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quinta-feira, 17 de novembro de 2022

cotidianas #779 - "Chico Brito"

 




Lá vem o Chico Brito,
Descendo o morro nas mãos do Peçanha,
É mais um processo!
É mais uma façanha!
Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte,
É valente no morro,
Dizem que fuma uma erva do norte.
Quando menino teve na escola,
Era aplicado, tinha religião,
Quando jogava bola era escolhido para capitão,
Mas, a vida tem os seus revezes,
Diz sempre Chico defendendo teses,
Se o homem nasceu bom, e bom não se conservou,
A culpa é da sociedade que o transformou.

********************
"Chico Brito"
Paulinho da Viola

Ouça:

domingo, 13 de novembro de 2022

cotidianas #778 - "Romário"

 



Pega a bola, chuta
Marca em cima, faz um gol
Vai que eu quero ver você fazer

Romário anjo torto, demônio do futebol


Dribla, seduz, entorta de prazer
Príncipe de Eindhoven, Barcelona
Barreira do Vasco
Romário em campo é um bolaço


Mago das massas, mais querido
Odiado dos zagueiros
Romário é rei, Romário é o máximo
Ele é o cão


Joga com amor rolando a bola
E a bola é como o sangue correndo em suas veias
Vai com charme, dribla, dividindo os corações
Marcou mais um pra torcida brasileira


É gol, e a galera delirava
É gol, esse garoto tá danado
É gol, e a galera delirava
É gol, esse caboclo é o diabo

*********************
"Romário"
Banda Bel
(Teixeira/ Imperatore/ Marruda)

Ouça a música:

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

"A Cantada Infalível," seguido de "A Mulher do Centroavante", de David Coimbra, ed. L&PM Pocket (2009)

 




"(...) surgiu um pênalti.
O Eduzão se apresentou para a cobrança.
Ninguém queria que ele batesse, mas ele estava decidido.
Talvez quisesse impressionar a moça... à beira do campo.
Além disso, quem teria coragem de dizer não ao Eduzão?
Ele apanhou a bola e colocou-a na cal. (...)"
trecho do conto "A Mulher do Centroavante I"


David Coimbra, escritor e jornalista falecido recentemente, vítima de um câncer, foi um dos responsáveis por me fazer gostar de escrever contos sobre futebol. Sempre lia suas crônicas na seção de esportes do jornal Zero Hora, em Porto Alegre, e adorava aquelas histórias que misturavam futebol a situações cotidianas de toda ordem como casos amorosos, dificuldades financeiras, questões sociais, antropológicas, filosóficas, etc. Seu livro "A Cantada Infalível", de 2009, que na verdade, ainda inclui contos de outro, "A Mulher do Centroavante", traz exatamente esse universo que me seduziu e inspirou: memórias descontraídas do futebol de bairro da adolescência; garotas inspiradoras para meias habilidosos; seca de gols de atacantes motivadas por corações partidos; goleiros em defesas impossíveis por conta de uma presença  na arquibancada; atacantes velozes; zagueiros truculentos; perebas indesejáveis, bastidores dos grandes clubes, enfim... aquele mundo que frequentei, que fez parte de mim, que vivi e que David descrevia com habilidade ímpar, e um vocabulário que, além de muito rico, era preciso para cada situação que narrava.

Até discordava de opiniões e posições de David no campo político e em seus extremismos inconsequentes no tocante a futebol. Escalações estapafúrdias, esquemas táticos bizarros, providências administrativas inexequíveis, e coisas do tipo, fora o fato de ter confirmado ser ele gremista, depois de seu falecimento. Mas não posso negar que era apaixonado por sua visão romântica do futebol e pela maneira como criava essa conexão dele com as questões emocionais de um homem. Havia, é verdade, acusações de machismo sobre esses textos, por conta dessas referências às mulheres nessas crônicas futebolísticas, que as estariam tratando de forma sexista, inferiorizante ou negativa. Mas vejo a presença feminina nos contos muito mais como uma auto-exposição do que como um exibicionismo. Do homem imaturo tendo que se provar ao bater um pênalti para impressionar a garota; do cara inseguro que acha que a namorada pode gostar mais do craque do time rival porque o outro joga mais do que ele; do que fica meses sem fazer um gol porque está com a cabeça no relacionamento desmoronando; ou, até mesmo, do que tem que bolar uma fórmula tão eficaz para conquistar aquilo que considera tão caro, difícil e inalcançável: uma cantada que fosse infalível.

Embora seja o ponto de vista do homem, não acho que machismo seja uma acusação justa. Mas, enfim... Não posso condicionar o modo dos outros pensarem, nem pretendo isso e, talvez existam razões e particularidades às quais, na condição de homem, desconheça.

