cada um violando e forçando o outro reciprocamente
numa fecundação cruzada hermafrodita de barulho, imagem, texto e timbre."
Matthew Stearns
A coleção "O Livro do Disco" é um achado! Obrigatória para apaixonados por música e por grandes álbuns que fizeram história. São pequenas publicações, no formato poket e não excedendo a duzentas páginas, que prestam-se a dissecar, examinar, destrinchar grandes discos da história da música. Particularmente já havia lido o bom "Unknown Pleasures" do autor Chris Ott, jornalista britânico que entrou a fundo em toda a atmosfera do primeiro trabalho da lendária banda de Manchester, o Joy Division, apresentando uma análise detalhada e pormenorizada de todo o processo de composição e gravação da obra e dos singles que faziam parte daquele momento com comentários de integrantes e informações técnicas verdadeiramente relevantes; mas este, do Sonic Youth, do "Daydream Nation" consegue ser ainda melhor, mais fascinante, mais empolgante, mais arrebatador.
O autor, Matthew Stearns, fã ardoroso e apaixonado, não se limita a transmitir informações técnicas sobre a obra ou analisar as letras de maneira convencional. Ele deixa-se deixa envolver de tal forma em suas próprias apresentações que as faz de maneira entusiástica, incontida, visceral, conferindo imagens e metáforas desconcertantes e perturbadoras às descrições de cada faixa do emblemático álbum dessa revolucionária banda nova-iorquina.
O livro é um mergulho em todos os elementos que envolvem o álbum, desde a aparente tranquilidade da capa, com sua quieta vela levemente deslocada para o lado direito, passando pelas intenções ocultas por trás de símbolos como a fonte de escrita dos nomes das faixas, os ícones muito ledzeppelinianos utilizados na arte interna e a concepção de um álbum duplo; chegando, é claro, na música, na forma atípica de composição do grupo, sua sonoridade singular, as influências de artes plásticas e a minuciosa ordenação das faixas do disco compondo uma crescente de tensão sonora e psicológica, tudo isso tendo como pano de fundo Nova Iorque. A cidade como inspiração e repúdio com todo seu fascínio, sua opressão e seu horror.
Adorei o trecho em que o autor fala apaixonadamente sobre os silêncios entre as faixas nos nossos álbuns prediletos e a imortal expectativa pela próxima música mesmo que já estejamos cansados de conhecer aquele disco: "Nos nossos discos favoritos [a presença dos vãos silencioso que cercam as faixas] é parte ativa na assimilação da música. Parecem abrigar fantasmas eletromagnéticos semimudos, permanentemente pendurados em órbita suspensa, cada figura espectral silenciosa contando parte da história do disco." Um barato também toda a imagem que faz da faixa instrumental "Providence"; a análise pormenorizada da faixa de abertura "Teenage Riot" nos fazendo definitivamente penetrar no disco a a partir daquele momento; as diversas descrições dos momentos dos turbilhões sonoros tão comuns na música do Sonic Youth; e o fato de, assim como eu, considerar "'Cross the Breeze" a faixa mais bem construída de "Daydream Nation".
Em vários momentos o autor se preocupa de estar sendo preciso, de estar conseguindo transmitir a intensidade, a força, a importância de "Daydream Nation". Posso afirmar que com a paixão que coloca em cada frase, em cada detalhe, em cada faixa, ele não apenas consegue passar estas sensações como nos coloca dentro do disco e amplifica todas estas emoções de forma praticamente sônica.
Mesmo já quase no fim de janeiro, mas ainda em clima de retrospectiva, relembramos aqui algumas das artes de divulgação do blog, na maior parte das vezes apresentadas apenas nas redes sociais e que não apareceram como publicações e postagens. Adaptações de posteres de filmes, de capas de discos, brincadeiras com marcas, logos, com obras de arte, com personagens, paródias e criações livres, eis aqui algumas das imagens que o clyblog esteve espalhando por aí ao longo do ano que passou.
