quarta-feira, 13 de maio de 2009
LONDON CALLING
Bom, a aproveito entao para passar este pequeno boletim aqui de Londres e afirmar que LONDRES É TUDO!!! A cidade é demais! Tao cosmopolita quanto se possa imaginar, organizada, charmosa, limpa, fascinante. Tem um povo extremamente gentil e educado, paisagens naturais sutilmente ternas e uma arquitetura marcante, singular e de inegável importancia historica.
Além disso tem aqueles charmes que só Londres tem como os onibus de dois andares, os táxis, as pontes, os pubs e o clima.
Saio daqui na sexta-feira. Proxima parada: Paris.
Vamos ver se consigo postar de lá.
segunda-feira, 27 de abril de 2020
Caetano Veloso - "Caetano Veloso" (1971)
Ausência, isolamento, solidão. Exílio. Esta foi a condição de Caetano Veloso ao gravar o álbum de 1971. Em tempos de coronavírus, onde o isolamento nos fez reféns, este álbum nos serve como um bálsamo para abrandar e até compartilhar dos sentimentos de falta, ao menos refletirmos sobre.
“Caetano Veloso”, o álbum, é um disco triste, porém lindo. Muito lindo. E me fez pensar no dito de que “é no desespero que parimos nossas obras mais lindas”. Caetano estava depressivo, ao encararmos sua feição na capa do disco, envolto em um casaco de pele ele nos fere com seu olhar cansado, triste, longínquo.
“A Liitle More Blue”abre o álbum, melancólica, uma carta de saudades do Brasil. O Brasil do “ame-o ou deixe-o”, corrompido por uma falsa promessa de crescimento. Caetano foi vítima do nacionalismo e conservadorismo que, juntos, ceifam o pensamento crítico e a liberdade de expressão. O álbum segue com “London, London”. Linda, uma bela melodia que canta a liberdade numa terra estranha. Porém, não é a casa, não é a Bahia: é o exílio.
“Maria Bethânia”, a terceira música, uma carta para sua irmã que está no Brasil. Aqui Caetano brinca com o diminutivo de Bethânia (Beta) com a palavra em inglês “better”. “Melhorando, Melhorando, Beta, Beta, Bethânia”. No que antecedeu a gravação do disco, Bethânia havia solicitado aos órgãos de repressão brasileiros a possibilidade de Caetano vir ao Brasil para o aniversário de casamento dos pais, o que foi liberado. A música mantém um clima de repente nordestino, que se encaixou perfeitamente na levada samba hipnótica. Sendo que, neste álbum, Caetano tocou violão em todas as músicas a pedido dos produtores ingleses, que adoravam seu estilo de tocar.
“If You Hold A Stone”: Caetano Veloso criou esta música a partir da obra “Nostalgia do Corpo”, de Lygia Clark, realizada na II Bienal da Bahia, em 1968, onde uma pessoa segura uma pedra e outra pessoa faz um abrigo, sem se tocarem. Pode ser bom então tentar resgatar algumas lições deixadas por Lygia Clark: a casa é o corpo, existe cuidado sem contato, é possível exercer o sensível como uma expansão compartilhada da duração e da presença.
“In the Hot Sun of Christhmas Day”, é a história da prisão de Caetano e Gil em 1968, no advento do AI-5. “Asa Branca” fecha o disco, na minha opinião é um lapso do interior nordestino conectado ao cosmos. Caetano universal. Sideral.
Uma curiosidade: no aniversário de 70 anos de Caetano, um esforço foi feito pelas redes sociais para descobrir quem no mundo tinha a edição inglesa deste disco gravado em Londres. Porque a edição brasileira tem um corte em “A Little More Blue” feito pela censura. Caetano fazia uma menção à (atriz argentina) Libertade Lamarque e a censura pensou ser que Caetano estava pedindo liberdade para Lamarca.
Se para preservar a saúde de si e dos outros será necessário mantermos distância, pode ser também propício criar novas formas de contato entre nós – ainda que de longe. Em termos de distância, Caetano Veloso canta sua saudade do Brasil e, obviamente, da Bahia, estando exilado em Londres quando ao lançamento deste disco, que é o meu favorito na discografia dele.
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
ClyBlog 5+ Lugares
Sabe aquele lugar que você visitou e nunca mais vai esquecer? Aquele lugar de paisagens encantadoras? Aquelas fotos inesquecíveis? Aquele lugar que você moraria, hoje, sem pensar duas vezes? Aquela viagem de sonho?
