foto: Leocádia Costa |
“Não tenho nada a ver com a política: conheço
somente a arte”
Joseph Beuys
texto e fotos Leocádia Costa
Joseph
Beuys apareceu na minha biografia por quatro vezes num período de 20 anos, e
somente agora posso dizer que começo a compreender esse notável cidadão
contemporâneo.
Em
1993, o artista plástico Cláudio Ely, nosso Professor de Cerâmica no Atelier
Livre da Prefeitura, apareceu animado comentando sobre um ativista cultural
alemão numa das nossas discussões sobre política e Arte. Perguntei curiosa qual
forma de expressão ele utilizava em sua Arte que tanto lhe impressionava e a
resposta foi: “vassouras”. Ele se referia às perfomances realizadas nas ruas
por Beuys, aos cartazes fotográficos dessas ações e a própria vassoura que
servia de objeto-arte em instalações.
Em
2009, numa das aulas de História da Arte Contemporânea com a Profª Dra. Glaucis
de Moraes, na Feevale, me deparo com o Joseph Beuys novamente, conhecendo aí o
registro crítico e totalmente provocativo: “I Like America and a America Likes
Me”, onde por três dias ele convive com um coiote selvagem, chegando e saindo
de Nova York sem tocar o solo americano com os pés.
Já em
2010, reencontro com Beuys no Santander Cultural Porto Alegre, quando seus
trabalhos estão junto a de outros artistas da Mostra Horizonte Expandido, com
curadoria dos artistas e pesquisadores André Severo e Maria Helena Bernardes.
Esta mostra reuniu 72 obras de 16 artistas que influenciaram radicalmente o
nascimento da cena artística contemporânea, e trouxe Beuys para meu círculo de
artistas prediletos.
"Capri-Betterie" foto: Leocádia Costa |
Agora
em 2013, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói – MAC tive a oportunidade de
visitar por algumas horas a exposição “Res-Pública: conclamação para uma alternativa global” com mais de 100 obras coletadas de todas as fases
de sua vida. Durante essa mostra individual, que realmente atingiu seu objetivo
de perpassar todos os suportes, pude acessar uma impressão mais pessoal sobre
sua produção que é, sem dúvida, um legado para às Artes e futuras gerações.
Da mostra
destaco os trabalhos: o objeto: “Capri-Batterie”, de 1985; os cartazes “Não
conseguiremos sem a rosa”, de 1972, e “Superem finalmente a ditadura dos partidos”,
de 1971; o objeto “Encosto para uma pessoa bem esguia do século 20”, de 1972,
parte da exposição Arte multiplicada 1965-1980, coleção Ulbricht; o múltiplo “Levantamento
das Nádegas”, da exposição “Múltiplos, livros e catálogos da Coleção Sr. Speck”,
de 1974, além de uma infinidade de materiais expostos em vitrines que
respeitaram a estética alemã original de Beuys. Dentro de cada obra e à medida em
que me deslocava pelo ambiente expositivo, avistava frestas do cidadão
consciente da sua responsabilidade com o outro.
"Encosto para uma pessoa bem eguia do século XX" foto: Leocádia Costa |
Beuys
é um pensador-artista que deixou mensagens extremamente atuais depois de 27
anos de sua morte sobre meio-ambiente, utilizando com excelência os meios
disponíveis da comunicação (cartazes, jornais, rádios e televisões), da política
(manifestos, partidos, protestos, grupos de discussão) e das Artes (esculturas,
instalações, desenhos, objetos, aquarelas e fotografia) como forma direta de
expressão. Sua percepção político-social-sustentável de uma sociedade mais
comprometida com o indivíduo e seu lugar dentro desse organismo vivo é um
legado a futuras gerações. Envolvido com a democracia direta Beuys consegue
interligar política e Arte ressaltando, assim, a importância do Artista no
contexto social de qualquer comunidade organizada, fazendo o indivíduo tomar
para si o compromisso social através da Arte.
"Levantamento de Nádegas"
foto:Leocádia Costa
|
A
Escultura Social de Beuys explicada por ele muitas vezes em canais de
comunicação inicia-se na ideia de que o ato artístico está baseado na
capacidade humana de pensar, refletir e na condição criativa nata do indivíduo.
