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terça-feira, 1 de setembro de 2015

“Esse Tal de Borghettinho” – Sessão de autógrafos com Márcio Pinheiro e Renato Borghetti – Livraria Saraiva – Shopping Praia de Belas – Porto Alegre/RS


Nós com o Borghettinho
foto:editora Belas-Letras
“[Renato Borghetti é] um dos maiores símbolos da música
 do Rio Grande do Sul em qualquer estilo,
em qualquer época.” 
Márcio Pinheiro

“Não tive uma formação musical, tive muitas.” 
Renato Borghetti



Um dos maiores virtuoses da gaita no mundo; dos principais compositores do Rio Grande do Sul vivos; um dos mais importantes artífices da fusão do tradicionalismo gaúcho com outros ritmos (jazz, MPB, rock, tango); ator fundamental no reconhecimento e expansão da música nativista; militante da música instrumental no Brasil; único a ganhar Disco de Ouro com um álbum de canções “não-cantadas”. Se fosse só por isso, já seria de bom tamanho para que fôssemos Leocádia e eu à sessão de autógrafos do livro em homenagem a Renato Borghetti. Mas têm ainda mais dois fatores consideravelmente afetivos que, para nós, se equiparam a tais qualidades no que se refere a essa simpática figura que, saído daqui do frio gauchesco – assim mesmo, pilchado e cabeludo –, rompeu as barreiras froteiriças do Estado e se embrenhou por querências nacionais e internacionais.
Borghettinho dando uma palhinha
de sua música na Saraiva
foto: Daniel Rodrigues

Primeiro, que “Esse tal de Borghettinho” (Belas-Letras, 2015) é escrito nada mais nada menos do que por meu amigo Márcio Pinheiro, jornalista cuja experiência de décadas militando em várias áreas das várias redações pelas quais passou (todas as principais, de Jornal da Tarde a JB, de Estadão a Zero Hora) são usadas a serviço de um texto cristalino, criativo, exemplar e não menos emotivo. No livro, que não li ainda mas estou louco para tal, certamente não é diferente. Qualidade a favor da qualidade nesta biografia que é a primeira escrita por Márcio (já era hora, meu amigo!). Foi ele mesmo que, querido e brincalhão como sempre, disse-me na hora do autógrafo: “Agora vou retribuir, pois só eu que tenho um autógrafo teu”. Empatamos.

A dupla com as capas de 
"Esse tal de Borghettinho" à frente
foto: Daniel Rodrigues
O segundo motivo é que todas as qualidades possíveis de se ressaltar de Borghettinho se somam a outro fator que, a Leocádia e eu, é bastante simbólico: a lembrança de sua figura no palco da Concha Acústica do Multipalco Theatro São Pedro no primeiro show que assistimos juntos, no verão (alto verão!) de 2012. Fevereiro, exatamente. Sol de 40 graus em um show no final da tarde de horário de verão. Ou seja, 18h que significavam sol das 17h! Nada que, no entanto, tirasse nossa admiração daquela encantadora e marcante apresentação. Claro, que dissemos isso a Borghetti, que, simpático como de costume, demonstrou ter gostado.

Autógrafos de Márcio e
Borghettinho a nós
foto: Daniel Rodrigues
Antes da concorrida sessão de autógrafos, quando tanto Márcio quanto Borghettinho nos fizeram uma carinhosa dedicatória, o músico ainda se apresentou junto com seus companheiros de banda. Momento único.

A obra, vale ressaltar, ainda conta com texto de apresentação do jornalista Juarez Fonseca, caprichados projeto gráfico e capa de Celso Orlandin Jr. e coordenação editorial de Fernanda Fedrizzi. Leitura obrigatória para todo gaúcho, para todo admirador de música e para qualquer um que se interessa em conhecer quem é esse cara que há quase 40 anos se esconde atrás da cabeleira, do chapéu “desabado”, com descreve Márcio, e claro, dos maravilhosos sons que produz. Esse tal de Borghettinho.










quarta-feira, 26 de julho de 2023

Música da Cabeça - Programa #328

 

A chapa esquentou pro clima, hein?! Preocupado com o planeta, o MDC também eleva a temperatura, mas com música boa de todas as estações. Tem Daft Punk, John Lennon, Brian Eno, Titãs, Henri Mancini e mais, como o Cabeção, que celebra os 60 anos de Renato Borghetti. Seja no verão ou no inverno, o termômetro começa a funcionar às 21h na refrigerada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e muito líquido: Daniel Rodrigues.