Ah, deu vontade de viajar, não? Pois então, perguntamos para 5 amigos do clyblog quais foram os 5 lugares que visitaram que mais marcaram suas vidas, seus corações, suas memórias. A arquitetura, o povo, os costumes, a natureza, as novas amizades, a gastronomia, as boas lembranças, tudo que de mais legal alguns lugares deixaram para essas 5 pessoas.
Na série de especias dos 5 anos, com vocês, clyblog 5+ lugares:
1. Rodrigo Lemos
professor de música
Londres /GB
1 - Ilhas Maurício
2 - Koh Phangan,Tailândia
3 - San Pedro de Atacama, Chile
4 - Katmandu, Nepal
5 - Marrakech, Marrocos
*****************************************************
2. Rosana Gentile
bióloga
Rio de Janeiro/RJ
1 - Veneza, Itália
2 - Londres, Reino Unido
3 - Ilha Grande, Rio de Janeiro
4 - Torres del Paine, Chile
5 - Fernando de Noronha, Pernambuco
Arquivo de viagem de Rosana
da viagem a Fernando de Noronha
|
*******************************************************
3. Juliana Antoniolli
analista de marketing
Porto Alegre/RS
Os impressionantes Lençís Maranhenses |
1 - Cuba
2 - Lençóis Maranhenses
3 - Buenos Aires, Argentina
4 - Miami, Estados Unidos
5 - Rio de Janeiro, Brasil
*************************************************
4. Leocádia Costa
publicitária,
fotógrafa, produtora e
arte-educadora
Porto Alegre/RS
As bandeiras de orações, no Templo Budista em Três Coroas
na belíssima foto de Leocádia Costa
|
1 - Três Coroas, Rio Grande do Sul
2 - Rio de Janeiro
3 - Ouro Preto, Minas Gerais
4 - Pelotas, Rio Grande do Sul
5 - Niterói, Rio de Janeiro
assistente de diretoria
Rio de Janeiro/RJ
2 - Paraty, Rio de Janeiro
3- Taipus de Fora, Bahia
4- Barra do Gramame, Paraíba
As cores incríveis da Barra do Gramame
registradas por Karine Reis
|
5- Mangue Seco, Sergipe/Bahia
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Caetano Veloso - "Transa" (1972)
O início, com “You Don’t Know Me”, uma balada que vai se encorpando aos poucos, tem sua letra em inglês toda “invadida” por pedaços em português, como o trecho de “A Hora do Adeus” de Luiz Gonzaga, e ‘Saudosismo” do próprio Caetano, com a voz de Bebel Gilberto.
“Nine Out of Ten” que a segue, é espetacular em sua sonoridade toda cheia de embalo e ritmo. Caetano mesmo afirma ser esta sua melhor letra em inglês. Em inglês, sim, mas, assim como na anterior, com incursões em português, mas nesta, genialmente mais integradas na letra (“I’m Alive and VIVO, MUITO VIVO, VIVO, VIVO”). Caetano diz sobre esta música: “Tem a Nine out of Ten, a minha melhor música em inglês. É histórica. É a primeira vez que uma música brasileira toca alguns compassos de reggae, uma vinheta no começo e no fim. Muito antes de John Lennon, de Mick Jagger e até de Paul McCartney. Eu e o Péricles Cavalcanti descobrimos o reggae em Portobelo Road e me encantou logo. Bob Marley e The Wailers foram a melhor coisa dos anos 70.”
Caetano utiliza-se da poesia barroca de Gregório de Mattos para compor “Triste Bahia”, a mais experimental do disco, repleta de idas e vindas sonoras, regionalismos, linguagem coloquial, versos de folclore e cantigas populares.
Em “It’s a Long Way”, uma doce e melancólica canção, minha favorita do disco aliás, volta a se utilizar muito fortemente do recurso bilíngüe, depois dos primeiros versos totalmente em inglês, passa para a língua natal novamente com linguagem coloquial, dísticos populares e jogos de roda (“os olhos da cobra verde/ hoje foi que ARREPAREI/ se ARREPARASSE a mais tempo/ não amava quem amei”)
Sobre “Mora na Filosofia”, de Monsueto Menezes, um samba lento, marcado no violão, Caetano diz: “Mora na Filosofia, que é um grande samba, uma grande letra e o Monsueto é um gênio. Me orgulho imensamente deste som que a gente tirou em grupo".
