Depois do excelente "Daydream Nation" ter encantado e conquistado público e crítica, passou a haver uma grande expectativa em torno do seu sucessor. O Sonic Youth já vinha trilhando um caminho muito interessante com seu rock cheio de distorção e texturas mantendo um bom nível de qualidade, de evolução, mas ficava a dúvida se conseguiriam fazer algo à altura do genial trabalho anterior. Sem entrar no mérito de melhor ou pior, o que pode-se dizer, no mínimo de "Goo" (1990), disco ao qual coube a difícil tarefa sucessória, é que ele não decepcionava nem um pouco. Muito pelo contrário! Confirmava as virtudes, ratificava os acertos, mantinha as principais características, não abria mão do experimentalismo, da ousadia e da originalidade e assim consolidava de vez uma identidade.
"Dirty Boots", uma canção tipicamente sonicyouthinana, abre o disco com força já apresentando um ótimo cartão de visita; "Tunic" com vocal sensual e sussurrado de Kim Gordon, trata de frustrações, expectativas e depressão; "Mary-Christ" traz um formato verso-resposta muito utilizado pelos Pixies também; e "My Friend Goo", apesar de inspirar o nome ao disco não é mais que uma boa coadjuvante.
Em "Kool-Thing", um dos grandes momentos do ábum, Kim divide os vocais com Chuck D, do Public Enemy, antecipando uma tendência que seria muito comum nos anos 90 de bandas alternativas fazerem parcerias com artistas de rap ou hip-hop fundindo seus ritmos e características. Na fantástica "Mote", depois de um trecho inicial bem ritmado com uma levada punk empolgante, não tem o mínimo pudor nem preocupação de usar praticamente metade de sua duração apenas numa nuvem de ruídos e dissonâncias cada vez mais densa, prática que cada vez mais se consolidaria como uma marca da banda e que é repetida no disco ainda na curta vinheta "Scooter + Jinx".
Com baixo marcante, a estrutura crescente e progressiva de "Midred Pierce culmina numa explosão sônica, violenta, enlouquecida e ensurdecedora consistindo num dos momentos mais espetaculares e surpreendentes do disco nesta que é uma das minha preferidas; e o álbum encerra com "Titanium Exposé" de estrutura complexa e movediça com Thruston Moore fazendo os vocais principais e Kim dando sua contribuição nos refrões.
Grande disco e grande capa. A ilustração de Raymond Pettibon de um casal de criminosos que universo rock. Eu mesmo, fã do disco e da ilustração, SEMPRE tenho uma camiseta do "Goo". E quando eu digo sempre, quero dizer que quando uma mancha, rasga, fica velha demais, eu compro outra. É, sem dúvida, uma das minhas capas preferidas e, musicalmente falando, um dos xodós da minha discoteca.
*******************
FAIXAS:
"Dirty Boots" (letra/vocal Moore, voz de fundo Gordon) – 5:28
"Tunic (Song for Karen)" (letra/vocal Gordon) – 6:22
"Mary-Christ" (letra Moore, vocal Moore e Gordon) – 3:11
"Kool Thing" (letra/vocal Gordon e Chuck D como convidado) – 4:12
"Mote" (letra/vocal Ranaldo) – 7:37
"My Friend Goo" (letra/vocal Gordon, voz de fundo Moore) – 2:19
"Disappearer" (letra/vocal Moore) – 5:08
"Mildred Pierce" (letra/vocal Moore) – 2:13
"Cinderella's Big Score" (letra/vocal Gordon) – 5:54
"Scooter + Jinx" – 1:06
"Titanium Exposé" (letra/vocal Moore e Gordon) – 6:24
Prontos para a segunda dose? É, minha gente, tem segundo turno, sim, e o MDC está aqui pra ajudar a engolir essa e seguir em frente, que vem mais por aí. Nesse empenho conosco estão Criolo, Herbert Vianna, Public Enemy, Bill Withers, Simply Red e mais. A gente também chamou o Síndico Tim Maia, que completaria 80 anos se vivo, pra uma participação no Sete-List. Com o copo meio cheio, o programa de hoje vai ao ar às 21h na etílica mas sóbria Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. Estão servidos?
Não é só porque o caos tá instaurado e você não tem o que fazer isolado em casa por causa do Coronavírus: é porque a melhor programação dessa quarta à noite é mesmo o Música da Cabeça. Vê só como a gente tem razão: vai ter Public Enemy, Queen, Raul Seixas, Gene Clark, Aracy de Almeida, Tom Zé e mais. Ainda, tem os quadros fixos de sempre e um "Cabeça dos Outros". Curte a quarentena escutando o MDC às 21h, na desinfectada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e potinho de álcool gel: Daniel Rodrigues.
“Refrigere minha alma e guia-me pelo caminho da justiça.”
– Salmo 23,
capítulo 3
“Ilumina minha alma, louvado seja o meu senhor/ Que não deixa o mano
aqui desandar/ E nem sentar o dedo em nenhum pilantra/ Mas que nenhum filha da
puta ignore a minha lei.”
– Da letra de “Capítulo 4, versículo 3”
Era Réveillon de 1997. Após
muitas cervejas, samba, risadas e conversas altas no volume típico da minha
família, pouco depois da virada do ano, nas primeiras horas de 1998, meu primo-irmão
Leandro “Lê” Reis Freitas me chama para dentro da casa ao lado da garagem onde
todos se reuniam. Fugíamos um pouco da algazarra, pois Lê queria me mostrar
algo para se ouvir com atenção. Olhando-me com convicção e euforia, ele me disse:
“Dã, tu tem que ouvir isso!”. Era um
disco. Um disco de rap chamado “Sobrevivendo
no Inferno”, dos Racionais MC’s,
que completa 20 anos em 2017.
