Para estrear o nosso quadro Clássico É Clássico (e vice-versa), como não poderia deixar de ser trazemos um grande clássico do cinema. Aqui, conforme anunciamos, uma produção de sucesso, consagrada, um filme marcante da história do cinema, é colocado frente a frente com sua refilmagem e, entrando no clima da Copa, como se fosse uma partida de futebol, avaliaremos quem sairá vencedor desse embate cinematográfico.
O primeiro filme a enfrentar seu remake é nada mais nada menos que "Psicose", filme originalmente dirigido por Alfred Hitchcock, em 1960, e que ganhou uma nova versão pelas mãos do diretor Gus Van Saint em 1998.
"Psicose" de Alfred Hitchcock é uma daquelas coisas magistrais do cinema! Um filme que começa como um policial, chega a sugerir algo sobrenatural e revela-se como um filme de serial-killer, tudo sem deixar cair a tensão em momento algum. Uma obra de arte que só por seu tamanho e grandeza não deveria permitir a ousadia de alguém tentar refilmá-lo. Pois bem: talvez percebendo isso mas ao mesmo tempo tentado pela admiração pela obra de Hitchcock, o norte-americano Gus Van Saint resolveu encarar o desafio mas provavelmente vendo-se incapaz de melhorá-la em qualquer quesito, talvez numa tentativa de homenagem, resolveu simplesmente imitá-la. Sim, a versão de 1998 é meramente uma cópia. Uma reprodução quadro a quadro, cena a cena, literalmente, sem qualquer originalidade. Pra não dizer que não tem diferença, tem a cor, que é um decréscimo considerável em relação à fascinante fotografia (propositalmente) em preto e branco de Hitchcock e, ah, tem umas imagens aleatórias entre um assassinato e outro mas que não representam nada de considerável no todo. E aí, entre o original genial, brilhante e arrebatador, e uma cópia deslavada sem nenhum mérito artístico, não tem como não ficar com a primeira.
A "versão" de Gus Van Saint não tem nenhum ganho. Nada! Anne Heche, apesar de insossa, ainda se vira bem como a ambiciosa Marion que rouba o dinheiro da empresa e vai se hospedar no sinistro Bates Motel; Julianne Morre como a personagem que vai no rastro da irmã investigar seu desaparecimento também dá conta do recado; William H. Macy até tem algum destaque como o detetive; mas o inexpressivo Vince Vaughn diante do perturbador Anthony Perkins como Norman, não sei se é de rir ou de chorar. Mas aí o espectador curioso fica com aquela expectativa pra ver a cena do chuveiro. Talvez seja legal... Nossa! É lamentável. Como eu disse, é a mesma cena, é uma cópia, mas é outra coisa! E para piorar, a opção pelo colorido acaba com grande parte da magia e do terror que Hitchcock soube extrair tão bem do monocromático.
Filme por filme, um é como se fosse um quadro pintado pincelada a pincelada enquanto o outro é uma cópia xérox que depois foi pintada com hidrocor. Psicose antigo 1x0.
A propósito de colorir, a fotografia em preto e branco é mais um gol para o Psicose preto e branco. 2x0.
Quanto aos atores, só para ficar no principal, Anthony Perkins simplesmente tem uma das atuações mais marcantes do cinema tendo forjado um dos personagens mais emblemáticos de todos os tempos enquanto o constrangedor Vince Vaughn é exagerado, pouquíssimo convincente e nada sutil. "Psicose" clássico , 3x0.
Roteiro? O roteiro é o mesmo, só que o diretor da refilmagem não tira nenhuma vantagem disso nem consegue imprimir qualquer valor novo a ele. Mais um gol pro velho Psicose. 4x0!
Elementos técnicos como montagem, som, luz, novos recursos e tecnologias, mesmo 38 anos depois da primeira versão não ajudam em nada a tornar a obra de Gus Van Saint melhor, por isso, nestes itens ele apenas não perde, mas também não ganha.
Quanto ao diretor, basta dizer que original é de Alfred Hitchcock e o outro de um diretor que sequer ousou mudar uma cena numa refilmagem. Bom, né... 5x0 pro Psicose do Hitch e um banho de bola.
O "Psicose" clássico é um CLÁSSICO mas o mesmo não vale para o inofensivo remake de Gus Van Saint que, como diria Norman Bates, não seria capaz de fazer mal a uma mosca.
O Norman de Perkins com sua expressão naturalmente ameaçadora e o de Vaughn claramente forçado.
Um remake que nunca devia ter acontecido.
Hitchcock dá cinco punhaladas em Gus Van Saint e o original vence a cópia com facilidade.
Alfred Hitchcock, um dos maiores e mais influentes cineastas de todos os tempos na história do cinema, curiosamente nunca ganhou um Oscar de melhor diretor. No entanto, um filme seu foi agraciado com a honra máxima da Academia, o Oscar de melhor filme: "Rebecca, A Mulher Inesquecível", de 1940. E não é que me vem um sem-noção e tenta dar sua versão exatamente o filme mais premiado de Hitchcock? Refilmar um Hitchcock qualquer já é uma ousadia corajosa, refilmar "Rebecca...", então, é pedir pra cair nas comparações e fracassar rotundamente.