(www.radioeletrica.com)


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

João Donato - "Quem é Quem" (1972)


“Senão ninguém cantava,
ninguém gravava.”
João Donato
sobre gravar pela primeira vez
músicas com cantadas por ele



Depois de ter atravessado os anos 60 vivendo na Califórnia, João Donato estava com saudades do Brasil. O cachê conseguido com os discos “A Bad Donato” e “Donato/Deodato“ (parceria com o também compositor e arranjador brasileiro Eumir Deodato e com participações de Airto Moreira, Randy Brecker e Ray Barreto) seria usado para pagar a passagem de volta. Chegou ao país como um nome das “internas” da bossa nova. Era um músico dos músicos, respeitado pelos seus pares mas pouco conhecido pelo público. Da convivência com o cantor Agostinho dos Santos, um grande incentivador de seu trabalho, nasceu a ideia de colocar letras nas suas músicas.

Assim, em 1972, surgiu “Quem é Quem”, disco que trazia a novidade de ter no repertório músicas com letras cantadas pelo próprio compositor, com destaque para “Até Quem Sabe”, “Mentiras” (as duas feitas em parceria com o irmão, Lysias Ênio) e “Chorou, Chorou” (com Paulo César Pinheiro).

Revigorado pela temporada americana, João Donato se sentia também mais seguro para dar às inspiradas melodias e letras os arranjos que, pela primeira vez, eram todos assinados por ele. Donato confessa que, na época, lembrava muito do seu amigo, o maestro Laércio de Freitas, um de seus principais incentivadores. “Ficava na dúvida sobre uma frase musical e perguntava: Laércio, é melhor isso ou isso? Ele respondia simplesmente: ‘Acredita!’”.

por Márcio Pinheiro

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FAIXAS:
1. Chorou, Chorou (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:40)
2. Terremoto (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:28)
3. Amazonas (Keep Talking) (João Donato) (2:10)
4. Fim De Sonho (João Carlos Pádua, João Donato) (3:39)
5. A Rã (João Donato) (2:31)
6. Ahiê (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:52)
7. Cala Boca Menino (Dorival Caymmi) (2:23)
8. Nãna Das Águas (Geraldo Carneiro, João Donato) (2:20)
9. Me Deixa (Geraldo Carneiro, João Donato) (2:18)
10. Até Quem Sabe? (Lysias Ênio, João Donato) (2:11)
11. Mentiras - com Nana Caymmi – (João Donato, Lysias Ênio) (4:15)
12. Cadê Jodel? (Marcos Valle, João Donato) (2:01)
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Ouça:
João Donato Quem é Quem



Jornalista gaúcho, Márcio Pinheiro é especialista na área de jornalismo cultural, principalmente literatura, história, televisão e música. Em duas décadas de profissão, passou pelas redações de Zero Hora, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Gazeta Mercantil, RBS TV e TVCOM, além de ter colaborado com sites, jornais e revistas como Usina do Som, Jornal Musical, O Estado de S. Paulo, Showbizz, Placar e Revista Imprensa. Realiza trabalhos de redação e edição de textos para diferentes publicações e projetos em TV e cinema, tendo escrito o roteiro dos documentários “Mais uma Canção", sobre o cantor e compositor gaúcho Bebeto Alves, de 2013, e o premiado “Renato Borghetti - Quarteto Europa”, de 2010. Ocupa há cerca de 3 anos e meio o cargo de coordenador do Livro e da Literatura da Secretaria de Cultura de Porto Alegre.


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bento Jazz & Wine Festival - Casa das Artes - Bento Gonçalves/RS (19, 20 e 21/11/2021)

 

Estive no último final de semana em Bento Gonçalves acompanhando a segunda edição do Bento Jazz & Wine Festival, que tem a curadoria do meu amigo Carlos Badia. Depois de uma abertura festiva com o Secretário da Cultura, Evandro Soares, o ex-prefeito Guilherme Pasin e do atual Diogo Siqueira, foi feita a homenagem à pianista, tecladista e cantora Ana Mazzotti, que deu nome ao palco da Rua Coberta. Pra começar a função na sexta-feira, tivemos o Quarteto New Orleans, formado por Roberto Scopel no trompete; Luis Carlos Zeni no sax tenor; Jhonatas Soares na tuba e Edemur Pereira, na percussão. Nos moldes da POA Jazz Band, o grupo toca clássicos do dixieland, como a clássica "When The Saints Go Marching In". No final da apresentação, o Quarteto New Orleans desceu do palco e se misturou ao público, bem ao estilo da cidade americana. 