Sabia que ele curtia
bastante rap, então não estranhava que quisesse me apresentar algum artista. Geralmente,
não me animava tanto, admito, haja vista que o rap nacional sempre me parecia ficar
bastante a dever ao dos Estados Unidos e principalmente ao Public Enemy, meus
preferidos do estilo até hoje. Mas aquilo que Lê me mostrava era, definitivamente,
diferente. O início salta com um “Ogunhê!”, a saudação ao orixá Ogum do
Candomblé. Imediatamente, começa um rap arrastado feito sobre a base de “Ike’s
Rap 2”, de Isaac Hayes – o mesmo sample
usado em “Glory Box”, do Portishead, e “Hell Is Round the Corner”, do Tricky.
Era uma versão originalíssima de “Jorge da Capadócia”, de Jorge Ben. Agradou-me
bastante, mas Lê me alertou: “Essa é
legal, mas o melhor vem a partir de agora”.
Sim, o melhor vinha em
seguida. Após um prólogo interessantíssimo, muito bem escrito e revelador (a
vinheta “Gênesis”), a faixa seguinte trazia em sua letra o mais pungente e
expressivo manifesto escrito no Brasil depois do Antropofágico, do Concretista
e do Tropicalista. E mais: sem ter a intenção de ser um manifesto propriamente
dito, o que aumenta ainda mais sua força. Ali, falava-se de algo que estava
grudado na garganta há muito tempo, bem dizer, desde que os escravos vieram
para o Brasil, séculos atrás. Desde que, alforriados, os negros permaneceram na
miséria por descaso do estado. Num trecho, a letra diz: “Minha intenção é ruim/ Esvazia o lugar/ Eu tô em cima, eu tô afim/ Um,
dois pra atirar/ Eu sou bem pior do que você tá vendo/ O preto aqui não tem dó/
É 100% veneno/ A primeira faz ‘bum’, a segunda faz ‘tá’/ Eu tenho uma missão e não
vou parar”. Era “Capítulo 4, Versículo 3”, a brilhante canção que mostrava,
com todas as letras, que os Racionais, formado pelos mc’s Mano Brown, Edi Rock
e Ice Blue e o DJ KL Jay, realmente tinham uma missão. E que não iriam parar.
Enquanto a noite seguia
animada lá fora, Lê e eu ouvíamos de cabo a rabo o longo 5º disco dos
Racionais, o ápice da maturidade dos rapazes da Zona Sul paulista e o melhor
disco de rap brasileiro de todos os tempos, 14º colocado na lista da revista
Rolling Stone dos 100 melhores álbuns da história da música brasileira.
Tínhamos a noção de que estávamos diante de algo diferenciado e revolucionário.
Além da qualidade técnica nunca antes atingida no rap no Brasil, com samples bem escolhidos e elaborados,
densidade sonora e produção impecável do próprio KL Jay, “Sobrevivendo...” era
um grito até então ensurdecido. O grito da periferia – em sua grande parte,
negra. Um grito de revolta e ressentimento pelo apartheid social brasileiro; um grito agressivo contra a
desigualdade de classes; um grito de protesto contra a repressão da polícia e
do estado. Mas tudo traduzido em poesia, musicalidade, criatividade. “Sobrevivendo...” propunha
uma revolução ideológica.
Os anos 90, primeira década da
democracia no Brasil, traziam nas rádios o samba “embranquecido” do pagode e o
conveniente “rap de classe média” de Gabriel O Pensador. Ou seja: os pretos
mesmo não estavam representados. Precisou que o rap levantasse a bandeira, e os
Racionais MC’s cumpriram essa função abrindo definitivamente um novo paradigma
para a música brasileira em temas como “Diário de um Detento”, “Mágico de Oz”,
“Fórmula Mágica da Paz” e a já mencionada “Capítulo 4...”. Nelas fala-se
abertamente sobre o racismo e a miséria na periferia de São Paulo, marcada pela
violência e pelo crime, numa representação muito maior do que somente aquilo: era um
retrato da sociedade brasileira.
Outra das melhores do disco
e da banda, "Tô Ouvindo Alguém me Chamar" disseca a vida de um
assaltante, homem pobre que, ao contrário do irmão advogado, escolheu o caminho
do crime. A narrativa de Brown é brilhantemente contada em fluxo de consciência
a partir do momento da morte do protagonista, engendrando uma sucessão de flashbacks que vão construindo a
história. A batida (tirada de “Charisma",
de Tom Browne) ganha sons de pulso cardíaco, que dialoga
metalinguisticamente com o tema. A dramaticidade da saga do marginal é uma
aula de escrita. Afundado nas drogas e na criminalidade, ele é morto com a mesma
arma que um dia havia presenteado seu parceiro de delinquência (o Guina, único personagem
que o nome mencionado). A recorrente referência ao irmão, cuja figura se
confunde com a do parceiro, com a do pai e do sobrinho, é tocante, como nesta
passagem, quando o criminoso, agonizando, percebe que já está na berlinda: “Meu irmão merece ser feliz/ Deve estar a
essa altura/ Bem perto de fazer a formatura/ Acho que é direito, advocacia/
Acho que era isso que ele queria/ Sinceramente eu me sinto feliz/ Graças a
Deus, não fez o que eu fiz/ Minha finada mãe, proteja o seu menino/ O diabo
agora guia o meu destino”.
De fato, muito dos Racionais
se deve à cabeça privilegiada de Mano Brown. Ele é o rapper que superou o discurso rebelado mas geralmente pouco
articulado do hip hop brasileiro, abrindo caminho para gente como Emicida e
Criolo. Brown é, sem medo de errar, um dos maiores escritores brasileiros da
atualidade – léguas à frente de nomes celebrados da literatura como Paulo
Coelho, Fabrício Carpinejar ou Martha Medeiros. Para se ter ideia, segundo pesquisa da revista
Billboard Brasil do ano passado, ele figura entre os 50 artistas mais completos
do país. Suas letras trazem uma improvável e incomparável mistura de consciência
social e racial e ativismo político com pitadas de religiosidade católica, evanvélica e
afro misturadas ao melhor português, seja o culto ou o vulgar. Tudo como muita
contundência e até agressividade. “Minha
palavra vale um tiro e eu tenho muita munição”, diz um de seus versos.
