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sábado, 24 de setembro de 2022

Copa do Mundo Gilberto Gil - classificados da primeira fase


Definidos os classificados!
Nossa turma de especialistas teve bastante dificuldade em muitos jogos. alguns confrontos precoces que poderiam, facilmente, ocorrer em fases mais avançadas. 'Punk da Periferia' vs. 'Esperando na Janela', 'Cérebro Eletrônico' vs. 'Se eu quiser falar com Deus', 'Luar' vs. 'Panis Et Circenses'... Mas fazer o quê? Copas são assim, mesmo. 
E a primeira fase já apresentou algumas "zebras", se é que se pode chamar assim: pérolas como 'Vamos Fugir', Só chamei porque te amo', 'A Novidade', 'Não chore mais' e 'Esperando na janela', já deram adeus à competição. 
Então chega de conversa e confira abaixo os resultados e veja quem partiu para “aquele abraço” na segunda fase.


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resultados de Rodrigo Dutra:




Buda Nagô 2x3 Lugar Comum

Apesar de Buda ser o grande Dorival, Lugar Comum foi feita com Donato que mora no meu coração. Além disso, Gil gravou Buda Nagô com a Nana... e ele namorou a Nana, Bolsominion lunática. Não pode ganhar de jeito nenhum.

As Coisas 1x3 Zumbi, A Felicidade Guerreira
Apesar de As Coisas ter a marca notória do Arnaldo Antunes, a ode a Zumbi com Waly Salomão é mais rica e potente na letra e na batida oitentista.

Quanta 0x1 Queremos Saber
Quanta é lindo. Dueto com Milton então, nem se fala. Mas Queremos Saber ressignificou a geração Cássia Eller mais de 20 anos depois e hoje é um clássico.


Pela Internet 2x2 Procissão (Versão 68) (4x5 nos pênaltis)
Parada dura essa porque sempre foi admirável Gil, Caetano e a geração deles mergulhar nas modernidades transformando em música. Mas esse álbum do Gil é um dos meus preferidos de toda a MPB, tinha que ganhar, nem que seja nos pênaltis.


Lamento de Carnaval 0x3 Parabolicamará
Não conhecia Lamento de Carnaval e achei bem legal a letra e o dueto com Lulu. Mas sou noveleiro e essa é clássica de Renascer. Não tem como.


O Amor Aqui de Casa 0x5 Back in Bahia
A trilha de Eu Tu Eles eu conheço bem pois vendi muito CD na época que trabalhava no Guion CD's. Talvez se Lamento Sertanejo enfrentasse Back in Bahia, poderia dar um empate. Fora isso, é quase imbatível.


Sebastian 3x4 A Paz
Outro disco que vendi bastante esse com o Milton. É a música carro-chefe do disco, homenagem ao Rio e tal, mas na verdade queremos paz pra invadir nossos corações dia 02 de outubro. A paz ganha no fim.


Kaya N'gan daya 1x0 Deixar você
Essa baladinha é muito gostosa, mas Kaya é Bob, Kaya é reggae, Kaya é tudo. Vitória consistente.


Copo Vazio 1x0 Vamos fugir
Essa é meio que uma zebra. Vamos fugir tem lugar na história, no pop reggae, no Skank...mas tocou tanto, tanto, que a fofa Copo Vazio se sobressai, principalmente no recente dueto com Chico.


O som da pessoa 4x0 Não tenho medo da morte
Apesar de dar a real em Não tenho medo da morte, O som da pessoa é inventivo, criativo, brinca com as palavras...não quero pensar em morte pra Gil, por isso a goleada.


La Renaissence Africane 2x1 Aqui e agora
Aqui e agora é outro clássico, mas a linda homenagem à África é poderosa demais.


O Oco do mundo 0x4 Barato Total
Não conhecia O oco do mundo. Poderia surpreender frente ao gigante Barato Total. Mas o que já era difícil ficou impossível na nova versão da série Em Casa com os Gil, onde as mulheres da família Gil fazem uma performance invencível.


Fé na Festa 0x1 Filhos de Gandhi
Não conhecia Fé na Festa e adorei a potência alegre nordestina, não só dessa música, mas de todo o disco. Mas Filhos de Gandhi é a pura Bahia, é a ONU, é a Índia, é a África, é o Candomblé, é o Carnaval.


As Camélias do Quilombo do Leblon 4x5 Nêga
Esse placar apertado demonstra o quanto eu gosto de As Camélias. Feita com Caetano, lembro de adorá-la no momento em que ouvi pela primeira vez na turnê dos 50 anos deles. Mas Nêga é apaixonante, Gil no exílio, numa Londres fascinante.


Pipoca moderna 0x1 Three Little Birds
Eu amo a pipoca da Banda de Pífanos de Caruaru, mas de novo a influência de Bob Marley é definidora. Além do clipe de massinha que é muito fofo e marcou meus vinte e poucos anos.


Luar 1x3 Panis et Circenses
Gil oitentinha tem o seu valor. Gosto muito! Mas Panis é um patrimônio brasileiro. Crítica, inventividade, antropofagia, a caretice que ainda está em voga nas famílias conservadoras. Ganha com excelência.


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resultados de Leocádia Costa:


Serafim 7x0 Abra o olho                           
“Serafim” ganhou de lavada, 7x0, porque apresenta uma canção com a base espiritual de Gil e o seu afoxé inconfundível. Ainda que "Abra o Olho" carregue muito da presença dele em meio aos processos políticos, arregalando a atenção de todos em plena ditadura de 1974, a escolha dessa disputa está feita pela beleza que é escutar o chamado de Gil a todos os Orixás.  

Quilombo, o Eldorado Negro 3 x 0 Retiros Espirituais
A canção tema do filme “Quilombo”, que poderia abrir esse jogo de forma apoteótica, já deu a dica do placar do jogo: 3x0. Essa trilha todinha eu assisti no cinema, junto com meu pai e irmã no ano em que foi lançado (a classificação era livre). Porém, a canção adversaria é um marco na carreira de Gil, sendo uma das primeiras em que ele reflete sobre essa busca espiritual que sempre pontuou a sua vida. Linda! Mas deu “Quilombo”

  
Logunede 0X4 Domingo no Parque 
Mais uma partida em que todas as atenções estavam no time do Parque. Essa canção que para mim está entre aa clássicas de Gil. Representa tanta coisa e se reergue cada vez que é cantada, como uma grande espiral do povo nordestino com sua simplicidade e grandeza ímpares. O jogo mesmo antes de começar já estava ganho! Placar de 4x0 e sorvetinho no final!   


Lente do Amor 3X4 Oriente 
Aqui o placar foi apertado: 4x3. Explico o porquê: é que "Lente do Amor" é uma canção linda, que traz essa forma de falar sobre o sentimento que todos nós queremos. Porém, "Oriente" tem uma força que só percebi quando a escutei ao vivo, num show em Porto Alegre em que o Love e eu fomos no Teatro do Sesi. Essa mesma força, embora com um arranjo diferente, está na versão original e, por isso, apesar da disputa ter sido acirrada, "Oriente" ganhou a partida.  
  

 Flora 3X0 Louvação
Aqui foi bem fácil, porque não se pode separar o compositor de suas musas. “Flora” representa as mulheres que tão bem são homenageadas por Gil em suas canções. Não é uma canção que eu mais gosto, mas “Louvação” não teve chance: 3x0 e explico porque: é que quando escuto “Louvação” me lembro da versão dos Trapalhões que fizeram paródia da canção e daí não tem espaço para essa versão original na minha cabeça.     


Metáfora 0X7 Esotérico
Sabe aquela canção que você fica esperando tocar no seu playlist? “Esotérico” é a canção. Então, ela não pode faltar no campeonato e é uma das clássicas. Adoro! 7x0 sem chance de prorrogação ou definição nos pênaltis.                
                                     
          
Punk da Periferia 4X3 Esperando na Janela
Aqui a partida foi muito difícil. Teve prorrogação e ufa! Deu aquela aflição até o jogo se definir. “Punk da Periferia” é uma canção da minha pré-adolescência, que escutei várias vezes com minha irmã e que fazia a gente dançar. Lembro de Gil no videoclipe passando por partes da cidade que eu nunca havia ido. Fui com ele e comecei a entender mais sobre as pessoas que vivem na periferia. Para mim é um hino de inquietude, um manifesto que explica esse lugar de fala que Gil sempre ocupou. Já "Esperando na Janela" me atira no cinema, me leva a escutar a gaita de Dominguinhos e aquela atmosfera nordestina que tanto me fascina. Mas como já teve jogo ganho com "Só quero um xodó", essa partida quem ganhou foi o Punk. Placar: 4x3.  
    