"Rebecca, A Mulher Inesquecível" pode não ser seu maior filme, seu trabalho mais conhecido, sua obra-prima, mas é um daqueles filmes impecáveis, preciso, perfeito em todos os detalhes, tipo aquele time certinho, ajustado em cada setor. Não entra pra história pelo belíssimo futebol, pela vistosidade, mas garante seu nome entre os grandes esquadrões pela competência e pelos troféus no armário. Mas engana-se quem possa pensar que "Rebecca" não é impressionante. Se é menos marcante numa comparação com um "Janela Indiscreta", "Psicose", ou "Um Corpo que Cai", é inegável, no entanto, que possua todos os méritos para ter alcançado, em relação a esses badalados clássicos, o ineditismo de um Oscar de melhor filme na filmografia do Mestre do Suspense.
Em "Rebecca", uma jovem dama de companhia de uma ricaça, numa temporada em Monte Carlo, conhece um milionário abalado pela morte trágica da esposa. Mesmo ainda se recuperando do trauma, o viúvo, Maxim De Winter, sentindo-se revitalizado, reanimado depois de tudo que passara, se envolve com a garota e casa-se com ela, lá mesmo no Principado.
Ele a leva para sua residência, a suntuosa mansão Manderlay, na Inglaterra, mas lá a esposa não consegue ter paz no casamento uma vez que a sombra da falecida, Rebecca, parece estar em tudo e em todos os lugares da casa. Sensação que é reforçada e ainda mais agravada pela presença quase sinistra da governanta, sra. Denvers, fiel e devotada servidora, mesmo depois da morte da patroa. Só que aos poucos percebemos que há alguma coisa de errada com a tal morte... Ninguém quer falar muito a respeito, o marido age estranho, a empregada esconde alguma coisa, aparece um "primo" misterioso e o tal naufrágio da qual Rebecca fora vítima revela-se um incidente meio meio mal explicado e repleto de interrogações.
"Rebecca, A Mulher Inesquecível" (1940) - trailer
"Rebecca, A Mulher Inesquecível" (2020) - trailer
Hitchcock mais uma vez fazia o que costumava fazer com maestria: induzir o espectador por caminhos errados, confundir um pouco a nossa percepção inicial. Sugere algo sobrenatural, como em "Um Corpo que Cai" e "Psicose", introduz um mistério, nos enrola, cria o suspense, nos revela razões erradas, vai trazendo novas informações, para tudo culminar, no fim das contas, num thriller policial.
A nova versão tem a trama absolutamente igual e, por seu turno, não acrescenta em nada. Não é melhor tecnicamente, não tem um diretor à altura, não tem atores melhores e, no mínimo que se arrisca em ousar, não tem sucesso ou não dá ganho algum. Lily James até é boa atriz, faz bem seu papel como a nova sra. De Winter, mas diante da atuação de Joan Fontaine, indicada para o Oscar, na época, sua performance é simplesmente pulverizada. Joan Fontaine está magnífica! Ela é tímida, insegura, tem aquela postura curvada de quem se sente diminuída, não consegue fixar o olhar no interlocutor, não sabe o que fazer com as próprias mãos e as mexe nervosamente, é sufocada pela imponência da casa, e fica reduzida a um ratinho diante da intimidadora governanta.
Quanto a Lawrence Olivier, salvo toda sua fama, seu título de Sir da Coroa Britânica e coisa e tal, pra mim é o típico canastrão hollywoodiano e, particularmente, apesar de seu Oscar na prateleira por Hamlet, e seu caminhão de indicações, nunca fui muito seu fã. Mas, tenho que reconhecer que, além da comparação inglória com o zé-ninguém que interpreta De Winter no remake, Armie Hammer, desta vez ele me convenceu. Faz o tipo galante quando precisa, é jovial nos momentos de descontração, especialmente nas cenas em Mônaco, mostra-se convincentemente atormentado pelos acontecimentos que levaram à morte de Rebecca, e piedosamente vulnerável quando os acontecimentos parecem mudar de rumo.
E o que dizer da governanta, sra. Denvers? A antiga, interpretada por Judith Anderson, que também fora indicada ao Oscar pelo trabalho, parece uma assombração, uma presença maligna, uma alma penada, um urubu, sempre de preto, postura quase estática, movimentos mínimos, olhar frio e impassível. Kristin Scott-Thomas, da nova versão, é ótima atriz, até vai bem no papel, mas fica reduzida a pó diante do desempenho de Judith Anderson.
A direção de arte do remake é competente, recria bem a Monte Carlos dos anos 40, tudo é caprichadinho, ele ousa numa montagem mais ágil (o que não ajuda muito), a fotografia até é boa, um pouco colorida demais para o meu gosto, ok, mas, mesmo nisso, não teria como bater a que fora, inclusive, reconhecida com um Oscar? A força estética do preto e branco, o jogo de luz e sombras, os penhascos à praia, a perspectiva dos corredores da mansão, a imponência de Manderlay... Tudo imbatível!