Clyblog chamando! adaptação da capa de "London Calling", do The Clash para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS
Sônico! adaptação da capa de "Goo" do Sonic Youth para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS
A nova ordem é curtir o ClyBlog. adaptação da capa de "Low-Life" do New Order para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS
Que tal uma voltinha de bike? adaptação da capa de "Tour de France Soundtracks" do Kraftwerk para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS
Olhe bem. adaptação da capa de "Todos os Olhos" de Tom Zé para a seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS
Nascidos para ver filmes. adaptação do poster de "Nascido Para Matar" de Stanley Kubrick para a seção CLAQUETE
O sertão vai virar mar! adaptação do poster de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha para a seção CLAQUETE
Sem medo da altura. adaptação do poster do filme "Um Corpo Que Cai", de Alfred Hitchcock para a seção CLAQUETE
Foooogo!!! adaptação do poster do filme "O Encouraçado Potemkin", de Sergei Eisenstein para a seção CLAQUETE
As muitas faces do cinema chamada para a seção CLAQUETE
Hora do recreio. chamada do ClyBlog sobre capa do disco "School's Out" de Alice Cooper
Nossa, que blog! chamada do ClyBlog a partir de obra de Roy Lichenstein
O Velho Safado sabe das coisas chamada ClyBlog
Risco biológico. chamada ClyBlog
Fora do Ar. chamada ClyBlog
Ops! Alguma coisa errada! chamada ClyBlog
Altamente inflamável! chamada ClyBlog
Shhhhhhh!!! chamada ClyBlog
Let's Rock! chamada ClyBlog
Chega a dar desespero. campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"
Internet pode dar um sono...
campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"
Ás vezes de cortar os pulsos campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"
De arrancar os cabelos. campanha "Esse tá precisando conhecer o ClyBlog"
Um brinde ao novo ano! chamada para o Ano Novo, dezembro 2015.
Sim, amigos, Chegou a hora da verdade! Os números não mentem e falam por si. é hora de fazer aquele pequeno balanço de 2014 e da atual situação dos A.F. do Clyblog. Qual artista tem mais discos indicados, que país botou mais álbuns, qual o ano que mais apresenta destaques ou qual a década mais recheada de grandes obras da música, além dos principais destaques do ano que passou.
Em 2014 o blog continuou tendo participações especiais como vem acontecendo costumeiramente em datas ou momentos importantes e não foi diferente com os ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, que, por sinal, já começou o ano com a resenha especialíssima do jornalista e crítico musical Márcio Pinheiro, com o ótimo "Quem é Quem" de João Donato, além do essencial "Rubber Soul" dos Beatles, resenhado pelo convidado Eduardo Lattes, numa espécie de postagem-dobradinha com o álbum antagonista, "Pet Sounds" dos Beach Boys, que por sua vez estrearam, antes tarde do que nunca, no seleto time do A.F.
E falando em estreia, o ano passado marcou outros ingressos significativos no hall dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, como os de Ella Fitzgerald, The Police, Funkadelic e Gal Costa, que já saiu metendo dois logo de cara, por exemplo, e algumas reafirmações como as de Prince, Sepultura, Sonic Youth, R.E.M. e Madonna que botaram na roda seu segundo álbum fundamental, cada.
Mas enquanto alguns, recém, levam seu segundo trabalho ao pódio, alguns disparam na liderança, e os Rapazes de Liverpool que no último ano haviam finalmente tomado a ponta, este ano viram o Camaleão, David Bowie, empatar a parada e dividir com eles o topo da tabela, e de quebra, os rivais, Rolling Stones, aproximarem-se perigosamente. Isso no geral, porque se ficarmos no âmbito nacional, Titãs, Legião e Jorge Ben, estão mandando no pedaço. Mas se é para sermos bem exatos mesmo, quem está na frente mesmo é o Babulina que com o ingresso de seu fantástico "África Brasil", se somarmos ao clássico "Gil & Jorge" chega isoladamente à primeira posição de álbuns resenhados nos A.F.entre os brasileiros. "África Brasil" que, a propósito foi um dos que integraram a seleção diferenciada de álbuns que tinham alguma coisa a ver com futebol nas edições especiais dedicadas à Copa do Mundo chamada ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ClyBola, que também contou com discos como o "Novos Baianos F.C.", "Chico Buarque vol.4" e "Nuvens" de Tim Maia.