Banda Um 0X5 Só Quero um Xodó
Partida ganha só na escalação: 5x0 pra “Só Quero um Xodó”, porque quando se apresenta esse ritmo nordestino, os jogadores trocam as chuteiras por um baita arrasta-pé daqueles que atravessam à noite. Me lembra Luiz Gonzaga, a quem escuto desde criança e a quem Gil faz reverência.
 

Extra 2 0x4 Aquele Abraço
Então: sabe aquele time que reúne tudo de bom? "Aquele abraço" tem irreverência, suingue, fala de pessoas, lugares e fatos que são ícones brasileiros. Os primeiros acordes já despontam na sua cabeça quando você sai do Rio de Janeiro ou do país. É uma ode à nossa cultura. Me faz chorar sempre, apesar de ser uma canção alegre. 4x0. (“Extra 2” nunca me arrebatou. Sempre me dá uma sensação estranha ao escutar).


Feliz por um Triz 3x7 Toda Menina Baiana
Uma vez percebi que Gil era um mestre em esticar as vogais levando a gente a repetir, “aaaaa que Deus deu/ oooo, que Deus dá!”, e por aí vai. Quem já esteve na Bahia sabe que a música é muito real quando reverencia a essa terra que concentra um axé único. 7x3 foi o placar. É que a outra canção, bem anos 80, podia ter sido cantada por Cazuza ou Ney Matogrosso e me agrada um pouco, mas não é uma das mais escutadas por mim.


Roque Santeiro, o Rock 1X5 Tradição
Foi uma partida difícil, mas ao mesmo tempo fácil. Já conhecia a primeira canção, mas “Tradição” ecoou em mim desde o “Tropicália 2” em que Gil e Caetano a cantam. É uma canção linda e cheia de imagens, você enxerga as cenas ali descritas, como um cinema musical. Lavada: 5x1 pra “Tradição”.


Oração pela Libertação da África do Sul 4(0)X4(1) Refavela
O jogo começou tenso porque ambas as canções são geniais. Cada uma me toca profundamente e tem uma ligação entre si. Em “Oração...” vemos toda a narrativa de um povo e sua luta por liberdade. Em “Refavela” vemos os passos dados, na direção do povo preto brasileiro ocupando novos espaços com a autoestima renovada. “Refavela” é um marco na trajetória de Gil, rendeu turnê recentemente, é um discos prediletos da Sr. Gilberto e não pode voltar neste campeonato. Jogo terminado empatado 4x4, com muito choro e vela, decidido por 5x4 na prorrogação pra “Refavela”.     
   

Só Chamei Porque te Amo 3x4 Amarra o teu Arado a uma Estrela
Cresci escutando Stevie Wonder e o reencontrei quando conheci a coleção de discos do Love. Gil encontrou Stevie e são amigos e parceiros musicais. Ambos são muito harmônicos e, juntos, uma potência. Essa canção vertida para o português por Gil é romântica e tocou muito nas rádios. Mas eu gosto dela em inglês e cantada por Stevie. Já "Amarra teu Arado a uma Estrela" é tão mágica e poesia pura e altamente necessária! 4x3 em jogo pegado, quase um Gre-Nal daqueles bem quentes.


Um Trem para as Estrelas 3x4 Drão
“Um Trem para as Estrelas” foi vencida pelo intérprete. Escuto Cazuza cantando. Apesar da versão original ser a de Gil, ela cabe na rouquidão, no tédio e displicência que Cazuza a interpreta. Tem Noel Rosa nessa canção! Tem um país que vive nessa corda bomba, buscando soluções para viver melhor. Porém, “Drão” é precedida por João Donato, por amigos que saem para caminhar numa madrugada e voltam para casa com essa declaração de amor finalizada. É lindo, é triste, é humano e acima de tudo faz a gente sentir aquela dor e aquele amor indo embora e se transformando. Placar: 4x3 com o gol ao final dos 45 min do segundo tempo pra “Drão”. 


O Eterno Deus Mu Dança! 3X2 Não Chore Mais
Bem, eu amo o Ed Motta! Do seu jeito aparentemente mal-humorado, ele abre a boca e invade os nossos tímpanos. Chama atenção para a melodia! É um grande intérprete e aqui participa da versão original ainda bem jovem. Já “Woman no Cry” é um hino a tudo que vai melhorar e a tudo o que precisamos deixar pra lá para seguir em frente. Com variados dribles, e até gol de bike, chegamos ao placar final de 3x2 para o ritmo, os corais e a mensagem do “O Eterno Deus Mu Dança!” 
      

De Bob Dylan a Bob Marley, um Samba-Provocação 0x4 Lamento Sertanejo      
Quem me conhece já sabe qual foi o resultado da partida: “Lamento Sertanejo” é uma das minhas canções prediletas de Gil, me liga com outras passagens literárias, com outros filmes, com o povo brasileiro. Me emociona demais! 4x0 sem espaço pra resenha. Passou a régua e fez 4 dancinhas pras câmeras de TV!     


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resultados de Cly Reis:


Preciso aprender a só ser 1 X 2 Chuck Berry Fields Forever
Preciso é linda mas o rockão Chuck Berry mata a pau. Vitória apertada.


João Sabino 4 X 0 Bananeira
Clássico da Banana! Vitória fácilde João Sabino porque,
pra mim, Bananeira é mais João Donato do que Gil.
E a versão do Gil Ao Vivo 1974 é fantástica.


Menina Goiaba 1 X 3 Cinema Novo
Olha..., Cinema Novo só ganha porque é espetacular porque, para meu critério, 
as canções gravadas em parceria levam desvantagem. Mas aqui, não tem como não ganhar.


Pai e Mãe 3 X 1 Emoriô
Emoriô é outro caso de música que é mais do Donato do que do Gil.
Não teria como ganhar, ainda mais da belíssima Pai e Mãe. Lindíssima.


Ê, povo, ê 2 X 1 Rebento
Clássico Re-Re (Relace vs. Refazenda)
Esse é um daqueles confrontos espetaculares, já na primeira fase.
Jogo dificílimo!
Ê, povo, Ê ganha nos acréscimos. Jogo ganho no detalhe.


Meditação 2 X 5 Andar com fé
Meditação, linda, de arranjo incrível, deu o azar de pegar uma das mais fortes concorrentes logo na primeira rodada.
Não teve jeito.


O Rouxinol 1 X 2 Extra
Outro jogo, daqueles "absurdos"!!!
A composição rebuscada e complexa de Rouxinol contra o balanço do reggae-pop
precioso de Extra.
Sou obrigado a me render ao embalo de Extra. 


Jurubeba 0 X 2 Nos barracos da cidade
Jurubeba é ótima, mas sai em desvantagem por ser gravação em parceria.
Mas Nos Barracos é demais e, por si só, mesmo sem esse detalhe teria potencial para ganhar naturalmente.


A bruxa de mentira 0 X 4 Ilê Ayê
A Bruxa é gostosa, é simpatica, é um doce, mas contra Ilê Ayê não dá nem pra saída.
Vitória fácil.


Sarará Miolo 2 X 3 Batmacumba
Batmacumba quase tropeça no quesito parcerias,
mas essa, mesmo estando em um álbum coletivo, é muito Gil.
É muito fantástica para não levar essa.

É 0 X 1 São João Xangô Menino
Jogo esquisito... Uma "descartada" de um álbum (É), e outra que só tem registros ao vivo.
Passa São João Xangô Menino. Por pouco.


O seu amor 1 X 3 Marginália 2
O Seu Amor é linda mas Marginália II passa pela pertinência e atualidade.


No norte da saudade 3 X 1 Ladeira da preguiça
Ladeira é mais gostosa. Simples assim.


Babá Alapalá 1 X 6 Super-Homem (a canção)
Que azar  Baba teve em pegar Super-Homem!!! Aliás, seria azar para qualquer uma.
Não dá, né?


Sandra 0 X 5 Refazenda
Refazenda é das fortes candidatas, hein!


Refestança 1 X 3 Ela
Refestança é um rock gostoso, muito legal, mas, além de álbum conjunto,
foi pegar logo Ela pelo caminho...
Ela é daquelas aberturas lindas de um álbum. Não teria como perder esse confronto.



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resultados de Daniel Rodrigues:


Beira-Mar 1 X 3 Cores Vivas
Jogão, mas com um dos times daqueles que veio disposto a ganhar campeonato. Beira-Mar marca de saída na poética Caetano/Gil, mas a adversária, gozando o bom-viver, tasca-lhe um, dois, três gols um em seguida do outro. 3 x 1, placar final.