Fato é que, para mim, as crônicas de David Coimbra eram esperadas, todos os dias na edição tradicional, mas especialmente no domingo, no Caderno de Esportes, quando normalmente vinham os contos, causos e crônicas ficcionadas que, modestamente, muito me inspiraram e as quais, muitas fazem parte dessa antologia "A Cantada Infalível", que recomendo a todo fã de futebol, especialmente aquele que viveu a infância/adolescência de campinhos de terra, rivalidades de bairro, episódios inusitados, e que já tentou impressionar, de alguma forma, a gatinha da rua.


Cly Reis 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

cotidianas #777- "O futebol brasileiro evocado da Europa"




"Futebol" - Mário Zanini
óleo sobre tela
A bola não é a inimiga
como o touro, numa corrida;
e, embora seja um utensílio
caseiro e que se usa sem risco,
não é o utensílio impessoal,
sempre manso, de gesto usual:
é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher)
usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mão.


**********
"O futebol brasileiro evocado da Europa"
João Cabral de Melo Neto


segunda-feira, 31 de outubro de 2022

cotidianas #776 - Ida




O crepitar das chamas e dos galhos trazia à memória de Ida seu velho fogareiro. Os dias frios em sua humilde choupana encravada no meio das montanhas, quando abastecia o fogo com a lenha do bosque para seus saborosos caldos de legumes e chás. Corria longe a fama de que suas misturas com ervas, preparados e unguentos faziam verdadeiros milagres. Lembrava bem o dia em que uma mulher a procurara desesperada por ajuda pela filha. O boticário não tinha nenhuma solução que lhe pudesse ofertar, o médico lhe desesperançara, o padre já recomendava que se resignasse com a vontade de Deus. Dizia-se, à boca pequena, que, se alguém poderia ajudar a menina, essa pessoa seria ida. Embora tivesse inúmeros alfarrábios antigos e livros, do tempo de sua avó, quase caindo aos pedaços, na velha estante, não precisou consultar os anotados: sabia exatamente o que fazer. Encheu com água uma pequena caldeira, jogou dentro algumas ervas, sussurrando algumas palavras ininteligíveis, e recomendou que a mulher retornasse no dia seguinte. Teria pronta a solução. A mãe assim o fez. Retornou na tarde do outro dia quando Ida já a esperava com um pequeno frasco cheio de um líquido esverdeado escuro que a mulher levou num agradecimento mudo. 
Ainda lembrava das lágrimas de felicidade daquela mãe ao retornar ao seu chalé para lhe agradecer. Trazia consigo a menina, claramente mais forte, mais corada, rediviva. Queria saber como poderia agradecer, o que poderia fazer por Ida, como poderia pagar... Ida dispensou qualquer paga. Sua recompensa era o brilho daquele olhar.
Olhos que agora, ali na primeira fileira, naquela praça, fugiam dos seus, evitavam lhe fitar diretamente. Constrangimento, culpa... Ida entendia. A comunidade, a paróquia a pressionaram a testemunhar que Ida lidava com bruxaria, magia negra. Se não o fizesse, a própria filha que, segundo se dizia havia sido objeto das artimanhas do demônio, estaria ali fazendo companhia a Ida, amarrada num poste.
Sentia cheiro de carne queimando. Lembrou dos assados de lebre que fazia em seu fogareiro. Não pôde deixar de rir do próprio pensamento numa hora daquelas. O fogo subia, o cheiro de carne amentava. A dor era insuportável.




Cly Reis

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Música da Cabeça - PROGRAMA ESPECIAL Nº 290



PROGRAMA ESPECIAL DE Nº 290 COM O MÚSICO, POETA E PRODUTOR MÚSICA CID CAMPOS

ALÉM DA ENTREVISTA NO 'UMA PALAVRA', MÚSICA, INFORMAÇÃO, LETRA E MUITO MAIS.





Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

cotidianas # 775 - "Aqui é o País do Futebol"

 




Brasil está vazio na tarde de domingo, né? É!
Olha o sambão, aqui é o país do futebol
Brasil está vazio na tarde de domingo, né? É!
Olha o sambão, aqui é o país do futebol


No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol

Nesses noventa minutos
De emoção e alegria
Esqueço a casa e o trabalho
A vida fica lá fora
A cama...

Brasil está vazio na tarde de domingo, né? É!
Olha o sambão, aqui é o país do futebol
Brasil está vazio na tarde de domingo, né? É!
Olha o sambão, aqui é o país do futebol

No fundo desse país
Ao longo das avenidas
Nos campos de terra e grama
Brasil só é futebol

Nesses noventa minutos
De emoção e de alegria
Esqueço a casa e o trabalho
A vida fica lá fora

A cama fica lá fora
A cara fica lá fora
A fome fica lá fora
A briga fica lá fora

A cana fica lá fora
A gaita fica lá fora
O tempo fica lá fora
O homem fica lá fora

A cuca fica lá fora
E tudo fica lá fora
A cama fica lá fora

**********************
"Aqui é o país do futebol"
Milton Nascimento
Ouça: 

domingo, 16 de outubro de 2022

cotidianas #774 - Bola de Futebol Vermelha





Eu não sou nenhuma bola de futebol vermelha
Para ser chutado pelo jardim,
Não, não.
Eu sou uma bola vermelha de árvore de Natal,
E eu sou frágil.