Não tem como disputar.
O time de Hitchcock começa metendo 1x0 nos primeiros minutos na cena em que a jovem dama de companhia conhece o milionário, à beira de um penhasco, possivelmente prestes a um suicídio. A acrofobia induzida pela posição da câmera, a expectativa pela ação daquele homem, a iniciativa (talvez) salvadora da garota e, ali, o início da relação dos dois, constituem uma baita jogada do mestre do suspense e tira o primeiro zero do placar. Ben Wheatley, por sua vez, talvez tendo noção de que não conseguiria reproduzir algo tão espetacular, abre mão da cena, começando sua trama diretamente no hotel.
Manderlay, a mansão, uma casa que parece ter vida própria, que em determinado momento chega a parecer assombrada, impressiona por sua imponência sombria e opressora, quase como um personagem à parte, muito mais no primeiro filme, do que no remake, que não lhe confere tamanha relevância. Gol de Manderlay: 2x0, no placar.
Joan Fontaine (craque) desequilibra. Joga demais! A fragilidade, a timidez, a insegurança, a humildade da personagem, a impotência diante da onipresença de Rebecca em tudo naquela casa, a paixão nos olhos diante do misterioso marido... É gol! Mais um pro time de Hitchcock.
Sir Lawrence Olivier, aquele craque contratado pra dar aquele brilho no meio-de-campo, o cara da jogada requintada, também guarda o dele. 4x0 para "Rebecca" (1940). E Judith Anderson, além de não deixar passar nada na defesa (na defesa dos interesses da antiga patroa), por sua atuação de luxo, vai ao ataque, também marca o dela e, literalmente) incendeia a torcida!
A favor do novo, Sam Rilley, se sai melhor como o primo Jack Favell do que George Sander do original; a parte do inquérito, depois da descoberta do barco de Rebecca, funciona melhor no remake; e a subtrama, dos interesses por trás do conluio de Favell com a governanta Denvers, fica um pouco mais clara na nova versão. Ok..., tudo isso, somado, dá um golzinho para o time de 2020, mas aí a casa já caiu (literalmente).
Baile de gala! 5x1 para 'Rebecca" de 1940.
Vários momentos dos dois filmes: (à esquerda, Rebecca, de 1940; à direita, o de 2020) 1. Manderlay, a suntuosa mansão, bem mais sombria e ameaçadora na visão de Hitchcock; 2. O interior da casa e a iluminação proposta por cada diretor; 3. A sra. Denvers, a sinistra Judith Anderson (esq.) e Kristin Scott Thomas, à direita, um pouco mais humana; 4. A governanta atormentando a vida da nova patroa, nas duas versões; 5. Nosso adorável casalzinho; 6. Mesmo com o filme levando o nome de Rebecca e tudo girando em torno dela, nossa protagonista é a adorável personagem sem nome: à esquerda, Joan Fontaine, brilhante, e à direita, Lily James, apenas competente.
Se o filme de Hichcock chama-se "Rebecca, a mulher inesquecível",
o da Netflix, poderia, perfeitamente, se chamar "Rebecca, o filme dispensável".
Todo mundo tem mãe e, como não podia deixar de ser, no cinema, todo personagem tem mãe. Muitas vezes elas não são mencionadas, não aparecem, são secundárias, não tem sequer relação com a história, mas sabemos que elas existem. Contudo, em outros casos, elas são tão essenciais ou têm participação tão destacada na trama que é impossível não lembrar delas. o ClyBlog destaca algumas dessas mães aqui. Sei que cometeremos injustiças, vai faltar uma que outra, alguém vai dizer que essa ou aquela não podia faltar, mas procuramos fazer uma lista interessante e heterogênea em características, estilos, época, nacionalidade, ambiente, gênero cinematográfico, etc.
Então, vamos à lista:
*(Cuidado! Pode conter spoilers)
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Ela, inatingível, pairando sobre tudo.
1. "O Espelho", de Andrey Tarkovski (1975) - Para
mim, desde que vi pela primeira vez, "O Espelho", filme semiautobiográfico
do diretor russo Andrei Tarkovski, representa uma obra sobre mães. No filme
Maria (Margarita Terekova), uma mãe abandonada pelo marido, voluntário para o exército, vive com
seus dois filhos em uma propriedade campestre e ali acompanhamos parte do
cotidiano desse núcleo familiar corajosamente conduzido por uma mulher. Filme
cheio de simbologias e metáforas, embora traga elementos como infância,
saudade, nostalgia e seja passível de diversas interpretações, para mim, é a
maternidade o elemento que mais chama atenção e emociona. O olhar e as imagens
sempre poéticas de Tarkovski mostram aquela mulher como uma espécie de entidade
superior, uma criatura inabalável, altiva, incólume, impenetrável, mesmo com o
mundo desabando à sua volta. A cena de sonho em que ela flutua, elevada da
cama, confere a ela ares de divindade, de magia, de alguém com um poder
inexplicável que talvez até ela mesmo desconheça. E, na maioria das vezes, não
é bem assim que são nossas mães?
