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quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

cotidianas #787 - A Face Oculta do Espelho




As coisas demoraram a tomar forma, as formas a ganhar contorno. Via um lustre de cobre, um teto vermelho descascado, um candelabro a óleo... Tentou mover-se mas percebeu que estava atada pelas mãos e pés, provavelmente a uma mesa ou algo assim. Ergueu o pescoço e pode ver uma mulher de meia idade, de costas para ela, escrevendo, com uma espécie de giz vermelho, caracteres estranhos em uma espécie de janela de vidro. Ainda estava um tanto zonza mas tinha certeza que o que via do outro lado da janela era o refeitório da tecelagem onde trabalhava. Um movimento chamou sua atenção mais à direita e ainda esforçando-se para manter o pescoço erguido, viu um homem de torso nu sentado à uma mesa. O conhecia... Era o rapaz com quem descera a área proibida na noite anterior. Agora começava a lembrar. Era Johan, trabalhava com ela. Ana lhe contara sobre o sumiço de suas economias e ele se propunha a ajudá-la.
Sabia como recuperar suas moedas, teriam, no entanto, que passar pela área proibida. Ela deveria encontrá-lo no topo da escadaria, mais tarde. Ela assim o fez. Lá o encontrou, o seguiu pela escada e desceram. À medida que iam em direção ao subsolo, se aprofundava a escuridão. Escuro, escuro... Até que não via mais nada. Acordara amarrada aquela mesa.
- Ah, acordou. - percebeu o jovem exclamando num tom de falsa surpresa.
Sua tentativa de perguntar o que fazia ali, amarrada, foi inútil. Sua língua parecia travada, como que colada ao céu da boca.
Notando o esforço da jovem em falar, o rapaz logo a esclareceu.
- Esqueci de dizer: você não vai conseguir falar. O bolo, lembra? Tive que lhe dar alguma coisa.
Sim, lembrava que, quando o encontrara na escada, Johan lhe dera um pedaço de bolo. Estranhou mas, ao mesmo tempo, apreciou a gentileza. Ainda mais num lugar como aquele que mal se satisfaziam com a ração dada na tecelagem.
- Precisávamos de outra jovem. Tenho certeza que me entende, Ana.
Desde que chegara àquele lugar, ouvia falar das garotas desaparecidas. Operárias da tecelagem, novatas como ela. Ao chegar ao lugarejo, não questionou nada. Fora aceita na aldeia, admitida na fábrica. Precisava do trabalho. Mas depois de algum tempo, as atitudes sorrateiras das outras meninas, o burburinho, os roubos, fizeram com que ligasse os supostos desaparecimentos aos procedimentos estranhos dos locais. Ao perguntar, argumentavam-lhe que a última menina, Frida, sumida há pouco mais de um ano, havia simplesmente ido embora, voltado para a casa dos pais. A explicação bastou-lhe inicialmente, porém a postura suspeita dos outros funcionários, os restos de animais mortos perto do rio, os símbolos esquisitos pintados em algumas portas, fizeram com que sua desconfiança retornasse. Advertida veementemente por Glenda, uma das únicas colegas com quem simpatizava, resolveu esquecer o assunto. Simplesmente trabalharia, ganharia seu saldo e guardaria o suficiente para sair daquele lugar. Os ferimentos com que Glenda aparecera a deixaram novamente atenta, no entanto, o roubo de suas economias foi o que a obrigou a tomar alguma atitude. Revelou o furto a Johan, um rapaz do transporte que se mostrara atencioso desde que Ana começara na tecelagem. O jovem disse-lhe que tinha suas desconfianças e que achava que sabia como podia recuperar o dinheiro. Ana deveria encontrá-lo, à noite, quando todas as outras já estivessem no dormitório. Depois disso, foi o bolo, a escada espiral, a escuridão e agora, aquela maca.
Esticava o pescoço num esforço e via que a mulher continuava traçando aqueles escritos ilegíveis no vidro. A zonzeira passava e cada vez as coisas clareavam mais. Claro! Aquela vitrine, aquele vidro, a vista para o refeitório era um espelho. Quantas vezes não parara diante do espelho do comedor para se apreciar mesmo desgrenhada e molambenta depois do turno no fabrico dos tecidos.
A mulher finalmente virou-se na direção de Ana. Parecia ter concluído as escrivinhações. Apanhou uma adaga em uma espécie de pedestal horizontal. Mesmo não recuperada totalmente do efeito da substância que Johan colocara no bolo, notou que a peça era bonita, tinha um aço levemente curvo e brilhante, e um belo cabo trabalhado em relevos. Quando a mulher aproximou-se mais, posicionando-se lateralmente à bancada à qual Ana estava amarrada, a jovem pode notar, enquanto a senhora manuseava o objeto, que as inscrições do cabo eram muito parecidos com as que encontrara pintadas em sua porta, certa manhã.