Eu não sou nenhum animal,
Embora eu seja para você.
eu não sou nenhum crocodilo
Como o do zoológico de Dublin
Que viveu em uma gaiola de comprimento e largura de seu corpo,
Com uma janela pela qual as pessoas podiam olhar,
E jogue moedas em suas costas para provocá-lo,
Embora ele não pudesse se mover,
Mesmo que ele quisesse.
Eu não sou nenhum animal no zoológico.
Eu não sou nenhum garoto de chicote para você.
Você pode não me tratar como você faz


Eu não sou nenhum animal no zoológico.
Minha pele não é uma bola de futebol para você.
Minha cabeça não é uma bola de futebol para você.
Meu corpo não é uma bola de futebol para você.
Meu útero não é uma bola de futebol para você.
Meu coração não é uma bola de futebol para você.

Eu não sou nenhum animal no zoológico
Este animal vai pular e comer você.
Eu não sou nenhum animal no zoológico.
E eu tenho toda intenção
De pular e te pegar

*******************

"Red Football"
(Sinéad O'Connor)

Ouça:

terça-feira, 11 de outubro de 2022

cotidianas #773 - Pílula Surrealista #51

 

Ele chegou cansado do trabalho. Desgastado para usar o termo correto. Entrou pela porta e viu a esposa sentada na sala assistindo tevê. Tentou puxar uma conversa amistosa:

- Oi, amor, tudo bem? O dia foi puxado hoje na firma, sabe? Chefe cobrando resultado, cliente reclamando, colega puxando o tapete... até uma multa levei do guarda de volta pra casa.

- Arrã... - consentia ela, vidrada na tela, sem dizer mais nada além desta preguiçoso interjeição.

- Então... vou tomar um banho, sabe? Preciso. Estou exausto, acabado. Mas o banho vai me dar uma nova vida, você vai ver. - disse a ela, como se a esposa, absorvida em seu próprio mundo, tivesse algum interesse. - Vou sair um homem novo do banheiro.

A promessa foi cumprida:

- Tcharaaaaaammm! Viu só, eu não disse que sairia outro?

Ela tirou o olhar da tevê por um instante - mas somente o olhar, sem levar a cabeça junto, apenas conferindo - e constatou que, realmente, o marido mudara. Era outro homem. 

Homem, não: primata. Um mamífero antropoide de hábitos diurnos, vegetariano, muito corpulento, com ombros largos, braços compridos, dentes caninos salientes, focinho curto e orelhas pequenas. Um gorila.

Desconfiada, mas nada surpresa, a esposa moveu pela primeira vez a cabeça da direção da tela e voltou-a para o marido repaginado. Franziu a testa pensando em algo que somente a mente de mulher pensaria, e terminou formando um sorriso discreto mas genuíno no rosto. Voltou a assistir a tevê, mas agora nada entediada e não mais desfez o auspicioso sorriso.


Daniel Rodrigues

domingo, 2 de outubro de 2022

"Ensaio Sobre a Lucidez", de José Saramago - ed. Companhia das Letras (2004)

 



“...falemos abertamente sobre o que foi a nossa vida, se era vida aquilo, durante o tempo em que estivemos cegos, que os jornais recordem, que os escritores escrevam, que a televisão mostre as imagens da cidade tomadas depois de termos recuperado a visão, convençam-se as pessoas a falar dos males de toda a espécie que tiveram de suportar, falem dos mortos, dos desaparecidos, das ruínas, dos incêndios, do lixo, da podridão, e depois, quando tivermos arrancado os farrapos de falsa normalidade com que temos andado a querer tapar a chaga, diremos que a cegueira desses dias regressou sob uma nova forma, chamaremos a atenção da gente para o paralelo entre a brancura da cegueira de há quatro anos e o voto branco de agora...”
trecho de “Ensaio sobre a lucidez”