Segue “Neolithic Man”, que é a que gosto menos no disco e fecha com o ótimo e embalado rock’n roll acústico e curtinho "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)".
O álbum contou com arranjos e participações especialíssimas de amigos que estavam em Londres na época, entre eles Jards Macalé e Péricles Cavalcanti, mas que, curiosamente, por negligência no acabamento gráfico, não foram creditados no encarte original. O fato é que o próprio Caetano faz questão de lembrar estas participações e salientar que elas foram extremamente estimulantes para o trabalho em torno do álbum naquelas circunstâncias de exílio, saudades, solidão; e, ouvindo “Transa”, não é difícil notar o quanto as companhias contribuíram para a qualidade e resultado final da obra.
***************************************************
- "You Don't Know Me" (Caetano Veloso) – 3:49
- "Nine Out of Ten" (Caetano Veloso) – 4:57
- "Triste Bahia" (Gregório de Matos Guerra, Caetano Veloso) – 9:47
- "It's a Long Way" (Caetano Veloso) – 6:07
- "Mora na Filosofia" (Monsueto Menezes, Arnaldo Passos) – 6:16
- "Neolithic Man" (Caetano Veloso) – 4:55
- "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)" (Caetano Veloso) – 1:22
Ouça:
Caetano Veloso Transa
sexta-feira, 13 de julho de 2012
The Clash - "London Calling" (1979)
domingo, 26 de junho de 2022
Gilberto Gil - "Expresso 2222" (1972)
Reza a lenda que o filósofo chinês Lao Tsé (604-517 a.C.) nascera com 80 anos. Já sábio, ele legou ao mundo seu "Tao Te Ching", eternizando-se. Permita-se, então, fazer uma viagem no tempo através de um expresso partindo direto de Bonsucesso. Um que dizem que parece o bonde do morro do Corcovado, só que, para cruzar tanto espaço-tempo, assim, como se não houvesse barreira, não se pega e entra e senta e anda, visto que o trilho é feito um brilho que não tem fim. Chega-se lá pelos idos do ano 2000, mais precisamente 2022. Ou seria 1972, 50 anos atrás? Quem sabe, 50 anos para a frente, 2072? Bem, em se tratando de Gilberto Gil, essas classificações temporais são meras ilusões. Tanto faz até onde essa estrada do tempo vai dar. Afinal, Gil é imortal, e imortais são infinitos.
22. Não apenas a recente indicação do nome do baiano à Academia Brasileira de Letras, que o nominou àquilo que sempre foi, um imortal, que enche de simbologias este ano. A começar, neste 2022 Gil completa 80 anos de vida. Isso, somado à homenagem da centenária agremiação literária já seria bastante. Mas tem mais: em 2022 também se completam 60 anos de carreira do artista e cinco décadas de lançamento do emblemático “Expresso 2222”, o disco que, além da semelhança da terminação numérica, marca a volta de Gil do exílio em Londres, fincando de vez o pé no seu Brasil e proclamando que “o sonho acabou”, mas também que só colocaria chiclete no samba quando Tio Sam pegasse no tamborim, ora essa!
Demarcador àquela época da nova fase da carreira do cantor e compositor, “Expresso...”, forte e significativo do primeiro ao último acorde, conecta-se com toda obra do artista seja anterior ou posterior. Antes deste, foram os discos da pré e da Tropicália, forçadamente interrompida pela repressão militar em 1969, e, logo em seguida, a produção londrina, inequivocamente interessante, mas claramente intermediária. De volta à sua terra, Gil provava que seu caminho pelo mundo era ele mesmo quem traçava, como havia reclamado em “Aquele Abraço” antes de embarcar para o exílio. E se ele se despedia com um samba carioca naquele momento, trazia como resposta no velho baú de prata em seu retorno o cosmopolitismo do Primeiro Mundo em um rock acachapante. O ponto de desembarque? A mesma Bahia de Todos os Santos que havia lhe dado “régua e compasso”. É “Back in Bahia”, assim, misto de inglês e português no título, união de velho e novo mundos, uma ponte musical sobre o Atlântico da diáspora negra.