Outra coisa bacana que rolou nos A.F. em 2014 foi que, no ano em que a Blue Note Records, gravadora pioneira do jazz americano, completaria 50 anos, resenhas de grandes artistas do gênero pintaram por aqui pelas mãos de Daniel Rodrigues, destacando "Empyrean Isles" de Herbie Hncock e "The Sidewinder" de Lee Morgan.
Como curiosidades, tivemos o fato de que Richard Strauss com seu "Zaratustra" de 1895 tornou-se o 3º mais antigo da seção, só atrás em antiguidade da "9ª de Bethooven" de 1824, e d"As Quatro Estações" de Vivaldi, de 1725; e lá na outra ponta, entre os mais atuais, o interessante é que só este ano tivemos destacados mais álbuns do século XXI do que tivéramos até então em 5 anos de blog.
Mas paremos com essa conversa fiada e vamos aos números. Vamos ao que interessa.
PLACAR POR ARTISTA (GERAL)
The Beatles: 5 álbuns
David Bowie 5 álbuns
The Rolling Stones 4 álbuns
Stevie Wonder, Cure, Led Zeppelin, Miles Davis, Pink Floyd e Kraftwerk: 3 álbuns cada
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Jorge Ben (4)
Titãs (3)
Legião Urbana (3)
Gilberto Gil (3)
PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 2
anos 40: -
anos 50: 12
anos 60: 55
anos 70: 79
anos 80: 76
anos 90: 55
anos 2000: 7
anos 2010: 4
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 14 álbuns
1985: 13 álbuns
1972 E 1991: 12 álbuns cada
1967: 11 álbuns
1968, 1969, 1970, 1971, 1976 e 1992: 10 álbuns cada
PLACAR POR NACIONALIDADE
Estados Unidos: 110 ártistas
Inglaterra: 77 artistas
Brasil: 70 artistas
Alemanha: 6 artistas
Canadá e Irlanda: 4 artistas cada
Escócia: 3 artistas
México: 2 artistas
Suiça, Jamaica, Islândia, Gales, Itália, Austrália e Hungria: 1 cada
"As guitarras do Sonic Youth não giram e gritam: elas repicam e se fundem. As cordas são devolvidas a coleções incomuns de tons, melodias são reduzidas a fragmentos mal controláveis, harmonias saem de sincronização e se acumulam em clusters oníricos(...) O Sonic Youth dá ao seu ruído veleidades artísticas"
Alex Ross, crítico musical autor dos livros "O Resto é Ruído" e "Escuta Só"
Frequentemente renegado pelos fãs, 'acusado' de ser muito concessivo, "Dirty", de 1992, dos novaiorquinos do Sonic Youth é na verdade um grande injustiçado.
Todos os elementos que fizeram do Sonic Youth um dos nomes mais importantes do cenário alternativo e uma das bandas mais influentes dos últimos tempos estão ali. O barulho, o experimentalismo, os longos interlúdios, as atmosferas, a fúria, a sensualidade, a inteligência, a criatividade, a provocação, e a genialidade. Tudo lá.
É bem verdade que faixas como a ótima "100 %" que abre o disco, com seu estilo verso-resposta, meio turma de Seattle; o punk adocicado "Sugar Kane"; ou a igualmente boa "Youth Against the Fascism", com seu baixo distorcido, porém fácil e palatável, tinham um apelo comercial mais acentuado. Mas mesmo quando o Sonic Youth se deixa ser mais acessível, os diferenciais que os fizeram tão respeitados e influentes em seu meio ficam evidentes e se sobressaem. E de mais a mais, coisas como "Expressway for Yr. Skull', "Teen Age Riot" ou "Dirty Boots", por mais elaboradas que sejam não são também de audibilidade bastante aceitável, por assim dizer, no mínimo?