No clima das eleições, uma obra que é emblemática sobre o tema, na literatura mundial, e o faz de forma crítica e questionadora, é "Ensaio Sobre a Lucidez", de Nobel de Literatura, José Saramago. Variação, sequência, derivação de seu outro livro, "Ensaio sobre a Cegueira", que propunha uma epidemia na qual todos os contagiados passavam a enxergar tudo branco à sua frente, este, o da lucidez imagina como seria se a onda fosse de uma manifestação branca através do voto. No dia das eleições, em um local fictício, depois de uma hesitação geral em sair de casa para exercer seu direito de escolha, a população vai às urnas, quase no limite do horário para a votação e, sua esmagadora maioria, simplesmente, vota em branco. Nem esquerda, nem centro, nem direita, nem nulo. Em branco!
O inusitado da situação faz com que o governo remeta aos acontecimentos da passada cegueira branca e aí Saramago, então, recupera alguns dos personagens de sua trama anterior, especialmente a que o autor chama de Mulher do Médico, sem nome próprio, como todos os demais personagens. Símbolo de equilíbrio e lucidez, desde os acontecimentos da epidemia, na qual fora a única não infectada, a Mulher do Médico é alvo das investigações do governo que a supõe parte de uma possível conspiração iniciada  a partir desse ato rebelde nas urnas.
"Ensaio Sobre a Lucidez" é bom, claro. Tem todos os méritos literários de Saramago, seu texto corrido, bonito, de parágrafos longos, diálogos corridos, o espírito inconformista e questionador do autor, mas, em comparação com o da cegueira, é inferior e bem menos verossímil no que diz respeito às possíveis consequências de uma situação dessa natureza na vida real. Se o resultado de uma impotência física coletiva dessa ordem, no outro é uma revelação perturbadora do pior da natureza humana, o que muito provavelmente aconteceria, na situação do voto em branco, temos perseguições, ações policiais, um cerco à cidade, agentes infiltrados e coisas do tipo. Vale como alegoria, como exercício de imaginação, demonstração das fragilidades do Estado, de sua veia autoritária, mas se afasta do realismo chocante, de um espelho colocado à nossa frente, do "Ensaio Sobre Cegueira".
Na verdade, o Estado teria lá, seus artifícios, providências, uma nova data seria marcada, políticos oportunistas, de lado a lado, se aproveitariam exatamente disso para suas propagandas eleitoreiras e, no fim das contas, teríamos, em algum momento um resultado montante suficiente para validar a eleição. Seria, sim, legal ver a cara das autoridades diante de uma demonstração tão aberta de insatisfação e de reprovação do povo em relação a eles e suas atitudes. Mas não seria nada mais que isso... Ainda mais no Brasil que, com certeza, passaria longe de ser o lugar onde Saramago faria se passar a ação.
Mas vamos torcer que, pelo menos no dia de hoje, tenhamos um pouquinho de lucidez.



Cly Reis

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

cotidianas #771- Futebol Arte

 



Uma caneta.
Tá se desenhando,
tá se desenhando...
Deu de curva............
Queeee liiindooo!!!
Uma pintura!!!

E aí, o que só você viu?

Jogada bem desenhada
Desde o grande círculo
Ela rabiscou
O outro abriu o compasso mas não deu
A bola fez um arco-íris
desenhou uma parábola
e caiu lá no ângulo.
Daqueles de se botar numa moldura.
Coisa de artista!

*************
"Futebol Arte"
Cly Reis

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Música da Cabeça - Programa #285

 

Não adianta dizer mentira na ONU ou onde quer que seja. Com o MDC é assim: a gente desmascara e põe pra todo mundo ver! Iluminando o Empire State, o programa de hoje vem com Itamar Assumpção, Zizi Possi, Morphine, Nei Lisboa, John Cale e mais. No Cabeção, o som etéreo e ruidoso da My Bloody Valentine e um Palavra, Lê também especial. Projetando aquilo que deve ser dito, a edição de hoje vai ao ar às 21h na protestadora Rádio Elétrica. Produção, apresentação e #forabroxonaro: Daniel Rodrigues (Ah, sem esquecer também de #tchutchucadocentrão)



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/


segunda-feira, 19 de setembro de 2022

cotidianas #770 - Fui, então, trabalhar... vagabundo


 
Recentemente, a política de cotas nas universidades públicas brasileiras completou 10 anos com êxito na inclusão reparatória de pessoas negras à educação superior. Fico feliz de, com todas as dificuldades que ainda serão superadas, presenciar um importante momento como este. Entretanto, eu mesmo não sou fruto do sistema de cotas, pois minha formação, do início dos anos 2000, é anterior a este marco. Lembro que, na faculdade, privada, era um dos únicos negros que começaram o curso e dos pouquíssimos que o concluíram, realidade que se modificou muito de lá para cá em virtude das cotas, ainda que não suficientemente.

E se eram raros os meus pares na universidade, imagine-se as referências. Em quem se espelhar? Dilema comum aos negros de minha geração a das anteriores. Para mim, contudo, essa questão estava desde sempre apaziguada por causa de minha família. Base de minha formação humana e ética. Aprendi em casa que qualquer trabalho se faz com dedicação, persistência e amor, e isso se basta para muita coisa preconceituosa ou não. Tanto não me sentia menor em nada, que me aventurei, já no primeiro semestre da faculdade de Comunicação, como poucos de meus colegas ousariam ou se sentiriam capazes, a buscar um estágio em uma empresa da área. 