2. "Psicose", de Alfred Hitchcock (1960) - Esse é o caso de uma mãe que
é fundamental para a trama mas, na verdade, não está presente fisicamente
o tempo inteiro durante o filme. Hitchcock, genial como era, até nos deixa com
a pulga atrás da orelha num primeiro momento, sugerindo alguma farsa ou
assombração, uma vez que nos tornando conhecedores do fato que a mãe do dono do
motel, Norman Bates, está morta, faz aparecer um vulto feminino na janela da
casa, nos deixa ouvir uma bronca de voz feminina envelhecida no filho Norman e,
por fim mostra-nos uma senhora de cabelos brancos e coque esfaqueando a cliente
loura no chuveiro, numa das cenas mais clássicas do cinema. "Como
assim?", pergunta-se o espectador de primeira viagem. Acho que não
vou dar *spoiler porque a essas alturas, mesmo quem não viu, está
cansado de saber que é o próprio Norman que, perturbado e esquizofrênico assume
o papel da mãe, vestindo-se como ela e punindo quem quer que seja que venha a
despertar algum tipo de desejo no reprimido Norman.
É incrível mas uma das mães mais célebres do cinema, não está
verdadeiramente no filme. Loucura!
"Psicose" e sua famosa cena do chuveiro.
3. "O Bebê de Rosemary", de Roman Polanski (1968) - Rosemary (Mia Farrow) é uma
futura mãe que pressente uma ameaça ao filho que ainda está em sua
barriga, vinda de seus vizinhos, um casal de velhotes estranhos e enxeridos e,
por incrível que pareça, de seu próprio marido. Tudo começa quando se mudam
para o novo apartamento, conhecem os vizinhos e não muito tempo depois, o
esposo, um ator pouco valorizado, ganha um papel importante em um filme em
virtude da morte do ator que interpretaria o papel. O marido passa agir
estranhamente, os velhos passam a estar constante e inconscientemente presentes
em sua casa e sua vida e até mesmo administram à grávida uma estranha dieta à
base de algumas ervas de origem e efeitos duvidosos. Aos poucos Rosemary,
fragilizada física e emocionalmente, começa a desconfiar estar sendo
vítima de alguma espécie de seita para a qual o bebê que leva dentro de si,
provavelmente, virá a ser elemento chave.
Paranoia, imaginação, ansiedade, fantasia, reflexo de sua fraqueza física,
estresse da gravidez? Exagero ou não, essa mãe vai brigar até o último instante
para proteger seu filho de algo que, na verdade, nem ela sabe bem ao certo do
que se trata mas que, pelo que vai se apresentando a ela, parece algo muito,
muito maligno.
4. "Sexta-Feira Muito Louca", de Mark Walters (2003)
- Quantas vezes já não ouvimos que só estando no lugar da outra pessoa para
saber como ela se sente, não? Pois é, "Sexta-Feira Muito Louca"
promove essa possibilidade justamente em uma relação de uma mãe e uma filha.
Relação difícil, intolerância, falta de compreensão mútua... Só mesmo uma troca
de corpos para fazer com que cada uma perceba as dificuldades da vida da outra.
E nessa confusão quem sai ganhando é o espectador com situações muito
divertidas, com Jamie Lee Curtis fazendo uma adolescente no corpo de uma
"coroa", e da maluquete Lindsay Lohan curtindo uma de senhora
responsável presa num corpo de garota de colégio. Mamãe vai entender, ou talvez
lembrar, que existe pressão por notas, coleguinhas implicantes e insuportáveis,
professores chatos, paqueras, necessidade de privacidade, tempo para lazer,
etc. e talvez, a partir de tudo isso, se remodelar; e a filhota vai perceber
que ser mãe, ter obrigações, preocupações, casa, trabalho, e, principalmente
filhos aborrecentes, não é tarefa para qualquer uma.
Mães e filhas e suas histórias.
5. “Clube da Felicidade e da Sorte”, de Wayne Wang (1993) – Filme emocionante sobre mulheres que foram filhas, se tornaram mães e viram as filhas se tornarem mães.
Quatro chinesas com histórias diferentes em seu país de origem, vão parar nos Estados Unidos e lá constroem famílias, se conhecem e tornam-se grandes amigas. Muitos anos depois, após a morte de uma delas, Suyuan, é revelado à sua filha June, que as filhas gêmeas que a mãe tivera na China e que abandonara bebês durante a guerra em circunstâncias pouco esclarecidas, às quais todos acreditavam não terem sobrevivido, estavam, sim, vivas e dispostas a conhecê-la. Então, a festa de despedida de June, que embarcará para a China para conhecer as irmãs, serve de pano de fundo para conhecermos as histórias de vida de cada uma delas, de suas dificuldades na China, das particularidades das relações com suas próprias filhas quando crianças, e dos problemas da vida adulta destas como mulheres.