Implicância!
"Dirty" é um baita álbum!
Pra mim, um dos 10 melhores dos anos 90.
Tem grandes momentos como a espetacular "Drunken Butterfly", um misto de fúria, loucura e sensualidade na voz inebriante de Kim Gordon; "Orange Rolls, Angel's Spit" conduzida por uma guitarra estridente e hipnótica; a frenética cover dos Untochables, "Nic Fit"; a vigorosa "Purr"; a arrastada "JC"; "On the Strip" que faz jus às longas passagens de tempo características da banda; e o final com a lenta, delicada e gostosa "Crèmme Brûllèe, a cereja no bolo para fechar o disco.
A barulheira está lá, as guitarras, as camadas, a fúria está lá, o experimentalismo está lá.
Comercial? Não! "Dirty" é a prova que uma banda, mesmo alternativa, pode alcançar o público sem deixar de lado suas características ou abandonar sua identidade.
Muito limpo? Que nada!
O som continuava sujo, como de costume!
Sujo!
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e juntamente o esforço de compor alguma coisa ao sabor clássico,
uma página que fosse, uma só, mas tal que pudesse ser encadernada entre Bach e Schumann."
trecho do conto "Um Homem Célebre"
de Machado de Assis
De um modo geral, procuro nunca nutrir expectativas quanto a artistas. O
que ele já fez e eu goste me basta, e o que vier de bom pela frente é lucro. Porém,
a uma exceção me permito: Beck Hansen, autor do espetacular “Odelay”, de 1996.
Sem exagero, Beck ficou ali-ali para parear com gênios da música norte-americana
como Stevie Wonder, Gil Scott-Heron, Bob Dylan ou Tom Waits mas, parecido com o
personagem Pestana do conto “Um Homem Célebre”, de Machado de Assis, nunca superou a si mesmo – e provavelmente não o fará mais talvez por
autobloqueio. Beck despontou na cena alternativa no início dos anos 90 já
prometendo. Veio numa crescente e trouxe ao showbizz o excelente “Mellow Gold”,
de 1994, difícil de superar. Mas ele superou. Para mim o maior disco da música
pop da sua década, “Odelay” é uma obra radicalmente criativa, transgressora e
crítica, um disco caleidoscópico que traz em si todas as referências musicais
possíveis e imagináveis, num caldeirão sonoro de composição, execução e
produção na mais absoluta sintonia.
A coisa toda já começa tirando o fôlego com “Devils Haircuit”, pós-punk
com um riff repetitivo carregado de distorção, um sequenciador eletrônico propositadamente
simplório e muitos, mas muitos samples, colagens, efeitos de mesa, tudo que se
possa imaginar. Impressionante. “Hotwax”, na sequência, começa com uma viola
caipira e muda direto para um inusitado rap-folk. E assim o álbum segue, pois tudo
cabe nesta “desordem organizada” criada por Beck: folk, funk, blues, hardcore,
rap, indie, soul. As faixas são como uma
montanha russa, pois tudo pode mudar a qualquer momento. E muda. Alta riqueza
de texturas, sonoridades, ritmos, notações. Um barroquismo moderno esculpido
por psicodelia e experimentalismo. Assim é “Lord Only Knows”, que inicia com um
grito ensandecido e passa, como se nada tivesse acontecido, a uma balada folk desenhada
pelos lindos canto e voz de Beck.
“Derelict”, densa e percussiva, tem um tom dark com seus elementos
indianos e árabes, lembrando as peças étnico-pop de David Byrne e Brian Eno de "Remain in Light" e "My Life in the Bush of Ghosts".