Consegui. No almoxarifado. Era uma das principais agências de Publicidade de Porto Alegre à época e, mesmo não sendo exatamente no Jornalismo, valia-me a pena pela experiência. Mas embora meu inconsciente ato de ocupação e resistência, estava, sim, num ambiente majoritariamente branco e brancocentrado. Eu era, diante dos privilegiados, sensatos ou não, no fim das contas e para além de minha consciência, o guri negro do almoxarifado - e eles, meus colegas, os detentores do espaço social. 
Quantas ocasiões que aquele limiar entre preconceito e mal-entendido não deve ter ocorrido sem eu notar... Um deles, no entanto, me marcou e que hoje consigo não apenas ressignificá-lo como, igualmente, tirar-lhe a essência. Descia eu com uma pilha de jornais nos braços pelo elevador quando um dos jovens publicitários pegou carona. Descontraído, o rapaz loiro me olhou executando aquele leve trabalho braçal e, do alto de suas tarefas altamente desenvolvidas e criativas, inventou de cantar para mim os versos de uma música:

"Vai trabalhar, vagabundo
Vai trabalhar, criatura..."

Era a letra de "Vai Trabalhar, Vagabundo", de Chico Buarque, da trilha sonora do filme homônimo de Hugo Carvana, de 1976. E eu sabia disso. Lembram da minha falta de noção diante de possíveis situações de racismo que me referi anteriormente? Eu poderia ter me enfezado, mas tomei aquela provocação como um mero embate intelectual. E me chamar para uma disputa com Chico Buarque no meio foi um grande erro estratégico que ele cometeu! Logo a mim, amante e colecionador de música e conhecedor de cinema desde a infância! Era pedir para ser derrotado. Foi então que, sem perder o tempo do compasso, complementei a deixa cantando-lhe os versos seguintes:

"Deus permite a todo mundo
Uma loucura
Passa o domingo em família
Segunda-feira, beleza
Embarca com alegria
Na correnteza..."

A expressão de embasbacamento dele foi tão visível que, para arrematar, sem perdão ainda deu tempo de lhe comentar antes de a porta se abrir que "Construção" era o melhor disco de Chico e que (capciosamente) entre suas melhores músicas estavam "Apesar de Você" e "Tire as Mãos de Mim". Foi como uma goleada de 7 x 1 entre Alemanha e Brasil, só que ao contrário. Se na hora achei que vencia uma disputa de egos, hoje vejo que ali, ainda que para com um estagiário tanto quanto eu, demarcava o espaço sociopolítico que me pertence. O espaço do saber, da cultura, da resistência. Naquele momento eu fazia minha (desavisada) ocupação. 

Passados os anos e ocupando hoje um raríssimo cargo para um negro de coordenador no segmento de Comunicação Corporativa no Rio Grande do Sul, é possível dizer que houve evolução. Mas, infelizmente, não tanta. Refletindo sobre aquele episódio do passado, consigo enxergá-lo com o criticismo da maturidade, mas também com uma doçura renovadora. Se por um lado a minha ingenuidade de jovem protegido pela família tapava-me a visão para uma séria questão a qual me depararia diariamente em uma sociedade arraigada em preceitos escravagistas como a brasileira, por outro minha reação diante de um obstáculo sociopolítico foi talvez a melhor resposta que eu poderia ter dado. 

Não avançamos tanto quanto poderíamos? Mas vamos avançar, com certeza. Trabalho, dedicação e resiliência não faltam a nós negros. Os espaços, seja por políticas ou enfrentamentos pessoais, é que precisam ser cavados para termos uma efetiva diversidade. Parafraseando a mesma canção de Chico Buarque novamente, posso dizer:

"Prepara o teu documento
Carimba o teu coração
Não perde nem um momento".

Só não perde a razão.


Daniel Rodrigues
Texto originalmente publicado no site Coletiva.net

domingo, 11 de setembro de 2022

cotidianas #769 - Vitória

 


Naquelas horas vazias
Em que qualquer tentativa de ternura
é vencida pela urgência 
de uma utilidade qualquer
A arte descobrirá uma fresta 
em meio à pedra 
E se infiltrará como uma seiva
E será o triunfo da beleza.





Cly Reis

terça-feira, 30 de agosto de 2022

cotidianas #767 - A Forma do Outro

 



O velho da portaria tirou os olhos do jornal assim que o homem que entrara com o sr. Marcelo passou pelo balcão. "Falou com ele?", perguntou o velhote. O homem não respondeu. Deu as costas, parou brevemente na soleira e sumiu na luz da tarde do centro da cidade.
Mal educado, pensou o velho. Contornou o balcão e se dirigiu ao quartinho nos fundos, o oito. Tinha que cobrar as diárias do morador.
"Seu Marcelo...", batendo à porta. "Seu Marcelo...". Não recebendo resposta e estranhando o silêncio do inquilino, normalmente nada discreto, resolveu verificar se tudo se achava em ordem. Enfiou a chave no ferrolho, girou. Abriu a porta o suficiente para enfiar a cabeça ali para dentro. Para sua surpresa, nenhum sinal do inquilino. Nada. Nem rastro. Devia ter fugido pela janela para não pagar as diárias atrasadas. Mas tudo parecia estar ali: o sapato ao lado da cama, a mala aberta com roupas no canto do quartinho, o casaco pendurado na poltrona...