***

A lâmina mal conseguia cortar a carne. Cega, por mais que insistisse em friccionar contra o pedaço que tinha em seu prato, a faca quase não produzia efeito algum. Além da qualidade do material, provavelmente, aos funcionários tocavam os piores cortes. Mas o que importava? O importante era que tinha alguma comida. Falava-se nos arredores sobre casos de bruxaria naquela aldeia, sobre operárias que teriam sumido... Não dava ouvidos. Era grata por terem lhe aceitado na produção. Poderia ganhar algum dinheiro e enviar para a mãe, no norte.
Inga desistiu do naco de carne. Não tinha muita fome, mesmo, naquele instante. Levantou-se, deixou a bandeja no balcão e encaminhou-se para a saída a fim de deixar o refeitório. A maioria das moças já havia deixado o salão. Antes de sair, no entanto, parou em frente ao grande espelho que ficava perto da porta. Contemplou-se e, mesmo amarrotada e encardida da labuta do dia, a nova empregada da tecelagem ensaiou uma tímida pose de vaidade. Como será que a viam? Inga achava-se bonita. E era. Era bela e cheia de vida.




Cly Reis 


terça-feira, 25 de outubro de 2016

Exposição "Picasso: mão erudita, olho selvagem", Centro Caixa Cultural - Rio de Janeiro/RJ (22/10/2016)








"A pintura é mais forte que eu,
me faz dizer o que ela quer."
Pablo Picasso



É muito bom quando se tem a oportunidade de ver exposições de artistas que fizeram diferença na história da humanidade por meio de sua obra. Felizmente, ao longo de minha vida, tenho tido esta sorte. Já vi Van Gogh, Kandinsky, Rembrandt, Dalí, Frida, entre outros, e sempre que nova oportunidade surge, sempre que possível não desperdiço a chance. Já havia visto trabalhos de Pablo Picasso em duas outras exposições mas ambas, embora altamente válidas, de expressões menores de sua obra, uma apenas de cerâmicas e outra de desenhos constituídos de um único traço (vejam só!) mas havia perdido a última no CCBB, concorridíssima e de filas quilométricas.
Mas tive minha compensação. Esta "Picasso: mão erudita, olho selvagem" é bastante numerosa e traz obras extremamente relevantes no catálogo do pintor e escultor espanhol. As mais de 150 obras apresentadas focam em diversos momentos de sua produção artística criativa e para salientar estes períodos a exposição é dividida em 10 núcleos cronológico-temáticos que exemplificam de forma clara as diferentes situações, contextos, inspirações que motivaram naquele momento aquele determinado tipo de expressão.
Obras notáveis! É quase impossível descrever o quão emocionante é estar diante de uma obra de um dos maiores mestres das artes de todos os tempos, poder apreciar e examinar detidamente o traço, as cores, as camadas, os ângulos, os temas, as variações. Há muitas palavras que poderiam descrever Pablo Picasso mas provavelmente a melhor, embora clichê e batida, seja gênio. É espetacular.
Se você é do Rio de Janeiro e arredores ou se é, até mesmo, apenas um turista de passagem, e não foi ainda, vá! Não perca esta oportunidade. A exposição fica em cartaz até dia 20 de novembro.


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exposição “Picasso: mão erudita, olho selvagem”
local: Caixa Cultural Rio de Janeiro – Galerias 2 e 3
endereço: Av. Almirante Barroso, 25, Centro (Metrô: Estação Carioca)
período: até 20 de novembro de 2016
horários: de terça-feira a domingo, das 10h às 21h
ingresso: gratuito

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No primeiro módulo da exposição,
"Café Concerto do Paralelo" de 1900

Belíssimo desenho, "O Beijo"

"Busto de Mulher ou Marinheiro",
estudo para Mulheres de Avignon,
início do processo de geometrização das formas.