Já “Novacane”, outra magnífica, é um rock carregado cantado como hip-hop, com
um baixo pesado e bateria marcada, ao estilo do new-rock inglês de Stone Roses e Primal Scream e um riff feito apenas na modulação da distorção da guitarra no
amplificador, uma ideia estupenda. Porém, o que parece num primeiro momento uma
execução de músicos cai por terra quando entra sem aviso um sample que
substitui tudo, voltando, logo em seguida, ao andamento anterior. Ou seja: uma
quebra que serve para mostrar que tudo era apenas um produto artificial. Para causar
ainda mais espanto, a música, em sua parte final avança para uma tensão de ruídos
que se transformam num ritmo de break, como que saído de um Nintendo,
terminando deste jeito: noutra textura e absolutamente diferente de como
começou. É como se Beck pusesse à prova o que é tocado e o que não é, pois em
todo o disco é quase impossível definir isso com exatidão, como se fosse uma
música feita de plástico.
Esse conceito de reciclagem está também em “Jack-Ass”, mas em forma de
tributo, visto que, num lance, Beck homenageia dois mestres da música pop
universal: Van Morrison e Bob Dylan. Do primeiro, ele sampleia a linda base de"It's All Over Now, Baby Blue",
um clássico de Dylan que Morrison versara para o Them em 1966. E o mais
importante: o faz sem parecer preguiça ou falta de criatividade, pois recria
uma nova música – ao estilo Dylan, propositadamente – em cima da melodia de uma
outra recriação, a do Them, num processo semiótico. “Where it’s At”, hit do
disco, é mais uma brilhante. Inicia com o chiado de uma agulha sendo posta
sobre um vinil, que dá lugar a um soul retrô originalíssimo com direito a
scratchs, samples diversos, ruídos, microfonias e um refrão pegajoso.
Pra não deixar que a coisa desvirtue para uma palhaçada pretensamente
“cabeça”, “Minus” vem mostrar que rock bom é rock básico e sem firula. Sonic Youth na veia: seca, às guitarradas, voz furiosa e ritmo punk mantido na linha
do baixo, que rosna. Depois, “Sissyneck”, uma mistura de folk e eletrofunk, assonante
e harmonicamente complexa, mas com um refrão saboroso e totalmente agradável ao
ouvido. Já “Readmade” segue a linha de massa sonora, com muitos efeitos,
texturas e trabalho de estúdio, descendo o tom do disco novamente como foi em
“Derelict”. Sóbria, traz curiosamente em seu sample de destaque uma frase
sonora de “Desafinado”, clássico de Tom e Vinicius na versão de Sérgio Mendes.
Quase terminando o álbum, Beck sai com outra joia: “High 5”. Um break
dance ao estilo Afrika Bambaata em que não faltam scratches, efeitos de voz e,
claro, guitarras pesadas. Referências aparentemente díspares convivem e se
entrosam perfeitamente nesta faixa. Inicia com um violão na batida de
bossa-nova, que, em seguida, dá lugar às vozes de Beck e outros rappers com vozeirão
de negrão do Harlem. Lá pelas tantas, o andamento é interrompido para entrar um
trecho de... “O Lago dos Cisnes”! Como se não bastasse, depois de voltar no que
era e de uma breve incursão daquela mesma melodia com som de videogame barato que
desfecha “Novacane”, Beck adiciona a “High 5” cuícas de samba, encontrando a
tal “batida perfeita” que Marcelo D2 tanto procura mas sem precisar fazer
marketing disso.