Traumas, reminiscências, roupa-suja, desabafos, remorsos, sacrifícios, esqueletos dentro do armário são trazidos à tona em momentos chave do filme de modo a preencher lacunas em aberto e colocar as coisas nos seus devidos lugares e apenas reafirmar aquilo que todos sabemos: que ela pode ter todos os defeito que tiver, mas que não existe ninguém como a mãe da gente.
6. "Dançando no Escuro", de Lars Von Trier (2000) - Tudo o que Selma queria era guardar um dinheirinho para fazer a cirurgia de olhos de seu filho para que ele não acabasse como ela, quase sem enxergar nada, uma vez que herdara dela a doença progressiva de perda de visão. Mas um vizinho, um policial proprietário do terreno onde ela vive num trailer com o filho, descobre sobre o dinheiro e rouba as economias da pobre coitada que, além de tudo, acabara de ser demitida da fábrica onde trabalhava. Tentando recuperar seu dinheiro, Selma acaba matando o vizinho e é presa por isso. Uma história dura, dramática, pesada, é verdade. Mas a vida de Selma, de certa forma, é embalada e seus momentos difíceis amenizada pela música. Amante dos musicais cinematográficos, Selma foge mentalmente de sua realidade imaginando estar em cenas de filmes musicais onde tudo à sua volta suscita sons e canções, desde as máquinas da metalúrgica onde trabalha ou mesmo passos, enquanto é levada pelos guardas na cadeia.
Filme do sempre controverso Lars Von Trier, com atuação brilhante da cantora Björk, no papel da protagonista, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes.
Eis uma mãe que deu cada centavo de seu trabalho e fez tudo que estava a seu alcance pelo bem do filho. Até as últimas consequências.
"Dançando no Escuro", 107 passos
A maluca mãe de Carrie, disposta tudo para
que a filha continue pura.
7. "Carrie, A Estranha", de Brian De Palma (1976) -
Não tem como falar em mães no cinema e não lembrar da maluca, crente e
super-protetora mãe de Carrie White. Fanática religiosa, Margareth mantém a filha
afastada e alienada em relação ao mundo que a rodeia, expondo a jovem a constrangimentos diários como, por exemplo, o do início do filme em que se desespera
por ter menstruado e é ridicularizada pelas outras meninas no vestiário da
escola. Ah, mas não é uma boa ideia zoar com uma garota como Carrie com poderes
psicocinéticos que se manifestam especialmente quando ela se altera emocionalmente,
e essa galera que adora tocar um terror nos outros, vai entender isso da forma
mais dolorosa possível.
Uma das garotas do bullying no vestiário, verdadeiramente arrependida
e na boa intenção de se redimir com Carrie, convence o namorado, os gostosão da
escola, a convidá-la para o baile, de modo que a esquisitinha se enturme, socialize.
A mãe, brilhantemente vivida por Piper Laurie, tenta evitar de todas as maneiras
que a filha vá, utilizando-se de seus argumentos religiosos, chantagens
psicológicas e sua por fim de sua autoridade de mãe, mas Carrie, decidida a
viver pelo menos um dia de sua vida, começa a mostrar seus poderes em casa,
contra a própria mãe e termina de fazê-lo na festa, onde vítima de um trote de
muito mau gosto, do restante da turminha da pesada, proporciona um banho de
sangue em uma das cenas mais marcantes da história do cinema.
A velha podia ser louca, mas não dá pra dizer que ela não
avisou.
Sarah Connor não vai permitir que robô nenhum
se meta com seu filho.
8. "O Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final", de James Cameron
(1991) - Tá certo que no início, lá no primeiro filme, por mais que tivesse
sido informada por um carinha do futuro que seria a mãe de um líder da
resistência humana numa guerra contra as máquinas, Sarah Connor estava mais
interessada era em salvar a própria pele do que de um bebê que, a bem da verdade,
ela nem tinha certeza se viria a existir mesmo. Mas a partir do momento que se
convenceu, da pior forma possível, depois de ter sido perseguida por um
ciborgue sanguinário e impiedoso, de que o papo de apocalipse das máquinas era
quente, foi determinada em ter a criança e, no pouco tempo em que teve com ele
antes de ser internada num hospital psiquiátrico, em treiná-lo e prepará-lo
para cumprir seu destino no front dos humanos contra as máquinas.
Durante todo o tempo em que esteve mantida no manicômio penitenciário por ter
destruído uma fábrica de eletrônicos e alegar que o fizera porque um robô
exterminador teria vindo do futuro para matá-la e a seu filho, Sarah (Linda Hamilton) sempre
ficou pensando numa maneira de sair dali para proteger o filho. A desconfiança que
o garoto tem, posteriormente no filme, quando a resgata do hospício, de que a
mãe está mais preocupada com a humanidade do que com ele, não demora para se
desfazer diante de toda o amor com que ela o protege.