Para ele, a sociedade pode e deve se transformar, através da Arte, porque,
segundo ele, “todo o ser humano é artista”. Seguindo o seu pensamento (que
encontra eco/resposta em outros movimentos artístico-filosóficos, tais como na
Arte-educação), de que todo o indivíduo é artista, não deveriam existir
privilégios e, sim, democracia, igualdade e responsabilidade pessoal.
texto Daniel Rodrigues
Sempre notei nos filmes de Luís Buñuel,
principalmente os da segunda fase francesa (“A Via Láctea”, “O Fantasma da Liberdade”, “O Discreto Charme da Burguesia”) um aspecto imanente que só é
possível devido à sua força conceitual. Seus filmes pareciam, estranhamente,
filmes de filmes. Dão-lhe a estranha sensação de que, aquilo que está na tela,
não é exatamente aquilo, embora o olho insista em enxergar o que não deve ser.
Este resultado, produto de uma ação tão profunda quanto interna do filme-obra,
aparentemente, não é motivado por nada em específico que aja tão diretamente
para que isso ocorra. Mas a sensação está ali. Na verdade, Buñuel conseguia
extrair isso da câmera por conta de toda uma atmosfera linguística e linha
filosófica que, principalmente nesta fase (sua última), já burilada em
linguagem e estética, se evidencia misteriosamente mesmo para um olhar treinado
em Cult movies europeus.
Garrafas e pote funcionando como objetos de arte foto: Leocádia Costa |
Pois que, ao visitar o MAC-Niterói, deparei-me com
a obra de um artista plástico moderno (não coincidentemente, contemporâneo de
Buñuel) cuja sensação em alguns aspectos é exatamente a mesma. Falo do alemão
Joseph Beuys (1921-1986). Considerado o artista plástico alemão mais importante depois
da Segunda Guerra Mundial, Beuys parte das oposições razão-intuição e
frio-calor, trabalhando de modo a restabelecer a unidade entre cultura,
civilização e vida natural, o que revolucionou as ideias tradicionais sobre a
escultura, pintura, fotografia, instalação, arte performática, videoarte, entre
tantas outras frentes que explorou. Extremamente rica em simbologias,
mensagens e discurso, sua obra, na linha evolutiva de Duchamp, é de uma
coesão/diluição absurdas conceitualmente falando. Sua obra consegue, de
forma íntegra, extrair o que há de arte em, por exemplo, uma vassoura, em uma
garrafa, em uma vasilha de leite, em uma fita VHS. O impressionante é que a
aura artística nos é facilmente percebida, embora “nada” diga-nos que esses
objetos não passam simplesmente de uma vassoura, uma garrafa, uma vasilha ou
uma fita magnética.
"Terno de feltro", matéria-prima não nobre na tradição da Arte foto: Leocádia Costa |
Ativista social e político, em seu entendimento,
todo mundo é inatamente artista e ele servia apenas como uma ferramenta desse
ímpeto natural. Assim, sua importante atuação acadêmica na Düsseldorf
pós-Guerra, bem como a luta que travava quanto às questões ambientais (pouco
valorizadas como hoje, era da tal “sustentabilidade”), fazem com que sua Arte
ganhe ares absolutamente modernos – e pioneiros à época. Inovador em técnicas e
formatos, valia-se em seu discurso do deboche e da crítica à sociedade de
consumo, cuja dominação já se sentia a pessoas perceptivas como ele.
Impressionam muito, neste sentido, a simplicidade/complexidade do uso do feltro
nas obras (é, isso mesmo: o “feio” tecido que serve comumente como isolante
térmico), como o terno talhado neste material nada nobre em termos de tradição
da Arte.
Outra ligação direta que é percebida é com a obra
de outro contemporâneo seu, mas este bastante próximo: o cineasta e também
alemão Reiner Werner Fassbinder. A
transgressão, a crítica e a estética dos dois dialogam muito, principalmente
nos elementos gráficos (letras em cores primárias, sem serifa e de corpo denso
e agressivo) e nas fotos impressas em off-set de Beuys, cuja coloração,
enquadramento e luz lembram muito a fotografia de filmes de Fassbinder como
”Roleta Chinesa”, “Whity” e “O Medo Devora a Alma”.
À esquerda, quadro de Beuys com tipografia característica de diretor Reiner Fassbinder, e À direita, frame de abertura do filme "Whity", do mesmo cineasta alemão foto da exposição: Leocádia Costa |
SERVIÇO:
exposição: "Joseph Beuys – Res-Pública: conclamação para uma alternativa
global"
onde: Museu de Arte Contemporânea de Niterói - MAC (Mirante da Boa Viagem,
s/nº. Niterói, RJ)
até 1º de dezembro de 2013
horário: terça a domingo, de 10
às 18h
Equipe Curatorial: Silke Thomas; Rafael Raddi e Luiz Guilherme Vergara