Toda essa variedade torna “Odelay” quase uma obra aleatória, uma “obra
aberta”, como definiria Umberto Eco. Aí entra uma das grandes questões que o
disco levanta: ele questiona o papel do músico moderno diante da tecnologia e
das novas formas de interação social através das mídias. É impossível o músico
hoje ter total autenticidade de sua obra, pois esta, mesmo que ele não queira,
será afetada pelos efeitos externos da vida contemporânea. Trata-se de uma nova
autenticidade, a das TVs cuspindo publicidades e Big Brothers, do lixo
eletrônico, do lixo pornográfico, do lixo midiático, do lixo sonoro. É “a nova
poluição”, termo que dá título a uma das mais geniais faixas do disco: um drum
n’ bass, espécie de “Tomorrow Never Knows” pós-moderno, mantido numa base
inteligente de guitarra e colagens sem receio de esconder as “sujeiras”. Ou
seja, é possível escutar os remendos entre um sample e outro de propósito.
Sinal dos novos tempos, em que o músico não pode mais esconder que sua música
se vale de elementos que estão além dele próprio. É a “estética do arrastão”,
como diria Tom Zé.
Fechando o disco, depois de todo esse arsenal de sons e ideias, Beck dá
um novo recado aparentemente contraditório: o de que, se o papel do músico-autor
ficou mais subjetivo hoje, não quer dizer que ele não tenha ainda espaço para
compor “à moda antiga”. É isto que está incutido em “Ramshackle”: acústica, só
nos violões, voz e percussão. Sem sequem qualquer efeito de computador. O que
seria um final “tradicional”, num disco como “Odelay” se torna ainda mais
transgressor.
Isso que Beck trouxe em “Odelay” não é necessariamente uma novidade. Miles Davis já anunciava tal fusão conceitual no final dos anos 60 com "Bitches Brew"
na mesma época, Milton Nascimento e a galera do Clube da Esquina, assim como os
tropicalistas, já experimentavam toda essa musicalidade, só que com aparato
técnico mais deficiente; Prince e David Bowie também já formularam com precisão
essa química. Beck mesmo já mostrara muito disso no seu trabalho anterior, e os Beastie Boys já faziam tal mescla de estilos e referências numa roupagem
moderna desde Paul’s Boutique, de 1989. Mas Beck apresenta tudo isso com uma
maestria diferente, denso, original, além de manter um senso de ironia
constante uma vez que interroga a fundo a sociedade de massas, seu massacre de
informações e imagens, suas ideologias distorcidas, suas ideias que se tornam
abstratas de tão sem sentido. E ele faz isso reciclando tudo que já fora
produzido em música pop até então, gerando um produto pós-moderno incrivelmente
bem acabado.
Depois de “Odelay”, Beck caiu na pior armadilha que um artista pode
cair: a de supervalorizar a sua arte. Passou a fazer trabalhos sempre apontando
para um nível técnico altíssimo, sem, contudo, concentra-se no que interessa: a
alma da obra. Neste sentido, lembra o dilema de Pestana, do conto machadiano, que,
descontente por compor apenas polcas, tentava, mesmo com o sucesso popular
destas, produzir em vão uma obra “respeitável”, a qual, no entanto, não
conferia com seu espírito. É parecido com o que aconteceu com Beck: por causa
de uma ideia genuína bem executada, “Odelay”, ele passou a inverter a lógica, ou
seja, a tornar forçadamente uma boa execução numa ideia genuína. Já deu várias
provas disso, sendo a última em 2012, quando lançou seu novo disco. Só de
partituras (!). Nada consumível ou próximo do público como foram seus triunfos
com “Mellow Gold” e, obviamente, “Odelay”, que, se não tem substituto até hoje,
é porque talvez ele mesmo, Beck Hensen, não se disponha a superá-lo. Pelo menos, é o que se percebe: enquanto Pestana tinha neura em se superar, Beck tem medo do autoenfrentamento.
“Um dos mais criativos e corajosos álbuns de todos os tempos, décadas à frente do resto da música rock.
É, acima de tudo, uma colagem de pinturas abstratas, cada uma diferente da outra em intensidade, cor e contraste, mas todas homogêneas em sua ‘abstração’ ”
Piero Scaruffi
Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano. Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock, tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo sem um acorde sequer de piano. Sim, estamos nos referindo a Don Van Vliet e seu “Trout Mask Replica”, o primoroso terceiro LP da Captain Beefheart and His Magic Band, de 1969. Talvez o trabalho que melhor tenha fundido rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira “obra de arte”, considerado pelo crítico musical italiano Piero Scaruffi como o melhor álbum de rock de todos os tempos e um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.