***

Roberto chegou em casa, largou as chaves no aparador e já deu de cara com um envelope em cima do velho móvel. Abriu, tirou um pequeno bilhete: "Dr. Max Centro Médico".
Nem parou em casa. Deu meia volta, apanhou a chave, botou o recado novamente no envelope, o envelope no bolso e fechou a porta às suas costas.

***

Entrou na fila, como todo mundo, pra não despertar suspeitas. Sujeitou-se a ficar uma meia-hora no sol da unidade pública esperando para ser atendido pelo médico. "Sr. Roberto Pereira", o Dr. Max vai atendê-lo. Consultório 13... no fundo à esquerda". Finalmente!
"No que posso ajudá-lo?", indagou o médico. Roberto não respondeu. Apenas foi caminhando, de forma intimidadora, em direção ao homem com jaleco branco. Por trás dos óculos de armação grossa, olhos cada vez mais assustados do médico. Apavorado exatamente por não saber o que acontecia. Não teve tempo de gritar. Logo não existia mais e era assimilado, absorvido pelo outro.

Roberto saiu do consultório tranquilamente. A enfermeira, entendendo que a consulta terminara, chamava o próximo. O novo paciente se surpreendera ao entrar no consultório e não encontar ninguém ali. "Esse sistema público é uma vergonha. O médico sai e vai embora assim no meio do dia, sem dar satisfação pra ninguém. Que falta de respeito!", reclamava o paciente seguinte. Roberto já atravessara o pátio e deixara o centro médico.

***

A criançada fazia estrepolias típicas daquela idade. Tarde característica de subúrbio: bola, corda de pular, banho de mangueira... A pequena fazia malabarismos numa barra de ferro. Até que levava jeito. Não tinha mais que 8 anos. Dois homens bem vestidos observavam o grupo de crianças. "É aquela?", quis saber um deles.  O outro confirmou com um aceno de cabeça, sem tirar os olhos da menina. "Você tem certeza que ela tem o talento?", perguntou, novamente, o primeiro. "Mais", respondeu o outro, "Faz mais coisas que ele". "O Roberto tem cometido muitos erros. Está ficando velho, descuidado. Acho que ela serve. Tá na hora de renovar isso aí". O outro jogou no chão o cigarro, apagou com a sola e avançou decidido: "Vou tratar com a mãe dela".

***

Roberto esperava só de cuecas deitado na cama. Motelzinho barato, uma vagabunda pra dar uma desestressada... O Agenor da agência que tinha arranjado pra ele. Disse que conhecia a garota, que era das boas. Vamos ver. Finalmente ela saía do banheiro. Só de calcinha. Era muito gostosa! Aproximou-se da cama encarando fixamente o cliente. Muito fixamente... Havia algo de estranho naquele olhar. Contornou a cama, deixou um envelope no criado-mudo e, com a maior naturalidade, simplesmente, escalou a parede como uma aranha e, na quina do teto, colocou-se em posição de ataque, pronta para das um bote.


Cly Reis

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

cotidianas #766 - Pílula Surrealista #50

 