Essa força expressiva está no
maior clássico do disco, canção de muito sucesso à época: “Diário de um
Detento”. Quase uma versão musical do livro “Estação Carandiru”, de Dráuzio
Varella, a música de Brown, realista e crítica, amarra a narrativa de
depoimentos do ex-presidiário Jocenir. Sobre o sample de “Easin' In”, de Edwin Starr, é uma carta que perpassa o
dia anterior ao massacre do Carandiru (2 de outubro de 1992) até o dia seguinte
à tragédia, 3. A abertura é inesquecível: “São
Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8 horas da manhã/ Aqui estou, mais um dia/
Sob o olhar sanguinário do vigia/ Você não sabe como é caminhar/ Com a cabeça
na mira de uma HK/ Metralhadora alemã/ Ou de Israel/ Estraçalha ladrão que nem
papel”. Uma “rima preciosa” – tipo que uniformiza palavras de idiomas
distintos –, vem logo na sequência: “Na
muralha, em pé, mais um cidadão José/ Servindo o Estado, um PM bom/ Passa fome, metido a Charles Bronson”. Outros trechos, cujas sentenças são
verdadeiros petardos, impressionam igualmente: “Sua cara fica branca desse lado do muro” ou “Já ouviu falar de Lúcifer?/ Que veio do Inferno com moral um dia/ No
Carandiru, não, ele é só mais um/ Comendo rango azedo com pneumonia” ou
ainda “O ser humano é descartável no
Brasil/ Como Modess usado ou Bombril.”
A onomatopeia “Ratátátá”, repetida algumas vezes e que
vai se avolumando no decorrer da letra, ao mesmo tempo dá a ideia do trem que
passa em frente ao presídio, elemento que simboliza a tortuosa passagem do
tempo na prisão, quanto o som de tiros, como um prenúncio da chacina. Ali,
naquela realidade, o destino inevitável é a morte. Vendo nos noticiários as
rebeliões e acontecimentos violentos ocorridos em vários presídios brasileiros
nos últimos tempos, “Diário...” parece lamentavelmente atual.
Se Brown apavora com canções
como esta, Edi Rock, entretanto, não fica muito para trás. Mais fraco em termos
letrísticos, ele ganha na criatividade das melodias e na voz potente. “Periferia
é Periferia (Em Qualquer Lugar)” é um caso: baseada num tema de Curtis
Mayfield, sampleia uma série de outros rap’s brasileiros, como os pioneiros
Thaíde e DJ Hum, Sistema Negro e MRN. Já “Rapaz Comum” tem uma pegada mais gangsta ao samplear Dr. Dre e Snoop Dogg,
retrazendo o mote de “Tô Ouvindo...” ao relatar, na 1ª pessoa, os momentos de
agonia de “um preto a mais no cemitério”.
É dele também o ótimo instrumental e "Qual Mentira Vou Acreditar?",
parceria com Brown e a faixa mais light
do repertório. A letra conta as funções de festas e pegações, mas nem por isso
deixa de tocar no tema do racismo, como nesta engraçada passagem em que Ice
Blue relata a Edi um episódio em que levava uma “mina” no carro. “Eu ouvindo James Brown, pá.../ Cheio de
pose/ Ela perguntou se eu tenho, o quê? Guns N' Roses?/ Lógico que não!/ A mina
quase histérica/ Meteu a mão no rádio e pôs na Transamérica/ Como é que ela
falou?/ Só se liga nessa/ Que mina cabulosa/ Olha só que conversa/ Que tinha
bronca de neguinho de salão, (não)/ Que a maioria é maloqueiro e ladrão (aí
não)/ Aí não mano! Foi por pouco/ Eu já tava pensando em capotar no soco”.
“Mágico de Oz”, outra de Edi
(“Queria que Deus ouvisse a minha voz/ E
transformasse aqui no mundo Mágico de Oz”), é mais um sucesso de
“Sobrevivendo...”. Evidencia o mundo desamparado da mendicância infantil e a
falta de esperança e horizonte de quem nasce na pobreza. Por falar em “magia”,
Mano Brown manda a última joia do disco: “Fórmula Mágica da Paz”. Espécie de
autobiografia, canta a reflexão do próprio autor quando se deparou com a
fronteira entre o crime ou o “caminho do bem”. Com um fluxo narrativo
impressionante, Brown relembra: “Não tava
nem aí, nem levava nada a sério/ Admirava os ladrão e os malandro mais velho/
Mas se liga, olhe ao seu redor e me diga/ O que melhorou? Da função, quem
sobrou?/ Sei lá, muito velório rolou de lá pra cá/ Qual a próxima mãe que vai
chorar?”. Momentos trágicos, como o de um “rapaz comum” da comunidade que
morre baleado, o fazem pensar: “Na parede
o sinal da cruz/ Que porra é essa? Que mundo é esse?/ Onde tá Jesus?/ Mais uma
vez um emissário/ Não incluiu Capão Redondo em seu itinerário/ Porra, eu tô
confuso/ Preciso pensar/ Me dá um tempo pra eu raciocinar/ Eu já não sei
distinguir quem tá errado, sei lá/ Minha Ideologia enfraqueceu/ Preto, branco, polícia,
ladrão ou eu”. Os questionamentos, entretanto, logo dão lugar à consciência:
“Agradeço a Deus e aos Orixás/ Parei no
meio do caminho e olhei pra trás/ Meus outros manos todos foram longe de mais/ ‘Cemitério
São Luis, aqui jaz’.”
“Salve” repete a base de
“Jorge...”, finalizando o disco de rap mais vendido da história mesmo que por
um selo independente, Cosa Nostra, ou seja, sem a estrutura de uma grande
gravadora por trás. Oficialmente, foram 1,5 milhão de cópias comercializadas,
porém, não se contabilizam aí os outros milhões de cópias ilegais, uma vez que se
estava no auge da pirataria de CD’s no Brasil à época – nós mesmos, Lê e eu,
ouvíamos um pirateado naquela fatídica noite de 1º de janeiro.