Com produção do maestro-maluco Frank Zappa, do qual Van Vliet (vulgo Captain Beefheart) é discípulo, “Trout Mask Replica” é de difícil assimilação, quase indecifrável: atonal, dissonante, polirrítmico, abstrato, desconexo. Lembra ora a música aleatória de John Cage, ora o “passaredo” farfalhante de Messiaen, ora os borrões de um quadro de Jackson Pollock, ora um filme experimental de Derek Jarman. Altamente influenciado pela vanguarda erudita, pelo free-jazz de Ornette Coleman e pelo blues do Mississipi, Van Vliet criou um disco que aponta para infinitas direções que não só musicais, mas também plásticas, cênicas e literárias, haja vista a loucura e a irracionalidade poética que suscita. Ele desmembra o estilo blues, base do rock ‘n roll, desestruturando ritmo, harmonia, tom e melodia, remontando depois as peças, ”algo entre o caos orquestral de Charles Ives e audácia de John Cage”, definiu Scaruffi.
Oblíquas e sem uma linha melódica estável, as músicas de “Trout...” são rocks sem riff. Tudo numa roupagem seca dada pela produção. É assim que começa o álbum, com “Frownlands”: toda descompassada, parecendo estar se desmontando. A voz rouca e rasgada de Van Vliet cospe versos enquanto os sons se debatem, tentando se encontrar em uma harmonia, o que nunca acontece – ou melhor, acontece de forma diferente do que se está acostumado a ouvir no rock. O arranjo, elaborado por Beefheart a quatro mãos com o baterista da banda (!), John French, é tão primoroso que a sonoridade do instrumento que originou as melodias se adéqua perfeitamente à nova instrumentação, dando a impressão de que tudo foi improvisado – e a ponto de tornar o piano dispensável no resultado final. Mas tudo, do início ao fim, está dentro de uma geometria composicional criada pela louca e excêntrica cabeça de Van Vliet, movida à base de muito LSD. O repretório foi composto por ele em apenas oito horas, porém, os ensaios levaram exaustivos meses de isolamento de todos os músicos até a gravação que, de tanta repetição, foi captada praticamente todo de uma vez só.
Mutáveis e caóticas, as músicas vão se recriando dentro de si próprias através de novas células sonoras. "Moonlight on Vermont", “The Blimp” e “Dachau Blues”, das minhas preferidas, são exemplos claros dessa metalinguagem. A poética dadaísta das letras é outro ponto peculiar, pois não são mais do que meros esboços non-sense, neologismos imbecis (“fast ‘n bulbs”, “semen ‘n syrup ‘n serum”, "hobo chang ba") que servem apenas para apontar para o ouvinte o caminho – errado. Vê-se já no título sem sentido da tribal “Ella Guru”, outra genial, que traz vozes em falsete, síncopes incoerentes, hinos guturais e um riff de baixo hesitante.
“Hair Pie”, “bakes” 1 e 2, são suítes instrumentais fabulosas, a ver a primeira, um jazz com uma longa introdução de dois sax alto que se retorcem e se entrecruzam um sobre o outro através de dissonâncias, muito ao estilo de Albert Ayler e Anthony Braxton. O blues, elemento base do disco, é tão desestruturado que chega ao ponto de... inexistir! É o caso de “The Dust Blows Forward 'n the Dust Blows Back" e "Orange Claw Hammer", à capela e montadas em estúdio por picotes colados em sequência, em que apenas se supõe o ritmo. Apreciáveis também: a excelente “China Pig”, um blues bruto; “Dali’s Car”, espécie de suíte para duas guitarras; e "When Big Joan Sets Up", constantemente variante dentro de si mesma, como uma pequena sinfonia em 4 atos rápidos.
