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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

"Terrifier 2", de Damien Leone (2022)



Pessoas desmaiando, passando mal, abandonando a sala de exibição... Ora! Vocês achavam que estavam indo ver o filme da Peppa Pig? É lógico que seria brutal. O primeiro já havia sido, e o diretor anunciara que seu objetivo era fazer algo ainda mais chocante. Então o que essa gente esperava quando foi ao cinema assistir a sequência de um dos filmes mais sanguinolentos de todos os tempos? "Terrifier", para mim, o primeiro, é, possivelmente, o pior filme de terror que já vi. E quando digo 'pior' é  um elogio. Nada pode ser mais violento, sangrento, sádico, nojento, repulsivo que o rastro de mortes da estreia em longas do palhaço Art. O problema de "Terrifier 2" é exatamente o fato de, praticamente, se limitar a ser um exercício de superação de violência e intensidade em relação ao primeiro. E aí, por incrível que possa parecer, por mais forte, explícita que seja a violência, ela já não choca mais porque você já viu no primeiro e, com uma vantagem: a da surpresa.
No primeiro o espectador até pensava, "Não, ele não vai fazer isso...", "Será que ele seria capaz?", "Não vão mostrar uma cena dessa sem cortes...", mas nesse a gente tem certeza que tudo isso vai acontecer e já estamos preparados para aquilo. O novo filme até tem mais história, mais enredo, mas o que não a torna melhor por isso. O roteiro situa a trama dentro de um drama familiar que, até podia servir como mero pano de fundo, mas não precisava ter ganho a importância que teve. Enredo confuso, cheio de elementos vazios, como a espada da garota, e personagens vagos, como a menininha-palhaço que é uma espécie de ajudante do palhaço das trevas.
Por conta dessa complexização da trama, o filme ganha uma duração muito maior que o habitual para filmes do gênero e algo com tão pouco conteúdo a apresentar. Se no primeiro filme tínhamos, meramente, um psicopata fantasiado de palhaço tocando o terror no Dia das Bruxas, e isso se bastava,
em "Terrifier 2", Sienna, uma adolescente, ainda superando morte do pai, planeja ir à festa de Halloween da cidade com uma fantasia criada exatamente pelo falecido pai, talentoso para desenhos, enquanto o irmãozinho Elliot, esquisitinho, mórbido e sombrio, pretende usar uma fantasia de palhaço igual à do maníaco que assassinara várias pessoas no Halloween do ano anterior. O detalhe é que o pai, esquizofrênico e que morrera num acidente trágico em uma de suas crises, já tinha desenhos do palhaço assassino em seu caderno, antes mesmo do massacre, o que supõe algum tipo de ligação prévia, sabe-se lá de que natureza, daquela família com o carniceiro fantasiado. Mas talvez tudo não passe de um sonho, uma sugestão, um delírio, uma vez que, após uma discussão da mãe com Siena e Elliot sobre a festa e sobre o comportamento do menino, a filha adormece assistindo a um bizarro programa de TV e, praticamente daí, tudo se mistura e se desencadeiam as mortes e a ação do nosso slasher. A propósito disso, entre tantas "obras de arte" desse artista da dor e da tortura, a melhor delas, na minha opinião, é a da amiga da protagonista, Allie, que depois de escalpelada, multifraturada, esfolada, picotada, literalmente, é mantida viva pelo palhaço, praticamente sustentada pelos tendões, no limite de suas forças, só para que ele tenha o prazer de presenciar sua agonia.

Art, o artista, mostrando sua obra de arte.

Para quem, como eu, esperava uma sequência à altura do bom primeiro filme, deve ter se decepcionado. Agora, para quem queria, meramente, um banho de sangue, nesse sentido "Terrifier2" entrega o que se espera dele. Um festival de maldade ilimitada, brutalidade e violência gráfica impiedosa, que supera seu predecessor, sem no entanto, superar em impacto.
Damien Leone, o diretor, já anunciou que vem aí um terceiro filme da franquia e que a nova sequência deve ser ainda mais sangrenta que os anteriores. Se, além da assustadora promessa, "Terrifier 3" amarrar algumas pontas, pode salvar o segundo, fazendo dele uma boa transição, e ainda, de quebra, pode recolocar a história do mímico assassino nos trilhos, fazendo justiça um dos matadores que já se coloca como um dos melhores da história do terror. Mas isso, se é que a ideia é que exista algum "trilho" para que a história siga.
De resto, para quem notou, são muito legais as referências, os easter-eggs de clássicos do terror, como "Hora do Pesadelo", "Pague para entrar, reze para sair", "Hellraiser", "Poltergeist", bem como a trilha, muito eficiente, e a estética anos 80 que o diretor imprime muito bem a seu filme.
Particularmente, tenho que admitir que esperava mais do filme mas, pelo menos, no quesito crueldade, "Terrifier 2" não dá motivos para reclamações. E quem reclamar do excesso, quem desmaiar, vomitar ou pedir o ingresso de volta, que vá assistir à Galinha Pintadinha. Francamente...

"Terrifier 2" - trailer




Cly Reis

segunda-feira, 2 de maio de 2022

As 30 melhores aberturas de filmes

 

Não sei quanto a quem não é cinéfilo de carteirinha, mas mais de uma vez me surpreendi tanto com a abertura de um filme, que a sensação imediata era a de quem nem precisava mais continuar assistindo. Foi assim quando, em 1995, na companhia de vários amigos – em sua maioria absoluta amantes de cinema mas não necessariamente cinéfilos – reunimo-nos para ver o VHS locado de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, do Quentin Tarantino. Eu não havia visto “Cães de Aluguel” ainda, seu primeiro e anterior longa, embora já ouvisse todo o debate em torno do nome do cineasta que dizia-se estar revolucionando o cinema. Mas o que me despertava maior interesse era, principalmente, porque o filme em questão havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. Isso, mais do que toda a celeuma sobre Tarantino significar ou não um novo capítulo na história da 7ª Arte (o que poderia ser, escaldado que sou, um exagero proposital, comum na mídia), de fato me surpreendia. Cannes desde cedo em minha vida cinéfila fez muito sentido, pois cresci assistindo seus premiados e indicados, que não raro eram (ainda são) alguns dos melhores filmes que já assisti, como “A Balada de Narayama”, “Coração Selvagem” e “Mephisto”. No caso de “Pulp Fiction”, ainda mais por saber tratar-se de um filme “comercial” norte-americano e não algum cult europeu ou asiático, isso, sim, chamava-me mais a atenção e despertava a curiosidade de vê-lo.