Mesmo que criticável pelo
discurso de “vingança racial”, pela apologia ao ódio ou até da visão machista e
homofóbica por vezes, é inegável a importância do papel que cabe aos Racionais
MC’s na cultura pop brasileira nesses últimos 20 anos desde que
“Sobrevivendo...” foi lançado. Afinal, uma voz calada por tanto tempo e das
maneiras mais cruéis que o ser humano é capaz, caso do povo africano e seus
descendentes diretos, quando posta para fora, só pode vir carregada de coisas
boas e ruins. A causa dos direitos humanos é mais valiosa do que qualquer coisa
quando a mesma é subvertida. A única solução é a reação. Confesso que, naquela primeira
audição, o discurso maniqueísta me chocara. Mas quem sou eu, um “mano” cuja
história de vida sempre teve boas condições sociais (ou seja: protegido de uma
série de constrangimentos e humilhações), para julgar? Neste sentido, o rap brasileiro dos
anos 90, capitaneado pelos eles, alinhou-se ao que o samba do morro representou
ao longo do século XX: a resistência. Se o samba agoniza mas não morre, o rap
sobrevive e mata. E se hoje se fala tanto e com propriedade de “empoderamento”
das minorias e “orgulho negro”, a tal missão que os Racionais se impuseram,
violentamente pacífica, foi cumprida com êxito.
Racionais MC's -"Diário de um Detento"
*****************************
FAIXAS
1. Jorge da Capadócia (Jorge
Ben)
2. Gênesis (Mano Brown)
3. Capítulo 4, Versículo 3
(Brown)
4. Tô Ouvindo Alguém Me Chamar (Brown)
5. Rapaz Comum (Edi Rock)
6. Instrumental (Rock)
7. Diário de Um Detento
(Brown/ Jocenir)
8. Periferia é Periferia (Em
Qualquer Lugar) (Rock)
“Ai o cara assiste o show do Dr. Dre, vê os caras saindo de um telão tridimensional, fica inspirado e pensa o seguinte: ‘Vou fazer um Rap, porque rap é o que liga!’ E então o cara acorda!”
Mano Brown
Eu poderia começar esse texto com um milhão de relatos iguais a esse, inclusive o meu, e de outros tantos pretos periféricos que um dia ouviram e sentiram o peso da batida rap e a sensação de ser protagonista de alguma coisa relevante pelo menos uma vez!
Mas estou aqui sentado teclando no meu notebook para falar a história de quatro negros periféricos que foram salvos pelo rap: os Racionais MC’s simplesmente o maior grupo de rap do País, que ultimamente estrearam com um documentário maravilhoso na Netflix, “Racionais - Das Ruas de São Paulo Pro Mundo”, de Juliana Vicente. Lógico, eu assisti e tenho certeza que como os outros tantos pretos que citei antes, eu me identifiquei... mas logo mais eu explico.
Verão de 1988, Vila Jardim, Porto Alegre. Tenho claro em minha memória o dia que ouvi a primeira vez as palavras RAP FUNK SOUL saindo da boca de um falecido primo, o Sandro, Lembro de estarmos nos preparando para ir até a Mariland, uma rua próxima ao Centro Histórico, para ajudar o Sérgio, seu irmão mais velho, a guardar uns carros e fazer uns trocos para ir curtir um baile no Jara Musisom. Naquele momento eu senti a onda funk, o movimento vivo, a mobilização da massa black para ter um momento de diversão, uma folga do sofrimento cotidiano.
Cena do filme com a banda reunida lembrando e refletindo sobre o passado, o presente e o futuro
Os bailes black eram como templos sagrados. Os irmãos vestiam a melhor roupa, erguiam seus black powers e celebravam a vida... Por que estou contando isso?
Porque aconteceu em todo o País, como contam os Racionais no documentário. As equipes de som eram quem faziam os eventos. Elas tinham a máquina nas mãos. Comigo foi a JS Musisom que tive o primeiro contato com o rap sendo feito ao vivo e nós, pretos, às vezes tínhamos uma oportunidade de mostrar na dança ou na expressão falada do rap algum tipo de talento. Nessa época, ainda não conhecíamos Racionais. As rimas eram toscas e feitas basicamente para animar o público. O show era do DJ, Nessa época, conheci o Nego Jay e montamos os Donos da Noite, que veio a ser um embrião da Código Penal.
Lá em São Paulo, os integrantes da Racionais (Mano Brown, Ice Blue, KL Jay e Edi Rock) se encontravam na São Bento, na região central. Aqui, era na Rua dos Andradas, Centro de Porto Alegre, e assim como lá, aqui as equipes davam essa abertura com festivais de música e tudo acontecia. Essa revolução aconteceu meio que simultaneamente em todo mundo, um levante negro como eu vejo acontecendo hoje, em 2022, desde o movimento #Blackslivesmetter até os festivais Afropunk por aí afora.
Mas voltando aos Racionais MCs, vejo organização, vejo atitude, vejo uma revolução necessária para um país recém saído de uma ditadura onde o jovem negro sempre foi visto como marginal, padrão e, mesmo parecendo redundante, não tem como escrever sem comparar a história deles com a minha. Os caras mudaram a forma do Brasil fazer rap, mudaram a linguagem e tiveram a coragem que muitos até hoje não têm.
“Racionais - Das Ruas de São Paulo Pro Mundo”, no Netflix. Imperdível!
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trailer de“Racionais - Das Ruas de São Paulo Pro Mundo”
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Algumas referências:
“Fear of a Black Planet, da Public Enemy
“The Revolution Will not be Televised”, de Gil Scott-Heron
“Hancock
estreita as fronteiras entre o hard
bop,
encontrando brilhantemente um sugestivo equilíbrio entre o bop
tradicional,
injetando-lhe grooves
do soul,
e experimental, jazz pós-modal.”