Picasso e sua relação com a música
na sério dos Violões.

Violão "Eu Amo Eva".

Movimento, geometria, cheios e vazios.
Incrível escultura de violão.

Estudo de figurinos para espetáculo musical.

Novamente a relação com a música em
"Dança de Vilarejo"

Um dos quadros mais conhecidos da exposição,
"Duas mulheres correndo na praia (a corrida)".

Agora a relação do artista com o esporte.
Jogadores de bola.

"Banhistas com bola"

O lindo "Grande Banhista com Livro" de 1937.

Estudo para Mulher Chorando
da fase engajada na época de "Guernica"

"A Fazendeira"

"A Cozinha". A vida doméstica no módulo 7.

Admirável escultura em papel
"Cabeça de Mulher".

"O Beijo", um dos grandes representantes da expressão da obra de Picasso.

As cerâmicas no módulo "Picasso Múltiplo"

"Vaso com duas asas decorado com cabeça de fauno e coruja"

O erotismo na obra do artista
no incrível "Mulher com Travesseiro"

Eu, Cly Reis, na exposição de Pablo Picasso.



Cly Reis



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Exposição “Monet: Paisagens Impressionistas” - Praia de Belas Shopping - Porto Alegre/RS

 

“Todos discutem minha arte e fingem compreender, como se fosse necessário compreendê-la, quando é simplesmente necessário amar.”
Claude Monet

Nunca vi um Monet ao vivo. Como admirador de arte e visitador contumaz de exposições (à exceção desse período pandêmico que obriga ao distanciamento), costumo dividir com minha esposa e meu irmão, adoradores e visitadores tanto como eu, a alegria (e a expectativa) de ver alguma obra de um grande artista presencialmente. Já tive a emoção de ver à minha frente, a poucos centímetros, Picasso, Dali, Frida, Miró, Renoir, Yoko, Warhol, Bansky, GoyaVan Gogh, Weiwei, Mondrian, Basquiat... Mas Claude Monet, não. Um pouco desta vontade foi, no entanto, muito bem suprida com a exposição “Monet: Paisagens Impressionistas”, que está até 20 de fevereiro no Praia de Bela Shopping, em Porto Alegre. Na esteira do que vem se tornando prática no mundo expositivo de se tematizar artistas de forma mais tecnológica e imersiva, a exposição sobre o impressionista francês se sai muito bem. 

Com um tratamento curatorial bem realizado, a cargo de Patrícia Engel Secco e Karina Israel, a mostra me lembrou, dadas as devidas proporções, visto que menor em tamanho, algumas que assisti no CCBB do Rio de Janeiro devido a seu formato, que faz o visitante percorrer corredores que destacam a obra e a história ligada a Monet por meio de plataformas variadas (som, imagens, texto, luz, cenários, vídeos) e ambientes temáticos personalizados, que vão de bojos de som e proposições olfativas a salas escuras. 

São sete espaços temáticos, cada um destacando algum aspecto importante da longa trajetória artística e de vida de Monet. Um desses nichos é, por exemplo, logo no começo, o que traz um cenário que remete a Rue de Paris, com sua calçada típica e um poste iluminado diante de lojas parisienses da Belle Èpoque. É onde se conhece o lado caricaturista do artista ainda início da carreira. A proposta imersiva, no entanto, de fato se catalisa na seção que trata das paisagens impressionistas. São telões em uma sala escura que, apoiados por uma música bastante debussyana, mostram diversos vídeos com pinturas, filmagens, animações, fotografias e letterings que causam uma impressionante (ou seria "impressionista"?...) profusão de cores, traços e movimentos. Mesmo aqui reproduzidos em vídeo e fotos não passam a ideia da real sensação que se sente presenciando.

Tanto para quem conhece Monet e o impressionismo quanto para quem ainda possa se interessar, a exposição é bastante prazerosa. Para quem, como eu, prefere sempre ver um original ao invés de reproduções, a substituição se torna satisfatória, visto que bem realizada dentro de sua concepção. Não é igual a ver um Monet a olhos nus, certamente, mas que vale o programa, vale.