Ensaio Geral 0 X 2 Palco
Outro confronto com um time claramente superior, embora o respeitoso adversário seja um dos primeiros clássicos de Gil - gravado por Elis, te mete! Mas não tem contra Palco, entra em campo com a alma cheirando a talco. Palco faz 2 x 0 fácil e diz pra Ensaio: "Fora daqui!"
 

Roda 1 X 2 Tenho Sede
Jogo mais parelho. Empolgante, Roda larga marcando, mas no segundo tempo Tenho Sede empata. Quando parecia que ia acabar assim, no intervalo Tenho Sede volta mais hidratada e, num pênalti, não desperdiça. 2 x 1.
 

Viramundo 3 X 4 Cálice
Grande jogo! Com variações, jogadas e oportunidades de ambos os lados. A experiência de Viramundo contra a rebeldia de Cálice. A igualdade se reflete no placar: impressionantes 3 a 3 até a segunda etapa! Mas Cálice tem um diferencial no plantel: um atacante chamado Chico, contratado do Politeama, que tem o chamado “sentimento diagonal do homem-gol”. É ele quem marca o quarto naquele que foi dos melhores confrontos da primeira fase. 4 x 3 pra Cálice.
 

Frevo Rasgado 0 X 1 Raça Humana
 Mesmo com o ritmo contagiante do frevo, o futebol nordestino alegre, a dona da casa, mesmo com estádio lotado, não conseguiu segurar o jogo cadenciado deste reggae filosófico de respeito. 1 x 0 Raça Humana.


Miserere Nobis 1 X 2 Expresso 2222
Dois clássicos, um tropicalista típico; o outro, um forró cosmopolita. Mas com um adversário consistente como Expresso 2222, não tem vez. Placar apertado, mas com um vencedor de respeito: Expresso tira um dos 2 do seu título pra vencer pela diferença de um gol: 2 x 1.
 

Cérebro Eletrônico 2 X 3 Se eu quiser falar com Deus
 Mais um jogo difícil. O estilo elétrico de Cérebro encontra o ritmo leve de Se Eu Quiser..., que nem por isso deixa de ser contundente quando ataca. Aliás, é a balada que sai na frente. Não dá muito tempo, mete outro! E outro! Que isso, goleada? Cérebro esboça uma reação, descontando e depois chegando ao segundo. Mas, no fim, cérebro eletrônico nenhum lhe dá socorro no seu caminho inevitável para a morte, e o placar final fica 3 x 2 pra Se Eu Quiser Falar com Deus.


Volkswagen Blues 1 X 2 Maracatu Atômico
Duas tropicalistas de pegadas diferentes: o rock blues de Volks e o maracatu atômico de... a própria. Mesmo não aproveitando todas as qualidades do esquema tático de Mautner/Jacobina (Chico Science provaria isso anos mais tarde), é ela que, num placar clássico, avança de fase: 2 x 1 pra Maracatu.
 

Vitrines 2 X 1 Eu vim da Bahia
A graciosidade bossa-novística de Eu Vim... bem que tenta marcando primeiro. Mas falta fôlego pra segurar a vanguarda tropicalistística de Vitrines, que iguala e mais pro fim faz o da vitória. 2 x 1 Vitrines.
 

Mamma 0 X 3 Haiti
Mamma é bonita, feita na fase londrina para a mãe de Gil, mas segurar Haiti, convenhamos, não dá, né? Só não foi lavada, porque respeita a própria mãe. 3 x 0 com direito a comemoração com gestual de rapper e dancinha de axé-music. Haiti não veio pra brincadeira e deixa o recado pros próximos adversários: “Pensem no Haiti!”
 

O Sonho Acabou 0 X 2 Realce
Partida agradável de se ver, com jogo alegre das duas partes. A serelepe O Sonho Acabou, com um estilo meio inglês de jogar, acerta na trave e assusta, mas quem abre o placar mesmo é Realce, que faz um gol de tabelinha como quem dança numa pista. Fora isso, a música tem torcida organizada tipo Coligay na arquibancada. Com parafina e purpurina, Realce vai lá e mete outro. Alegria nos pés. 2 x 0 é o placar final.


Madalena 0 X 2 Sítio do Pica-Pau Amarelo
Madalena fez sucesso e é antiga no repertório de Gil, visto que aparece lá no pré-exílio Barra 69 para só depois, em 1991, ser gravada em Parabolicamará. Mas nem toda essa campanha faz de música combatível a uma das mais graciosas e queridas do repertório do baiano, que é Sítio do Pica-Pau Amarelo. Placar clássico: 2 x 0 para Sítio.
 

Meio de Campo 1 X 0 Estrela
Pintou zebra na Copa Gil! Estrela tocou nas rádios, é das baladas que os fãs adoram, toca em shows mas, por aqueles acasos da vida, pegou pela frente a “braba” Meio de Campo. E aí, meu filho, se meter com música feita pra voz de Elis Regina é outra história. Numa partida bem disputada, o jogo foi resolvido, sem trocadilhos, no meio de campo. Mais bem esquematizada no seu samba-jazz, Meio de Campo faz o golzinho numa bola alçada pra área e era isso. Vitória magra por 1 x 0. 


Essa é pra tocar no rádio 3 X 1 A Novidade
A Novidade é daqueles grandes sucessos de Gil, parceria com Herbert Vianna, letra poderosa. O que ela faz? Tira vantagem e logo de cara marca o seu e assim fica até o fim do primeiro tempo. Acontece que no segundo ela não esperava que seu adversário fizesse modificações no elenco que mudariam completamente o panorama da partida. Ao invés da versão de Refazenda, Essa é Pra Tocar no Rádio, num estilo jazzístico ligeiro, volta com a formação de Gil & Jorge, mais sambada e cadenciada. Aí, o jogo foi outro. 1, 2, 3 e só não teve quarto porque faltou tempo. De virada, Essa é Pra Tocar no Rádio faz 3 x 1 em A Novidade.

 
O Compositor me disse 1 X 3 Tempo Rei
Lembra quando a gente falou que música feita pra Elis saía naturalmente em vantagem? Pois é: nem sempre. Aqui, não valeu de nada ter sido composta pra voz da Pimentinha, porque a música pegou pela frente a clássica Tempo Rei.  O jogo foi transcorrendo, transformando, e Tempo Rei achando os espaços e navegando por todos os sentidos do campo. Até que, água mole em pedra dura, tanto bateu que foi lá e abriu o placar. Depois foi fácil até o fim. 3 x 1. 


Iansã 1 X 2 Geleia Geral
Dois timaços, hein? Iansã, rainha dos raios, mandou uma chuvarada no céu partido ao meio no meio da tarde. Como pra ela tempo bom é tempo ruim, aproveita e larga na frente. Só que iansã tem na frente um adversário qualificadíssimo. Diria até munido de muitos recursos. Com brasilidade no pé, Geleia Geral dribla as dificuldades e empata. O jogo vai pra prorrogação, e somente nos últimos minutos Geleia Geral faz o da vitória apertada, mas que lhe dá a classificação. 2 x 1. 


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CLASSIFICADAS PARA A SEGUNDA FASE:
Lugar Comum
Quilombo, o Eldorado Negro
Queremos Saber
Procissão
Parabolicamará
Back in Bahia
A Paz
Kaya N'gan daya
La Renaissence Africane
Copo Vazio
O Som da Pessoa
Barato Total
Filhos de Gandhi
Nêga
Three Little Birds
Panis et Circenses
Serafim
Domingo no Parque 
Oriente
Flora
Esotérico
Punk da Periferia
Aquele Abraço
Toda Menina Baiana
Tradição
Rafavela
Amarra o teu arado a uma estrela
Drão
Lamento Sertanejo
O Eterno deus Mu Dança!
Zumbi
Chuck Berry Fields Forever
João Sabino
Cinema Novo
Pai e Mãe
Ê, povo, ê
Andar com fé
Nos Barracos da Cidade
Ilê Ayê
Extra
Batmacumba
São João Xangô Menino
Marginália 2
No norte da saudade
Super-Homem
Refazenda
Ela
Geleia Geral
Tempo Rei
Essa é pra tocar no rádio
Meio de Campo
Sítio do Pica-Pau Amarelo
Realce
Haiti
Vitrines
Maracatu Atômico
Se eu quiser falar com Deus
Expresso 2222
Raça Humana
Cálice
Palco
Cores Vivas
Tenho Sede
Só quero um xodó



Em seguida, sortearemos e informaremos os confrontos da segunda fase.
Fique ligado!  😉

domingo, 26 de junho de 2022

Gilberto Gil - "Expresso 2222" (1972)


 

“Sou eu em relação a mim mesmo, a um momento de vida. Minhas músicas da época são assim, complementares. ‘Expresso 2222’ é meu disco mais elaborado no sentido de relatar um período.” 

“O número 8 dividido é o infinito pela metade. O meu objetivo agora é o meu infinito. Ou seja: a metade do infinito, da qual metade sou eu, e outra metade é o além de mim.”

Reza a lenda que o filósofo chinês Lao Tsé (604-517 a.C.) nascera com 80 anos. Já sábio, ele legou ao mundo seu "Tao Te Ching", eternizando-se. Permita-se, então, fazer uma viagem no tempo através de um expresso partindo direto de Bonsucesso. Um que dizem que parece o bonde do morro do Corcovado, só que, para cruzar tanto espaço-tempo, assim, como se não houvesse barreira, não se pega e entra e senta e anda, visto que o trilho é feito um brilho que não tem fim. Chega-se lá pelos idos do ano 2000, mais precisamente 2022. Ou seria 1972, 50 anos atrás? Quem sabe, 50 anos para a frente, 2072? Bem, em se tratando de Gilberto Gil, essas classificações temporais são meras ilusões. Tanto faz até onde essa estrada do tempo vai dar. Afinal, Gil é imortal, e imortais são infinitos. 

22. Não apenas a recente indicação do nome do baiano à Academia Brasileira de Letras, que o nominou àquilo que sempre foi, um imortal, que enche de simbologias este ano. A começar, neste 2022 Gil completa 80 anos de vida. Isso, somado à homenagem da centenária agremiação literária já seria bastante. Mas tem mais: em 2022 também se completam 60 anos de carreira do artista e cinco décadas de lançamento do emblemático “Expresso 2222”, o disco que, além da semelhança da terminação numérica, marca a volta de Gil do exílio em Londres, fincando de vez o pé no seu Brasil e proclamando que “o sonho acabou”, mas também que só colocaria chiclete no samba quando Tio Sam pegasse no tamborim, ora essa! 

Demarcador àquela época da nova fase da carreira do cantor e compositor, “Expresso...”, forte e significativo do primeiro ao último acorde, conecta-se com toda obra do artista seja anterior ou posterior. Antes deste, foram os discos da pré e da Tropicália, forçadamente interrompida pela repressão militar em 1969, e, logo em seguida, a produção londrina, inequivocamente interessante, mas claramente intermediária. De volta à sua terra, Gil provava que seu caminho pelo mundo era ele mesmo quem traçava, como havia reclamado em “Aquele Abraço” antes de embarcar para o exílio. E se ele se despedia com um samba carioca naquele momento, trazia como resposta no velho baú de prata em seu retorno o cosmopolitismo do Primeiro Mundo em um rock acachapante. O ponto de desembarque? A mesma Bahia de Todos os Santos que havia lhe dado “régua e compasso”. É “Back in Bahia”, assim, misto de inglês e português no título, união de velho e novo mundos, uma ponte musical sobre o Atlântico da diáspora negra.

Após uma introdução instrumental com “Pipoca Moderna” (a melhor de sua extensa discografia e como jamais havia feito e nem repetiria em seus álbuns de estúdio), vem, aí sim, a marcante “Back in Bahia”. Espécie de continuação de “Aquele Abraço” – seu maior sucesso na carreira até então –, nela Gil expressa com caráter autobiográfico a avassaladora consciência de um jovem fadado à imortalidade. “Lá em Londres vez em quando me sentia longe daqui”, abre dizendo. E que capacidade de ler a realidade! Embora a saudade “de calor, de cor, de sal, de sol” dos trópicos, Gil entendia que o tempo na Ilha do Norte, onde não sabia se por sorte ou por castigo dera de parar, afinal, passara “depressa, como tudo tem de passar”. A canção, por fim, completa os três pontos subentendidos deixados por “Aquele Abraço”. Gil agora pode dizer com contundência e coração aberto: “Hoje eu me sinto/ Como se ter ido fosse necessário para voltar/ Tanto mais vivo/ De vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá”.  

Gilberto Gil tocando "Back in Bahia", logo depois de volta ao Brasil, em 1972 
("Sexta Nobre Especial" - Globo)

A veia rock da sua primeira fase tropicalista, que tinha forte influência de Jimi Hendrix (a quem Gil, inclusive, conheceu na Inglaterra, em 1970, poucos dias antes deste partir para a eternidade) agora funde-se ao jazz fusion de Miles Davis – outro ídolo a quem conheceu na mesma ocasião em que viu Hendrix, no festival da Ilha de Wight – e à sua primeira e enraizada referência: Luiz Gonzaga. “O Canto da Ema”, versão para o baião de João do Vale, chega a prescindir do tradicional acordeom, focando no arranjo pop-jazzístico de baixo elétrico-guitarra-bateria-teclado. E que performace! Além de Gil, excelente guitarman, estão Lany Gordin, na guitarra; Bruce Henry, no baixo; Tuti Moreno, bateria; e Antônio Perna, teclados. A banda soa solta neste estilo de sonoridade, que muito Gil ainda se valeria naquele período. Aliás, no próprio disco ele retoma o "Tao do Baião" em leitura moderna, desta vez em “Sai do Sereno", que tem a participação da mana Gal Costa. Rock, forró, jazz, blues, xaxado. Se anos antes a Tropicália restava praticamente isolada a ponto de sucumbir à opressão militar, agora Gil recebia o amparo da psicodelia à brasileira dos Novos Baianos, da resistência divina-maravilhosa de Gal e da renovação jovem-guardista de Erasmo Carlos. Aquele início de anos 70 via o “desbunde” da juventude, que tomava as ruas para celebrar a vida e ter voz.

Caetano Veloso, o irmão tropicalista, parceiro de exílio, música e vida e também oitentão em 2022, não poderia deixar de ter um lugar reservado neste bonde musical. A ligação entre ambos é tão forte que, além da coautoria com Sebastião Biano, da Banda de Pífaros de Caruaru, da música que abre de maneira impactante o disco, é sobre Caetano que Gil fala na canção mais densa do repertório: “Ele e Eu”. Profunda e até psicanalítica, traz em sua melodia intrincada e letra entremeada de símbolos metafóricos ("Porto da Barra", "beijo arrependido", "serpente do começo"), a tamanha simbiose que existe entre os dois, como um espelho que reflete faces parecidas, que confundíveis até linguisticamente. “Ele vive calmo/ E na hora do Porto da Barra fica elétrico/ Eu vivo elétrico/ E na hora do Porto da Barra fico calmo”.

Em “Chiclete com Banana”, Gil explora mais uma vez sua origem nordestina e pop exaltando a referência maior dessa conjunção: Jackson do Pandeiro. Ao invés, no entanto, de atribuir uma sonoridade importada, é no samba de breque que ele busca base. E que violão é este! Herdeiro da batida sintética de João Gilberto, Gil, contudo, é dos que lhe dão um passo à frente, injetando características muito próprias ao seu estilo de tocar que não se resumem apenas à estética, mas também ao espírito. No fim, tamanha é a personalização da música, que se consegue atribuir-lhe, novamente, um caráter de jazz, o genuíno reflexo da alma em sons dos negros levados para a outra ponta do Novo Mundo.

Arte de Aldo Luiz para a
contracapa original do disco
Por falar em violão, o jornalista e pesquisador musical José Ramos Tinhorão, adepto do materalismo histórico, defendia a tradição da viola seresteira como originária da verdadeira música popular brasileira. Embora contrário ideologicamente a Gil, é este quem melhor materializa essa ideia. “Expresso 2222”, além de faixa-título, é uma das obras-primas do cancioneiro do artista e cujo violão exerce um papel central melódica, harmônica e conceitualmente. Colocada de forma estratégica na sétima posição na ordem da playlist, mais para o final do que para começo, a música que intitula o álbum resume em letra e em sonoridade toda a sua proposta: um baião puxado no violão, riff complexo de executar mas saboroso de se ouvir, letra filosófica e uma pegada pop inequívoca, haja vista o delicioso e cantarolável refrão: "Começou a circular o Expresso 2222/ Que parte direto de Bonsucesso pra depois...”.

O recado de resistência dado explicitamente em “Back In Bahia”, no começo do disco, reaparece no final do mesmo, só que de forma mais sutil. Toda a energia e eletricidade vistas até o terceiro quarto do álbum propositalmente vão arrefecendo para, ao final, retornarem gradativamente aquilo que lhe é o cerne: Gil e seu violão. Lao Tsé diz em "Tao Te Ching" que "20 raios rodeiam a roda, mas é onde os raios não rodam que a roda roda". O violão de Gil é esta roda motriz, concentradora de toda a tradição do samba do morro e do Recôncavo, dos ritmos nordestinos e da herança ibérica, das religiosidades afro e católica, da modernidade do rock e da vanguarda europeia, do matiz africano e do sincretismo. A sinuosa “O Sonho Acabou”, de embalo roqueiro, mais que uma confirmação, representa uma tomada de consciência madura de que as ilusões da geração pós-Guerra, enfim, terminavam. As marcas da prisão e do exílio, a repressão militar nas Américas, a lisergia e a revolução sexual, os reflexos da Guerra Fria, o 1968 inacabado, a derrota da geração hippie: tudo se resumia ao símbolo do término dos Beatles e a frase dita por John Lennon quando da separação da mítica banda inglesa. E Gil, recém vindo justamente da Terra da Rainha, faz questão de reafirmar isso tudo através da relação voz/violão, ironicamente, a única alternativa que lhe foi dada antes de embarcar para o exílio em Londres, quando gravou às pressas, em 1969, todas as faixas do disco que seria lançado naquele ano sem a presença física de seu autor. Naquela feita, a master só com a voz e o violão serviria de base para que Rogério Duprat arranjasse e pusesse por cima o restante da banda. Aqui, mesmo podendo contar com os outros instrumentos, Gil fazia um protesto às avessas.

E se o violão de Gil vale por uma orquestra, por que não, então, representá-la? É isso que ele faz em “Oriente”, última e triunfante faixa de “Expresso...”. Ainda mais conectada com “Back in Bahia”, haja vista sua abordagem autorreferente, a canção é uma reflexão íntima do artista e homem do seu lugar no mundo, como um questionamento se, de fato, soubesse mesmo de si como afirmou anos antes em “Aquele Abraço”. "Se oriente, rapaz/ Pela constelação do Cruzeiro do Sul/ Se oriente, rapaz/ Pela constatação de que a aranha/ Vive do que tece/ Vê se não se esquece/ Pela simples razão de que tudo merece/ Consideração", enfatizam os versos. Para se aludir à orquestra, no entanto, precisa-se viajar para o futuro mais uma vez, especificamente a 2012, quando Gil grava o álbum ao vivo “Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo”. Neste show, o maestro Jaques Morelenbaum escreve aquele que foi provavelmente o mais fácil arranjo de sua vida, visto que o mesmo estava, quando não subentendido, sugerido na própria harmonia e modo de tocar de Gil na gravação original, seja nos acorde, nos ataques, nas extensões, nos adornos ou na pronúncia de um sustenido. Certamente, uma das harmonias mais complexas já escritas por Gil. Não há outro instrumento que não seu violão, mas é como se toda uma filarmônica tocasse junto. Ele encerra seu disco mais representativo até então fazendo pontes com o passado e criando outras para o futuro – que nunca terminará. “Que não tem fim, ô menina, que não tem fim”.

Mas isso ainda não é tudo, e agora as simbologias começam a tomar forma de coincidências – ou superstições, como preferir. Já parou para somar os números do título do disco, 2 + 2 + 2 + 2? O resultado é 8, o mesmo número de décadas de vida que Gil completa. Quer mais sincronicidade? O número 8 é o símbolo do infinito pela cultural oriental. Gil mesmo previa, décadas atrás, que seria este seu caminho: “O número 8 é o infinito, o infinito em pé, o infinito vivo, como a minha consciência agora”, disse numa de suas letras. Auspicioso, o numeral 22 representa essa infinitude do baiano, do oriental, do africano, do americano, do universal Gil. Um Irokô, senhor das horas, que reduz o tempo a frações e dissolve-o. Uma Benzaiten, deusa taoísta da fluidez, seja para as palavras, a música ou o amor. Como um sábio imortal, que nasce aos 80 anos, ele já andou no expresso lá pelo ano 2000 e pode contar, pois testemunha ocular, que, depois de 2001, Cristo continua sendo como o que foi visto subindo ao céu. Que o percurso-vida cabe dentro de um figo maduro ou num copo vazio. Que a vida é um fragmento quântico infinitésimo ou o tempo de uma saudade. Que o tempo e o espaço navegam todos os sentidos ou na vazante da infomaré. Que o melhor lugar do mundo é aqui e agora, na eternidade da arte.


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FAIXAS:
1. "Pipoca Moderna" - com a Banda de Pífanos de Caruaru (Sebastião Biano, Caetano Veloso) - 1:57
2. "Back in Bahia" - 4:35
3. "O Canto da Ema" (João do Vale, Aires Viana, Alventino Cavalcanti) - 6:20
4. "Chiclete com Banana" - (Almira Castilho, Gordurinha) - 3:23
5. "Ele e Eu" - 2:17
6. "Sai do Sereno" - participação de Gal Costa (Onildo Almeida)- 3:20
7. "Expresso 2222" - 2:38
8. "O Sonho Acabou" - 3:32
9. "Oriente" - 6:00
Faixas bônus da versão em CD de 1998:
10. "Cada Macaco no seu Galho" - participação de Caetano Veloso (Riachão) - 04:25
11. "Vamos Passear no Astral" - 02:55
12. "Está na Cara, Está na Cura" - 02:40
Todas as composições de autoria de Gilberto Gil, exceto indicadas

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Daniel Rodrigues

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Fela Kuti & The Africa '70 with Ginger Baker – “Why Black Man Dey Suffer” (1971)

 

“Havia alto-falantes nas ruas de Lagos tocando várias músicas, mas uma se destacava. Eu perguntei: ‘Que música é esta?’. E me disseram: ‘É o Fela’. Eu nunca tinha ouvido uma música tão linda”. 
Carlos Moore, jornalista, amigo e biógrafo de Fela Kuti

“O afrobeat de Fela não era apenas música, era um manifesto político-cultural”. 
Ray Lema, Músico e amigo de Fela Kuti

“Minha música não é de entretenimento, é de revolução. Quero ser um grande homem, e não farei concessões”. 
Fela Kuti

Na arte, um choque de realidade social, quando não inibe e amedronta, é capaz de provocar transformações revolucionárias. Há artistas que, saídos espontânea ou forçadamente e de seu habitat natural, depararam-se em determinado momento com uma situação-limite a qual entenderam estar ali o seu ponto de virada. A partir de então, nunca mais foram os mesmos. Heitor Villa-Lobos não se contentou com a música aprendida nos conservatórios cariocas nos anos 10 e embrenhou-se no Brasil profundo para, enfim, engendrar sua obra fundadora da música brasileira moderna. O compositor francês Oliver Messiaen, feito prisioneiro pelos nazistas na II Guerra, compôs em pleno campo de concentração aquela que é considerada sua obra-prima, "Quarteto pelo fim dos tempos", para os únicos quatro instrumentos disponíveis naquela condição: piano, violino, violoncelo e clarinete, a qual estreou na própria prisão para um público de guardas alemães e outros prisioneiros como ele.

Pode-se dizer que com Fela Kuti aconteceu o mesmo choque transformador. Nascido na cidade de Abeokuta, no estado de Ogum, na Nigéria, em uma família de classe média alta, o músico, performer, agitador cultural e ativista Fela Anikulapo Ransome-Kuti tinha exemplos dentro de casa para autovalorizar-se. A mãe, Funmilayo Ransome-Kuti, foi a primeira mulher ativista dos direitos em seu país, e seu pai, Reverendo Israel Oludotun Ransome-Kuti, um pastor protestante e diretor de escola. É em Londres, onde foi estudar Medicina nos anos 50, que migra definitivamente para e faculdade de Música, retornando a Lagos posteriormente para formar a banda Nigeria ‘70. Porém, só em 1969, quando, em meio da Guerra Civil da Nigéria, vai para os Estados Unidos e se depara com efervescência do movimento Black Power, que Fela encontra-se consigo mesmo. Relaciona-se com a ativista Sandra Smith, membra dos Panteras Negras, que o influencia fortemente em sua música e visões políticas. Fela despe sua música de qualquer resquício colonizador e mergulha nas raízes de seu povo, de sua gente. É ali que, então, retorna novamente à capital nigeriana Lagos recarregado para assumir o posto ao qual agora entendera estar destinado: tornar-se um símbolo de resistência política. 

O referencial Fela: revolução
que perdura
Fela compreenderia melhor a luta de sua mãe pelos direitos dos africanos que estavam sob o regime colonial, assim como o apoio que ela dava à doutrina do Pan-Africanismo exposta por Kwame Nkrumah. Mas a tomada de consciência refletiu-se não só em seu pensamento e postura quanto, principalmente, em seu trabalho. Essas ideias também o inspiraram a criar seu próprio estilo musical, que ficaria conhecido como afrobeat, uma mistura do jazz americano com o rock e o highlife da África Ocidental. Símbolo desta explosão criativa, o grito militante “Why Black Man Dey Suffer”, que completou 50 anos de lançamento em 2021, é o primeiro e talvez mais emblemático de sua profícua e polêmica carreira. Sintetizador de suas ideias musicais, visuais, políticas e filosóficas, o álbum traz sua competente banda, renomeada Africa ‘70, com Tony Allen na percussão, Igo Chico, no sax, e Tonny Njoku, ao trompete, além da participação de uma lenda do rock psicodélico: o baterista britânico ex-Cream Ginger Baker, cujas batidas potentes e jazzísticas promovem um reencontro mágico com o som originalmente africano. 

Composto por apenas duas longas sessões, uma de cada lado do vinil (expediente que usaria várias outras vezes em sua vasta discografia), “Why Black...” explora a musicalidade do multi-instrumentista Fela e de seus parceiros em temas que se desenvolvem de forma crescente e aglutinante. Cantos tradicionais africanos, percussão marcada num compasso ritualístico e vocais e estrutura musical que passam pelo jazz e linhas de metais funk. O endless groove também é usado, com um ritmo básico com baterias, muted guitar e baixo, que são repetidos durante o andamento, algo que influenciaria sobremaneira o funk e o hip-hop. Além disso, Fela fazia questão de cantar em um Pidgin baseado no inglês, de forma que sua música pudesse ser apreciada por indivíduos de toda a África, onde as línguas faladas locais são diversas e numerosas. 

Ambas as músicas carregam um discurso fortemente desafiador e engajado, como jamais havia se ouvido antes na oprimida África. Sua República Kalakuta, que reunia uma comuna, um estúdio de gravação e uma casa, além do Afrika Shrine, boate onde apresentava regularmente suas performances, era declaradamente independente da Nigéria. Ou seja: uma pedra no sapato para a ditadura nigeriana. A letra da faixa-título, questiona: “Por que os negros sofrem hoje”? “Por que homem negro não ganha dinheiro hoje?”. Sob um ritmo “chamado Kanginni Koko, usado em algum tipo particular de santuários na minha cidade natal, Abeokuta City”, explica Fela na letra, a música não deixa dúvida do quanto era perigosa a sua mensagem para o governo militar:

“Nossas riquezas foram levadas para suas terras
Em troca, eles nos deram sua colônia
Eles tiram nossa cultura de nós
Eles nos deram uma cultura que não entendemos
Negros, não nos conhecemos
Não conhecemos nossa herança ancestral
Nós brigamos todos os dias
Nunca estamos juntos, nunca estamos juntos
É por isso que os negros sofrem hoje”.

Já a outra faixa do disco, valendo-se bastantemente dos dialetos, “Ikoyi Mentality Versus Mushin Mentality”, escancara as diferenças de “mentalidade” dos bairros rico (Ikoyi) e pobre (Mushin) de Lagos, exigindo que todos sejam respeitados como seres humanos. Enquanto o Ikoyi representa o “homem de fora” que viajou o mundo todo e levou para a Nigéria uma “civilização que não entendemos”, o “Homem Mushin”, nativo, mesmo nunca tendo se deslocado fisicamente para lugar nenhum devido a suas condições, é capaz de entender “a linguagem das pessoas”, de falar a “língua da África”.

A própria arte da capa, de autoria de Lemi Ghariokwu, artista visual e designer autor das principais capas de discos de Fela Kuti, trazia essa força de ativismo. Em traços muito característicos, Lemi monta uma espécie de hieróglifos pictográfico iorubá, representando questões sociais, religiosas e existenciais.

As tensões foram se avolumando em relação a Fela ao longo dos anos, o qual se tornou uma espécie de inimigo nº 1 do ditador Olusegun Obasanjo. Tanto foi que, em 1977, mil soldados atacaram a comuna. Fela foi severamente espancado e sua mãe, já idosa, arremessada de uma janela, provocando-lhe a morte. A República Kalakuta foi incendiada e o estúdio e a boate destruídos. O que não foi motivo para o combativo Fela baixar a guarda. Aliás, não faltaram episódios polêmicos ou controversos na vida de Fela: além de outros discos e shows, perseguição por parte do governo, prisões forjadas, candidaturas à presidência da Nigéria, poligamia e a conversão a uma corrente mística bastante duvidosa. A resistência genuína acabaria em 2 de agosto de 1997 quando, atingido pelo então irremediável vírus HIV, Fela Kuti, enfim, rendia as armas.

Não apenas a sonoridade, com suas texturas e polirritmia, quanto a concepção da arquitetura melódica, seriam largamente inspiradoras daquilo que alguns anos depois passaria a se chamar world music. David Byrne, Brian Eno, Stevie Wonder, Peter Gabriel, Malcolm McLaren e Beyoncé foram alguns dos ocidentais que beberam em sua fonte baseada nas difíceis harmonias pentatônicas. Gilberto Gil, igualmente, foi outro que chegou a visitar Shrine na metade dos anos 70, retornando para o Brasil com uma nova concepção de negritude a qual desaguou no disco “Refavela”. Como Gil, outros brasileiros tal Criolo, BaianaSystem, Metá Metá e Rincon Sapiência também prestam tributo à música de Fela. Está no novo afropop, no left-field rap, no alternative R&B, no jazz contemporâneo. O afrobeat representa, de fato, uma revolução travada a partir da luta de alguém que entendeu o tamanho da sua responsabilidade e cujos ecos seguem sendo ouvidos até hoje. Uma luta que lhe valeu a vida, mas que, no entanto, fez-lhe cumprir com seu objetivo revolucionário: tornar-se um grande homem.

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FAIXAS:
1. "Why Black Man Dey Suffer" - 15:09
2. "Ikoyi Mentality Versus Mushin Mentality" - 13:01
Todas as composições e autoria de Fela Anikulapo Ransome-Kuti

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Faith No More - Live at Brixton Academy (1990)

 



"What is it? 
What is it? 
WHAT THE FUCK IS IT???"
introdução, no show, 
 ao refrão de "Epic"




Tem gente que prefere discos ao vivo aos originais de estúdio, por conta da energia, da naturalidade, da espontaneidade ou da execução . Particularmente, prefiro as gravações de estúdio nas quais um álbum é pensado e elaborado como uma obra de arte, do início ao fim. Mas há exceções e, em alguns casos, o registro ao vivo acaba agregando elementos tão significativos ao que foi inicialmente proposto em estúdio, que se impõe, de modo a ser até mais marcante que a gravação que deu origem ao repertório executado no show. É o caso, para mim, do álbum "Live at Brixton Academy", do Faith No More, de 1990. Reproduzindo grande parte do conteúdo do disco "The Real Thing", trabalho responsável pelo estouro de popularidade e vendas da banda, a performance gravada ao vivo em Londres, originalmente para vídeo, potencializa ainda mais as virtudes já apresentadas no ótimo disco de estúdio. O ambiente do palco, a acústica de um espaço amplo com público, a espontaneidade da banda os favoreceram em tudo e seu som e "Live at Braxton Academy" acaba entregando mais do que já se tinha recebido em "The Real Thing". As virtudes dos instrumentistas e a qualidade compositiva acabam ficando mais evidenciadas sem a mixagem excessivamente limpa e cuidadosa de estúdio que, naquele momento visava atingir e conquistar um público que começava a se interessar pela mistura de peso com embalo que o Faith No More e algumas outras bandas começavam a explorar. Ali, mais cru, mais raiz, a percepção da fundição não somente do metal com o funk, mas das linhas de metal melódico, das influências de música clássica, do pop oitentista, ganhava em leitura mais clara, além, é claro, da qualidade e versatilidade vocal de Mike Patton, que, totalmente à vontade no palco, dominando o território e com um musicalidade absurda, proporcionava inúmeras possibilidades e variantes ao show. A pouco conhecida "Zombie Eaters", uma pequena sinfonia metal com ricas variações rítmicas e de intensidade, talvez seja o melhor exemplo desse ganho ao vivo. Sua composição primorosa, que consegue ir de uma linha melódica quase bachiana, às caracteristicas guitarras galopantes do metal, fica ainda mais poderosa e impressionante nessa situação. E Patton, afinadíssimo, vai do requinte à fúria, com incrível naturalidade. Aliás, o vocalista é um show à parte. Em "Edge of The world", por exemplo, ele comanda a balada, uma espécie de jazz de cabaré, com uma condução leve e descontraída que confere todo um ar bem-humorado ao número; e na badalada "Epic", Patton, depois de praticamente recriar partes do vocal da música, fazer sustenidos, baixos e chegar quase a um soprano, de quebra, no final, ainda emenda com uma improvável inserção do hit dance "Pump up the jam", do Technotronic, dando a ela toda uma leitura melancólica, no epílogo de piano.
Patton, ainda, toma conta de "We Care a Lot", faixa superdiversificada, com baixo funkeado, levada rap, transição metal e refrão pop, que já era do repertório da banda antes de seu ingresso; e, com uma performance enlouquecida, só joga mais gasolina em cima da já incendiária "From Out of Nowhere", uma espécie de synth-punk alucinante, que dá vontade de sair pulando cada vez que eu ouço.
"Falling to Pieces" é intensa e contagiante, "The Real Thing" lembra muito Black Sabbath e, propósito, a cover de "War Pigs", muito competente (mas talvez um pouco descontraída demais) confirma inspirações e referências. As duas faixas "extra" por assim dizer, uma vez que não apareciam no material original do vídeo, "The Grade", um country acelerado instrumental, e a nada mais que interessante "The Cowboy Song", são meio que dispensáveis, se bem que, sem elas a duração já curta do álbum ficaria ainda mais prejudicada.
De certa forma, dá pra dizer que essa questão, a da duração, seja, possivelmente, o único grande defeito do álbum, muito curto para um registro ao vivo. Mas, por outro lado, também dá pra dizer que o tempo utilizado é muito bem aproveitado e que, de minha parte, o tempo pelo qual se estende é curtido com entusiasmo do início ao fim, neste que é um dos meus discos ao vivo preferidos.
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FAIXAS:
  1. "Falling to Pieces" – 4:47
  2. "The Real Thing" – 7:53
  3. "Epic" – 4:55
  4. "War Pigs" – 6:58
  5. "From out of Nowhere" – 3:24
  6. "We Care a Lot" – 3:50
  7. "Zombie Eaters" – 6:05
  8. "Edge of the World" – 5:50
  9. "The Grade" (Instrumental) – 2:05
  10. "The Cowboy Song" – 5:12

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Ouça:
Faith No More - Live at Brixton Acdemy - Londres (1990)




Cly Reis

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Meu Babaca Favorito


Em tempos de idolatrias tão efêmeras, edificadas sobre méritos mínimos, e cancelamentos quase automáticos motivados pelo primeiro deslize, posicionamento ou frase mal colocada de um ídolo que, não muito tempo atrás, era elevado à condição de semideus, pessoas com um pouco mais de critério, de apego a suas influências e referências, têm uma certa resistência em, simplesmente, adotar o tão usual procedimento vigente de CANCELAR uma personalidade que, de alguma forma sempre admirou e que fora seu referencial, por mais que este faça por merecer um belo "block" por conta de procedimentos, atitudes, declarações, que revelam uma pessoa diferente daquela que se imaginava ou que demonstrava ser.
Os caras se esforçam pra fazer merda, cagar pela boca, demonstrar o quanto são desprezíveis, pessoas que a gente não aceitaria no nosso meio social, mas aí a gente pensa no que já fizeram de fantástico na sua arte, o quanto foram (e são) importantes pr'a gente, o quanto os admiramos, e não conseguimos, meramente, virar as costas e dizer que não os admiramos mais. E aí que com muito esforço, colocamos seu trabalho, sua figura, suas músicas, suas letras, acima de tudo e, separamos o ser-humano de sua obra. Só assim mesmo pra aguentar uns, ó, que, vou te contar...
Muitos desses, os mais recentes, já tinham seu espaço para dizer o que pensavam, tiveram microfone, seus próprios álbuns, palco, livros, espaço na imprensa, mas com a ascensão das mídias sociais, uma verdadeira terra-de-ninguém, onde todo mundo tem opinião formada sobre tudo mesmo, muitas vezes, sem qualquer embasamento ou informação, pareceram encorajados a assumir posições, que não são decepcionantes por serem divergentes da minha ou de determinado segmento, mas sim por serem lamentáveis do ponto de vista humano.
Listamos, aqui, alguns dessas criaturas que a gente só não "cancela" porque não dá pra deixar de lado o que já fizeram e, cá entre nós, porque a gente adora esses caras mesmo. Mas que estão pedindo, estão...
Uns são de hoje, outros tem histórias que vem de muito tempo, uns se revelaram por conta da pandemia, outros revelaram preferências políticas bem preocupantes, enfim, tem um monte nessa barca, mas aqui vamos pegar apenas alguns desses "caraterzinhos" duvidosos, que a gente sabe que são uns idiotas, uns babacas, mas que odiamos amar.


Tá certo é esse cachorro!
Eric Clapton - "Clapton é Deus". A inscrição frequentemente vista em muros de Londres nos anos 60, quando o guitarrista inglês hipnotizava os fãs com sua técnica e habilidade, está longe de ser verdade. Ao contrário, hoje, muitos fãs preferem ver o diabo do que o gênio da guitarra.
Recentes declarações de Eric Clapton, acerca da situação da Covid-19 e do isolamento, comparando os protocolos de segurança à escravidão, reforçadas pela gravação de uma canção anti-lockdown, "Stand and Deliver", de Van Morrison, por sinal, outro que tem se revelado um grandíssimo feladaputa, provocaram indignação entre seus admiradores e de quebra ainda tiraram alguns velhos esqueletos do armário. Os atuais posicionamentos de Clapton fizeram com que pessoas lembrassem de um episódio em 1976 em que ele, durante um show em Birmingham, "convocou" os estrangeiros e imigrantes a se retirarem do país. Na ocasião, Clapton disse, se dirigindo ao público, “Vamos impedir o Reino Unido de virar uma colônia negra. Expulsem os estrangeiros, mantenham a Inglaterra branca. Os negros, árabes e jamaicanos não pertencem a este país e nós não os queremos aqui (...) “Precisamos deixar claro que eles não são bem-vindos. A Inglaterra é um país para brancos, o que está acontecendo conosco?” . Pois é... Clapton pode até ser um deus na guitarra, mas passa longe de ser um santo.
Ao que parece, até seus amigos músicos perderam a paciência e não aguentam mais tanta baboseira, uma vez que o lendário guitarrista tem reclamado de se sentir abandonado pelos colegas do meio musical.
Toma!
Mas não adianta: tem como odiar o cara que fez "Layla", "Cocaine", "Crossroads" e outras tantas maravilhas? Não, né?


Roberto sendo homenageado
pelos militares, nos anos 70
.
Roberto Carlos - Sabe aquele cara que sempre que se fala dele tem aquele asterisco ao lado do nome? Sim, esse cara é ele. As coisas que depõe contra o Rei não são de hoje e não são relacionadas com pandemia, isolamento, redes sociais nem nada tão atual, mas acompanham sua figura pública já de bastante tempo e, de certa forma, embora seja inegável sua contribuição para a música brasileira e seu talento para composições, nunca conseguimos perdoá-lo totalmente.
O problema de Roberto Carlos, na verdade, foi mais seu silêncio do que o que teria dito. Enquanto seus colegas do meio cultural, musical, das artes bradavam contra a ditadura militar no Brasil, sofrendo suas consequências de censura, prisões e exílios, Roberto, confortável e convenientemente não só não se manifestava em relação ao regime e as reprimendas sofridas pelos colegas e continuava, simplesmente, gravando suas canções alienadas com temas românticos ou de "curtição", como ainda não se esforçava em esconder uma proximidade com os generais e até mesmo era agraciado com comendas e homenagens pelos tiranos governantes brasileiros daquele nefasto período da nossa história.
Como se não bastasse, Roberto é conhecido no meio artístico por seu comportamento egoísta, mesquinho e antiético, sabotando outros artistas, reivindicando vantagens e benefícios junto a produtoras, gravadores, emissoras, etc., e, como se diz popularmente, "puxando o tapete" de colegas de profissão. Tim Maia foi um exemplo de um que, depois de ter sido parceiro de banda, ter convivido junto, foi ignorado e menosprezado por Roberto, assim que o Rei começou a estourar nas paradas de sucesso e tornar-se o fenômeno que veio a ser. O anglo-brasileiro Ritchie, sucesso nos anos 80, é outro que teria sofrido pelas mãos de Roberto que, segundo se sabe, e é confirmado por outros artistas, teria "mandado" a gravadora boicotar o sucesso de Ritchie, dificultando a distribuição do material do músico, sua participação em eventos e programas e negligenciando a divulgação em rádios do material do próprio contratado.
Mas não dá pra ignorar o tamanho desse cara na música brasileira, a qualidade de suas composições e a quantidade de grandes e inesquecíveis canções com que ele nos brindou. Se sua atividade no microfone, no estúdio, nos palcos é incontestável e proporcionou a todos nós momentos mágicos em músicas como "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Emoções", os DETALHES das suas atuações nos bastidores, de alguma forma sempre mancharão um pouco seu nome, pois, como diz aquela canção, são coisas muito grandes pra esquecer.


Não se orgulhar mais de ter usado
camiseta do MST, tudo bem, mas Bolsonaro?
Lobão - O cara foi, simplesmente, uma espécie de símbolo da democracia da geração rock dos anos 80. Tinha a Plebe Rude que era contundente, tinha a Legião que se posicionava com ênfase e inteligência, o Capital Inicial correndo por fora mas ainda assim engajado, mas o Lobão era o cara que gritava. Ele participava de comício, ele fazia música que avacalhava o Sarney, chamava a galera pra votar consciente, tocava o hino nacional na guitarra, ao melhor estilo Hendrix, em pleno Globo de Ouro, na maior emissora de TV do país... e tudo isso pra quê? Pra acabar apoiando o Bolsonaro. Putaquiuparil
Ele alega ter se decepcionado com a esquerda, se arrependido de ter votado no PT, ter perdido a confiança em quem governou o país e acabou em tribunais respondendo por corrupção... Ok, Lobão. Mas daí a apoiar a eleição de uma criatura, visivelmente, incapaz, limitada e mal-intencionada como o atual presidente brasileiro, é muita ignorância, ingenuidade ou burrice. Um cara que tinha tudo pra dar errado, não apresentou nenhuma proposta durante a campanha se apoiando somente em um montão de bravatas e, por isso mesmo fugiu dos debates como o diabo da cruz; baseou sua campanha em notícias falsas; destilou ódio e preconceitos contra negros, indígenas, homossexuais, além de manifestar contumaz desprezo pela classe artística, da qual, exatamente o senhor João Luiz Woerdenbag, mais conhecido como Lobão, faz parte, não podia dar outra coisa senão o que deu.
Faz parte do meio artístico mas, a bem da verdade, por outro lado, também faz parte de uma classe-média alta elitista, mimada que, nos anos 80, recém saída da ditadura, via seus filhos, rebeldes sem causa, lutarem sem saber bem pelo quê, por causas como diretas, igualdade social, contra a fome, muito mais pelo embalo e pela modinha, do que por qualquer convicção. Tudo uns filhinho de papai que, na hora que perceberam que estavam perdendo privilégios, deixaram cair a máscara.
Lobão até se arrependeu - pelo menos é o que ele diz. Mas agora, depois de ajudar a eleger aquele ser ignóbil que ocupa a cadeira da presidência, aí já é tarde e já condenou o país a um retrocesso vai ser duro de reverter. Quando criaturas como Lobão, Roger, do Ultraje, Paula Toller, Rodolpho do Raimundos, mostram esse tipo de atitude, de posicionamento de caráter, eu tenho que dar razão para a aquela música que um cara muito legal do rock nacional dos anos '80 compôs: O rock errou.


O cara que bradava contra o sistema...  
John Lydon - O Rei dos Punks, o cara que gritava por anarquia, que bradava contra o poder, contra a caquética monarquia britânica, quem diria..., apoia Donald Trump. Pois é. Preferências políticas à parte, de direita, esquerda, democratas, republicanos, liberais, socialistas, já estar cansado das "bobagens intelectuais" da esquerda, como o próprio Lydon afirma, tudo bem, a gente entende, mas, agora, um cara que já simbolizou a atitude contra o poder, contra o opressor, daí a se manifestar, veementemente, a favor de uma pessoa elitista, odiosa, arrogante, egoísta, megalomaníaca, racista, xenófoba, um negacionista que, por conta de sua ignorância, falta de humanismo e empatia, ignorou a presente pandemia e, por conta de seu discurso, sua falta de ações efetivas, condenou milhares de seus compatriotas (e, por tabela, outros tantos milhões, indiretamente, pelo mundo afora) à morte, é inaceitável.
Como se não bastasse apoiar abertamente um maluco egocêntrico e considerá-lo a "última esperança e o verdadeiro representante da classe operária (???), o ex-líder dos Sex Pistols, vêm dando indesculpáveis demonstrações de intolerância e racismo. Além de "passar pano" no episódio de George Floyd, dizendo que existem policiais brancos ruins mas que aquilo teria sido apenas um episódio isolado, e ter ofendido com injúrias racistas o integrante da banda Block Party, Kele Okereke, durante um festival, diante de pessoas que confirmam o incidente, Joãozinho Podre ainda vem afirmando e reafirmando que os jovens ingleses que participam de manifestações contra o racismo são uns "mimadinhos" que, segundo ele, "têm merda na cabeça". Tá certo que a simpatia nunca foi mesmo uma marca forte na vida de John Lydon, mas agora com essas ele não se ajuda a que continuemos tendo algum respeito por ele ou pelo que já representou.
"Eu posso estar certo, eu posso estar errado", era o que ele mesmo cantava, já nos tempos de PIL, e creio que, diante das últimas atitudes não é muito difícil constatar qual das alternativas prevaleceu.


Morrissey exibindo, sem pudor,
 seu apoio à direita britânica.
Morrissey - O que mais me dói ver o lixo humano que se tornou. Morrissey era uma espécie de amigo, o cara que a gente ouvia porque parecia que sentia como a gente e exprimia suas dores, seus problemas, suas angústias, da maneira como gostaríamos de manifestar, com sinceridade, sem medo de se expôr, como um ser humano que só quer ser amado. Pois bem..., como é que essa pessoa se tornou esse ser deplorável que temos acompanhado ultimamente é algo misterioso para mim. Talvez nem tanto. Se formos prestar atenção alguns sinais já vinham sendo dados mas, nós fãs, nem levávamos em consideração, tipo, "Morrissey não é assim", ou passávamos um pano, bem bonito, justificando por alguma descontextualização ou má interpretação. Achávamos graça das declarações mal-educadas do ídolo, classificando como uma acidez típica dos gênios, quando efetivamente, deveríamos estar preocupados com o que aquilo representava.
Na verdade, aquele "England is mine...", de "Still Ill", ainda da época do The Smiths, já era um indicativo e eu é que não entendia totalmente... As coisas começaram a ficar mais claras em "National Front of Disco", canção de 1998, uma evidente alusão à Frente Nacional, partido de extrema direita inglês, contestada por alguns mas que, naquele momento, muita gente (inclusive eu) preferiu interpretar como uma "figura" compositiva dentro do contexto poético da música. Só que de uns tempos pra cá, Moz resolveu confirmar publicamente o que insistíamos em negar: tornara-se (se é que em algum momento não fora) um fascista de direita, racista, xenófobo e desprezível. Depois de usar, durante a turnê de seu álbum "Low in the High School", um broche do partido For Britain (foto), de perfil excludente e xenófobo, o cantor reafirmou em um programa de TV norte americano seu apoio às plataformas do partido e ainda, durante a entrevista, minimizou, e até ridicularizou o racismo, afirmando que, atualmente, a expressão é sem sentido e que uma pessoa será acusada de racista, nos dias de hoje, simplesmente, por discordar da opinião dos outros. No balaio de disparates, Morrissey ainda comparou a suposta perseguição que a imprensa impõe a ele, e o boicote que alega sofrer de gravadoras e da mídia ao nazismo e, a propósito de Terceiro Reich, de quebra, afirmou que Hitler seria de esquerda. 
Ah, e tem a que chineses são uma "subespécie", que fronteiras são coisas maravilhosas e foram feitas para serem respeitadas" (sobre imigrantes), que Obama, na verdade, era "branco por dentro", tem a de expulsar fãs do próprio show acusando-os de terem sido mandados pela imprensa, a de sugerir que a criança assediada por Kevin Spacey sabia o que estava fazendo ao ir para o quarto com um homem adulto... Olha..., eu não sei como eu ainda ouço as músicas dê-se cara! Pra falar a verdade, hoje, sempre que eu tenho vontade de ouvir alguma coisa dos Smiths ou de sua carreira solo, eu penso, "Eu vou ouvir esse merda?". Aí eu, a muito custo, separo o homem do artista e lembro do que ele mesmo falou em uma de suas letras: "Não se esqueça das canções que lhe fizeram chorar/ e das canções que salvaram sua vida"
Aí ele me convence e eu o ouço mais uma vez.
(Por enquanto...).


Cly Reis