Ela é fria é pragmática, objetiva, dura, durona, mas não poderia ser de outra
maneira quando se sabe que seu filho, além de já ser naturalmente importante
somente por ser seu filho, pode ser a salvação da humanidade.
9. "Leonera", de Pablo Trapero (2008) - Circunstância estranhas... Um
homem morto, outro ferido, uma mulher inconsciente. Um dos dois seria o
assassino? Teria sido uma quarta pessoa? Por que não ela não lembra de nada?
Teria sido drogada? Ou não quer lembrar? O fato é que nesse mistério todo, a
garota é quem vai parar na cadeia, só que grávida como se encontra, é enviada a
uma instituição onde é permitido que as internas tenham lá seus bebês e depois
permaneçam com as crianças no presídio, até os 4 anos de idade. Revoltada com a
gravidez, relutante e resistente em ter o filho, num primeiro instante, Julia
Zarate (Martina Gusmán), aos poucos vai sendo conquistada pelo seu pequeno rebento e seu
instinto e amor de mãe acabam prevalecendo, fazendo dela uma mãe atenciosa e
carinhosa, mesmo dentro daquele ambiente prisional.
O lugar, mesmo com as características tradicionais de uma instituição carcerária, em
muitos momentos acaba parecendo uma creche e a presença das crianças acaba
iluminando um pouco o lugar e garantindo-lhe, de certa forma, sempre um rasgo
de alegria e esperança.
Só que em meio às situações corriqueiras de um presídio, envolvimentos íntimos,
desavenças com outras internas, visitas do advogado, audiências de apelação,
Julia vê-se às voltas com as investidas de sua mãe para levar o neto dali
daquele ambiente que considera pouco apropriado para a criação de uma criança.
Sob pretexto de tratar um resfriado do menino, a avó consegue convencer a mãe a
tirá-lo de lá, em princípio, apenas para uma consulta médica, com a promessa de
levá-lo de volta. Só que isso não acontece e aí Julia vai fazer de tudo para
ter seu filho de volta.
Filme de uma mãe que até hesita um pouco no ofício divino que lhe é concedido
mas que a partir do momento que se sente mãe, não vai deixar que ninguém tire
isso dela. Uma leoa que protege sua cria a qualquer custo.
10. Kill Bill – vol.2”, de Quentin Tarantino (2004) – No final
do volume 1 é revelado, apenas para o espectador, que a criança que a noiva
baleada na cabeça num massacre numa igrejinha de interior, sobrevivera à chacina. Recuperada
de um coma de quatro anos, a mãe, uma assassina treinada que não perdera seus
instintos mortais, depois de se vingar de parte do grupo
que tentara matá-la, vai agora em busca do líder e ex-amante, Bill. O tempo inteiro, a grande
motivação da vingança de Beatrix Kiddo (Uma Thurman), também conhecida como a Mamba Negra, é
o fato de terem-lhe tirado seu bebê, tanto que a primeira coisa que faz quanto
desperta do coma, sem noção de quanto tempo estivera ali, é levar a mão à
barriga e perceber que não tem mais ali a criança. Aquela é a vingança de uma mãe.
Cada um que sucumbe a ela paga pelo fato de terem lhe tirado a oportunidade de poder
ter um filho, estar perto da criança, curtir cada momento. Ah, todos terão que
pagar por isso! O que ela não contava é que, às portas de seu confronto final,
ao encontrar Bill, encontraria também uma graciosa menina, doce, dengosinha e com
carinha de anjo. Ah, amigos, ela desaba! A determinação com que ela adentra a
vila onde habita o algoz, de arma em punho, pronta para aniquilar o homem que
lhe causara tanto sofrimento e privação, é completamente desestruturada assim
que vê a menina.
Ele, cavelheiresco como é, apesar de seu ofício, permite a
elas algumas horas juntas antes do inevitável duelo final entre os dois, que
serão os momentos mais gostosos e bem aproveitados por aquela mãe. Horas que
valerão por anos, até porque, ela não sabe o que acontecerá assim que sair
daquele quarto e colocar sua espada Hatori Hanzo em ação contra a de seu oponente,
o tão perseguido, Bill.
11. “Volver”, de Pedro Almodóvar (2003) - Almodóvar gosta de destacar mulheres em seus filmes e não raro, trata especificamente de mães, como acontece, por exemplo em "Julieta" (2016), "A Flor do Meu Segredo" (1995) e, é claro, "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999). Mas não vamos cair na obviedade de destacar o filme que explicitamente dedica, já no título, sua temática às mães e sim um outro do qual gosto muito e que traz as questões das relações entre mães e filhas de uma maneira mais leve, mesmo contendo elementos dramáticos, polêmicos e sombrios. "Volver" é uma espécie de comédia surrealista onde uma mãe, Irene, brilhantemente interpretada por Carmen Maura, "retorna dos mortos" para alguns acertos, alguns ajustes, uma reconciliação com suas filhas, especialmente com Raimunda, vivida por Penélope Cruz, com quem nunca tivera, em vida, uma relação muito boa. Raimunda, diante da novidade da misteriosa volta da mãe, ainda vê-se às voltas com o assassinato cometido por sua filha adolescente Paula,que matara o padrasto que tentara abusar sexualmente dela. A não ser pelos relatos de Raimunda, não sabemos como era a mãe quando viva, mas o que sabemos é que a Irene "fantasma" é um personagem adorável que dá um brilho todo especial ao filme de Almodóvar. Um filme delicioso com uma mãe que vai nos mostrando, e às filhas, que tudo o que sempre fez, foi protegê-las, assim como a filha Raimunda faz agora em relação à sua pequena Paula. Aquele instinto que passa de mãe para filha.