Fiquem com algumas imagens e vídeos da exposição:

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A recepção, que coloca o visitante no atelier de Monet

Seja bem-vindo à Rue de Paris!

Reprodução de algumas das caricaturas que o jovem Monet fazia
no início da carreira artística para levantar uma grana




Áudio, espelhos e desenhos, tudo ambientando a Paris da Belle Èpoque

Uma das atrações da mostra: reprodução do
quadro que deu nome ao movimento impressionista:
"Impressões, Nascer do Sol", de 1872

Janela aberta para a catedral da Catedral de Rouen,
vista que inspirou Monet em vários quadros




A famosa série de pinturas “Montes de Feno”
reproduzida em sensações olfativas e visuais




Obra dos primeiros anos de Monet, ainda clássico
mas já com alguns traços que soltos que lhe caracterizariam

Detalhe de outra obra impressionante em que Monet
retratou a primeira esposa morta




O impressionante salão com telões,
mais de 10 minutos de deleite





Que tal cruzar a ponte do jardim japonês de Giverny
pra finalizar a visita ao mundo de Monet?

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exposição “Monet: Paisagens Impressionistas”
Quando: até 20 de fevereiro
Onde: Praia de Belas Shopping (2º Piso, Ala Sul, ao lado da Livraria Saraiva)
Horários de visitação: de segunda a sábado, das 10h às 22h, e domingos, das 11h às 21h.
Ingressos: https://site.bileto.sympla.com.br/praiadebelas
Informações: www.praiadebelas.com.br  



Texto: Daniel Rodrigues
Fotos: Tamires Rodrigues, 
Ângela Sosa e Daniel Rodrigues

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

ClyBlog 5+ Artistas Visuais



Como não falar das artes plásticas, das artes visuais? Impossível. Afinal, um dos objetivos do blog desde seu início, era exatamente servir de canal para a apresentação e expressão, inicialmente de minhas manifestações artísticas como gravuras, pituras, quadrinhos, etc., mas com o tempo ganhando possibilidades mais amplas. A seção COTIDIANAS, por exemplo, passou a ganhar ilustrações (de artistas conhecidos ou não) que tivessem alguma ligação visual ou referencial com os textos; as mini-HQ's foram ficando mais trabalhadas, mais ricas, mais artísticas; a  fotografia foi ganhando força e espaço mas admito que ainda merece um destaque maior no blog; e ainda exposições, mostras e espaços passaram a ser destacados com frequência e qualidade, tanto que criarmos uma página especialmente para isso, a VAL E VEJA, coordenada pela parceira Valéria Luna.
Como se vê, o que não falta no clyblog é arte e, sendo assim, nada mais justo do que convidarmos 5 pessoas para participarem de mais esse especial dos 5 anos: clyblog 5+ artistas visuais.



1. Valéria Luna
relações públicas
(Porto Alegre)


"Do espanhol Joan Miró tenho uma tatuagem no braço direito com o detalhe da pintura do artista.
Como toda boa lista não posso deixar de fora os clássicos e, no caso de Van Gogh, eu gosto do simplório,
quando ele retrata seu quarto e dos detalhes de Os Girassóis.
O expressionismo abstrato de Pollock me influenciou, mesmo sem querer, na época que resolvi pintar algumas telas.
Quando assisti ao filme, ("Pollock", 2000) apesar da vida conturbada do rapaz, vi também que ele era exatamente o retrato de suas obras.
Para uns o rei da Pop Arte é o Andy Warhol, para mim, sem dúvida é o Lichtenstein.
E não posso deixar de fora, de jeito nenhum, meu pai, Leonardo Filho.
Foi com ele que eu aprendi a maioria das coisas que sei sobre artes visuais e claro, que me influenciaram na criação desta lista."



1. Joan Miró
2. Vincent van Gogh
3. Jackson Pollock


4. Roy Lichtenstein
5. Leonardo Filho

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2. Carolina Costa
pedagoga
(Porto Alegre/RS)


"Todos estes artistas me completaram em algum momento da minha vida."


1 - Louise Bourgeois
2 - André Breton
3 - Henri-Cartier Bresson
4 - Leonardo Da Vinci
5 - Vincent Van Gogh


Van Gogh:O artista
por ele mesmo















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3. Tita Strapazzon
professora
(Porto Alegre/RS)
Uma das impressionantes imagens
produzidas pelo chinês Huan


"Coloquei mais ou menos assim: Hoje são os artistas visuais que gosto muito".



