Quem falou que não pode ter álbum com ias de um artista aqui nos ÁLBUNS
FUNDAMENTAIS? Já teve ao vivo, compacto, EP, por que não poderia ter coletânea?
Até porque a seleção em questão é extremamente significativa
para o seu segmento em particular. Falo do disco “Sub” , uma compilação de bandas punk nacionais do início dos anos
80, que junto com outra coletânea, “Grito Suburbano”, que podem ser consideradas
de certa forma a síntese do punk paulista, que a rigor foi o berço do movimento
no Brasil. Embora haja controvérsias quanto ao fato de Brasília ter dado início
à tendência, com certeza a região operária de São Paulo, o ABC, com suas
características de proletariado industrial, conjuntos habitacionais, até mesmo
as lutas sindicais foram decisivas para a formação mais efetiva, ativa e
característica do movimento punk brasileiro na periferia de São Paulo, como cantaria Gilberto
Gil na sua "Punk da Periferia", ao passo que em Brasília a atitude ficava por conta de uma outra
faixa social intermediária, composta por filhinhos de papai, de diplomatas ou às vezes até mesmo por filhos de
militares. Ou seja, a de São Paulo era mais autêntica, mais verdadeira, mais
sincera e honesta.
E é isso que vemos no “Sub”. Aquele grito juvenil indignado,
muitas vezes ingênuo, clamando por justiça social, por igualdade, por paz
mundial em tempos de Guerra-Fria e ameaças nucleares, denunciando a fome, o
desemprego, o racismo, o preconceito e o regime militar que àquelas alturas já
estava no final e bem mais fácil de ser contestado em plena Abertura.
As músicas? Tosquice pura! Faixas
curtas, muito barulho, limitação de recursos de gravação e absoluta falta de
qualidade técnica dos músicos. As letras por sua vez, agressivas, raivosas,
rebeldes, muitas vezes, demonstram extrema inocência até, com conceitos e
idéias um tanto pueris (“O homem ingênuo
sobe na vida
sem nada saber de sua burguesia”), e não raro, deixando transparecer a extrema
pobreza gramatical dos compositores que incorriam em erros de português
clamorosos ( “a noite escureceu, o dia
esclareceu” ou “eu vi a barca atravessando a avenida pareciam deguladores” ).
Sem falar que muitas vezes os versos ficavam quase incompreensíveis dada a
rapidez da música ou da pronúncia do vocalista.
A coletânea conta com quatro bandas: dois dos nomes mais
importantes da cena punk brasileira, Cólera e Ratos de Porão, nessa época ainda
sem o emblemático João Gordo, e os outros dois menos conhecidos do grande
público, Fogo Cruzado e o Psykóze, que não ficam devendo em nada aos
consagrados e por vezes roubam a cena com músicas até mais interessantes e mais
bem elaboradas.
Destaques para “Vida Ruim” dos Ratos de Porão; do Cólera
“Quanto Vale a Liberdade?” vale a indicação, e a que leva o ‘doloroso’ título
“X.O.T.”, abreviação absurda de “Xantagem Ocasional Tramada” mesmo com seu erro
grotesco de português; “Terceira Guerra Mundial” e “Buracos Suburbanos” são as
melhores do Psykóze na minha opinião; e do Fogo Cruzado, os meus preferidos da
coletânea, destaco “Delinqüentes”, “Inimizade” e “Terceira Guerra” com sua
‘bombinha’ caindo no final pra destruir tudo e finalizar o disco.
Lembro que o meu primo Lucio Agacê me
apresentou isso empolgado na época que estava descobrindo essas coisas, o punk
rock, o hardcore. Me mostrou brasileiros como o Vírus 27, o Olho Seco o
Hysteria Oi, estrangeiros como o Exploited, Kennedy's
, G.B.H. mas não curti muito de início. Estava mais voltado pro som dark
dos anos 80 e não dei muita atenção. Fui dar valor mesmo
anos depois quando entendi que na verdade, punk, pós-punk, gótico, era tudo uma
continuidade e muito do que eu ouvia era resultado do que os punks haviam
desenvolvido. Aí saí à cata de coisas que eu não havia dado a devida atenção em
outro momento e numa dessas topei com o “Sub”
por aí e não tive nem dúvida: tinha que ser meu.