Stephen
Thomas Erlewine,
crítico musical e biógrafo
O jazz
já era o maior gênero musical norte-americano desde os anos 20, mas
é inegável que as décadas de 50 e 60 foram memoráveis para sua
história. A cada ano, vários artistas – muitos em seu auge;
alguns, iniciando; outros, veteranos em plena forma – lançavam um
ou mais álbuns impecáveis e inovadores, considerados fundamentais
até hoje, fosse pela Impulse!, Blue Note, ECM, Atlantic, Columbia, Verve e outros selos. Destes, a passagem de 1963 para 1964 talvez
seja a que reúna o crème de la creme pós-Segunda Guerra.
Provavelmente, iguale-se apenas ao revolucionário ano de 1959, que
presenteou o mundo com as inovações modais de "Kind of Blue",
do Miles Davis, com o libelo free jazz de “The Shape of Jazz
to Come”, do Ornette Coleman, e o petardo hard-bop “Giant
Steps”, do John Coltrane. Se nem tanto em transformação do
estilo, o quinto ano da década de 60 não fica para trás em
qualidade e importância. Gravaram-se, durante seus 365 dias, por
exemplo, joias como "Night Dreamer", do Wayne Shorter, "Matador",
do Grant Green” (ambos já resenhados aqui nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS), “Out to Lunch”, do Eric Dolphy, e “Witches and Devils”, do Albert Ayler. Todos completando expressivos 50 anos em
2014.
Um dos
mais felizes desses cinquentões foi registrado a 17 dias do mês de
junho daquele fatídico ano para o jazz. Foi quando, pela Blue Note,
um dos maiores mestres da música moderna entrou nos estúdios Van Gelder, em New Jersey, com um timaço que tinha Freddie Hubbard, no
trompete, corneta e flugelhorn,
Ron Carter, no baixo, e Tony Williams, na bateria. Aquele dia
marcaria a sessão de gravação de mais uma obra-prima do jazz:
“Empyrean Isles”, do pianista, compositor e arranjador Herbie Hancock. Um dos mais versáteis, influentes, celebrados e até
controversos ícones da música mundial, Hancock, aos 64 anos de vida
e mais de 50 de carreira, já foi do be-bop ao break,
passando pelo afro-jazz, fusion, funk, modal, clássico e
outros gêneros, seja pilotando o piano ou o sintetizador. E sempre
com a maior integridade, sem perder seu fraseado característico e a
complexidade harmônica inspirada em músicos de diversas vertentes
como Bill Evans, Miles Davis, James Brown, George Gershwin, Tom Jobim e Sergei Rachmaninoff. Como seus mestres, serve de referência não
só para a geração do jazz que lhe sucedera mas, igualmente, a
músicos de outros estilos como Joni Mitchell, Jeff Beck, Stevie Wonder, Brian Jackson, Dom Salvador, Ike White, Marcos Valle, Public Enemy, entre centenas de outros.
Quinto
disco solo do músico, “Empyrean Isles” é o exemplo máximo do
hard-bop hancockiano e cuja influência e profusão através
dos tempos é das mais fortes de sua trajetória ainda em plena
atividade. A começar por dois monumentos do jazz moderno: "One
Finger Snap" e "Oliloqui Valley". A primeira, ritmada
e pulsante, começa com Hubbard arrebentando na corneta sobre uma
base swingada de Williams, que, com as baquetas, conjuga com
equilíbrio caixa, chipô e prato de ataque. Mas, como o próprio
título sugere, a preciosidade está nos dedos de Hancock. Como diria
Ed Motta, “a mão esquerda mais inteligente do mundo”. Um show de
agilidade e engenhosidade de improviso. La no fim, quando se pensa
que tocaram o chorus derradeiro, Tony Williams ainda apresenta
um arrasador solo para, daí sim, desfecharem. Uau!
Já
"Oliloqui...” quem começa incrivelmente é Carter, com seu
toque trasteado inconfundível. Mais cadenciada e bluesy,
nesta é o pianista quem inicia os trabalhos de improvisação,
novamente (e como sempre!) com a mais alta qualidade que se pode
esperar. Um fraseado limpo, cristalino, soul mas erudito ao
mesmo tempo. Hubbard, por sua vez, também não deixa por menos, com
um solo de emoção crescente que concilia lirismo e agilidade. O
mestre Carter, que havia iniciado tão marcantemente a faixa com sua
assinatura sonora, tem a chance de desenvolvê-la ainda mais. É tão
bonito e impactante que o restante da banda para que ele toque,
voltando, em seguida, todo o conjunto ao riff inicial. Mais um
solo de trompete, atilado e curto, para terminar o número em
desce-som.
E o
que dizer da maravilhosa "Cantoloup Island"? Um colosso da
música do século XX. Que base do piano, que harmonia, que groove,
que chorus! Os quatro parecem saber tocar a melodia desde
crianças tamanha a naturalidade do arranjo, que se resolve entre o
quarteto intuitivamente, sabendo com exatidão a hora de cada um
entrar, a precisão da cadência, o ataque ou a supressão certa em
cada solo. No chorus, repetido a cada estampido seco de
Williams na caixa, como um comando, é de uma beleza indecifrável a
delicadeza do quase sugestivo último acorde ao final de cada frase,
pronunciado propositadamente fraco, como uma respiração, como um
suspiro que o ouvido já sabe como será – a adora confirmar o que
já sabia depois que o escuta. A sensação que se tem em
"Cantoloupe ..." é rara em música. Como Dear Prudence, dos Beatles, seu riff é tão natural e sugestivo que é como se
sempre estivesse ali, no ar; só nós que, seres limitados, não o
ouvimos. É preciso esses gênios mal acionem as moléculas para que,
atritadas, gerem o som e percebamos o óbvio. Longe da conjectura
matemática do serialismo dodecafônico, intricada e lógica, a
previsibilidade delas é sentida no coração.