12. "Indochina", de Régis Wargnier (1992) - Eliane (Catherine Deneuve), dona de uma vasta extensão de seringais na Indochina francesa e mãe adotiva de uma garota indochinesa, se apaixona e tem um romance com um oficial francês da Marinha, Jean-Baptiste, mas o rapaz também cai nas graças da filha Camille em um incidente na rua onde o militar salva sua vida. Em parte por ciúmes, em parte para protegê-la do cenário efervescente pela libertação da colônia, Eliane, rica e influente consegue fazer com que transfiram o oficial para os quintos-dos-infernos, numa ilha, literalmente, lá na cochinchina, de modo que fique longe da filha, imaginando assim que a jovem desista dele e, por fim, o esqueça. Só que aquela mãe não contava que o amor da menina pelo oficial fosse muito maior do que ela imaginava. A menina atravessa o país atrás do seu amor e, agora sem a proteção de sua posição social, como uma indochinesa comum e misturada a seu povo, conhece a relidade local, se afeiçoa à sua gente ele e se solidariza com sua luta pela independência.
A busca e Camille por Jean-Baptiste é comovente e tem momentos verdadeiramente lindos, mas em paralelo a isso, a mãe, verdadeiramente amorosa apesar do ato egoísta, desesperada, não mede esforços para encontrar a menina e move mundos e fundos para tê-la de volta. Mas aí já é tarde, a pequena e frágil Camille já virou uma revolucionária procurada e praticamente uma lenda em seu país.
O fato de ter afastado a filha da pessoa que ela amava pode parecer desqualificar Eliane no quadro das grandes mães. É verdade, ela foi um tanto egoísta, autoritária, até insensível. Mas não se engane, leitor. É o tipo do caso da mãe que acha que está fazendo o melhor para o filho, mesmo que isso tenha que custar algum sacrifício o qual, neste caso específico, era para ambas. A gente até fica com uma raivinha dela durante o filme mas na cena do reencontro das duas é de morrer de pena daquela mãe.
mostrando que mãe adotiva é tão mãe quanto qualquer outra.
"Indochina" - trailer
Uma das mortes clássicas de "Sexta-Feira 13".
Jason aprendeu direitinho com a mamãe.
13. “Sexta-Feira 13”, de Sean S. Cunnigham (1980) – Quando pensamos em “Sexta-Feira 13”, a primeira lembrança que nos vem à mente é o assassino psicopata da máscara de hóquei, Jason Voorhees, mas pouca gente lembra que quem mata no primeiro filme da franquia (* alerta de spoiler) é a mãe de Jason. Sim! Pamela Voorhees traumatizada e perturbada pela morte do filho, afogado por negligência dos monitores do acampamento de Crystal Lake, responsabiliza, de um modo geral, a todos os jovens cheios de vida e resolve que deve se vingar de todos aqueles que venham a acampar no lugar onde o filho morreu. E a mamãe capricha! É um banho de sangue com algumas cenas das mais clássicas do terror slasher como, por exemplo, a que Kevin Bacon, estreando, novinho ainda, tem a garganta atravessada por uma faca, deitado na cama. Caso em que o filho aprendeu direitinho os ensinamentos da mãe pois, dali em diante, nas sequências da franquia, é Jason quem assume o facão e mostra-se extremamente competente em sua tarefa.
Quem assistiu a “Sexta-Feira 13 – parte 1”, jamais vai esquecer a frase, dita com aquela vozinha fininha, imitando a de uma criança, sempre antecedendo mais uma atrocidade: “Mata ele, mamãe!”.
14. "A Troca", de Clint Eastwood (2009) - Agora, imagina se seu filho desaparece, você denuncia o fato às autoridades e depois de algum tempo eles vem pra você com uma outra criança e querem que você engula e aceite aquilo. Cara, é exatamente o que acontece em "A Troca", filme dirigido por Clint Eastwood e estrelado por Angelina Jolie, e o pior é que a coisa toda é baseada num fato real ocorrido em Los Angeles na década de 20.
Aquela mãe insiste, Christine Collins, reafirma que não é o mesmo menino que sumira, tenta provar de todas as maneiras, com os professores, com exames médicos, com fotos, mas a polícia não só tenta lhe impor que é o garoto que ela procura como a acusa de insanidade mental por não reconhecer o próprio filho.
Uma história angustiante em que ficamos cada vez mais envolvidos e torcendo por aquela mãe. Mas infelizmente, amigos, tenho que revelar que a situação só piora.