Na sequência, no palco do teatro da Casa das Artes - um moderno centro cultural incrustrado na Serra - o Quartchêto iniciou as comemorações de seus 20 anos de estrada. Com sua formação inusitada de trombone, violão, acordeon e bateria e percussão, a banda desfilou composições de seus três discos com destaque para "Mas Tá Bonito". A novidade nesta apresentação foi a adição de Matheus Kleber no acordeon em substituição a Luciano Maia, que segue sua carreira solo. Como sempre, o Quartchêto demonstrou sua competência em mesclar os ritmos gaúchos à sonoridade do trombone de Julio Rizzo. Hilton Vacari mantém a base rítmica enquanto Ricardo Arenhaldt mostra todo o veneno do percussionista brasileiro. 

Depois tivemos uma das surpresas do festival: o trio Blue Jasmine, formado por Fran Duarte na voz, Débora Oliveira na harmônica e Karina Komin na guitarra. As meninas fizeram um repertório de blues, R&B e rock com segurança e musicalidade. Entre as músicas apresentadas, estava "See See Rider", gravada originalmente pela blueseira Ma Rainey. A primeira noite foi fechada pelos caxienses do De Boni Quarteto. Liderada pelo acordeonista Rafael De Boni, a formação, que tem ainda Lázaro Rodrigues na guitarra, Gustavo Viegas no baixo elétrico e Cristiano Tedesco na bateria, passeia pelas sonoridades portenhas, com forte influência de Astor Piazzolla. 

A El Trio, abrindo a tarde de sábado com jazz moderno

A tarde de sábado iniciou com as evoluções jazzísticas do DJ Zonatão, tocando Miles Davis, Jeff Beck e George Benson. A música ao vivo começou com El Trio, que tem Leonardo Ribeiro no violão e voz, Cláudio Sander nos saxes tenor e alto e Giovani Berti na percussão. Com forte acento nos ritmos latino-americanos, o El Trio também acerta no repertório de clássicos do jazz como "Tutu", de Miles, e "A Night in Tunisia", de Dizzy Gillespie. Leonardo mantém a harmonia e Giovani no ritmo, enquanto Sander mostra porque é um dos melhores saxofonistas do estado. 

O trio de Leonardo Bitencoutrt
Seguiu-se o Mazin Silva Trio, com o guitarrista de Blumenau com um trio integrado por Caio Fernando no Baixo e o sensacional Jimi Allen na bateria. Mazin circulou pelas composições de seus inúmeros discos, com muita qualidade instrumental, mesmo que calcada nas sonoridades de Pat Metheny. Um dos grandes pianistas da novíssima geração da música gaúcha, Leonardo Bittencourt, apresentou um trio All-Star com seu colega de Marmota, André Mendonça no baixo acústico, e a revelação da bateria dos últimos anos, o riograndino Lucas Fê. Eles interpretaram standards do jazz com altíssima octanagem. 

Uma das bandas mais interessantes surgidas no Rio Grande do Sul, o Quinteto Canjerana cativou o público da Rua Coberta com as músicas de seus dois discos gravados. Com Zoca Jungs na guitarra, violão e viola; Maurício Horn no acordeon, Alex Zanotelli no baixo elétrico, Maurício Malaggi na bateria e Fernando Graciola no violão, o grupo mostrou como se pode fazer música gaúcha instrumental contemporânea, dosando as sonoridades dos ritmos do Sul com uma abordagem moderna. A noite de sábado encerrou com um dos destaques de todo o festival, o violonista Lúcio Yanel. Argentino mas radicado há 38 anos aqui no Brasil, Yanel deu uma verdadeira aula do violão portenho e pampiano, passando por chacareras, milongas e valsas. Somente com seu violão, o músico conseguiu fazer com que o público ficasse hipnotizado com sua técnica exuberante. 

Yanel: aula de violão portenho

O domingo começou com o trio de Bento Teia Jazz, que misturou composições próprias com standards. A proposta é interessante e mais estrada vai solidificar o som do grupo. O blues esteve representado pelo Alê Lucietto Trio que interpretou Muddy Waters, Jimi Hendrix e Eric Clapton junto com músicas da banda e animou o público com uma linguagem mais roqueira. 