Vesti meu terno cinza nada novo, porém suficiente para apresentar-me. Fui até aquele lugar, acho que para procurar emprego, para uma reunião de trabalho, algo assim, pois jamais trajaria aquela roupa desconfortável não fosse por um motivo semelhante. Aliás, fui não é bem o termo mais preciso. Então, refaço a frase: cheguei àquele lugar de alguma maneira a qual não sei como. Voei, transpus-me, materialize-me, sabe-se lá (gostaria de saber). Só sei que, quando dei por mim, estava. Simplesmente. O importante é que lá cheguei, isso é certo. Certo também é que estava quente, muito quente. Era pouco mais do meio dia, acredito, pois o sol postava-se sobre as cabeças fazendo projetar no chão uma sombra de começo de tarde. A impressão era que, a partir dali, o sol estacionaria, como se a Terra, enfeitiçada, tivesse parado de girar por um tempo indeterminado (essa é a única possível explicação). Não seria errado dizer que aquele dia foi inteiro assim: com um sol implacável dia e noite. A lua da noite daquele dia não apareceria: o sol tomar-lhe-ia o lugar. E nem sei se era a sensação de calor que fazia embaralhar o senso de tempo. Havia, antes de mais nada, uma atmosfera suspensa, etérea, enigmática, alterada. (E não pensem que era por causa dos meus óculos escuros! Não sou desses que perdem a noção sensorial por tapar os olhos). Era como se ali eu estivesse, sim, sei que estava, mas meus pés, por dentro dos sapatos de couro, mal sentiam o chão. Nem sentiam, aliás. Os prédios industriais ao redor, perfilados dos dois lados da rua castigada pelo sol escaldante e insistente, calavam-se solenemente. Não se ouviam murmúrios de gentes, não se ouviam tintilares de ferramentas e nem rugidos de motores ou latarias, engrenagens ou buzinas. Silêncio. Só. Tudo era tão estranho quanto familiar. Silenciosamente também, presumo, ou por uma ação mágica ou imaterial, surgiu à minha frente um homem. Vestia, como eu, um terno cuja cor era até mais escura do que a do meu, o que certamente fazia concentrar-lhe ainda mais o calor, o qual subiam como labaredas invisíveis do concreto cinzento abaixo de nós. Mais do que uma simples suposição, percebi que ele devia estar mesmo sentindo mais calor do que eu - embora isso parecesse ser impossível. De forma prática, contudo, não era, pois o homem à minha frente ardia em chamas, as quais se desprendiam de sua roupa como serpentinas infernais na direção contrária a mim, mas suficientemente fortes para eu também sentir à distância seu sopro quente comendo as últimas moléculas de oxigênio do ar que rodeavam minha face. E tudo sob aquele mesmo estranho silêncio, que permanecia. Era um fogo quieto, que nem o crepitar se ouvia. Mas calor fazia, cada vez mais. O fogo ia consumir aquele homem estranho, era sabido, não demoraria muito. Porém, nem isso fez com que ele deixasse de ser educado comigo, visto que me estendeu a mão direita em cumprimento. Ao apertarmos as mãos, o homem, tal um mensageiro, disse-me, e este foi o único som que ali houve: "Lembra-se de quando você era jovem e brilhava como o sol?" Toda aquela epifania fez sentido imediatamente, então.



Daniel Rodrigues

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

cotidianas #765 - "Mais solidão jamais"

 




"Solidão" - Yolanda Mohalyi
óleo sobre tela

Mais solidão jamais em agosto:
Horas que completam -, nos campos
Ardente rubro e dourado
Mas onde se encontram teus jardins de desejo?
Os lagos claros, o céu aumenta
Os campos limpos e brilhando fraco
Mas onde estão a vitória e seu facho
Do reinado que tu representas?
Onde tudo está da sorte dependendo
E o olhar trocado e os anéis invertidos
No sussurro das coisas, no perfume dos vinhos
Tu serves ao antônimo do pleno, do pensamento.


*******************
"Mais solidão jamais"
Gottfried Benn

sábado, 30 de julho de 2022

cotidianas #763 - Cadáveres





Se o hábito de Nathan Bogarde já podia ser considerado repulsivo, agora aquilo passava de todos os limites. Nathan se aproveitava de sua função de assistente de legista para, digamos..., satisfazer seus anseios sexuais garotas bonitas, graciosas, formosas que fossem parar, por qualquer circunstância, no necrotério da cidade. Começou, mesmo, quando a Miss Vale da Serra, numa trágica fatalidade, morreu em um acidente automobilístico, quando retornava de uma seção de fotos na capital. Seria um desperdício um corpo daqueles ser, simplesmente, insensivelmente aberto para exames e investigações e depois dispensado para os procedimentos de sepultamento. Uma boa limpada aqui, uma ajeiradinha em alguma parte mais danificada ali e estaria tão maravilhosa quanto no dia em que recebera a faixa. Pronto: ali estava! Era madrugada. Ninguém no morgue àquela hora. Abria o jaleco, baixava a calça e... aaahhhh! Que mulher! Nem importava se estava morta. Na verdade era até melhor. Não precisava de preliminares longas e não teria que esperar que ela gozasse também.