Entre tantas outras contribuições musicais na minha vida e
nossas colaborações na época da nossa banda, devo ao Lucio essa iniciação ao
som punk. Sem ele não teria conhecido esse universo e neste caso específico, o
“Sub”, bola da vez aqui nos ÁLBUNS
FUNDAMENTAIS.
Valeu por mais essa, Lucio!
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FAIXAS:
"Parasita" (Ratos de Porão) - 01:11
"Vida Ruim" (Ratos de Porão) - 01:32
"Poluição Atômica" (Ratos de Porão) - 01:08
"X.O.T." (Cólera) - 01:38
"Bloqueio Mental" (Cólera) - 01:36
"Quanto Vale a Liberdade?" (Cólera) - 02:18
"Terceira Guerra Mundial" (Psykóze) - 01:42
"Buracos Suburbanos" (Psykóze) - 01:33
"Fim do Mundo" (Psykóze) - 00:55
"Desemprego" (Fogo Cruzado) - 01:49
"União entre Punks do Brasil" (Fogo Cruzado) - 01:23
Já houve a quem surpreendi com essa afirmação: Pedro Almodóvar não me é uma unanimidade. Pelo menos, por certo tempo em sua filmografia, seu cinema, mesmo inequivocamente admirável, desagradava-me em algum grau, como se algo oculto, mas grave, estivesse fora do lugar. Desde sempre sei claramente de sua excelência nos vários aspectos fílmicos: roteiro, enquadramento, fotografia, direção cênica, arte, sensibilidade musical. Sei de tudo isso, mas era como se algo me incomodasse que eu não soubesse exatamente como explicar. Recapitulando melhor: minha relação com os filmes do cineasta espanhol vem desde praticamente o início de sua carreira, mais precisamente a partir de “Matador”, de 1986. Claro que me assombrei com aquele cinema potente, repleto de erotismo, crítica social e política, sarcasmo e lirismo, o que se confirmou nos seguintes “A Lei do Desejo” (1987) e “Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos” (1988). Porém, já a partir de “Ata-me!” (1989), seguindo de “De Salto Alto” (1991), “Kika” (1994) e “Carne Trêmula” (1997) esse desconforto passou a aparecer. O que seria?
Assistindo a seu novo filme, no entanto, o candidato a Oscar de Melhor Filme Internacional “Mães Paralelas”, foi que finalmente compreendi o que me perturbava em Almodóvar. Mas vamos ao filme primeiro: na história, duas mulheres, Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit), dão a luz no mesmo dia e no mesmo hospital. Janis, de meia idade, teve a gravidez planejada e já se sente preparada e eufórica para ser mãe. Ana, adolescente, engravidou por acidente e sente medo do que está por vir, além de estar assustada, arrependida e traumatizada. As duas enfrentam essa jornada como mães solos e estreitam o vínculo entre si. Porém, o destino lhes guarda acontecimentos inesperados, que vão mudar profundamente suas vidas e remexer em questões originárias de ambas.
A abordagem realista de “Mães…” trouxe-me à luz que minha antiga questão com Almodóvar era nada estética e totalmente filosófica. Já nos primeiros minutos do filme o cineasta deixa claro que a trama encadeia com a mesma força os espectros existencial e sociopolítico ao evidenciar a situação das duas mães e da sua desafiadora condição feminina e, paralelamente, do resgate da memória de perseguidos políticos pela ditadura de Franco e cujos laços familiares são essenciais ao autorreconhecimento das personagens. Essa visão bastante autobiográfica, seja íntima ou coletivamente, não poderia ser abordada de outra forma que não a realista, contrariamente ao que por muito tempo prevaleceu como discurso nos filmes de Almodóvar, que era uma visagem reiteradamente excêntrica, quando não bizarra ou surreal. Essa linha de raciocínio transmitiu a mim por muito tempo que não havia outra visão de mundo para o diretor que não o decadentismo. Não que um autor, assim como muitos o fazem desde que a arte pensa o mundo, não possa – ou deva – expressar seu pessimismo. Não fosse assim, desconsideraria, por exemplo, o cinema de Angelopolus, Von Trier ou Bergman, quase sempre amargos. Mas a impressão que dava na filmografia de Almodóvar, mais precisamente até “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999), marco desta quebra para uma incursão mais realista e biográfica, resultava em algo um tanto simplista, como se tudo se resolvesse pelo bizarro. Desde pequenos detalhes do roteiro até “soluções” ou comportamentos inesperados dos personagens, havia como que uma inquietação que não permitia que as verdades se despissem: careciam sempre estarem vestidas de ironia, choque, de arroubos.