Mas
mais do que o conhecido riff funky (muito bem “chupado”
pelo grupo Us3 em sua “Cataloop”, em 1993, porém inevitavelmente
inferior), Hubbard e Hancock desenvolvem solos que experimentam os
limites do hard-bop. Hubbard, logo após o primeiro chorus,
sobe um tom e entra rasgando, guinada inteligentemente acompanhada
por toda a banda no mesmo instante. Um dos solos mais clássicos do
cancioneiro jazz. Em seguida, cabe ao próprio Hancock, criador da
obra, imprimir-lhe uma carga descomunal de groove como até
então não se vira no jazz. Era James Brown materializando-se na “simplicidade complexa” do jazz.
Para
fechar, “The Egg”, em extensos mas nem de longe monótonos 14
minutos, um exercício minimalista brilhante e desafiador. Primeiro,
pela base de piano repetitiva em um esquisito tempo 4 + 3. Junto a
isso, a bateria de Williams, não menos criativa, mantém o compasso
em curtos rufares. Por fim, claro, as improvisações individuais de
cada um: prolongadas, em que cada músico usa da inventividade de
forma livre, namorando com o avant-garde que Coltrane, Ayler e
Don Cherry desenvolveriam a partir de então. O diálogo com a
vanguarda já se sente quando Carter surpreende e saca um arco para
fazer de seu baixo uma espécie de cello, tangendo as cordas ao invés
de dedilhá-las. Nisso, Hancock faz a música ganhar outras
dimensões, passeando pelo free jazz, retornando ao cool
dos anos 50, mas, mais do que isso, remetendo aos eruditos
contemporâneos em lances de pura atonalidade. Quanta musicalidade!
Em “The Egg”, Hancock antecipa o jazz fusion que ele mesmo
ajudaria a criar anos depois. O fim da faixa, que também encerra o
disco, é tão arrojado quanto sua abertura, como se um piano tivesse
quebrado e repetisse somente e justo aqueles acordes.
Um
disco memorável que, afora a data comemorativa, merece ser reouvido
e revisto a qualquer época, tamanha sua qualidade e importância.
Junto com outro trabalho definitivo do soul jazz, “The
Sidewinder”, do trompetista Lee Morgan (do mesmo ano!), “Empyrean
Isles”, com seus riffs e levadas funk somados à sua
engenhosidade harmônica, inspiraram toda a geração posterior de
jazzistas (Chick Corea, Vince Guaraldi, Hubert Laws, irmãos
Marsalis) e não-jazzistas, como a Blacksplotation dos anos 70, o pop
dos anos 80 e músicos de todas as partes do planeta até hoje que
chega a ser difícil até dimensionar. E essa força perdura desde
aquele longínquo 1964. A fase era tão fértil que, pouco menos de
um ano depois, Hancock comandaria a mesma banda no também
espetacular “Maiden Voyage”, avançando ainda mais alguns passos
em estética e forma. Mas os 50 anos desta outra obra-prima serão
completos somente ano que vem...
O Música da Cabeça de hoje age em legítima defesa da dignidade da população negra, em legítima defesa do homem pobre, em legítima defesa de quem se indigna com o errado. E as canções, nosso melhor instrumento, não precisa dar nenhum disparo para chegar aos corações. P.I.L., Public Enemy, Banda Black Rio, Sean Lennon e R.E.M. são algumas das munições pacíficas que trazemos. Tem também “Música de Fato”, falando, obviamente, do crime cometido pelo Exército no Rio, o tradicional “Palavra, Lê” e um “Cabeça dos Outros” no quadro móvel, trazendo a dobradinha O Rappa e Sepultura. Ponha as mãos para o alto, mas não para se render, e, sim, para reverenciar a boa música conosco no programa, na Rádio Elétrica, às 21h. Produção, apresentação e legitíssima defesa: Daniel Rodrigues.
O último MDC de outubro vem assim: consciente. Engajados com a gente estão hoje Vanessa da Mata, Public Enemy, Marku Ribas, Titãs, Altay Veloso, Tom Zé e mais. Tem também o alemão Hans-Joachim Roedelius, de quem a gente fala no quadro "Cabeção", além dos fixos "Música de Fato" e "Palavra, Lê". Veste a tua camiseta rosa e entre nessa corrente do programa às 21h, na preventiva Rádio Elétrica. Produção, apresentação e exames periódicos: Daniel Rodrigues E não te esquece de votar na gente até dia 31/10 para o Prêmio Press: Música da Cabeça (Programa de Rádio) e em Daniel Rodrigues (Apresentador de Rádio): www.revistapress.com.br/premiopress/
Pirralhas, incendiários e energúmenos: uni-vos! O Música da
Cabeça está com vocês provando que não tem Bozo que nos denigra. No programa de
hoje, Mutantes, Joy Division, Carlinhos Brown, Public Enemy, Filho Do Zua, Secos & Molhados e mais. Ainda tem a segunda parte da entrevista com a escritora
angolana Marta Santos, “Música de Fato”, “Palavra, Lê” e mais. Tudo no MDC, às
21h, na Rádio Elétrica, antro dos que sabem o valor que têm. A produção e a
apresentação são do pirralho, incendiário e energúmeno Daniel Rodrigues, com
muito orgulho.
Há exatos 17 anos, numa sexta-feira 13, a HímenElástico fazia seu primeiro show na cidade de Alvorada, vizinha a Porto Alegre, num lugar chamado Woodstock Bar.