Pusemos a fita no videocassete. A grande maioria sabe o que acontece nos primeiros minutos de “Pulp Fiction”, né? A sequência do diálogo entre Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer) antes de assaltarem o restaurante e a entrada triunfal dos letreiros iniciais com “Miserlou” de Dick Dale arrasando com um surf-rock na trilha e, ainda pelo meio dos créditos, a mudança de música, como se alguém tivesse mudado uma estação de rádio para o funkão “Julgle Boogie”, da Kool & The Gang. Tudo aquilo, o estilo; a atmosfera pop; a inteligência da montagem; o bom gosto musical; o tom de tele-seriado B; a referência a Godard no nome da produtora A Band Apart: toda essa sequência minimamente bem pensada de como iniciar um filme me fez ficar absolutamente estarrecido. Somava-se a isso a engenhosidade da montagem no momento em que Pumpkin e Honey Bunny levantam-se sobre o banco do restaurante (e Roth diz: “I love, Honey Bunny”, e eles se beijam em close antes de apontarem as armas) e anunciam o roubo, a imagem congela e mantém-se o áudio das falas – estas, aliás, extremamente musicais, tanto que se tornam inseparáveis da música de Dale que vem na sequência no próprio disco da trilha sonora. Apaixonei-me pelo filme que mal havia começado.

"Pulp Fiction", Quentin Tarantino (1994)


Excitado, eu olhava para meus amigos na sala enquanto aquela série de genialidades iam surgindo da tela para observar suas reações, mas todos, embora estivessem, sim, gostando, nem de perto se exaltavam como eu. Aquele sentimento de arrebatamento era única e exclusivamente meu. Cheguei a perguntar, incrédulo: “Gente, vocês estão vendo a MESMA coisa que eu?!”. A resposta? Com desdém adolescente: “Sim, Dani, o que é que tem? O filme tá recém começando”. Sim, o filme estava recém começando, mas não de um jeito normal. Para mim (e para muito cinéfilo e estudiosos do cinema) confirmava-se ali a tal revolução cinematográfica atribuída a Tarantino. Não precisava nem ver o filme por completo: era certo que o cinema, então a 4 anos de completar seu primeiro século de existência, mudava a partir dali, e isso era o máximo de eu estar presenciando. Aprendi, naquela situação, que não era uma pena meus amigos não estarem vendo o mesmo que eu: era, sim, o que me diferenciava do senso comum na forma de ver e sentir cinema.

Não foi a primeira abertura de filme que me surpreendeu a de “Pulp Fiction”, claro, mas é certo que esta sensação de entusiasmo se me repetiu várias vezes. Seja em casa ou numa sala de cinema, de vez em quando sou pego de surpresa com algum começo de filme que, como um bom disco de música, sabe dar o start certo e cativar de cara quem o está apreciando, mesmo que a obra em si não corresponda tanto a seu bom início – embora seja geralmente um bom indicativo. Pois essa lista se propõe a elencar justamente isso: não os filmes inteiros, mas seus primeiros minutos. A rigor, por “openning scene” entendemos não somente o design de créditos, mas o suficiente para apresentar o filme, embora não seja necessariamente uma regra.

A junção de fatores, a inventividade na disposição dos letterings, a edição, o prólogo, o design, o impacto da cena, o significado simbólico para com a história que será contada: tudo conta para impressionar e construir uma introdução digna de memória. As maneiras de fazer, assim como de se contar uma história em imagens, são infinitas, e não há um jeito melhor que outro. O critério para a escolha destes 30 exemplos sem ordem de preferência – e que pode tranquilamente ser ampliada por novos filmes ou por títulos aos quais não me ocorreram – é apenas o da sentir-se conquistado já na largada por uma obra cinematográfica. Aqueles filmes que, contrariando a lógica, recomendo que não sejam necessariamente vistos até o final. Os primeiros minutos já bastam.

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“Era uma Vez no Oeste”, Sergio Leone (1968)

São pouco mais de 7 min de puro deleite daquela que é provavelmente a melhor abertura de um filme de todos os tempos. O filme de Leone, aliás, por si merece essa alcunha, mas se se destacar apenas o seu começo já está mais do que bem representado. O design, o cenário, os enquadramentos, a disposição criativa dos letterings, o tempo da montagem, a arte e o figurino, a fotografia. Tudo em perfeita sintonia e, mais que isso, conceitual, visto que apresenta, sem precisar valer-se da poderosa música de Ennio Morricone e quase sem nenhuma palavra dita, tal westerns do cinema mudo, as ideias centrais do filme: o embate ideológico entre passado e futuro, entre vida e morte, entre instinto e consciência..


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“Cassino”, Martin Scorsese (1996)

Lembro também de, no cinema, sentir a reação da sala ao surpreender-se com a explosão do carro do personagem Sam Rothstein, vivido por Robert DeNiro, em “Cassino”, nos idos de 1996. Uma reação espontânea do público, que, assim como eu, era abduzido para dentro da história em poucos minutos de fita transcorridos. Scorsese, justificadamente fã de Saul Bass, conseguira em vida trabalhar com o mestre do design de créditos cinematográficos ainda em dois filmes: “Cabo do Medo”, de 1991, e neste, do ano em que ele morreu.


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“Fahrenheit 451”, François Truffaut (1966)

A nouvelle vague foi o movimento que melhor soube subverter os padrões da linguagem cinematográfica. Esta ficção científica de forte crítica filosófica baseada na novela e Ray Bradbury, além de ser um dos melhores filmes de Truffaut e do cinema, inova desde o seu primeiro minuto. E de forma simples. Aliás: simples em formato, haja vista que se engendra apenas por uma sequência de imagens estáticas e monocromáticas em zoom in e uma locução que descreve aquilo que geralmente apareceria escrito. Porém, a simplicidade da sequência de "Fahrenheit 451" é de uma criatividade tamanha, visto que traduz conceitualmente o principal elemento da história, que é a proibição de qualquer material escrito num futuro distópico. Genial e simples.


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“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2002)

A experiência com "Cidade de Deus" também foi inesquecível. Fui assisti-lo pouco depois de seu lançamento já tomado pela fama em torno do filme. Na sala de cinema, pude comprovar estar diante da obra que demarca o antes e depois do cinema brasileiro, o filme que deu fim à dolorosa era da Retomada. E sua sequência introdutória (“Pega a galinha, pega a galinha!”), com a faca cintilante simbolizando o perigo, os fragmentos de imagens intercaladas por legendas, a foto em cores pulsantes, o som da lâmina sendo afiada misturado ao do samba para devorar a ave fujona. Uma cena de tensão que se cria em poucos minutos e que já diz a que o filme viera: para revolucionar o cinema nacional e mundial.