trailer de "Mães Paralelas"
Seria simplista, aí sim, de minha parte, no entanto, atribuir isso à homossexualidade, sempre tão presente em suas temáticas, embora propositadamente geradora de perturbação, um possível indicativo. Mas não era só isso. Havia no ar – assim como a sensação de suspensão obtida pela câmera de Resnais ou a de sonho que Buñuel magicamente atribuía a seus filmes surrealistas – um sentimento de deslocamento constante, uma revolta inquietante. Tudo, claro, com o invólucro extremamente bem acabado, que lhe é marca registrada, o que me confundia até certo ponto – além, claro, da própria qualidade de filmes como “Ata-me!” e “Kika”, por exemplo. Porém, tudo formava, por fim, algo inevitavelmente um tanto repetitivo, para mim insuficiente a um autor tão capaz de vislumbrar um paradigma mais amplo. O bastantemente autobiográfico “Dor e Glória” (2019), seu longa imediatamente anterior a “Mães…”, parece com este último mostrar um Almodóvar maduro, por mais estranho que essa afirmação possa parecer quando se refere a um dos mais talentosos cineastas da atualidade. Nada de rompantes dos personagens, falas chocantes, ações excêntricas como se a alma do ser ibérico fosse necessariamente sempre assim. Até mesmo o thriller“A Pele que Habito” (2011), filme que marcou uma recente virada de prestígio na carreira de Almodóvar, o elemento bizarro funciona a favor da narrativa fantástica por natureza.
Penélope noutra ótima atuação com Almodóvar, concorre ao Oscar de Melhor Atriz
Este pisar no chão de Almodóvar em “Dor...” e agora em “Mães...” acaba por repercutir principalmente no roteiro, precioso no entendimento das complexidades humanas e, consequentemente, na direção de atores – o que põe Penélope, vencedora do Oscar de Atriz Coadjuvante em 2009 por "Vicky, Cristina, Barcelona" a concorrer pela segunda vez na carreira ao de Melhor Atriz (a outra, também com Almodóvar, por "Volver", em 2007). Afinal, quer algo mais inesperado do que as reações do ser humano diante do medo? Não precisa de exagero para expressar isso com contundência.
O resultado é um filme preciso, em que Almodóvar deixa aquela sensação que somente os grandes conseguem, que é a de ter se superado. E isso é ainda mais louvável considerando que, assim como Allen, o espanhol é daqueles cineastas que sempre produziram muito e há muito tempo, o que, naturalmente, leva a maior probabilidade de erros e acertos. Decerto, o Oscar de Filme Internacional fique com o acachapante “Drive My Car”, o qual, assim como “Roma” em 2018, e “Parasita”, em 2020, concorre também ao de Melhor Filme, mas que dificilmente repetirá o feito deste último ao arrebatar as duas estatuetas. Independentemente de premiação ou não, como obra “Mães...” vem com pertinência discutir questões femininas com tamanha sensibilidade, ineditismo, beleza e verdade. Um filme que diz, a rigor, tudo sobre todas as mães do mundo.
Pouco menos de oito minutos são o suficiente para que sejamos empurrados para o mistério. A queda foi acidental, foi provocada, foi suicídio...? Depois de uma breve tentativa de entrevista com uma renomada escritora, interrompida, inconvenientemente, pelo barulho proposital do marido no andar de cima, no retorno do filho do casal, após um passeio pelo bosque, próximo à casa, com seu cão, o corpo do pai, Samuel, é encontrado pelo garoto, na neve, com evidentes sinais de queda dos andares superiores da casa. A polícia especula acidente, uma vez que Samuel fazia reformas no andar de cima, especula que outra pessoa pudesse ter entrado na casa, especula suicídio, mas diante de uma série de contradições, omissões e pequenos indícios, passa a suspeitar da esposa, Sandra, e tratar o caso como possível homicídio.