A HímenElástico fora o projeto musical-criativo de 4 primos malucos que costumavam passar madrugadas (sóbrios) falando e inventando doideiras de todo tipo; gráficas, verbais, musicais, ou de qualquer outra forma. Essa hemorragia criativa nos estimulou; a mim, meu irmão Daniel, e meus primos Lúcio e Lê; a tentarmos, mesmo sem tocar nada, a ter uma banda. Não era este afinal o espírito punk? Era! E era isso também que nos servia de base. O Lúcio estivera pouco tempo antes de cabeça no punk da periferia paulista Cólera, Garotos Podres, tinha também descoberto os Kennedy's, Exploited e havia levado a mim e meu irmão que fazíamos uma linha um pouco mais Rock-BR da época (Legião, Titãs, RPM). O Lúcio também tava numas de rap na época e a novidade pra mim era interessante. O tal do Public Enemy era bom pra caralho. Tínhamos também todos acabado de ouvir o "Cabeça Dinossauro" dos Titãs e talvez aquilo tenha sido a mola propulsora definitiva. Poucas notas, agrassividade, letras minimalistas. Dava pra fazer rock! Vamos ter uma banda? Mas e essa diferença toda? Eu gostava de Smiths, meu irmão de Caetano, o Lúcio de Ratos de Porão e o Lê de Thayde. Deu no que deu: uma mistura das mais interessantes, criativas e originais.
O nome era uma brincadeira entre o "Homem-Elástico" e algo bem malicioso, tanto que escreve-se originalmente o nome da banda com o Φ grego, deixando a palavra hΦmem com uma possível dupla leitura.
Nosso som ficou muito próximo ao do nosso disco modelo, o "Cabeça Dinossauro". Lembrava um bocado Titãs, especialmente na minimalista "Nem uma, coisa nem outra" que parecia não fazer muito sentido mas (sinceramente) era extremamente questionadora, versando sobre o TER, o querer sempre mais, o não se dar por satisfeito. Era tão simplesmente-complexa que, em verdade, entre um ajuste e outro, um complemento, uma palavra aqui outra ali, a letra demorou três anos pra ficar pronta; e depois musicalmente, acrescido som à letra, fôra uma de nossas melhores.
Não tínhamos muito compormisso exceto com nós mesmos e com a nossa diversão. Tanto que não temos grandes registros gravados. A maioria são em cassete e sem muita qualidade. Ensaiamos pra valer mesmo no dia do tal do show em Alvorada. Apresentação que o Lúcio conseguiu com alguns contatos e nos botou na jogada. Só que aí teríamos que estar mais preparados e então marcamos duas horas de estúdio no fim da tarde pra ficarmos afiados pro show à noite. Deu certo. Estávamos na ponta dos cascos. O problema foi que uma hora antes do show, com a voz desgastada, com o frio terrível que fazia e acho que um pouco pela ansiedade, a voz se foi. Só sei que estava apavorado numa mesa pouco antes de entrar no palco e veio um cara de uma outra banda e recomendou, "sabe o que que é bom pra isso? cachaça. toma uma cachaça pura que isso passa rapidinho". Segui a orientação e não deu outra.
Obra do destino ou sei lá o que, mas entramos no palco exatamente à meia-noite do dia 13 de agosto (o que na verdade já era dia 14, mas pra efeito poético-sinistro ainda seria sexta-feira 13 até raiar o sol). Em um ambiente especialmente decorado para a data tão especial, à penumbra e cheio de caveiras com velas, abrimos o show com a "Marcha-Fúnebre" emendando com nossa vinheta de abertura tradicional inspirada naqueles gritos de pelotões do exército que correm na rua: "Dá um beijo no cangote, Carolina/ Uh, Uh, Uh, Carolina...", e que já emendava com a matadora "Ex", uma das nossas preferidas, também muito minimalista que contava com uma incrível agrssividade intrínsca. A coisa seguiu na boa, acho que a galera gostou, tocamos tudo que tínhamos ensaiado até o grand-finale com "Nem Tudo Está Perdido" que com sua letra apocalíptica e executada de maneira tão catártica acabou configurar um final apoteótico da nossa apresentação.
No final fui cumprimentado sincera e entusiasticamente por um cara da Space Rave, banda de Porto Alegre que continua no circuito com algum êxito e ainda esnobei a loirinha que eu tinha dado em cima antes do show, mas que só depois da apresentação veio se querendo. Agora é tarde, baby.
Como disse, não tínhamos grande compromisso com a coisa, apesar de gostarmos muito. Eu tinha faculdade, éramos duros pra bancar estúdios, meus primos moravam longe e no fim das contas não levamos a coisa muito adiante. Mas até hoje, bem imodestamente, logo eu que sou extremamente chato para o que faço e para o que ouço, considero a HímenElástico uma das melhores coisas nacionais que já ouvi nos últimos tempos. Eu teria um CD daquela banda. Ouço bandas hoje e penso: "Cara, a Hímen já fazia isso naquele tempo e sem o menos recurso". Era criatividade pura.
Parabéns hermenêuticos pelo aniversário do showzinho de Alvorada.
ESCLARECIAMENTO AOS NÃO-HERMENÊUTICOS: Hermenêutico nesse caso não tem a menor relação com seu significado original que é de interpretação de livros sagrados ou de leis, blá, blá, blá. Adotamos a palavra para designar tudo aquilo que fosse relativo à HímenElástico.
Assim sendo, faz 17 anos do primeiro show Hermenêutico!
Aaaaahhhhh!!! Foda-se!
Comprei ontem, assim, de enxurrada 4 CD's daqueles, assim ó..., Demais!
SIOUXSIE AND THE BANSHEES "KALEIDOSCOPE"
Transição do punk original da banda pr'aquela fase mias sombria, dark que acabou meio que caracterizando e ficando como marca principalmente deles e do Cure. É o disco que tem os hits "Christine "e "Happy House", mas as minhas preferidas são "Trophy"e "Red Light", além da eletrizante "Paradise Place" com a guitarra magnética de John McGoech que não era um grande guitarrista mas tinha umas de vez em quando de se tirar o chapéu.
SONIC YOUTH "GOO"
Inegavelemente um dos melhores discos da banda, na minha opinião só ficando atrás do "Daydream Nation" e (talvez) do "Dirty".