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“Um Corpo que Cai”, Alfred Hitchcock (1956)

Saul Bass foi, inegavelmente, o gênio do design de créditos em cinema. E quando a genialidade dele se encontrava com a de outros, como, no caso, Alfred Hitchcock, com quem colaborou mais de uma vez, aí era gol certo. Altamente conceitual, como os videoclipes musicais que passariam a existir apenas décadas depois, a entrada de "Vertigo", com o casamento perfeito com a trilha de Bernard Hermann e os efeitos especiais bastante ousados e criativos para sua época, ainda surpreendem. Se hoje fosse feito por computadores já seria louvável, imagina em 1956.


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“Psicose”, Alfred Hitchcock (1960)

Outro da colaboração Bass/Hitchcock, "Psicose" vale-se dos tradicionais grafismos que eram comuns ao trabalho de Bass, dono de um traço magnifico. A assustadora trilha de Hermann, sinônimo de thriller de suspense, é traduzida por linhas retas paralelas em p&b que se deslocam horizontal e verticalmente em conjunção com as letras, geram uma sensação de instabilidade e não-linearidade, ideia a qual, por sua vez, simboliza a perturbadora história do assassino psicótico Norman Bates. Junto com "Vertigo", aquele que é considerado o grande filme de Hitch. Não à toa.


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“O Segundo Rosto”, John Frankenheimer (1966)

Mais uma de Bass, esta perturbadora abertura de "O Segundo Rosto" é um verdadeiro exercício artístico. Valendo-se de potente trilha de Jerry Goldsmith e da trama de suspense psicológico do filme de Frankenheimer, Bass explora distorções como as do expressionismo alemão e carrega nas sombras e imagens projetadas em espelhos para, já de início, entrar na mente do espectador, que, a se confirmar pelo excelente longa, será conduzido a um mundo de medos e aflições internas. Poucas vezes uma introdução casou tão bem com a ideia central de uma obra. 


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“O Jogador”, Robert Altman (1992)

Esta cena já esteve destacada aqui no Clyblog por outro motivo: o plano-sequência. Pois Altman consegue com este engenhoso desenho de cena não apenas criar uma das melhoras sequências sem corte da história do cinema (afinal, o próprio filme trata sobre os bastidores da sua indústria) como, por conta exatamente disso, causar um incrível impacto já no início do filme, visto que o plano-sequência é justamente o que o abre. Altman, dos melhores do cinema autoral dos Estados Unidos, sabia como ninguém abrir suas obras, haja vista "Nashville", "M*A*S*H*" ou "Três Irmãs", mas nada bate a de "O Jogador".

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“Magnólia”, Paul Thomas Anderson (1999)

Outro dos que fui assistir no cinema é fui totalmente arrebatado. Também pudera: que forma criativa de se começar um filme! P.T.Anderson põe pra baixo o queixo do espectador num prólogo ao mesmo tempo divertido e instigante, que relaciona fortuitos momentos da história, para, ao final, triunfantemente, soltar a imagem da flor "Magnólia" abrindo-se em velocidade acelerada sobre a projeção de diversos vídeos. Além disso, tem a apaixonante música de Aimee Mann, a quem nem conhecia e passei a adorar por causa da trilha do filme. Inteligentemente, a aparente dissociação dos acontecimentos do prólogo antecipa a trama coral proposta pelo roteiro e a nada casual relação entre aquelas histórias paralelas. “Isto não foi uma coincidência”.

 

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“O Homem do Braço de Ouro”, Otto Preminger (1955)

Bass de novo, aqui na sua forma mais naturalmente criativa e genial: grafismos e desenhos com seu traço característico sobre um fundo preto e legendas sendo dispostas em conjunto com a música de Elmer Bernstein. A primeira parceria do designer com Otto Preminger, com quem trabalharia em vários outros projetos, também explora os meandros obscuros da mente humana, no caso, de um baterista de jazz viciado em heroína vivido incrivelmente pelo jovem (mas já ídolo) Frank Sinatra. Só o desenho do braço distorcido já é uma das mais felizes contribuições de Bass para a história do cinema e do design.


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“A Marca da Maldade”, Orson Welles (1958)

Outro que, assim como "O Jogador", também tem um dos grandes plano-sequências da história cinematográfica para começar o filme. Porém, havemos de dar ainda mais mérito para o sempre inquieto e criativo Orson Welles em ousar abrir um filme deste jeito nos anos 50, quando o cinema e os espectadores tinham como padrão o formato convencional de créditos iniciais. Nunca se havia visto uma cena de abertura tão complexa, com vários atores e figurantes em cena, câmara em travelling, mudança de enquadramento de primeiríssimo plano para planos médios e grande, num espaço físico extenso e com direito até à explosão. E tudo isso SEM corte. Caramba! Como se não bastasse, o longa confirma todas as expectativas de seus de minutos iniciais naquele que é, talvez, o grande de Welles.


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“Uma Mulher É uma Mulher”, Jean-Luc Godard (1961)

Godard, assim como Truffaut e seus companheiros de nouvelle vague, nunca deixaram de inovar a maneira de começar a contar suas histórias. O suíço, aliás, comumente radical, já fez muito filme que, a rigor, não começa nunca – e nem “termina”, consequentemente, como “Je Vous Salue, Marie” ou “FilmSocialisme”. Mas uma das marcas que Godard nunca abandonou é o trato formal da tipografia dos letterings, os quais se utiliza geralmente com fontes não serifadas tipo Futura ou Arial (e nas cores da bandeira da França) sobre fundo escuro, encurtando os limites entre poesia concreta, cinema, vídeoarte e literatura. Caso de “Uma Mulher é Uma Mulher”, que ele faz a proeza de apresentar genialmente em menos de 2 min.


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“Fellini 8 1/2”, Federico Fellini (1963)

Fellini não cria suspense nenhum em relação ao nome do filme, o qual aparece já no segundo frame sobre fundo escuro na forma da conhecida logo. Mas a partir dali o que se vê até os 3 min que se transcorrem é a mais absoluta genialidade felliniana. A história do cineasta pressionado pela crise de criatividade é expressa numa espécie de prólogo onírico minuciosamente bem construído. O claustrofóbico engarrafamento, cuja mudez é ensurdecedora, e os olhares condenatórios à sua volta, sufocam aquele homem sem rosto dentro de seu carro a ponto de fazê-lo... sair voando! A lindeza do sonho se encerra numa praia, sobrevoando o mar e sendo puxado por uma corda da areia por ele próprio, que tem a companhia de um homem de capa sobre um cavalo negro. E o melhor: o oitavo filme (mais um média) de Fellini mantém esse nível até o fim.