Após uma introdução instrumental com “Pipoca Moderna” (a melhor de sua extensa discografia e como jamais havia feito e nem repetiria em seus álbuns de estúdio), vem, aí sim, a marcante “Back in Bahia”. Espécie de continuação de “Aquele Abraço” – seu maior sucesso na carreira até então –, nela Gil expressa com caráter autobiográfico a avassaladora consciência de um jovem fadado à imortalidade. “Lá em Londres vez em quando me sentia longe daqui”, abre dizendo. E que capacidade de ler a realidade! Embora a saudade “de calor, de cor, de sal, de sol” dos trópicos, Gil entendia que o tempo na Ilha do Norte, onde não sabia se por sorte ou por castigo dera de parar, afinal, passara “depressa, como tudo tem de passar”. A canção, por fim, completa os três pontos subentendidos deixados por “Aquele Abraço”. Gil agora pode dizer com contundência e coração aberto: “Hoje eu me sinto/ Como se ter ido fosse necessário para voltar/ Tanto mais vivo/ De vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá”.
("Sexta Nobre Especial" - Globo)
A veia rock da sua primeira fase tropicalista, que tinha forte influência de Jimi Hendrix (a quem Gil, inclusive, conheceu na Inglaterra, em 1970, poucos dias antes deste partir para a eternidade) agora funde-se ao jazz fusion de Miles Davis – outro ídolo a quem conheceu na mesma ocasião em que viu Hendrix, no festival da Ilha de Wight – e à sua primeira e enraizada referência: Luiz Gonzaga. “O Canto da Ema”, versão para o baião de João do Vale, chega a prescindir do tradicional acordeom, focando no arranjo pop-jazzístico de baixo elétrico-guitarra-bateria-teclado. E que performace! Além de Gil, excelente guitarman, estão Lany Gordin, na guitarra; Bruce Henry, no baixo; Tuti Moreno, bateria; e Antônio Perna, teclados. A banda soa solta neste estilo de sonoridade, que muito Gil ainda se valeria naquele período. Aliás, no próprio disco ele retoma o "Tao do Baião" em leitura moderna, desta vez em “Sai do Sereno", que tem a participação da mana Gal Costa. Rock, forró, jazz, blues, xaxado. Se anos antes a Tropicália restava praticamente isolada a ponto de sucumbir à opressão militar, agora Gil recebia o amparo da psicodelia à brasileira dos Novos Baianos, da resistência divina-maravilhosa de Gal e da renovação jovem-guardista de Erasmo Carlos. Aquele início de anos 70 via o “desbunde” da juventude, que tomava as ruas para celebrar a vida e ter voz.
Caetano Veloso, o irmão tropicalista, parceiro de exílio, música e vida e também oitentão em 2022, não poderia deixar de ter um lugar reservado neste bonde musical. A ligação entre ambos é tão forte que, além da coautoria com Sebastião Biano, da Banda de Pífaros de Caruaru, da música que abre de maneira impactante o disco, é sobre Caetano que Gil fala na canção mais densa do repertório: “Ele e Eu”. Profunda e até psicanalítica, traz em sua melodia intrincada e letra entremeada de símbolos metafóricos ("Porto da Barra", "beijo arrependido", "serpente do começo"), a tamanha simbiose que existe entre os dois, como um espelho que reflete faces parecidas, que confundíveis até linguisticamente. “Ele vive calmo/ E na hora do Porto da Barra fica elétrico/ Eu vivo elétrico/ E na hora do Porto da Barra fico calmo”.
Em “Chiclete com Banana”, Gil explora mais uma vez sua origem nordestina e pop exaltando a referência maior dessa conjunção: Jackson do Pandeiro. Ao invés, no entanto, de atribuir uma sonoridade importada, é no samba de breque que ele busca base. E que violão é este! Herdeiro da batida sintética de João Gilberto, Gil, contudo, é dos que lhe dão um passo à frente, injetando características muito próprias ao seu estilo de tocar que não se resumem apenas à estética, mas também ao espírito. No fim, tamanha é a personalização da música, que se consegue atribuir-lhe, novamente, um caráter de jazz, o genuíno reflexo da alma em sons dos negros levados para a outra ponta do Novo Mundo.