Mais do que apenas um filme de mistério tradicional, no qual há todo um quebra-cabeças para encontrar o culpado, "Anatomia de Uma Queda", utiliza-se do ocorrido para remontar situações externas que teriam sido determinantes para aquele destino e todos os aspectos emocionais que levaram até ele. A relação desgastada do casal, a frustração profissional de Samuel e seu estado emocional instável, sua incapacidade de reagir aos problemas, a personalidade manipuladora de Sandra, a suposta apropriação da produção literária do marido, o problema de visão do filho e a versão de cada um para a dedicação dada a ele, tudo vai sendo destrinchado, vai aparecendo aos poucos, em evidências da polícia, em depoimentos no tribunal, nas contradições de Sandra, e em novas provas que surgem e são apresentadas.
Durante boa parte de sua duração, "Anatomia de Uma Queda" é um filme de tribunal, "gênero" que muita gente têm uma certa resistência, mas neste caso específico, o longa é de uma riqueza retórica e argumentativa, que passa longe de ser "chato". As coisas todas vão se encaixando e se desencaixando de acordo com cada nova testemunha, cada dia do julgamento, cada novidade... A anatomia da queda vai sendo montada pedacinho por pedacinho mas a diretora Justine Triet, com uma condução brilhante, faz questão que não tenhamos certeza alguma durante o tempo todo, de modo que levemos em consideração todas as possibilidades e, bem como o júri, façamos nossos juízos a respeito do caso.
Um dos melhores filmes da temporada! Não à toa vencedor da última Palma de Ouro em Cannes e candidato ao Oscar de Melhor Filme, podendo repetir o arrebatador "Parasita", em 2020, com as conquistas dos dois prêmios mais significativos da indústria do cinema. Na minha opinião, não seria nenhum absurdo.
Quatro momentos do filme: em cima, Daniel, o filho, encontrando o corpo; e Sandra em conversa com seu advogado. Em baixo, o promotor incisivo e implacável contra Sandra; e, à direita, a ré, diante do júri.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo, Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado, Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
************************ "Poema em Linha Reta" Álvaro de Campos* (*heterônimo de Fernando Pessoa)
"Invasão Zumbi" é um dos melhores filmes de zumbis dos últimos tempos. O longa sul-coreano do diretor Yeon Sang-ho é de tirar o fôlego, manter os olhos grudados na tela e os nervos à flor da pele o tempo inteiro. A partir do momento que o primeiro infectado por uma contaminação industrial entra no trem de Seul com destino a Busan, a ação não para mais. Neste trem um executivo frio e egoísta, sentindo-se culpado por praticamente ter ignorado o aniversário da filha, aceita levá-la para Busan onde terá uma reunião de negócios e poderá com a mãe que mora naquela cidade. Só que o trem vira um verdadeiro inferno a partir do momento que, cmo é natural num filme de zumbis, o infectado morde um, que morde outro, que morde outro e aí, véi... é correria naquelas corredores apertados, é vagão sem saída, é vagão que dá direto em mais um monte de zumbis. A sensação de claustrofobia, angústia, ansiedade do espectador é constante e inevitável. E não são zumbis lerdos, sonsos! São zumbis ágeis, rápidos e irrefreavelmente famintos e vorazes. A cena da correria na estação de Daejeon, onde tentam parar, acreditando que ali é seguro, garantido pelo exército, é tensa e desesperadora. Os militares que deveriam garantir sua segurança estão infectados! É mais corrreria e correria! O momento em que os mortos-vivos forçam os vidros da estação e aquele monte de zumbis despencam em cima dos vagões é memorável, a que os zumbis correm atrás do trem, se dependurando um ao outro faz considerada uma das grandes sequências de terror da história do cinema.
"Volta que deu ruim! Os milico tão tudo zumbizado."
Além de tudo, por incrível que pareça, o filme carrega em si toda uma ideia de solidariedade, de não pensar se pensar apenas em si mesmo, uma reflexão sobre a solidão da tecnologia dos dias de hoje, do individualismo e a indiferença em nossa sociedade. Mas mensagens à parte, no que "Invasão Zumbi" verdadeiramente se propõe, não decepciona: é um baita filme de terror. Consegue com muita qualidade, um boa direção, um argumento simples mas bem sustentado, entrar naquele panteão dos grandes filmes de zumbis, inaugurado por George Romero e no qual não é qualquer um que pode ser considerado digno de entrar.