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“2001: Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick (1969)

 A ficção científica que estabeleceu o padrão do gênero para sempre é uma aula de narrativa para realizadores até hoje, o que inclui sua marcante abertura. Copiado e referenciado centenas de vezes, o início de "2001", de apenas 1 min30’, é, contudo, dos mais originais da história da 7ª Arte. Traduzindo em imagens siderais grandiosas a impactante abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, Kubrick mostra o raro alinhamento do planeta com Sol com a Lua valendo-se, para isso, de poucos mas precisos elementos: tela escura que vai aos poucos revelando a imagem e apenas três letreiros em tipografia Futura: “Metro-Goldwyn-Mayer Presents”, “A Stanley Kubrick Production” e o nome do filme em tamanho maior (com o detalhe do Copyright abaixo bem pequeno). Separadamente do filme, só esse trecho já pode ser considerado uma obra-prima.


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“O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola (1972)

Este é um caso de uma forma própria de apresentar a história. O nome, através da bela logo com a mão divina comandando a marionete com o letreiro “Mario Puzo’s The Godfather” e os acordes da clássica música tema de Nino Rota, já está garantido no segundo frame. Porém, os 6 minutos seguintes apenas de diálogos traduzem diversos níveis narrativos e simbólicos que serão trazidos nas quase 3 horas de fita subsequentes. As relações de poder, a inteligência manipuladora do Padrinho, os valores familiares, os papeis sociais, os meandros dos poderosos... muita coisa é dita ou subentendida até o momento em que Vito Corleone (Marlon Brando, espetacular) cheira a rosa de sua lapela e dá-se continuidade à “festa”. 


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“A Terceira Geração, Reiner Werner Fassbinder (1979)

Um dos maiores estetas do cinema, o alemão Fassbinder deve muito de suas criativas aberturas de filmes a um contemporâneo e conterrâneo seu ligado à arte moderna a quem muito se inspirava para isso: Joseph Beuys. Não raro, as introduções de seus filmes referenciam o estilo de Beuys, com tipografias monocromáticas dispostas sobre imagens em movimento ou estáticas, criando peças dignas de galerias expositivas. O começo de “A Terceira Geração” é um deles, com os créditos pulsando no ritmo de uma batida cardíaca enquanto vão sendo apresentados sobre um zoom out que vai descortinando um apartamento com telas, móveis e pessoas.


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“Assassinos por Natureza, Oliver Stone (1994)

Cineasta pautado pelo experimentalismo, Oliver Stone desde seu primeiro longa, “Platoon”, de 1986, sempre soube começar bem um filme. Porém, 8 anos depois, ao invés de tornar-se mais conservador, Stone mostra-se saudável e surpreendentemente ainda mais ousado com o altamente pop e sarcástico “Assassinos por Natureza”. O começo do filme é visivelmente influenciado pela linguagem dos videoclipes da MTV, emissora à época em alta, seja pelos enquadramentos distorcidos, pelo movimento de câmera frenético, pela alteração brusca de ISO ou pela montagem de ritmo musical. Tão musical, que, na cena, o violento casal espanca e mata pessoas em um restaurante com absoluto prazer ao som do punk-rock da L7. 


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“Persona, Ingmar Bergman (1960)

Um dos maiores cineastas de todos os tempos, Bergman tinha total domínio da narrativa. Porém, a introdução de seus filmes invariavelmente traziam a fonte Times sem serifa sobre fundo escuro. Mas Bergman sabia quando contrariar o próprio estilo, e o profundo “Persona” incitou-lhe a isso. Num conceito de vídeoarte – já existente nas galerias contemporâneas mas pouco exploradas no cinema de arte –, o cineasta funde imagens em alta profusão, usa fotos reais e ousa em enquadramentos e fotografia p&b. Tudo de forma a criar uma atmosfera de sonho e fluidez do tempo/espaço o qual Bergman tão bem constrói naquele que é considerado“o filme mais difícil de todos os tempos”.


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“Cidadão Kane, Orson Welles (1940)

Em seu primeiro longa, o então jovem Welles, com apenas 25 anos, inovava consideravelmente o modo de abrir uma história filmada. Aliás, não somente essa parte, mas em diversos aspectos da linguagem cinematográfica daquele que é ainda hoje para muitos o melhor filme de todos os tempos. Quanto à introdução, mesmo com o título revelado imediatamente ao começo (seria muita transgressão não informar pelo menos isso ao público da época), nunca havia se visto um prólogo in média rés (com o qual se começa uma narrativa no auge da ação antes de começar de novo para explicar como se chegou lá), tão comum hoje. Enigmática (o que será aquele "Rosebud" dito antes do cara morrer?!), a primeira imagem que aparece traz uma placa com a mensagem “No Trapessing” (“Não Ultrapasse”). Era Welles, o mesmo que anos antes havia apavorado multidões com a transmissão em rádio d'"A Guerra dos Mundos", manipulando o subconsciente do espectador.


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“Manhattan, Woody Allen (1979)

Assim como Bergman, Allen tem um estilo geralmente muito próprio de iniciar seus filmes, quase que invariavelmente com legendas em fonte tipo Windsor Light Condensed e uma música inteligentemente bem selecionada para sonorizar. Porém, como o mestre sueco em "Persona", Allen também sabe transgredir a si próprio. Em "Manhattan", ao invés do fundo preto com letterings, ele monta uma pequena sinfonia urbana com uma sequência de imagens documentais e poéticas de sua Nova York num cristalino p&b. A sutileza da forma como anuncia o título (e nada mais que isso), num letreiro luminoso de uma rua qualquer do bairro, prevê a abordagem que será dada aos personagens do filme: todos meras continuações do próprio corpo da cidade. Poesia.


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“Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (1971)

Com total domínio do fluxo narrativo, Kubrick é um craque das aberturas. "O Grande Golpe", "O Iluminado" e o já citado "2001: Uma Odisseia no Espaço" são exemplos, mas outro diferenciado neste sentido é "Laranja Mecânica". Uma música feita em sintetizador começa sobre uma tela vermelha até quase 30 segundos, quando finalmente surgem os primeiros letterings numa tipografia Arial negritada. Percebe-se, então, que a tal música é uma versão eletrônica da peça “Music for the Funeral of Queen Mary”, de Henry Purcell, do século XVII. O fundo vermelho se transforma em azul e, de novo, em vermelho para anunciar o nome do filme. Até que, num corte brusco, muda para o close da figura andrógena de Alex (Malcom McDowell), personagem principal da história de Anthony Burgess. Dessa imagem, Kubrick não corta novamente e, sim, a faz prosseguir num travelling frontal-out sob o off do brilhante texto que reproduz o fluxo de pensamento de Alex, o qual situa o espectador do universo de distopia que se verá a partir dali.