Um dos shows mais esperados do Bento Jazz & Wine Festival foi o de Renato Borghetti Quarteto, que mostrou uma grata surpresa: a participação de Jorginho do Trompete, substituindo o flautista e saxofonista Pedrinho Figueiredo, que estava em outro compromisso. Foi muito interessante ver e ouvir como as composições de Borghetti como "Passo Fundo" e "Milonga Para as Missões" se modificaram com a sonoridade rascante do trompete. Acompanhando os dois e mostrando suas habilidades musicais, estiveram os habituais Daniel Sá ao violão e Vitor Peixoto ao teclado. 

Após a música vibrante de Borghettinho, o teatro da Casa das Artes recebeu um dos grupos mais instigantes surgidos no estado, a Marmota. Com os integrantes Leonardo Bittencourt e André Mendonça, que já haviam participado no sábado, tivemos o baterista Bruno Braga e o substituto de Pedro Moser, a revelação Lucas Brum na guitarra. Este se mostrou plenamente integrado ao intrincado e desafiador som da banda. Apresentando as músicas de seus dois discos, "Prospecto" e "À Margem", o quarteto ainda deu lugar a novas composições. O público aplaudiu de pé as evoluções instrumentais de rapaziada. 

Para fechar o Bento Jazz & Wine Festival, o palco da Rua Coberta recebeu o Paulinho Cardoso Quarteto em sua formação clássica: Paulinho no aocrdeon, Zé Ramos na guitarra, Miguel Tejera no baixo e Daniel Vargas na bateria. Fazendo sua mistura bem sucedida de música regional com ritmos brasileiros, o grupo foi o perfeito fechamento para três dias de intensa atividade musical. Obrigado, Carlos Badia, e à cidade de Bento Gonçalves por abrir espaço para o instrumental, especialmente após a pandemia. Esperamos ansiosamente a terceira edição do evento em 2022.

Confira mais fotos dos shows do Bento Jazz & Wine Festival:







Paulo Moreira
fotos: Facebook Bento Jazz & Wine Festival
(@bentojazzwine) 



segunda-feira, 18 de junho de 2018

Nei Lisboa - Show "Duplo H" - Teatro Renascença - Porto Alegre/RS (12/06/2018)




Sou daqueles diletantes que comemoram datas de aniversários dos discos que gosto. Tenho feito isso direito no Clyblog por meio, principalmente, de resenhas da seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, que me dão oportunidade de falar a respeito de obras que admiro e ainda homenageá-las por estarem completando alguma idade fechada. Agora, nas comemorações de 10 anos do blog, tivemos o prazer de ter um desses discos aniversariantes resenhado pelo músico, escritor e jornalista Arthur de Faria: o “Hein?!”, do Nei Lisboa, que completa 30 anos de lançamento em 2018. Pois que, justo no Dia dos Namorados, tive – junto com Leocádia Costa, obviamente –, a felicidade de conferir pela primeira vez um show desse talentoso artista gaúcho especial não somente às três décadas do referido “Hein?!” como, igualmente, aos 20 de outro ótimo trabalho de sua discografia: o ao vivo “Hi-Fi”.

O show, muito bem intitulado “Duplo H”, referência às letras iniciais em comum do título de cada disco, fez lotar o Teatro Renascença em duas sessões naquele dia, sendo a anterior a que assistimos extra, devido à grande procura. Tocando os dois discos inteiros e na sequência, um simpático e sempre sagaz Nei Lisboa hipnotizou o público com o repertório ao mesmo conhecido, mas capaz de emocionar ao ser reouvido – ainda mais considerando a egrégora particular da ocasião.

Com Nei e Paulinho Supekóvia no violão/guitarra e Luis Mauro Filho ao piano/teclados, a apresentação deu a largada, conscientemente, pelas 14 faixas de “Hi-Fi”, cujo formato acústico original mostrou-se ideal para “começar os trabalhos” e por caber mais a este tipo de formação do conjunto. Os standarts, hits e AOR da música pop internacional, muito bem pescados por Nei para o set-list de “Hi-Fi”, são imbatíveis, visto que muito afins com o estilo e gosto pessoal dele. Tocando e, principalmente, cantando muito bem, Nei e a banda executaram as versões já tão queridas quanto suas originais, oscilando entre o folk, o blues, o country rock e as baladas no estilo da “Mellow Mafia” dos californianos anos 60/70. Casos de “Everbody's Talking”, do norte-americano Fred Neil; a linda “Summer Breeze”, da dupla setentista Seals & Croft; a beatle “Norwegian Wood”; “Fifity Ways to Leave you Lover”, do craque Paul Simon; e a sensibilíssima releitura de “Still... You Turn Me On”, da Emerson, Lake & Palmer.