Se o cinema sul-coreano já provou recentemente ao mundo que é bom de filme policial com o já clássico "Oldboy", é bom de ficção científica, de cinema catástrofe com elogiadíssimo "O Hospedeiro", que é bom de drama, conquistando os principais prêmios do cinema mundial com "Parasita", não deixa dúvidas com "Invasão Zumbi" que, se o assunto for terror, o pessoal por lá manda bem também.
Tem compromissos que são muito mais do que isso: são momentos de prazer. Imagina, então, eu, cinéfilo e apreciador de uma boa mesa, sentar pra bater um papo com amigos por quase 2 horas sobre o filme que eu mais gosto ever?! Os desejos se realizam, e foi isso que a galera do canal Cinema de Peso, comandada por meus colegas de Accirs Criba Aquino, Lauro Arreguy e Chico Izidro, me proporcionarem.
A saborosa e descontraída conversa, regada ao ótimo chop da Cervejaria Pohlmann, que nos recebeu, mais uns petiscos e uma deliciosa pizza da casa, teve como tema central o cult"Bagdad Café", do cineasta alemão Percy Adlon, meu filme preferido desde que o assisti pela primeira vez, em 1988, um ano depois de seu lançamento mundial. Como Criba bem observou, conseguimos destrinchar a obra, admirada por todos nós: direção, fotografia, trilha sonora, atuações, temática, motivações. E ainda ganhei uns mimos superlegais da galera.
Eu com os meninos: Chico, Criba e Lauro da esq. para a dir.
Uma coincidência melancólica motivou ainda mais o debate sobre "Bagdad Café" (ou "Out of Rosenheim", título alternativo dado em referência ao megasucessso da mesma época "Out of India", "Passagem para a Índia", de David Lean). Duas semanas antes da gravação - e após já ter escolhido este título para o episódio - Percy Adlon morreu. Claro que, desta forma, o encontro se tornou também uma homenagem a ele, autor de outros poucos mas belos filmes, como "Estação Doçura" e "Um Amor Diferente". Embora menos gabaritado que outros cineastas alemães (Wenders, Lang, Fassbinder, Murnau, Herzog), Adlon foi muito assertivo e dono de um belo estilo cinematográfico, que muitas vezes remete a estes conterrâneos.
Pessoalmente, o convite para participar do videocast me fez refletir sobre o porquê da prevalência justo deste pequeno conto filmado há tanto tempo em minha vida de cinefilia. O que justifica o amor a este filme mesmo tendo eu visto, conhecido e me apaixonado por tantos outros filmes ao longo destes quase 35 anos? Abismei-me com "Fahrenheit 451", "A Paixão de Joana D'Arc", "O Ano Passado em Marienbad", "A Marca da Maldade", "A Última Gargalhada", "Cabra Marcado para Morrer", "Parasita", "Sindicato de Ladrões". Pra citar apenas alguns dos que tive contato depois de "Bagdad Café", e nenhum o supera pra mim. A resposta é que não há uma explicação racional, pensada. "Bagdad Café" é aquele filme que me arrebata por todas as suas características juntas. Simples.
Mas o bate-papo foi muito mais do que isso que descrevo - ou mesmo diferente. Por isso, vale a pena assistirem. O Cinema de Peso e o filme, claro.
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Os presentinhos do Cinema de Peso, a começar por essas lindas impressões dos cartazes originais
Então fazia algum tempo que eu não trazia algo para o AF, mas aí estava eu em casa a
cozinhar quando resolvi pôr algo no YouTube para ouvir/assistir. Entre tantas opções
modernas, entre tantos lançamentos, resolvi assistir a uma entrevista que há alguns dias eu vinha
namorado na telinha.
Nada mais nada menos que João Carlos Molina Esteves, o Jão, guitarrista fundador de uma das
bandas que na minha opinião foi uma das precursores do movimento punk brasuca: os Ratos de Porão. Esta foi a banda que me inspirou e me fez querer fazer hardcore. Os caras tinham uma energia, uma verdade que eu sentia em poucas bandas. Mas até aí é a história que todo mundo conhece: o pioneirismo, a força, a fúria, as letras a influência... O que quero chamar atenção aqui, no entanto, talvez só quem tenha vivido aquele punk brasileiro dos anos 80 entenda o sentido. Eu curto RDP desde 1987 quando os ouvi na coletânea "Ataque Sonoro" e depois fui
conhecer o "Sub", outra coletânea clássica do punk nacional dos oitenta, que é justamente o tiro inicial dessa resenha. Quando ouvi o "Ataque Sonoro", fiquei um tanto confuso quanto àquela banda. Eu havia gostado mas havia algo ali que
voltimeia me fazia pular as músicas. Porém, depois, quando ouvi no "Sub" aquele baixo marcante da faixa
“Vida Ruim” tive vontade de pegar imediatamente meu skate e descer a maior ladeira que eu pudesse
entoando o “NÃO VAI DAAARR DESSE JEITO O MUNDO VAI ACABAARR”!!!! Aquilo me fez me fez sentir o motivo de ser punk naquele momento.