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“Arizona Nunca Mais”, Joel e Ethan Coen (1987)

A abertura do segundo e cativante filme dos irmãos Coen, quando eles ainda eram uma revelação, no final dos anos 80, é tão criativa, engraçada, pop e publicitária (no bom sentido), que serve como trailer. A história do assaltante pé-rapado H.I. McDonnough (Nicholas Cage) contada em off por ele mesmo enquanto as imagens vão sendo exibidas com a trilha magistral de Carter Burwell – suas idas e vindas pra cadeia, os personagens bizarros que conhece no caminho – denotam, pelo brilhante texto, principalmente, seu coração bom. O mesmo que o faz conhecer o amor de sua vida, a policial Ed (Holly Hunter). Depois, eles resolvem sequestrar um dos sete bebês da ricaça família Arizona, mas aí é que a história mesmo começa...

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“Alien: O 8º Passageiro”, Ridley Scott (1979)

Lembrando a abertura de "2001", filme ao qual Scott bastante homenageia neste revolucionário terror espacial, tem, assim como na obra de Kubrick, um desenho de cena simples mas muito eficiente. Uma câmera se desloca no espaço da esquerda para a direita em uma panorâmica enquanto veem-se manchas brancas surgirem, as quais vão formando numa uniformidade não-sequencial o nome “Alien” em uma fonte pesada e sem serifa. Não há nos créditos, mas diz que também é obra de Saul Bass.


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“Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, Terry Gilliam e Terry Jones (1975)

Como avacalhar os créditos iniciais de um filme? O grupo Monty Python tem a resposta. Em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, usando praticamente só tipografia e tela preta, eles conseguem subverter tudo que se imagina de uma opening scene. Sob uma trilha austera, os subtítulos são exibidos, até que, bem abaixo, algumas palavras com caracteres escandinavos começam a aparecer. Frases totalmente desconexas como “Não vai ter feriado na Suécia este ano?” ou uma história esquisita de um alce que mordeu a irmã de alguém. Eis, então, que surge um crédito para explicar o erro nos créditos: “Nos desculpamos pela falta de subtítulos. Os responsáveis foram despedidos”. Muda a música, mas as intromissões continuam, e um novo aviso, agora de que os responsáveis por demitir os demitidos também foram demitidos. Já com uma absurda trilha mexicana, a confusão segue até o fim e, com muito “esforço”, conseguem dar o nome dos diretores: Terry Gilliam e Terry Jones, principais responsáveis por essa bagunça toda.



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“007: O Espião que me Amava”, Lewis Gilbert (1977)

Poderia citar vários tanto anteriores ou posteriores a este filme, mas esta de "O Espião que me Amava" se tornou uma referência dentro da própria franquia. A começar que a abertura com créditos nunca está dissociada do prólogo, que sempre começa com a famosa “gun barrel sequence”, em que um vilão qualquer está olhando por uma mira e vê 007 entrar em cena e atirar contra ele. Depois, os minutos de ação, neste caso, mostrando o agente em duas de suas situações comuns: namorando e se aventurando. Já a abertura em si, assinada pelo mestre Maurice Binder, designer gráfico que estabeleceu o estilo das clássicas aberturas dos filmes de James Bond, consolidaria os elementos que caracterizariam para sempre as chamadas iniciais da série: arte figurativa com efeitos de elementos da história, uso da figura/silhueta de figuras e pessoas - como a do próprio ator que faz JB (Roger Moore à época) -, a fonte Arial fina e branca, o disparo de pistola e, claro, uma trilha especial feita para aquele filme, no caso "Nobody Does it Are Bether", com a Carly Simon – das melhores.


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“Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder (1945)

O sucesso de consagradas comédias como “Se Meu Apartamento Falasse” e “Quanto Mais Quente Melhor” fez com que Wilder ficasse pouco lembrado por outros gêneros como o suspense e o drama aos quais, contudo, ajudou a solidificar um novo padrão de qualidade na Hollywood dos anos 40 e 50. Este clássico do cinema é uma prova de sua versatilidade, o que deve bastante de seu impacto pela forma como inicia. O modo aparentemente fortuito como o título aparece, numa placa indicando o mítico endereço “Sunset Boulevard”, é precedido por uma câmera em travelling filmando o asfalto cinza na direção de algum lugar específico. É onde está o corpo desfalecido do narrador. Sim! Como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em "Crepúsculo dos Deuses" é o morto, afogado numa piscina, quem está narrando pleno de consciência de seu estado moribundo. Impossível não ter curiosidade de assistir até o fim.



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“Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola (1979)

Não há nenhuma palavra escrita dizendo que filme é. Mas nem precisa. O grande plano de uma floresta é aos poucos invadido por helicópteros que cruzam a tela e uma fumaça começa a levantar. Percebe-se, porém, que a fumaça não é de areia, mas, sim, o venenoso napalm. Até que várias bombas caem sobre a mata, provocando gigantescas explosões. A música que toca não podia ser outra: “The End”, da The Doors. É um presságio. É a guerra. É o Vietnã. É “o horror”. Diversas imagens apocalípticas se fundem ao rosto de um homem em close, o personagem principal do filme, o perturbado Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen). A sensação de quebra no tempo perfaz todo o longo filme, que perscruta os mais terríveis meandros psicológicos da guerra.


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“Cléo das 5 às 7”, Agnés Varda (1962)

Outra grande esteta do cinema moderno, Varda pautou toda sua filmografia pela inventividade narrativa e estética, a qual passava por um filtro muito pessoal. Em "Cléo das 5 às 7", seu primeiro longa, fica clara esta criatividade seja na forma como no conteúdo. A mesa de uma cartomante é filmada em plongê mostrando somente o baralho e as mãos dela e da cliente. Os subtítulos em branco são gerados conforme a disposição das cartas sob um silêncio que provoca tensão. Que mensagem as cartas vão dizer? E dizem: a jovem Cléo tem apenas 2 horas de vida, o tempo que o filme transcorrerá: das 5 da tarde às 7 da noite. Varda dá um show em montagem e no jogo simbólico entre cor, que aparece somente quando as cartas são lidas (supostamente, enquanto ainda há vida), e p&b, que domina o filme, marcado pela agourenta previsão que atormentará a personagem.



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“A Pantera Cor-de-Rosa”, Blake Edwards (1963)

Um modo interessante de se abrir filmes – e que fecha muito bem para comédias – é a animação. No entanto, como as da série Pink Panther, não tem igual, principalmente a do primeiro da franquia. A atrapalhada mas elegante pantera de cor exótica criada pelo próprio Blake Edwards virou desenho animado para a TV depois do filme tamanho o sucesso que fez exatamente na abertura do filme, assinada pelos designers e animadores David H. DePatie e Fritz Freleng. Aliás, este é o único momento em que ela, fugindo do ainda mais atrapalhado inspetor Jacques Clouseau, aparece, visto que o nome Pantera Cor-de-Rosa é o de uma pedra preciosa na trama. Além da simpatia da Pantera, ainda tem a infalível trilha do genial Henri Mancini, uma música altamente charmosa e de fácil assimilação, tanto que virou o tema de jazz mais conhecido de todos os tempos.