Arte de Aldo Luiz para a contracapa original do disco |
O recado de resistência dado explicitamente em “Back In Bahia”, no começo do disco, reaparece no final do mesmo, só que de forma mais sutil. Toda a energia e eletricidade vistas até o terceiro quarto do álbum propositalmente vão arrefecendo para, ao final, retornarem gradativamente aquilo que lhe é o cerne: Gil e seu violão. Lao Tsé diz em "Tao Te Ching" que "20 raios rodeiam a roda, mas é onde os raios não rodam que a roda roda". O violão de Gil é esta roda motriz, concentradora de toda a tradição do samba do morro e do Recôncavo, dos ritmos nordestinos e da herança ibérica, das religiosidades afro e católica, da modernidade do rock e da vanguarda europeia, do matiz africano e do sincretismo. A sinuosa “O Sonho Acabou”, de embalo roqueiro, mais que uma confirmação, representa uma tomada de consciência madura de que as ilusões da geração pós-Guerra, enfim, terminavam. As marcas da prisão e do exílio, a repressão militar nas Américas, a lisergia e a revolução sexual, os reflexos da Guerra Fria, o 1968 inacabado, a derrota da geração hippie: tudo se resumia ao símbolo do término dos Beatles e a frase dita por John Lennon quando da separação da mítica banda inglesa. E Gil, recém vindo justamente da Terra da Rainha, faz questão de reafirmar isso tudo através da relação voz/violão, ironicamente, a única alternativa que lhe foi dada antes de embarcar para o exílio em Londres, quando gravou às pressas, em 1969, todas as faixas do disco que seria lançado naquele ano sem a presença física de seu autor. Naquela feita, a master só com a voz e o violão serviria de base para que Rogério Duprat arranjasse e pusesse por cima o restante da banda. Aqui, mesmo podendo contar com os outros instrumentos, Gil fazia um protesto às avessas.
E se o violão de Gil vale por uma orquestra, por que não, então, representá-la? É isso que ele faz em “Oriente”, última e triunfante faixa de “Expresso...”. Ainda mais conectada com “Back in Bahia”, haja vista sua abordagem autorreferente, a canção é uma reflexão íntima do artista e homem do seu lugar no mundo, como um questionamento se, de fato, soubesse mesmo de si como afirmou anos antes em “Aquele Abraço”. "Se oriente, rapaz/ Pela constelação do Cruzeiro do Sul/ Se oriente, rapaz/ Pela constatação de que a aranha/ Vive do que tece/ Vê se não se esquece/ Pela simples razão de que tudo merece/ Consideração", enfatizam os versos. Para se aludir à orquestra, no entanto, precisa-se viajar para o futuro mais uma vez, especificamente a 2012, quando Gil grava o álbum ao vivo “Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo”. Neste show, o maestro Jaques Morelenbaum escreve aquele que foi provavelmente o mais fácil arranjo de sua vida, visto que o mesmo estava, quando não subentendido, sugerido na própria harmonia e modo de tocar de Gil na gravação original, seja nos acorde, nos ataques, nas extensões, nos adornos ou na pronúncia de um sustenido. Certamente, uma das harmonias mais complexas já escritas por Gil. Não há outro instrumento que não seu violão, mas é como se toda uma filarmônica tocasse junto. Ele encerra seu disco mais representativo até então fazendo pontes com o passado e criando outras para o futuro – que nunca terminará. “Que não tem fim, ô menina, que não tem fim”.
Mas isso ainda não é tudo, e agora as simbologias começam a tomar forma de coincidências – ou superstições, como preferir. Já parou para somar os números do título do disco, 2 + 2 + 2 + 2? O resultado é 8, o mesmo número de décadas de vida que Gil completa. Quer mais sincronicidade? O número 8 é o símbolo do infinito pela cultural oriental. Gil mesmo previa, décadas atrás, que seria este seu caminho: “O número 8 é o infinito, o infinito em pé, o infinito vivo, como a minha consciência agora”, disse numa de suas letras. Auspicioso, o numeral 22 representa essa infinitude do baiano, do oriental, do africano, do americano, do universal Gil. Um Irokô, senhor das horas, que reduz o tempo a frações e dissolve-o. Uma Benzaiten, deusa taoísta da fluidez, seja para as palavras, a música ou o amor. Como um sábio imortal, que nasce aos 80 anos, ele já andou no expresso lá pelo ano 2000 e pode contar, pois testemunha ocular, que, depois de 2001, Cristo continua sendo como o que foi visto subindo ao céu. Que o percurso-vida cabe dentro de um figo maduro ou num copo vazio. Que a vida é um fragmento quântico infinitésimo ou o tempo de uma saudade. Que o tempo e o espaço navegam todos os sentidos ou na vazante da infomaré. Que o melhor lugar do mundo é aqui e agora, na eternidade da arte.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Gilberto Gil - "Gilberto Gil" (1969)
por Daniel Rodrigues