1 - Zhang Huan
2 - Barbara Kruger
3 - Rosangela Rennó
4 - Frida Kahlo
5 - Arthur Bispo do Rosário




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4. Gabriela Bohns
designer
(Porto Alegre/RS)


"Inspiração para o meu trabalho".




O trabalho
de Cassio Raabe


1- Henrique Oliveira
2- Cassio Raabe
3- Nara Amelia
4- Tulio Pinto
5- Nathalia Garcia




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5. Marion Velasco
artista visual e
musicista
(Porto Alegre/RS)

"Claro que dá vontade de colocar na lista, pelo menos, mais 5 artistas,
então, escolhi os que me inspiram na base, exatamente nesta ordem: 
Duchamp, pelo interesse nas coisas ao seu redor, viagens e todo tempo´perdido';
Matta-Clark, por ‘construir a demolição’ de coisas (e quebrar conceitos) ao seu redor;
Yoko, pela voz, proposições e vida;
Alys, pela criação com caminhadas, materiais pobres e micropinturas;
e Banksy pelo anonimato e ação política nas ruas do mundo."


1. Marcel Duchamp
2. Gordon Matta-Clark
3. Yoko Ono
4. Francis Alys
5. Banksy

Uma dos geniais grafites de Bansky
carregado de crítica e atitude.

















quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

"Barbie", de Greta Gerwig (2022)

 


INDICADO A
MELHOR FILME
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE (AMERICA FERRERA)
MELHOR ATOR COADJUVANTE (RYAN GOSLING)
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
MELHOR FIGURINO
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL ("I'M JUST KEN")
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL ("WHAT WAS I'M MADE FOR?")
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO



"Barbie" não é nada mais que um filme bonitinho. Um manifesto pintado de cor-de-rosa
Tá, ó, vamos falar sério: "Barbie" não é nada mais que um filme bonitinho. "Ah, mas tem mensagem...". Ora, é um filme bonitinho com mensagem. Valorizo muito o cinema de ficção como arte e quando a arte é sacrificada em nome do discurso, entendo que ela fica comprometida. é como um poeta que abandona as figuras em nome da literalidade, um pintor que passa a simplesmente imprimir sem intervir numa imagem, um letrista que abdica da rima, do verso, da melodia para meramente discorrer, falar a letra de uma música. Entendo que é muito o que acontece com "Barbie", filme da diretora Greta Gerwig, com oito indicações ao Oscar 2024, que em nome de um discurso, altamente válido, pertinente, justo, urgente, é verdade, fazem de sua obra de arte um manifesto pela causa feminista. Tem todo o cenário, o figurino, as caracterizações, as músicas, as tiradas, ok... Isso tudo só faz de "Barbie" um manifesto pintado de cor-de-rosa. Discurso, causa, reivindicação, explícitos, que relegam a arte a um segundo plano, abdicando da poesia, de modo a se fazer entender, em cinema, cabem em documentários. Assuntos assim, postos de forma tão insistente, incisiva e cansativa, por mais justos que sejam precisam de um tratamento mais sutil, mais inteligente. 
"Barbie" é um filme superestimado e supervalorizado pela própria expectativa fabricada em torno dele. Quando começou o ti-ti-ti a respeito do lançamento do filme tratou-se logo de esclarecer que não seria um filme bobinho, que não era o filme da "boneca", que "apesar de ser da Barbie", tratava-se de um filme com reflexões importantes. Ora, valor do tema não enriquece o valor da obra. Se é por isso os filmes da Marvel, da DC, de super-heróis deveriam sistematicamente concorrer a melhor filme uma vez que, por trás de todo aquele monte de saltos e explosões existem mensagens sobre a paz, racismo, etc. E, sinceramente, filmes de super-heróis valem tão pouco cinematograficamente quanto um filme de boneca.
Como se não bastasse toda a comoção por um filme comercial bancado pela indústria de brinquedos, eu vejo uma choradeira pela não indicação da atriz principal, Margot Robbie para o Oscar na sua categoria. Ora, só quem não viu uma Meryl Streep em "Kramer vs. Kramer", uma Jodie Foster em "Acusados", ou uma Ana Magnani em "O Amor" que nem ganhou, pode exigir um Oscar para uma atuação não mais que... competente. Margot Robbie faz um papel de boneca, gente! Expressões forçadas, olhos arregalados, largos sorrisos, de vez em quando um choro, uma carinha tristinha, lá no final, no mundo real, algo um pouco mais consistente, mais humano, mas é só isso. 
Entendo que nós homens precisamos ver e ouvir tudo isso, o puxão de orelhas é válido, todos somos Ken, as coisas têm que mudar, mas é dose pra elefante que um filme tão pueril como esse sirva como símbolo de tudo isso. O marketing e o convencimento foi tamanho que o público feminino, para o qual o filme foi mais especificamente direcionado, até 'perdoou' a Barbie por ser um objeto de opressão e condicionamento estético feminino por muito tempo. E não é o contraponto apresentado no filme, de que Barbie propõe que "você pode ser tudo o que quiser" que vai isentá-la de moldar padrões de beleza e intimidar mulheres que não tinham o mesmo perfil físico da boneca. Essa coisa de Barbie cheinha, Barbie negra, Barbie oriental, só foi produzida em grande escala de uns anos pra cá. Não me venha com essa!
Vão dizer, "Ah, mas você não gostou porque é homem". Já vi filmes com temas feministas sensíveis, peritnentes, bem mais válidos, interessantes e inteligentes que esse. "Bela Vingança", "Thelma  & Louise", "Frida", "Huesera", "O Babadook", são só alguns exemplos.
"Ah, mas você não entendeu...". Entendi. Podem ter certeza que entendo e entendo a motivação. E exatamente por ter entendido é que entendo que não gosto do que vi, da obra em si, e fico pensando que "Barbie" até teria sido um bom filme de entretenimento se não tivesse se levado tão a sério. 