Daniel Rodrigues

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

II Festival de Cinema Negro em Ação - Longas-Metragens

 

Tive a satisfação de participar, pelo segundo ano consecutivo, do Festival Cinema Negro em Ação, que é realizado com muita garra pela competente cineasta Camila de Moraes juntamente à Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) e Instituto Estadual de Cinema (Iecine). Como já abordei noutras ocasiões, o festival tem uma importância singular no cenário audiovisual gaúcho e brasileiro por sua simbologia e ação. Particularmente, por meio da ACCIRS, tive o prazer e a felicidade de ser novamente convidado a integrar o corpo de jurados, desta vez na seleção de longas-metragens.

"Trem do Soul": a história dos bailes
negros dos anos 70/80
Iniciado no Dia da Consciência Negra, a segunda edição do evento, teve este ano ainda maior relevância, tanto por sua resiliência quanto por integrar as comemorações pelo cinquentenário do 20 de novembro. Em um formato híbrido, o festival ocorreu durante uma semana com programação na grade da TVE-RS e do Prime Box, na Cinemateca Paulo Amorim e na plataforma Cultura em Casa, da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

Se o primeiro festival, juntamente com todas as vozes que reverberam o protagonismo negro em Porto Alegre, marcou lindamente uma trajetória que começa a se consolidar, ao mesmo tempo também foi maculado pelo terrível assassinato de João Alberto horas antes da estreia, desviando por força maior o foco das manifestações. Manifestações de luta, mas de revolta e não artísticas. 

Este ano, impossível não lembrar deste episódio, mas também – como é característica do povo negro – novos passos de superação foram dados. Em resposta, o próprio festival representa um marco nas políticas afirmativas das instituições envolvidas, resultado de um programa de inclusão e representatividade que aposta no audiovisual como um caminho de desenvolvimento econômico e social.

Sob o axé de Oliveira Silveira, cujo movimento em favor da criação desta data ainda tão fundamental completa meio século, o II Festival Cinema Negro em Ação transcorreu somente dentro do que o feito merece: com celebração e respeito.

Cena de "A Última Negra", que recebeu Menção Honrosa

O belo doc sobre
os clubes sociais do RS
Entre os sete longas e médias-metragens que competiram a mim e aos queridos e competentes colegas de júri Jeferson Silva, do Coletivo Macumba Lab, e Alexandre Mattos, da Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos (APTC) escolher, destaco os que, após longa e saudável discussão, selecionamos: o aprazível documentário “Trem do Soul”, do carioca Clementino Junior, com o Prêmio Nacional; o tocante e revelador documentário “Meu Chão: Clubes Negros do Rio Grande do Sul”, de  Jorge de Jesus e Geslline Giovana Braga, na categoria Destaque RS – Direção; e a Menção Honrosa à instigante ficção futurista “A Última Negra”, de Silvana Rodrigues e Camila Bauer, também gaúcho.

Justo falar ainda, porém, de outro dos quatro documentários em competição, que é o paulista “Tambores da Diáspora”, de João Nascimento. Pode-se dizer que é o filme mais bem acabado entre todos desta categoria, inclusive dos três premiados, embora por critérios consensuais não o tenhamos escolhido. Aliás, cabe ao mesmo tempo um olhar generoso e compreensivo, visto que ainda deficiente por reflexo de um contexto sociocultural muito mais amplo e complexo, mas também o do vislumbre de um avanço técnico por parte destes realizadores e de políticas públicas e privadas que fomentem a produção audiovisual negra. Com condições técnicas e oportunidades melhores, não há dúvida de que, em pouco tempo, despontarão novos Jeferson De fazendo cinema negro com autenticidade, propriedade e competência.

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Confira a lista dos premiados do II Festival Cinema Negro em Ação:

CATEGORIA VIDEOARTE
Prêmio Estadual: A GOTA D’ÁGUA (Direção: Luis Ferreirah)
Prêmio Nacional: A QUEDA (Direção: Lia Leticia, Pernambuco)
Destaque RS - Direção: LANCEIROS NEGROS (Thaise Machado)
Menção Honrosa: UM TRANSE DE DEZ MILÉSIMOS DE SEGUNDOS (Direção:
Jamile Cazumbá, Bahia)
Jurados: Sérgio Nunes (Conselho De Ações Afirmativas), Valéria Barcellos (IEACen - Instituto Estadual de Artes Cênicas) e Ana Medeiros (IEAVI - Instituto Estadual de Artes Visuais)

CATEGORIA VIDEOCLIPE
Prêmio Estadual: PULSO - DESSA FERREIRA (Direção: Kaya Rodrigues)
Prêmio Nacional: KOLAPSO - MONKEY JHAYAM, ENME E TERRA TREME
(Direção: Lazaro e Jessica Lauane, Maranhão)
Destaque RS - Direção: SORRISO MARFIM - W NEGRO feat. N JAY (Direção:
Deivid Makaveli)
Menção Honrosa: AMBIÇÃO - CRISTAL (Direção: Cleverton Borges, Rio Grande
do Sul)
Jurados: Sérgio Nunes (Conselho De Ações Afirmativas), Valéria Barcellos (IEACen - Instituto Estadual de Artes Cênicas) e Ana Medeiros (IEAVI - Instituto Estadual de Artes Visuais)


CATEGORIA CURTA-METRAGEM
Prêmio Estadual: ROTA (Direção: Mariani Ferreira)
Prêmio Nacional: A SÚSSIA (Direção: Lucrécia Dias, Tocantins)
Prêmio Distribuição - Produtora Tarrafa: TÁ QUENTE (Direção Bruno Ferreira,
Amazonas)
Destaque RS - Direção: DESVIRTUDE (Gautier Lee)
Destaque RS - Roteiro: NAÇÃO PRETA DO SUL- O CURTA (Nando Ramoz)
Destaque RS - Intérprete: ALÉM DA FRONTEIRA (Clara Meireles)
Destaque RS - Montagem: ROTA (Rodolfo de Castilhos)
Destaque RS - Trilha Sonora: ALÉM DA FRONTEIRA (Direção: Alexandre Mattos
Meirelles)
Destaque RS - Desenho de Som: OLHOS DE ANASTÁCIA: CONEXÕES
QUILOMBOLAS (Técnico de Som Giuliano Lucas)
Destaque RS - Direção de Arte: SERIAM OS DEUSES AFRONAUTAS (Direção:
Rogério Fanrandóla)
Destaque RS - Direção de Fotografia: ALÉM DA FRONTEIRA (Direção de
Fotografia: Felipe Campal)
Prêmio TodesPlay: ALÉM DA FRONTEIRA (Direção: Alexandre Mattos Meirelles,
Rio Grande do Sul)
Menção Honrosa: SUBSIDÊNCIA (Direção: Beatriz Vilela, Alagoas)
Menção Honrosa: PELE DE MONSTRO (Direção: Barbara Maria, Minas Gerais)
Jurados: Uilton Olivieria (APAN - Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro), Miriam Juvino (SIAV-RS - Sindicato da Indústria Audiovisual RS) e Mario Costa (EDTRS)