Nei, ao centro, com sua enxuta e competente banda
Isso sem falar na emocionante “Cool Water”, de Bob Nolan e imortalizada na voz de Joni Mitchell, no reggae estilizado para “I Shot the Sherif”, de Bob Marley, no bluesão “Walking Away Blues”, de Ry Cooder, e em “Ruby Tuesday”, dos Rolling Stones, que, segundo Nei, embora não tenha entrado no show acústico em 1998, foi gravada em estúdio obedecendo a mesma ideia de arranjo, pois, “se tinha Beatles, não poderia faltar uma dos Stones”.

Completado “Hi-Fi”, agora era partir para as desafiadoras 11 faixas de “Hein?!”. Desafio duplo: primeiro, porque a formação do grupo não contava com bateria, fator essencial para a sonoridade do disco de 1988. “Como Nei vai resolver o arranjo?”, perguntava-me enquanto curtia o primeiro “H” da noite. O segundo desafio era mais íntimo ao próprio autor, uma vez que o disco foi composto sob a aura de uma tragédia na vida de Nei: a perda da então namorada, Leila Espellet, com quem se acidentou de carro na estrada, matando-a. “Como está o coração dele hoje, passadas três décadas, depois daquele acontecimento fatal? O que guarda no peito ainda: culpa, remorso, saudade, serenidade?”, passava-me à mente.

Parte da resposta veio na conversa com a plateia antes de começarem os números. De forma muito aberta e bonita, Nei pediu uma salva de palmas à memória da ex-companheira e executou na íntegra aquela que é apenas uma vinheta de abertura no álbum, “Zen”, escrita para o filho de Leila, à época com apenas 6 anos de vida. A música, a qual não conhecia por completo, apenas os poucos versos que foram parar na edição final de “Hein?!”, são um tocante recado de conforto de um padrasto talvez tão perdido e triste quanto àquele então pequeno órfão. “A vó da gente é mãe/ Da mãe da filha/ A filha da tia/ O pai do filho/ O espírito são/ Gente do bem, do mal/ Gente gorda, gente fina/ Quando vai pro céu/ O céu se ilumina”, diz a letra. Noutra parte (que também não consta no disco), Nei mostra o quanto aquelas palavras são tanto para ele quanto para o garoto: “Não tem desculpa, não tem culpa/ A culpa é sempre minha/ A culpa é da vizinha/ É uma chatice infernal.”

Um show carregado de canções fortes e emocionais já começou assim! O coração seguiu batendo forte com “No Fundo” e a brilhante faixa-título, uma das melhores do cancioneiro do gaúcho de Caxias do Sul. Nela foi possível conferir o acerto na escolha do arranjo, visto que se trata de uma música-chave do disco e que, se não funcionasse sem a bateria (possante nas baquetas de Renato Mujeiko no disco de 1988), correria sério risco de perder intensidade e, por consequência, identidade. Não foi o que aconteceu. Harmonizando com o arranjo dado à primeira parte do show, o formato violão/guitarra/teclado se encaixou muito bem também na segunda metade da apresentação. A mesma sensação ficou em outras duas igualmente adoradas por mim e pela plateia: a sentida “Nem Por Força” (“Nem por força do diabo/ Eu volto a vegetar/ Nessas malditas esquinas/ Na pressa de te encontrar”) e “A Fábula (Dos 3 Poréns”), debochada mas igualmente ferida pela perda que a motivou ser escrita: “Quebrei uns vinte, trinta espelhos/ De perguntar/ Se tinha alguém mais bela que ela/ Noutro lugar/ Comi todas maçãs da feira/ Pra adormecer/ E em vez do príncipe encantado/ Veio um baixinho assim”.

“Faxineira”, um blues elétrico, ganhou uma sonoridade de piano-bar muito adequada, além de uma leve modernização na letra que, segundo Nei, são para a “faxineira empoderada” dos tempos atuais. Outras que sofreram adaptação para o arranjo foram a country-rock “Fim do Dia”, menos acelerada, e o sucesso “Telhados de Paris”, que, embora parecesse a mais fácil de se adaptar – haja vista que é originalmente só no violão e voz –, ganhou o acertado acompanhamento do piano de Mauro Filho e teve a linha vocal levemente modificada. Nada que comprometesse um dos hinos da Porto Alegre moderna.