Margot Robbie é uma grande atriz mas, sinceramente, 
em "Barbie" ela só faz "cara de boneca".




por Cly Reis


quinta-feira, 15 de março de 2018

"Lou", de Cordula Kablitz-Post (2016)


São vários os filmes sobre mulheres de atuação política importante para a história da sociedade moderna. Rosa Luxemburgo, Frida Kahlo, Maud Watts, Norma Rea, Violeta Parra, Alice Paul e as brasileiras Pagu e Zuzu Angel já foram retratadas nas telas. Entretanto, se comparado às cinebiografias sobre figuras masculinas, ainda há uma grande lacuna. Mary Wollstonecraft, Ada Byron, Alexandra Kollontai e Maria Firmina dos Reis, por exemplo, nunca receberam esse reconhecimento. Entre estas, faltava, igualmente, uma obra que abordasse a vida de outra dessas figuras libertárias para a questão feminina: a escritora, filósofa e psicanalista Lou Andreas-Salomé (1861-1937). Feito muito bem realizado pela cineasta alemã Cordula Kablitz-Post no longa “Lou”. Equilibrando os aspectos emocionais e biográficos da personagem com momentos históricos dos quais ela foi criadora e criatura, o filme traz à luz uma história fundamental de ser conhecida, principalmente em dias de empoderamento e nova consciência da mulher como os atuais.

No fim do século XIX, Salomé vive de forma livre e contestadora. Suas ideias e atitudes seduzem as mentes mais brilhantes da sua época, como os filósofos Paul Rée e Friedrich Nietzsche, o psicanalista Sigmund Freud e o poeta Rainer Maria Rilke, além do jovem filólogo Ernst Pfeiffer. Pfeiffer a ajuda a escrever as suas memórias aos 72 anos, quando Salomé passa a relembrar sua juventude em meio à comunidade alemã de São Petersburgo, os anos em Zurique, Roma e Berlim e, claro, as ricas e invariavelmente conturbadas convivências com os intelectuais da época.

Interpretada muito bem pelas atrizes Nicole Heesters, que a faz mais velha, e Katharina Lorenz, quando jovem (e também por Liv Lisa Fries, na fase adolescente, embora com menos aparição), Salomé é daquelas pessoas que, para se tornar o ícone que hoje é, precisaram sustentar uma sobrecarga sobre as costas. Sua renúncia ao casamento formal e a recusa à maternidade – levada ao extremo do aborto intencional –, traçam um preocupante paralelo com a realidade de muitas mulheres ainda hoje, quase 100 anos depois do seu nascimento.