CATEGORIA LONGA-METRAGENS
Prêmio Nacional: TREM DO SOUL (Direção: Clementino Junior, Rio de Janeiro)
Destaque RS - Direção: MEU CHÃO: CLUBES NEGROS DO RIO GRANDE DO SUL
(Direção: Jorge de Jesus e Geslline Giovana Braga)
Menção Honrosa: A ÚLTIMA NEGRA (Direção: Silvana Rodrigues e Camila
Bauer, Rio Grande do Sul)
Jurados: Daniel Rodrigues (ACCIRS), Jeferson Silva (Coletivo Macumba Lab), Alexandre Mattos (Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos - APTC)

PRÊMIO DONA DE SI
1- Thaise Machado, do Rio Grande do Sul, diretora da videoarte “Lanceiros
Negros”
2- Lia Letícia, de Pernambuco, diretora da videoarte “Queda"
3- Jessica Lauane, do Maranhão, diretora dos videoclipes “Kolapso - Monkey,
Enme e Terra Treme”, e “Garruncha do Sampaio - Marco Gabriel”
4- Rosandra Leone, do Rio de Janeiro, diretora do videoclipe “Melhor Assim -
Cesanne"
5- Roberta Liana Vieira, do Rio Grande do Sul, diretora do longa-metragem “O
Futuro do Mundo é Preto”
6- Gabriela Cardozo Barrenho, do Rio Grande do Sul, diretora do curta-metragem
“Nação Preta do Sul - O Curta”
7- Silvana Rodrigues, do Rio Grande do Sul, diretora do longa-metragem “A
Última Negra”
8- Alini Guimarães, de São Paulo do curta-metragem “Inventário do Corpo”
9- Beatriz Vilela, de Alagoas, diretora do curta-metragem “Subsidência"
10- Raquel Cardozo, do Rio Grande do Norte, diretora do curta-metragem “Curta
Os Congos”
11- Barbara Maria, de Minas Gerais, diretora do curta-metragem “Pele de
Monstro”
12- Vanessa Rodrigues, do Rio Grande do Sul, diretora do curta-metragem
“Olhos de Anastácia: Conexões Quilombolas”
13- Domenica Guimarães, de São Paulo, roteirista Mercado & Conteúdos
14- Manoela Ramos, de São Paulo, roteirista Mercado & Conteúdos
15- Dandara de Morais, de Pernambuco, roteirista Mercado & Conteúdos
16- Diana Paraíso, de Pernambuco, roteirista Mercado & Conteúdos
17- Adry Silva, do Rio Grande

Confira também os vídeos com as defesas de todos os jurados para os filmes escolhidos nesta segunda edição do festival.


Daniel Rodrigues

terça-feira, 18 de setembro de 2018

"Alfa", de Albert Hughes (2018)


O faro quase instintivo para escolher um filme para assistir tendo em mãos poucas informações a seu respeito me ajudou a fazer uma escolha acertada dias atrás, quando Leocádia e eu aproveitamos a promoção “PartiuCinema”, do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, para pegar um cineminha durante a semana. A opção foi pelo longa “Alfa”, de Albert Hughes (2018), no qual apostamos e não saímos decepcionados. Pelo contrário: ficamos muito surpreendidos positivamente. Muito bem conduzido em seu todo, com imagens exuberantes e fotografia caprichada, entre outras qualidades, o longa é uma daquelas atrações cinematográficas aptas a qualquer tipo de público sem desmerecer a inteligência de nenhum deles.

Na história, que se passa há 20 mil anos na Europa, na Era do Gelo, o jovem Keda (interpretado por Kodi Smit-McPhee), passa a lutar pela sobrevivência quando, após um acidente, é abandonado por sua tribo, que pensa que ele havia morrido. Dentre os diversos desafios que tem de enfrentar para tentar retornar à sua aldeia, Keda, já muito machucado, é atacado por uma matilha. Ele consegue ferir um dos lobos, mas decide não matar o animal, de quem passa a cuidar e com quem estabelece uma relação de amizade a partir de então.

A impressionante cena do ataque do javali a Keda
Com um ritmo narrativo muito bem orquestrado pela direção de Hughes (“Do Inferno”, 2001, e “O Livro de Eli”, 2010, ambos codirigidos com seu irmão, Allen Hughes) e em uma montagem eficiente (a cargo de Martin Gschlacht), o filme constrói uma verdadeira saga, a qual faz trazer à tona elementos inatos da natureza humana, como o medo, a solidão, a culpa, mas também o amor, a amizade e a força interior. Igualmente, os laços familiares, como a ancestralidade e a ligação emocional com os pais, fonte de todas as representatividades da existência. É este amor profundo de pai e mãe que, unindo coração e coragem, faz Keda se transformar como indivíduo e superar os obstáculos com os quais se defronta no caminho. E não são poucos! Impressionantes as sequências do ataque aos javalis logo no início e a de sua queda nas águas geladas, com as imagens subaquáticas emocionantes.

Tudo no filme é conduzido, entretanto, com muito equilíbrio. Sem exageros nem vazios. Isso se reflete num dos trunfos de “Alfa”, que é seu equilíbrio de planos e movimentos de câmera. Hughes segue um storyboard bem desenhado, o qual usa com inteligência tanto nos enquadramentos mais próximos do objeto filmado (feições faciais, expressão dos olhos, “tomadas de ombro” do animal para o protagonista e vice-versa) como, principalmente, sabe se valer muito bem da imensidão da natureza selvagem do cenário – com montanhas, campos, cavernas, céu e outros – em ótimos plongées aéreos e planos longos, que requerem muita habilidade para serem utilizados sem causar sensação de distanciamento no espectador quando não deve ou precisa.

A fotografia bem cuidada, que explora a
imensidão da natureza selvagem
Igualmente integrado, o argumento inicial, de que ali começou na história da humanidade a convivência entre pessoas e animais da forma como a concebemos hoje, doméstica e amigável, embora careça de maior investigação socioantropológica, parece totalmente plausível da forma como é contextualizada no enredo.

