mutante Arnaldo Baptista, ou "O Sal da Terra", que parece não abordar o que realmente deve). O formato clássico de documentário, aliás, é o mais recomendável quando o próprio tema fala por si como neste caso. Inventar narrativas “poéticas” ou “modernas” nem sempre é um bom caminho, pois se pode cair no erro de diluir o principal, que é a história que se está querendo contar. Menos é mais em documentário. Afora isso, as reveladoras falas de gente como Juremir Machado da Silva, Polaca, Fiapo Barth, Cikuta, Biba Meira, Luciana Tomasi e os já citados Nei, Gerbase, Werner, Peninha, Mary, entre outros, são de grande identificação a quem sempre esteve ligado à cena alternativa de Porto Alegre de uma forma ou de outra como eu.

Impossível não mencionar que, ainda por cima, assisti à sessão acompanhado de Leocádia, que nasceu no Bom Fim e morou lá alguns anos da infância, e na presença da radialista Kátia Suman, com quem já tive momentos marcantes na minha trajetória como jornalista e ser cultural da cidade, desde quando a ouvia na Ipanema até momentos presenciais, como no Clube do Ouvinte que apresentei na rádio, em 1994, ou o Sarau Elétrico, que participei como autor em 2012, em pleno Ocidente. Simbólico, no mínimo.


trailer de "Filme sobre um Bom Fim"



segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Agenda de shows em Porto Alegre


A época de shows está ótima! Além das recentes apresentações de Jorge Benjorno Rio de JaneiroToquinho & Maria Creuza, no Teatro Bourbon Country, e Gerson King Combo, na Quadra dos Bambas da Orgia, estes dois últimos, em Porto Alegre, outras três programações musicais interessantíssimas – e totalmente diferentes umas das outras – estão por vir nos próximos dias e meses. E à medida do possível, claro, vou relatando-as aqui no ClyBlog. Papel e caneta para me agendar:





28/8 – Caetano Veloso & Gilberto Gil, Auditório Araújo Vianna: Já falei num post exclusivo sobre esse verdadeiro espetáculo histórico que Porto Alegre presenciará. Dois dos maiores artistas da modernidade. Muita expectativa.






04/09 – Meredith Monk & Vocal Emsemble, Theatro São Pedro: Uma das cabeças mais geniais da música erudita contemporânea, a multiartista norte-americana abre o Porto Alegre em Cena. Indizível o privilégio de assistir a essa que é, junto com Philip Glass, Steve Reich e sir. Maxwell Davies, a maior compositora viva da música de vanguarda.








19/10 – Ratos de Porão, Bar Opinião: Pra arrematar (por enquanto), que tal o hardcore furioso do Ratos tocando na íntegra seu seminal “Crucificados pelo Sistema”, que completa 30 anos de lançamento? A regalia não termina aí: a abertura será d’Replicantes. Tá bom pra ti?













quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

DOSSIÊ ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2013


E 2013 chegou ao fim e os ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, neste ano em que o clyblog comemorou 5 anos, tiveram um ano pra lá de especial. Além dos nossos colaboradores habituais que sempre nos proporcionam textos fantásticos, cada um à sua maneira, cada um com seu estilo, e da incorporação do qualificadíssimo Paulo Moreira ao time de colunistas, desta vez tivemos participações especiais de luxo: a começar por Roberto Freitas, vocalista do Ths Smiths Cover Brasil que nos brindou com uma resenha especial para a publicação nº 200 dos A.F, trazendo o ótimo álbum "Meet is Murder" dos Smiths, e para fechar com chave de ouro, Carlos Gerbase, ex-vocalista dOs Replicantes nos presenteou com o especial de aniversário do blog, falando sobre o disco de estreia da banda, o clássico "O Futuro é Vortex". Precisa mais que isso?
(Precisar não precisa, mas a gente gosta de um pouquinho mais, sempre.)
Mas 2013 também marcou a tomada do poder pelos Rapazes de Liverpool! Finalmente os Beatles, considerada por uma enormidade de pessoas ao redor do mundo, a maior banda de todos os tempos, assumiu a liderança em aparições nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Acompanhado por David Bowie, é verdade, ali, com 4 indicações cada, mas já é alguma coisa, pra quem, na posição que ostenta, sequer figurava entre os maiores do AF até o ano passado. Mas é bom cuidar porque o pessoal dos Rolling Stones está na cola com 3 aparições com um monte de gente boa junto: Miles Davis, The Cure, Led Zeppelin, Kraftwerk, Stevie Wonder, entre outros.
São muitos os que já pintaram por aqui com dois grandes álbuns, mas é interessante destacar o ingresso do Iron Maiden e do Public Enemy nesse time de bicampeões. Cuidado, pessoal da frente, que esses aí têm mais discos pra botar na lista, hein!
Quanto à nacionalidade, os americanos continuam mandando no pedaço com 87 artistas, seguidos pelos ingleses com 63 e pelos brasileiros com 48. A década de 70 tem tido mais discos destacados, com 67, seguido da década de 80 com 61 e dos anos 90, com 49, e os tão festejados anos 60, têm um a menos. o interessante neste 2013 é que finalmente rompemos a barreira dos séculos e saímos apenas dos séculos XX e XXI para viajarmos até  século XVIII com "As Quatro Estações" de Vivaldi.
O Ano-Novo promete e já começamos bem com a resenha do jornalista Márcio Pinheiro, do disco "Quem é Quem", de João Donato, que não entrou na contabilidade,aqui do Dossiê, porque os números são relativos ao ano passado, mas já vai pra estatística de 2014, e, a propósito, pelo andar da carruagem, devemos chegar à postagem de número 300 dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ainda este ano, o que merecerá, por certo, outra boa comemoração. Aí vem coisa boa!
Vamos ver o que conseguimos preparar. Talvez mais alguma participação super-especial.
Quem sabe...



Cly Reis 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ratos de Porão - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (11/11/13)