Nicole Heesters muito bem como Salomé na fase final de vida
O que movia Salomé como mulher era uma busca por aquilo que ela acreditava, não pelo que a sociedade estabelecia. Internamente, no entanto, as motivações disso eram mais intrincadas. Como bem levantou o psiquiatra Luiz Carlos Mabilde em uma sessão comentada do filme ocorrida no GNC Cinemas do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, dentro do projeto “Cinepsiquiatria” (promovido pelo Centro de Estudos Cyro Martins, Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Psiquiátrica da América Latina), a base do conflito pessoal de Salomé estava na figura da mãe. Autoritária e repressiva e, por isso, masculinizada em termos de padrão de comportamento, a imagem da mãe contrastava com a do pai, a quem tivera somente até a puberdade, mas que lhe era afetuoso e protetor, algo “feminino” num contexto tradicional. Isso se refletiu em todos os relacionamentos amorosos dela: quanto mais a encurralavam com sentimentos de paixão viril, como fizeram Nietzsche, Rée e Hendrik Gillot, mais ela recuava. Mesmo Rilke, com quem, depois de anos de autocastração, se entregara em momentos de ardor, foi recusado no momento em que transferira para ela toda a responsabilidade pela existência dele mesmo. Na cena em que, em meio à simbólica vegetação, um descontrolado e atormentado Rilke roga pela mão de Salomé, que lhe responde: “Mas você já tem a mim". 

Realmente, o que chama atenção na personalidade de Salomé são suas convicções. Aquilo que sentia e buscava, mesmo de modo tão espontâneo e explosivo, é o fato de parecer não haver conflito interno entre pensar e agir. A despeito do excessivo racionalismo, seus embates pareciam ser de natureza íntima, mas, sim, exclusivamente com o que a oprimia externamente, o que não a deixava ser o que queria ser: a família tradicional, a Igreja, a autocracia, o sexismo, os preconceitos. A sociedade é que não estava preparada para ela, e não o contrário.

A histórica e polêmica foto de Salomé açoitando Nietzsche e Rée
reproduzida no filme e a original, de 1882
Em sua narrativa bem amarrada e delineada, a diretora, também co-roteirista, consegue estabelecer aquilo que se encontra nas boas cinebiografias: equilibrar uma evidência documental ao sabor da admiração à reluzente personagem que foi Salomé. E com toda a razão, visto que é impossível estabelecer apenas um distanciamento racional uma vez que na própria escolha do objeto biografado já está sinalizada essa admiração – sem que isso, contudo, exclua as impressões críticas sobre o mesmo. O filme tem cenas muito bem montadas, como o momento da célebre foto, que escandalizou a sociedade europeia à época, com Nietzsche e Rée amarrados como animais e ela com um chicote pronta para fustigá-los tal cavalos de tração. Igualmente, a incomum sessão de psicanálise com Freud, assim como as criativas fusões sobre fotos históricas somente com Salomé em movimento. Além disso, Cordula conduz as atuações dos atores com muita competência e sensibilidade, unindo substrato documental com a detecção de elementos emocionais peculiares do que cada personagem quer "dizer".

Não é por coincidência que a maioria dos filmes destas personagens históricas tão essenciais para a emancipação da mulher na sociedade sejam dirigidos, justamente, por mulheres. A própria Salomé já tinha sido tema do filme "Para além de bem e mal", de 1977, também dirigido por uma mulher, a italiana Liliana Cavani, que centrava-se na relação com Nietzsche e Rée. Se elas ainda não são a maioria por trás das telas ou não lhes seja dado o mesmo valor que os homens – basta ver qualquer premiação cinematográfica no mundo, que os mais premiados ainda continuam sendo homens –, ao menos têm cabido às cineastas o fundamental papel de valer-se da arte cinematográfica para desaguar essas histórias. Com as armas que dispõem, a ideologia, essas mulheres do presente são as que hoje dão continuidade à trilha aberta por pioneiras do passado como foi Lou Andreas-Salomé.

Assista ao trailer de "Lou"


Daniel Rodrigues