Até nas referências a outros filmes “Alfa” é certeiro. Há momentos em que, pela temática, estética e ambientação, lembre “O Regresso” (2016), porém com um protagonista não motivado pela vingança, como no longa de Alejandro González Iñárritu, mas, sim, por um sentimento muito mais elevado, que é o amor. Igualmente, Hughes faz breves e bem-vindas alusões ao oitentista “Koyanisquaatsi”, o clássico documentário-visual de Godfrey Reggio, nas cenas em que a câmera percorre rapidamente os vales sob a sonorização de uma música levemente minimalista, a qual lembra, obviamente, a que o genial compositor Philip Glass criou para a obra de 1983 e que se tornou escola para o audiovisual mundial desde então. Até "Era uma Vez no Oeste", o memorável faroeste spaghetti de Sergio Leone (1968) é resgatado com propriedade.

Enquadramento de "Alfa" inspirado no
clássico  "Era Uma Vez no Oeste"
Todos esses predicados fazem de “Alfa” um épico dos tempos modernos do cinema. Para além de pretensos épicos, lançados às pencas todos os anos e que necessariamente não sustentam tal condição, o filme de Hughes consegue este feito numa boa, sem forçar a barra. Chega a ser até estranho (não frustrante, não entendam mal!) em se tratando de cinema norte-americano: nem nos momentos em que podia forçar as lágrimas do espectador, isso não acontece. Seria até aceitável, a considerar que todo o restante até então explora outros estímulos que não o sentimentalismo. E não ocorre nem no clímax, quando se revela ser, na verdade, uma loba e não um animal macho que acompanhou Keda. A cena é bonita, tocante e simbólica, mas não apelativa.

“Alfa” é um programão tanto para as crianças quanto para os vovôs, pois é apto a que todos se entretenham, vibrem e se envolvam com essa bem contada história. Feito cada vez mais raro no cinema, uma vez que os nichos temáticos e o empobrecimento dos conteúdos (mal ajudados pela febre dos remakes e franquias) tomam conta de boa parte da produção cinematográfica dos grandes estúdios. Neste sentido, o filme carrega também um pouco de “O Urso”, de Jean-Jaques Annaud, de 1989, capaz de unir todos os tipos de classificação – ou melhor, dissolvê-los. Por fim, “Alfa”, como um bom filme de busca, tal como no mais alto cinema de Abbas Kiarostami ou Win Wenders, nos impele a refletir sobre qual realmente é a maior aventura empreendida: a das emoções físicas vividas no percurso ou aquela que nos faz viajar pelas descobertas do próprio íntimo? A nós, espectadores e amantes dos pets, fica também a mostra do quanto os animais de estimação, em suas consciências discutivelmente irracionais, ensinam aquilo que é principal na vida - inclusive a apurar o faro para escolher um bom filme como este para assistir.

tralier de "Alfa"


Daniel Rodrigues

sábado, 18 de novembro de 2017

Os 10 melhores filmes de Martin Scorsese



Um dos maiores realizadores vivos do cinema mundial chega aos 75 anos. Não seria necessariamente motivo de comemoração, afinal, não são poucos cineastas que, longevos, atingiram idades semelhantes nos últimos tempos. Porém, está se falando de Martin Scorsese, o mestre do cinema norte-americano, ao mesmo tempo um de seus principais renovadores e um autor de estilo muito próprio e cativante, que une a cultura pop, visíveis influências escolas de grandes diretores do cinema (Kazan, Kurosawa, Kubrick, Ford, Leone) e apuro técnico muitas vezes inigualável.

Pra comemorar os 75 anos de Scorsese, completos no último dia 17, nosso blogger Paulo Moreira escolheu seus 10 filmes preferidos do mestre, cada um com com pequenos comentários:


por Paulo Moreira

1 – OS BONS COMPANHEIROS ("Goodfellas", 1990)

The fucking best!! Perfeição a cada fotograma. TUDO é bom até a mini-participação do Michael Imperoli dos Sopranos como o cara que servia os drinks dos mafiosos e é morto pelo Joe Pesci na mesa de jogo. Trilha-sonora de luxo!

Scorsese com o elenco de 'Goodfellas'

Como ator em 'Taxi Driver'
2 – TAXI DRIVER (1976)


A paranoia americana e novaiorquina em seu apogeu. Jodie Foster nunca foi melhor do que aqui, assim como De Niro.


3 – CAMINHOS PERIGOSOS ("Mean Streets", 1973)

Onde o cinema do Scorsese começa a se mostrar. Outra trilha maravilhosa.

4 – DEPOIS DE HORAS ("After Hours", 1985)

Kafka em NYC. Precisa dizer mais?? E ainda tem uma cena que tira sarro da minha ídola suprema, Joni Mitchell. Griffin Dunne no maior papel de sua diminuta carreira.

5 – TOURO INDOMÁVEL ("Raging Bull, 1980)

Fotografia em P&B pra não chocar com tanto sangue - mal sabia ele que os Sexta-Feiras 13 iriam dar um banho de sangue sem pudor no público. De Niro engorda, emagrece, engorda, emagrece e dá um show. Cathy Moriarty fazendo seu próprio papel de loura platinada entediada. Gostossíssima!!

Com De Niro no ringue-cenário

Outra ponta como ator
6 - O REI DA COMÉDIA ("The King Comedy", 1983)


Rupert Pupkin é o fã maluco do Jerry Lewis. De Niro sensacional e a Sandra Bernhardt incrível. Porque esta mulher não deu certo?

7 – CASSINO ("Casino", 1995)

"Goodfellas" parte DOIS com a atuação estelar da Sharon Stone fazendo a mais louca das mulheres loucas. De Niro & Pesci se amando e se odiando.


Com DiCaprio e Margot no set
8 – O LOBO DE WALL STREET ("The Wolf of Wall Street", 2013)


Uma das cenas mais engraçadas e trágicas do cinema ao mesmo tempo: Leonardo DiCaprio chapadaço tentando chegar em seu carro e não consegue descer a escada.

9 – OS INFILTRADOS ("The Departed", 2006)

Duelo de titãs: DiCaprio & Nicholson mais Martin Sheen, Matt Damon e Mark Wahlberg de troco.

10 – CABO DO MEDO ("Cape Fear", 1991)

Lembro quando saiu este filme o Pedro Ernesto - ele mesmo, o "Demóis" - dizia que tinha de trocar o nome pra ME CAGO DE MEDO!! HAHAHAHAH O casting é outra obra: o loucaço Nick Nolte fazendo o papel de bundão; a grande Jessica Lange da esposa mala, a chatinha Juliette Lewis da adolescente putinha e o De Niro, aqui sim como o Diabo, muito melhor do que no chatérrimo "Coração Satânico".


Conversando com De Niro nos bastidores de 'Cabo do Medo'