foto: Lucio Agacê
Nunca tinha assistido ao Ratos de Porão ao vivo. Devia isso pra mim mesmo. Do rock nacional já tinha visto shows de quase todos que considero importantes: Titãs (Arnaldo Antunes e Nando Reis, além do Marcelo Frommer ainda vivo), Camisa de VênusParalamas do Sucesso, Fausto Fawcett, De Falla, Replicantes.Até Humberto Gassinger (sem Engenheiros do Hawaii, mas tocando músicas da banda) eu vi. Legião Urbana que fazia pouco show, ainda mais aqui no Sul, não deu pra ver (quando ia fazê-lo, Renato Russo morreu). Por isso, dos grandes do rock brasileiro faltava-me, de fato, o Ratos. Os caras que inventaram (isso mesmo: sem aspas!) o que pode ser chamado de metal-core antes de qualquer outra banda gringa; o grupo criador de discos essenciais como “Crucificados pelo Sistema”, “Descanse em Paz” e “Brasil”; os desbravadores, no Brasil, de uma malvista e desvalorizada, porém riquíssima, cena juvenil chamada punk junto com Olho Seco, Cólera, Inocentes, Garotos Podres, Lobotomia e outros; os verdadeiros cronistas suburbanos de um Brasil que insiste em ser desigual e decadente desde que eles surgiram, há mais de 30 anos, e bem antes disso; a primeira banda a levar, junto com o Sepultura, o rock nacional pro exterior a custas de muito esbravejo e porrada. Faltava o Ratos a mim.
Faltava.
Depois de mais de um ano me penalizando por não estar na cidade para assisti-los em 2012, quando estiveram em Porto Alegre depois de um bom tempo sem virem, pude, enfim, presenciar João Gordo & cia. “destruírem” o Opinião no projeto 2ª Maluca, da Rei Magro Produções. Showzasso! Gordo, muito a fim de tocar e à vontade com um público verdadeiramente amante da banda, subiu no palco com a gana de realmente fazer um grande show. Com Jão, esmerilhando na guitarra, Juninho, super bem no baixo, e Boka, sempre destruidor na bateria, não foi diferente. O show teve aproximadamente 1 hora e 10 minutos, o que, para uma banda como o RDP, que tem faixas até de 17 segundos, (como “Caos”, que tive o prazer de ouvi-los tocar: “Esse mundo é um caos/ Essa vida é um caos/ Caaaaaos!"), esse tempo todo dá pra executar um monte de coisa. E foi assim, repleto de “crássicos” que incendiaram a roda de pogo.
foto: Lucio Agacê
Eles mandaram ver com “Agressão/Repressão”, “Crianças sem Futuro”, “Aids, Pop, Repressão”, “Sentir Ódio e Nada Mais”, “Realidades da Guerra”, entre outras. Só as foda! “Mad Society”, de uma fase já “madura” dos caras e das minhas preferidas, veio num arranjo super legal junto com “Morrer”, das antigonas. “Sofrer”, das mais conhecidas, claro, enlouqueceu a galera, assim como a versão deles de “Buracos Suburbanos”, da Psykóze, outra memorável do punk rock brazuca. Teve ainda as imortais “Crucificados pelo Sistema” e “Beber até Morrer” - música que, há 25 anos, nos faz pensar se não é, de fato, esta a solução num país, à época da composição, de Plano Cruzado e inflação galopante e, hoje, de Bolsa Família e Mensalão... 
Mas pra pirar mesmo o público de fé que foi lá naquela noite do dia mais chuvoso na cidade em um século (!), o Ratos presenteou-nos com uma execução do clássico do rock gaúcho (quando este ainda era bom pra caralho): “O Dotadão Deve Morrer", d’Os Cascavelletes. Ao seu estilo, tal como gravaram em 1995 no álbum “Feijoada Acidente - Brasil”, ou seja, menos rockabilly e mais hardcore, a banda fez o Opinião vir abaixo, ainda mais no refrão, entoado por toda a plateia - inclusive este que vos fala. Gordo cantava: “Hey, rapazes/ Esse cara deve morrer”, e nós respondíamos em coro: “Deve morrer, deve morrer, deve morrer!”. De arrepiar!
Pra fechar, outro clássico cantado por todos: “FMI” (“O FM’ê’ não está nem a’ê’...”). Como se não bastasse a felicidade de minha realização de, finalmente, assistir ao RDP ao vivo, ainda pude fazê-lo ao lado de meu primo-brother e colaborador deste blog, Lucio Agacê, justamente quem, em meados dos anos 80, mostrou pra mim esta que é, certamente, a maior banda brasileira em atividade hoje. E será que não foi sempre?



fotos: Lucio Agacê


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Os Replicantes - "O Futuro é Vortex" (1986)


Vortex
por Carlos Gerbase



"A fudê!"
final de "Porque Não"


A palavra “Vortex” já significou muitas coisas na minha vida. Meu primeiro encontro com ela foi em meados dos anos 70, numa máquina de fliperama, aquelas antigas, de bolinha, imortalizadas no musical “Tommy”.  Os desenhos da máquina eram futuristas, misturando sexo e violência em doses perfeitas para a adolescência.  Na minha interpretação, esses desenhos representavam um planeta distante, cheio de monstros e mulheres maravilhosas. Eu jogava e, mesmo perdendo as cinco bolas rapidamente, curtia o visual.

Lá pelo final de 1983, Os Replicantes estavam fazendo suas primeiras músicas, e eu, as primeiras letras. Creio que “Nicotina” (grande letra do Cláudio Heinz) foi a primeira canção a ficar pronta.  E, logo depois, numa ordem difícil de recuperar, vieram “Ele quer ser punk”, “Porque não”, “O princípio do nada” e “O futuro é Vortex”.  Com certeza aquelas imagens da velha máquina de fliper ajudaram na evocação de um planeta hostil em que “pra comer tem que matar”. Quando lançamos nosso compacto-duplo, uma das quatro músicas era “O futuro é Vortex”, e, na hora de escolher o nome do nosso selo, foi fácil: selo Vortex.