Mas os questionamentos que levantei intimamente no início do show sobre o envolvimento emocional de Nei Lisboa com o marcante motivo de “Hein?!”, mesmo que não tenham sido respondidos totalmente, deram-me a entender que permanecem de alguma maneira ainda latente nele, homem amadurecido e vivido em relação àquela época da composição do disco, anos 80. O que talvez tenha me passado a impressão de que as baladas não eram de uma época, assim, tão remota foi a supressão dos últimos versos de uma das preferidas da galera: “Baladas”. Emotiva, a canção fala sobre a referida perda de Leila e a briga interna para manter-se íntegro e desvencilhado do passado. Porém, os versos de “Baladas” escritos depois do acidente, como relatou Arthur de Faria, desta vez não foram cantados: "Só, muito além do jardim/ Viajo atrás de sombras/ Não sei a quem chamar/ Mas sei que ela diria ao acordar/ ‘Tudo bem/ Você me arrasou, meu bem/ E qualquer dia desses eu como as tuas bolas/ Mas agora esqueça o drama na sacola/ Não puxe o cobertor/ Não tape o sol que resta nessa dor’/ Foi bom: não durou”.

Se Nei optou por não cantá-los por não enxergar-lhes mais sentido ou por qualquer outro motivo, os da talvez ainda mais carregada “Teletransporte nº 4” foram ditos na íntegra. Faixa que finaliza o disco num clima de balada triste, foi tocada exatamente como é originalmente: violão, guitarra, piano e muita dor. E que versos fortes! “Porém o céu parece estúdio/ Nem o silêncio não diz nada/ Mesmo essas frases vão pro lixo/ São como lenços de papel/ Ainda por cima aquelas pernas/ Algumas coisas serão eternas/ Que bela ideia acreditar/ Que o mundo te aprendeu.” Para arrebatar os corações apaixonados em pleno 12 de junho.

Depois de 25 sessões em que a carga emocional só foi aumentando, partindo das músicas de “Hi-Fi” para as de “Hein?!”, Nei Lisboa encerra com uma que não entrou no repertório do primeiro por acaso: “Live and Let Die”, de Paul McCartney, numa competentíssima versão que dispensou até a orquestra que embala as aventuras de James Bond. Show perfeito do início ao fim deste que é um dos ícones da cultura de Porto Alegre. Se já tinha assistido ao vivo Tangos & Tragédias, Replicantes, De Falla, Renato Borghetti e Orquestra da Ospa na Praça da Matriz, faltava-me um show de Nei Lisboa para completar a lista dos patrimônios culturais da minha cidade. Uma estreia de luxo.

SET-LIST:

"Hi-Fi":
1 Everbody's talking   
(Fred Neil)
2 Bennie & The Jets  
(Bernie Taupin, Elton John)
3 Summer breeze  
(Dash Crofts, Jim Seals)
4 Norwegian wood  
(John Lennon, Paul McCartney)
5 Sometimes it snows in April  
(Lisa Coleman, Rogers Nelson, Prince, Wendy Melvoin)
6 Fifty ways to leave your lover   
(Paul Simon)
7 I'm having a gay time  
(Alberta Hunter)
8 That's why God made the movies  
(Paul Simon)
9 Walking away blues  
(Ry Cooder, Sonny Terry)
10 Still... you turn me on  
(Lake)
11 Cool water  
(Nolan)
12 Ventura highway  
(Deney Bunnel)
13 I shot the sheriff   
(Bob Marley)
14 Ruby Tuesday  
(Mick Jagger, Keith Richards)


"Hein?!"
15 Zen [Vinheta] 
16 No fundo 
17 Hein!? 
18 Nem por força 
(Ricardo Cordeiro, Nei Lisboa)
19 A fábula [Dos três poréns] 
20 Faxineira 
21 Baladas 
22 Rima rica / Frase feita 
23 Fim do dia 
24 Telhados de Paris 
25 Teletransporte n 4 
(Glauco Sagebin, Nei Lisboa)
Todas composições de Nei Lisboa, exceto indicadas

Bis:
26. Live and Let Die
(Paul McCartney) 



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa