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domingo, 30 de agosto de 2020

Wakanda Forever! A representatividade negra nas HQ’s, séries de streaming e blockbusters norte-americanos



O trono de Wakanda está vazio e, com ele,
também o da representatividade negra de heróis no cinema.
Quando fiquei sabendo da morte precoce de Chadwick Boseman, ator que entre outros trabalhos interpretou o Pantera Negra, fiquei triste e preocupado. Essa preocupação se dá, pois essa perda se deu no decorrer de mais uma semana de intensos conflitos raciais nos EUA, impulsionados pela violência histórica e estrutural da polícia norte-americana contra os negros. Parei um momento para fazer uma pequena reflexão, sobre como a questão racial e de representatividade de heróis e heroínas negros nas histórias em quadrinhos (HQ’s), pode ser explorado de forma pedagógica e ligada diretamente ao Ensino de História.
Na década de 1960 os Estados Unidos da América encontravam-se ainda segregados racialmente, resquício da Guerra de Secessão (1861-1865) de cem anos antes. De forma resumida, podemos compreender que foi a luta dos estados do norte industrializado, que defendiam o fim da escravidão, a fim de que os antigos escravizados se tornassem trabalhadores assalariados, impulsionando assim o capitalismo emergente do período. Do outro lado tínhamos os estados do sul escravagista, que defendiam a manutenção da mão de obra escrava, pois consideravam que perderiam muito capital com a emancipação dos escravizados.
A importância então das HQ’s e, mais tarde, dos filmes que colocavam em evidência protagonistas negros possibilitou a ruptura de estereótipos, que ainda hoje são presentes em nossa sociedade. Estereótipos estes, que colocam ainda os pretos e pardos como subalternos, ligados a uma subcultura, ligados à criminalidade ou dependentes de figuras brancas, símbolos da colonização europeia.
Como não pensar, por exemplo, em Tarzan quando se fala em heróis africanos. Ainda que o Tarzan tenha sido um nobre europeu branco, que sofreu um naufrágio na costa africana, foi criado por macacos e quando enfrentava tribos negras, essas tribos eram retratadas como vilãs em algumas de suas aventuras.
Da mesma forma, pensar em Allan Quatermain, o explorador branco inglês, símbolo da colonização europeia da região. Ou no Fantasma, que começa sua trajetória nas selvas asiáticas, mas depois é deslocado para o continente africano. Ao pensar em heróis africanos no início do século XX, pensava-se em brancos que representavam o colonialismo branco europeu.
O Pantera Negra foi, de certa forma, responsável pela redescoberta
de outros heróis negros, como, por exemplo, Misty Knight e Luke Cage.
Quando o escritor Stan Lee e o ilustrador Jack Kirby se uniram para criar o Pantera Negra em 1966, ainda que por diversas vezes tenham alegado que não havia ligação com o movimento político Black Panthers, o herói acabou sendo símbolo justamente dessa quebra de paradigmas e estereótipos ligados aos negros de forma geral, pois era um rei, gênio cientifico, líder de uma nação tecnologicamente superior a qualquer outra no planeta. Lembrando novamente que isso ocorreu justamente durante a luta pelos direitos civis dos negros americanos, que até então não podiam frequentar bares, comércios, igrejas e até mesmo escolas públicas que eram destinadas aos brancos. Nos ônibus, trens e metros, os espaços destinados aos negros eram os do fundo desses transportes.
Ainda que de forma ficcional, o Pantera Negra serviu e serve ainda hoje, como símbolo dessa quebra de padrões e imposições, além é claro de personificação imagética do antirracismo. Quando o Marvel Studios lançou em 2017 o filme "Pantera Negra" nos cinemas, a repercussão política e social do Blockbusters foi tanta, que gerou uma das maiores bilheterias da franquia de heróis até hoje. O mais importante, no entanto, foi o empoderamento de várias crianças e adolescentes negros em todo o mundo, que passaram a se sentir representadas na figura do herói. Lembro que falamos por semanas nas minhas aulas sobre o filme e ainda falamos muito sobre ele até hoje.
Outros heróis negros, que eu já conhecia como aficionado desde a adolescência em HQ’s, passaram a ser redescobertos, como Luck Cage e Misty Knight, vistos na série da Netflix Luke Cage. Adaptações foram feitas em séries para canais de streaming, como a segunda temporada de Watchmen da HBO, que coloca a questão racial no centro da trama, sendo que a protagonista da série é uma heroína negra. Podemos citar também outros personagens negros da DC como Ícone, Vixen, Super Choque, Raio Negro, entre tantos outros, que servem para reflexão sobre essa temática.
Será que Pierre Bourdieu, pensador que desenvolveu também o conceito de representatividade, conseguiria imaginar um aprofundamento desta questão sob esta ótica?
Espero, de coração, que o trono, da nação fictícia de Wakanda não fique vazio por muito tempo nas novas produções da Marvel. Que a morte do excelente ator Chadwick Boseman, protagonista de outros trabalhos que merecem reconhecimento também, possibilite uma reflexão sobre a importância da representatividade, sobe os mais diferentes aspectos, assegurando o empoderamento e a visibilidade daqueles que não se sentem representados de forma equânime. Wakanda Forever!

por  C L E B E R     T E I X E I R A     L E Ã O



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Cleber Teixeira Leão é professor da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, onde atua há 10 anos. Também é músico e pesquisador de Ensino de História.
Em seu Mestrado Profissional de Ensino de História pela UFRGS, desenvolveu uma pesquisa no campo das relações étnico-raciais, com foco no conceito do estudo crítico da branquitude, sobre a qual apresenta os dados produzidos a partir dela, para professores, pesquisadores e o público em geral, em webinarios, debates e podcasts.
Cleber é morador do bairro Restinga, zona periférica da capital gaúcha, local de movimentos culturais negros de grande expressão no cenário porto-alegrense, do qual ativamente faz parte.


Referências:
BOURDIEU, Pierre. “Esboço de uma teoria da prática”. In: ORTIZ, Renato (org.) Pierre Bourdieu. São Paulo, Ática, 1994.
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo, Brasiliense, 1988.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
MUNANGA, Kabengele (org.) Superando o racismo na escola. 2. ed. Brasília: MEC/SECAD, 2005. Disponível em: https://bit.ly/2v374Ty. Acesso em: 14 maio 2018.
https://www.huffpostbrasil.com/2018/02/15/pantera-negra-entenda-a-origem-e-a-importancia-do-1o-super-heroi-negro-mainstream_a_23362850/

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