Caso de uma mulher que não desiste do filho, não desiste da verdade, mas que, mãe solteira, vê-se impotente e cada vez mais sufocada pelas autoridades, pelo machismo e pela conjuntura social de sua época.
15. "Mãe!", de Darren Aronofsky (2017) - Essa é a mãe de todos nós. Salvo outras possíveis interpretações, a Mãe, interpretada por Jennifer Lawrence no filme de Darren Aronofsky, representa mãe natureza, a vida. E tudo o que aquela mãe mais quer é viver em paz e preservar sua casa, que é, na verdade, a nossa casa. A casa em questão, uma propriedade retirada em reformas, é onde ela vive com Ele, um escritor em crise criativa, vivido por Javier Barden, que, vaidoso e inconsequente, permite visitas inconvenientes que cada vez mais vão tumultuando a vida e o lar dos dois. Primeiro são um homem e uma mulher, convidados por Ele (Adão e Eva); depois uma multidão mal-educada que chega para o funeral de um dos filhos do homem e da mulher, morto pelo irmão (Caim e Abel), e com seu mau comportamento, mesmo diante de todas as advertências, acabam causando um enorme vazamento (Dilúvio) e a ira da dona da casa; e por fim, quando ela já está grávida, os convidados que chegam para celebrar a nova obra do escritor que finalmente rompera seu bloqueio criativo e que assim que ela tem o bebê, em meio à sua noite de consagração, exibido, faz questão de levar e entregar seu filho, recém nascido à turba de insensatos que..., (* alerta de spoiler) literalmente, o devoram (Jesus Cristo).
Um filme complexo, para o qual cabem diversas outras interpretações ou variações, mas que não deixa dúvida quanto a uma coisa: o zelo que uma mãe tem pelo seu lar e pelos seus.
À parte as reflexões religiosas, com "Mãe!" você vai entender melhor o desespero da sua mãe quando chegava em casa e via aquele lugar de cabeça pra baixo.
Alguns outros filmes com mães marcantes que merecem destaque e poderiam perfeitamente estar na nossa lista:"O Óleo de Lorenzo", de George Miller (1992); "Mamãe Faz Cem Anos", de Carlos Saura (1979); "Mommy", de Xavier Dolan (2014); "Minha Mãe é Uma Peça", de André Pellenz (2013); "Tudo Sobre Minha Mãe", de Pedro Almodóvar (1999); "Mom", de Ravi Udyawar (2017); "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert (2015); "O Quarto de Jack", de Lenny Abrahamson (2016); "Precisamos Falar Sobre Kevin", de Lynne Ramsay (2012), "Juno", de Jason Reitman (2008); "Zuzu Angel", de Sérgio Rezende (2006)
O cinema é capaz de mexer
com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na
grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação.
Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover.
Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha
no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os
instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de
medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais
complexo”, provavelmente até indefinível.
“Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça,
a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer
adulação.”
Isso explica em parte porque
sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos
assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas,
mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro
gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa
magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de
cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa
aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.
Ainda por cima, o universo
dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as
pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos
reconhece que é sui genneris) a
figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos
aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo.
Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão
críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida –
e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.
O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio
psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por
prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático
apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história
do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do
escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme,
1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão
Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e
disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica –
e de medo também.
2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias
psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na
literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes
são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo
Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é
até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo
concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock, "Psicose", de 1960,tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.
Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"
Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são
recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente
violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo,
pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo
talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado
pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais
do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se
sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do
que muito serial killer. Com um
olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa,
e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não
é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio,
Michael é apavorante.
Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que
fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor
exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan
Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e
a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a
do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando,
depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso
horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da
psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita
mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é
penalizado.
5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo
pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator
nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a
fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as
caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias
sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley
Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial
em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar
terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois
há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e
em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá
em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.
Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"
O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da
história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o
taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de
“A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert
Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo
do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família
Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão
e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da
liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a
esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?
7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a
violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência,
quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa
inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da
nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço"(1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez
até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico
é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de
meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a
tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz
original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem
para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da
Herbert Richards, consegue superar.
Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"
8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção
para dizer para um mal-encarado “como é
que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a
resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis
do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho
já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem
traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002),
então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel.
Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a
sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.
O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres
do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente,
usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no
espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O
personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno"Onde Os Fracos Não Tem Vez"(2007), é
montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e
unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade
com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega
e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele
aparece com aquela arma de ar comprimido.
10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é
a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor
aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior
espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max
Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo"(Laughton,
1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes
já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas
Mitchum, inegavelmente é o destaque.
"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"
Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
O alucinado e diabólico
vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura
pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez
muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas
nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de,
dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger
achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o
burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.
12 - Jack Torrance
(Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador,
imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado"(1979), outra das
obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de
terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas.
Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de
Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e
sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o
controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos
espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua
família.