Alguns anos depois, na hora de decidir como o nosso primeiro LP se chamaria, alguém sugeriu (provavelmente eu mesmo, mas não tenho certeza) que o disco se chamasse “O Futuro é Vortex”. Foi uma  boa escolha. Ele estava cheio de canções de ficção científica, e esse título era uma boa síntese. A palavra voltaria na nossa primeira fita VHS, “Os Replicantes em Vortex”. Enfim, aquele planeta parecia ser um bom local para Os Replicantes quando eles fugiam da Terra.

Em 1987, quando a banda resolveu abrir um lugar para ensaiar, vender fitas cassete e beber cerveja (mas eu bebia conhaque...) o nome ficou Vortex. Não creio que foi falta de imaginação, e sim a vontade de usar uma marca que já estava plenamente identificada com a estética da banda. O bar (ou o que quer que fosse) durou apenas um ano, mas que ano... Dezenas de lançamentos, dezenas de shows transmitidos por circuito fechado, dezenas de noites memoráveis com os amigos, regadas a punk rock e loucura. O bar Vortex faz parte das memórias afetivas de muita gente.

Finalmente, Vortex também foi o nome de fantasia da produtora de vídeo que tenho em sociedade com a Luciana Tomasi, que nasceu como “Invideo”, lá em 1982. No final dos anos 90, achamos que “Invideo” era muito careta e mudamos para... “Vortex”. A denominação veio até 2011, quando saímos da Casa de Cinema e resolvemos mudar para “Prana Filmes”. Hoje, portanto, Vortex é uma máquina de fliper que não existe mais, um bar que não existe mais, um nome de fantasia que não existe mais, um selo musical que não lança nada há uns 20 anos (mas quem sabe, no futuro...), um LP fora de catálogo e uma fita VHS que ninguém consegue ver mais. Mas “O futuro é Vortex”, a música, ainda está  muito viva. No show dos Replicantes, dia 9 de dezembro, será executada, com pompa e circunstância, celebrando os 30 anos da banda. Quem viver, verá.  Mas, cuidado!, o futuro é Vortex.
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FAIXAS - "O Futuro é Vortex":
  1. "Boy do Subterrâneo" (Carlos Gerbase, Heron Heinz) – 2:22
  2. "Surfista Calhorda" (Carlos, Heron) – 3:30
  3. "Hippie-Punk-Rajneesh" (Carlos, Heron) – 2:43
  4. "One Player" (Carlos, Cláudio Heinz) – 2:43
  5. "A Verdadeira Corrida Espacial" (Carlos, Cláudio) – 2:24
  6. "O Futuro é Vortex" (Carlos, Heron) – 2:17
  7. "Choque" (Carlos, Heron) – 3:03
  8. "Ele Quer Ser Punk" (Carlos, Cláudio) – 2:06
  9. "Motel da Esquina" (Cláudio) – 2:24
  10. "Mulher Enrustida" (Cláudio, Heron) – 0:52
  11. "Hardcore" (Carlos, Heron) – 2:20
  12. "O Banco" (Heron, Luciana Tomasi) – 2:19
  13. "Censor" (Carlos, Heron) – 2:01
  14. "Porque Não" (Carlos, Cláudio, Heron) – 1:14
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Ouça:




Doutor em Comunicação Social, Carlos Gerbase é cineasta e ex-líder da banda Os Replicantes, a qual fez parte entre 1983 e 2002. Em cinema, integrou por 24 anos a Casa de Cinema de Porto Alegre.
Escreveu e dirigiu longas como “Tolerância” (2000), “Sal de Prata” (2005), “Verdes Anos” (1984), “3 Efes” (2007), "Menos que Nada" (2012) e o documentário "A Batalha dos Aflitos" (2005), além de curtas, como "Sexo e Beethoven" (1997), "Passageiros" (1987) e "Deus ex-machina" (1995).
Realizou ainda diversos programas de teledramaturgia para TV. Leciona, desde 1981, nos cursos de Cinema e Televisão da PUCRS, onde coordena a pós-graduação em Cinema. Como escritor é autor do romance Professores (Record, 2006), Cinema: Direção de atores (Artes & Ofícios, 2003), Contos cinematográficos (Artes & Ofícios, 2000), entre outros.