A capa já é demais (eu tenho a camiseta inclusive). "Dirty Boots" é um início de álbum matador, "Kool Thing" é um barato e tem a participação do Public Enemy, Chuk D, e "My friend Goo" é outra das melhores. Sonic Youth é outra daquelas bandas que não faz parte de um movimento, de um estilo, de uma época, ela É tudo isso.
THE THE "DUSK"
Ainda, aumentando o meu "prejuízo", saquei mais alguns trocados e levei o "Dusk" do The The, que, por sua vez nunca foi uma banda brilhante mas este disco em especial, talvez por uma participação mais substancial de Johnny Marr, tenha ganho uma sonoridade mais bem acabada com toques de country, blues, folk e uma melodiosidade que até então Matt Johnson não tinha encontrado. Coincidência ou não este crescimento de qualidade com a participação do ex-Smith? Acho que não, mas o fato é que nos créditos, efetivamente, o nome de Marr só consta em uma ou duas composições. Cá entre nós, provavelmente por questões de direitos de distribuição ou algo assim. Mas que tem a 'mão' do Marr, tem.
PIXIES "SURFER ROSA/COME ON PILGRIN"Acabando minha extravagância adquiri o "Surfer Rosa" com o EP "Come on Pilgrin" (juntos em um só CD) dos Pixies. Um certo impacto para os ouvidos para quem ouviu "Doolitle" antes, o que foi o meu caso. "Surfer Rosa"/"Come on Pilgrin" mantém aquela tônica de Pixies mas são mais sujos, mais gritados, não chegam a ser agressivos mas são discos mais fortes. É até estranho se falar no plural de dois discos que juntos ganham uma unidade tão grande que parecem ser o mesmo desde a origem e se entrosam tão bem. Destaque para a porrada cantada em espanhol "Isla de Encanta", a divertida "Broken Face" e a já clássica "Where is my mind" que foi imortalizada ou imortalizou a cena final do "Clube da Luta".
Só nessa "brincadeira" foram-se lá uns R$... Bom, deixa pra lá. Com certeza valeu o investimento.
O pessoal de Liverpool tá imbatível.
E não estou falando do time de Salah, Firmino e Mané.
Sei que já devia ter feito, o ano já começou e, por sinal está quase no final do primeiro mês, mas vida de blogueiro não se limita ao blog e até então não tinha dado tempo de fazer os levantamentos, retrospectos, somatórios e estatísticas para o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS que sempre temos todo o início de ano aqui no ClyBlog. O ano que passou trouxe, além dos discos destacados por nós integrantes do blog, como de costume participações de convidados, com destaque para a resenha de Waldemar Falcão, para o lendário segundo disco de Zé Ramalho, "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu", de 1979, do qual nosso convidado até mesmo participou, fazendo de seu texto um depoimento inestimável em relação a tudo que envolveu a obra e o artista naquele momento.
Na nossa tradicional atualização dos discos que pintaram por aqui no último ano, lá na frente, entre os artistas que têm mais obras citadas na nossa seção, entre os internacionais, Os Rapazes de Liverpool finalmente assumiram a liderança, uma vez que, nem Bowie nem Stones, que dividiam a dianteira com eles, tiveram novos discos incluídos nos A.F., mas é bom abrir o olho porque os alemães do Kraftwerk, considerado por muitos o outro nome mais influente na música de todos os tempos, botaram mais um disco na roda esse ano e subiram para o segundo degrau do pódio. Já pelo lado nacional, não houve mudança lá na frente e o destaque ficou com as estreias de Airto Moreira, Tribalistas e o já citado Zé Ramalho. Entre os países, os Estados Unidos se mantém à frente com boa folga, e, na disputa pela prata, os ingleses, com um bom número de artistas emplacando álbuns fundamentais, aproxima-se perigosamente dos brasileiros. Quanto às décadas, os anos 70 continuam mandando no pedaço, mas falando em anos, especificamente, ainda é o de 1986, que põe mais discos na nossa lista. No ano atual, já temos um Álbum Fundamental mas que não entra para a contabilidade do ano passado. A expectativa para 2019 é se os Beatles confirmarão sua liderança e se, no Brasil, alguém vai desbancar Jorge Ben, que reina absoluto há um bom tempo na lista nacional. Vamos conferir então como ficaram as coisas por aqui depois deste último ano: PLACAR POR ARTISTA INTERNACIONAL (GERAL)
The Beatles: 6 álbuns
David Bowie, Kraftwerk e Rolling Sones: 5 álbuns cada
Miles Davis, Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin e Pink Floyd: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Wayne Shorter, John Cale* e Bob Dylan: 3 álbuns cada
Björk, The Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Lee Morgan, Lou Reed, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, R.E.M., Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum de Brian Eno com JohnCale ¨Wrong Way Out"
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Jorge Ben: 5 álbuns*
Gilberto Gil*, Tim Maia e Caetano Veloso: 4 álbuns*
Chico Buarque, Legião Urbana, Titãs e Engenheiros do Hawaii: 3 álbuns cada
Baden Powell**, Gal Costa, João Bosco, João Gilberto***, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão e Sepultura: todos com 2 álbuns
*contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge" ** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas" *** Contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto" PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 2
anos 40: -
anos 50: 15
anos 60: 84
anos 70: 125
anos 80: 104
anos 90: 77
anos 2000: 12
anos 2010: 13
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 21 álbuns
1985: 17 álbuns
1976 e 1969: 16 álbuns cada
1967, 1968 e 1977: 15 álbuns cada
1971 e 1973: 14 álbuns
1972, 1975, 1979 e 1991: 13 álbuns
1965 e 1992: 12 álbuns cada
1970, 1987,1989 e 1994: 11 álbuns cada
1966, 1978 e 1980: 10 álbuns cada
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 155 obras de artistas*
Brasil: 121 obras
Inglaterra: 110 obras
Alemanha: 9 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França e São Cristóvão e Névis: 1 cada