Mas os Ratos de repente deram, meio que do nada, um salto pra um crossover. Seguiram naquele rip e eu, fã, mesmo não tendo compreendido bem aquela mudança, aprendi a amar e me mantive fiel durante todo esse tempo. Só após trinta anos, finalmente compreendi aquele salto, aquela passagem brusca daquele punk pro crossover. Estava tudo guardado na cabeça
de um cara: o Jão. Um cara que com toda sua humildade e generosidade soube guardar e esperar o
exato momento para, quem sabe, explicar a transição após todo esse tempo.
No meu ponto de vista, a retomada daquele ponto foi inconsciente. Uma coisa que aconteceu. Tipo, aquela namorada de
adolescente que você resolve fazer um recibo mas que de repente explica o motivo de muitos
erros e acertos na vida. Me refiro à Periferia S/A, banda formada por Jão na guita e vocal, Jabá no baixo e Dru na batera.
A banda traz um som punk enérgico com letras de protesto que vão desde revolta contra o sistema, até
o tiozinho bebaço que põe a vida fora na cachaça. E porquê eu falo deles no AF??? Porque eles me fizeram entender tal transição e também me fizeram acreditar que mesmo
que o Ratos não fosse o Ratos que tanto curto e acompanho, eu teria o que acompanhar caso
eles não existissem. Ouvindo o disco, o ótimo "Fé+Fé=Fezes" de 2014, segundo trabalho dos caras, vejo que seria ducaralho ouvir esse álbum de 2014 lá em 1989, por exemplo, e se por acaso o RDP não tivesse lançado o "Cada Dia Mais Sujo e Agressivo", este, o "Fé+Fé=Fezes", seria tão contemporâneo (não que pareça antigo, é que Ratos sempre esteve a frente do seu tempo), que teríamos discos
para três ou quatro gerações futuras.
Mas situando-o devidamente em sua época e seu contexto, o álbum do Periferia S/A, se formos analisar de uma maneira mais ampla, pode ser visto como um acontecimento importante no cenário cultural e social brasileiro da atualidade. Numa época em que há tanto pelo que se gritar e pouca gente no mundo artístico parecendo disposta ou com capacidade para fazê-lo, trabalhos como este do Periferia configuram-se como obras necessárias e fundamentais. Sabemos que esse grito atinge poucos, e àqueles a quem chega estes já tem a consciência da necessidade de um insurgimento popular, mas já que a cena nacional de rock praticamente inexiste e ao contrário dos anos 80 quando pelo menos havia um rol de bandas, ainda que comerciais, com poder de discurso e mobilização, que a voz da periferia seja a representante de nossa legítima insatisfação. Mais do que o alcance, o importante neste momento é a indignação, o sangue nos olhos e isso o Periferia S/A tem de sobra. Como diz o título de uma das músicas do álbum, "devemos protestar" e nenhum gênero, estilo, movimento é mais legítimo do que o punk para fazer um convocação como essa. Sim, o bom e velho punk está de volta e com toda a fúria e energia. Longa vida a ele.
Lucio Agacê
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FAIXAS: 1. Pindorama Pindaíba (01:59) 2. Urbanóia (01:46) 3. Fé + Fé = Fezes (01:09) 4. Problema de Ninguém (02:31) 5. Fé + Fé = Fezes (01:27) 6. 12XU )01:33)
7. Pindorama Pindaíba (01:48)* 8. Recomeçar (03:06)* 9. Eles (01:59)* 10. A Farsa do Entretenimento (02:31)* 11. Segunda Feira (01:40)* 12. Oprimido (01:48)* 13. Carestia (01:11)* 14. Parasita (01:22)* 15. Padre Multimídia (03:31)* 16. Devemos Protestar (02:18)*