As outras que a seguiram não eram tão incríveis. Não chegavam a ser misses, mas princesinha do crime, filhas de contraventores, jovens viúvas, donas de casa desvalorizadas pelos maridos, satisfazerem, por algum tempo, os desejos e antigas frustrações do jovem legista, no entanto, passado algum tempo, aquelas mulheres comuns, passaram a não ser suficiente para os anseios físico-estéticos do rapaz. Ele queria, precisava, de algo melhor! Mulheres mais fascinantes, incríveis, fora de série.
Foi então que se deu a grande tragédia na Universidade local. Centenas de jovens, garotos e garotas morreram, supostamente, por algum problema alimentar, depois de terem consumido a comida do refeitório da instituição.
Não foi encontrado nenhum traço de veneno ou de qualquer substância letal. Pelo menos, não na avaliação do Instituto Médico Legal, cuja atribuição da autópsia havia sido delegada pelo legista chefe a seu ajudante, Nathan, no qual a plena confiança que depositava, garantia com que assinasse, sem hesitação, o laudo final.
Nenhuma evidência de envenenamento, nenhum traço de qualquer sabotagem. Parecia mesmo ter se tratado de um grande acidente, uma enorme infelicidade. Tantos jovens, na flor da idade, deixavam a vida por uma fatalidade daquela. Uma bactéria, um alimento estragado... Nathan sabia bem como induzir essa conclusão. Conhecia todas as substâncias usadas que poderiam matar um ser humano e, de mais a mais, por mais que o Dr. Goetz assinasse, ele dava a palavra final.
E agora, todas aquelas universitárias, rainhas do baile, líderes de torcida, aspirantes a modelo, ali, nas macas, à sua disposição.
Crime limpo. Nenhum rastro. Nada mais a investigar.
Bem,... não na avaliação do inspetor Luccas Farini.
Farini não aceitou em momento algum a versão da infecção alimentar e, por conta própria, passou a investigar o caso. Não demorou muito para desmascarar o assassino e trazer à  tona a chocante verdade sobre os fatos.
O jovem ajudante de legista foi preso em sua casa, não oferecendo qualquer resistência ao ser levado. O inspetor Farini foi praticamente elevado à condição de herói, embora pairasse algum estranhamento sobre a rapidez com que ele chegara à solução e ao culpado. Chegou-se inclusive a cogitar se ele não teria algum envolvimento com o criminoso... No fim das contas  nenhuma evidência apontava para isso e as suspeitas acabaram se dissipando. Ninguém tu há a verdadeira noção de como ele havia chegado à solução do caso.

***

Aquele havia sido um dos crimes mais chocantes que já se havia tido notícia.
Marla Spencer, a estrela do povo, uma das atrizes mais queridas do país, que começava a de decolar numa carreira internacional, havia sido sequestrada e, depois de um cativeiro de treze dias, brutalmente morta. Seu corpo fora encontrado em um bosque nos arredores da cidade com marcas de violência sexual. Um telefonema anônimo indicara à polícia o local exato onde o cadáver da vítima se encontrava. A ligação partira de um rapaz local, um adolescente de 14 anos que, passando pelo bosque, dera com o corpo. E que corpo! Ficara maravilhado com a beleza daquela mulher, mesmo sem vida. Já a havia visto na TV. Sempre a desejara. E... por que não? Que mal faria? Afinal não fora ele o culpado. Não causara nada aquilo. Seus instintos de adolescente, seus hormônios de puberdade pediam. E, de mais a mais, ela estava ainda tão bela, tão maravilhosa. Devia fazer apenas algumas horas que estava ali... Aproximou-se do cadáver, desafivelou o cinto, abriu o zíper e deitou-se sobre o corpo.

***

Diante dos microfones, o inspetor Farini respondia às inúmeras perguntas dos jornalistas:
- Calma, calma. Um de cada vez. - tentava organizar a coletiva improvisada.
- Como o senhor conseguiu, em tão  pouco tempo, concluir que se tratava de um caso de necrofilia e chegar tão rapidamente ao criminoso? - antecipou-se uma repórter.
Mesmo que tivesse sido na juventude, mesmo que fosse na época só uma criança, mesmo que não  tivesse a menor culpa no assassinato de Marla Spencer, não poderia jamais revelar que seu trunfo devera-se exatamente a uma macabra experiência pessoal. No entanto não quis inventar uma mentira qualquer. Preferiu responder de forma vaga sem, contudo, faltar com a verdade
- Na nossa atividade, nós devemos sempre tentar pensar como se fôssemos o criminoso. Tentar nos colocar no lugar dele.



Cly Reis

segunda-feira, 25 de julho de 2022

cotidianas #762 - Pílula Surrealista #49


 

“Não, eu não acredito no que estou vendo! Isso só pode ser uma história surrealista! Como isso pode estar acontecendo, assim, inadvertidamente, transgredindo tudo que deveria ser lei?! Saio à rua e vejo esses disparates. Indignação é o que sinto, indignação! Afinal, como pessoas podem estar andando, caminhando, movendo as próprias pernas pelas ruas? Ou ainda respirando! Sim: res-pi-ran-do! Com ar, oxigênio e tudo. Vou um pouco mais adiante e observei sol, árvores verdes, céu azul e... água! H2O, aquela mesma! Uma criança (como ainda se permite que mulheres concebam ou, anterior a isso, que se permita casais fazerem sexo e engravidarem, é outra questão inexplicável, mas deixa-se para ver isso depois...), acompanhada de sua mãe, que parecia, ainda por cima, estar feliz, bebeu água de um bebedouro em uma praça. Desta forma que descrevo: assim, ao ar livre, sem a repressão de ninguém... Muito estranho, é só o que posso entender. O que realmente não entendo é como essas coisas todas ainda podem acontecer mesmo com todas as minhas forças para que nunca mais existissem. Uma delas que fosse. Mas não! Algo de muito errado está se sucedendo com a humanidade...”


Daniel Rodrigues