O disco termina com "Veteran's Day Poppy", que dá a impressão de desfechar, enfim, do modo consonante e agradável da tradição clássica até que, depois de um breve fade out/fade in, a música retorna consonante, mas... peraí! Está numa notação totalmente enviesada, dando a impressão de que está sendo executada ao contrário! Um final magistral para um disco que, bastante influenciador do rock alternativo (Tom Waits, Meat Loaf, Residents, Jah Wobble) e do pós-punk (P.I.L., Gang of Four , Polyrock e Sonic Youth que não me deixam mentir), continua, quase 45 anos de seu lançamento, uma audição desafiadora e instigante. Propositadamente desconfortável, desacomoda positivamente nossos ouvidos já tão saturados da métrica em três tempos da música pop, criticando, em decorrência, toda a sociedade moderna e seus padrões massificadores há muito esgotados.
Descobri o The Horrors em Londres.
Eu estava em uma loja de CD's, a HMV, quando ouço aquele som muito interessante tocar nos alto-falantes da loja. Puxa! Que bom isso, hein! Talvez até já fosse conhecido no Brasil, mas pra mim era novidade. Lembrava o som dos góticos dos anos 80 mas tinha identidade própria. A voz era algo entre um Ian Curtis e um Peter Murphy, o som tinha a crueza do punk do Joy Division, as atmosferas do The Cure, o barulho de Jesus and Mary Chain, o experimentalismo de um Sonic Youth. Bom isso, hein!
Perguntei a uma vendedora que som era aquele e ela me disse que era de uma banda chamada The Horrors, e me mostrou o CD que estava em destaque no balcão. Para minha surpresa, não apenas o som remetia aos darks oitentistas, a capa do álbum era uma referência clara (ou escura) ao disco clássico do The Cure, "Pornography" de 1982. Aí fui ver o nome das músicas e as referências àquele pessoal da minha época aumentava na medida que muitos dos nomes das canções remetiam de certa forma a títulos da banda Joy Division, como "The New Ice Age" (quase igual a "Ice Age" do Joy Division); Can You Remember (lembrando "I Remember Nothing", também do Joy); Three Decades, de certa forma remetendo a "Decades" e "I Can't Control Myself" ao controle perdido do clássico "She's Lost Control" da banda de Ian Curtis. Coincidência?
Até acho que não. Mas em defesa deles, deve-se dizer que mesmo os nomes tendo certa semelhança, tais faixas não tem nenhuma relação direta com a sua correspondente do grupo de Manchester.
Mas semelhanças à parte, o fato é que nem todas essas referências, homenagens, inspirações fazem de "Primary Colours" de 2008 um arremedo dos discos do pós-punk do início da década de 80. Com personalidade, com qualidade, com incremento de elementos mais atuais e com uma produção caprichada do Portishead Geoff Barrow, trouxeram de volta o climão pesado e sombrio de outrora, a melancolia barulhenta dos shoegazers e a tradicional psicodelia do rock britânico, em um dos melhores trabalhos de bandas dos últimos tempos.
Rigorosamente todas as faixas são ótimas mas em especial a de abertura, "Mirror's Image", ruidosa, perturbadora e viajante; "Who Can Say", canção de amor triste cheia de guitarras flutuantes ao melhor estilo My Bloody Valentine; a que dá nome ao disco, "Primary Colours", colorida sob os matizes do punk na faixa provavelmente mais pegada e básica do disco; e a excepcional "Sea Within' a Sea", faixa longa, de estrutura um pouco mais complexa, bem trabalhada e encantadoramente sombria que encerra de maneira gloriosa este ótimo álbum.
Soube depois que o grupo não era bem assim em seu primeiro disco, que passou por uma certa transformação e que era algo tipo um Strokes, um Libertines ou algo do tipo, só que ruim. Bom..., ainda bem que o que eu conheci foi a banda do segundo disco. Nunca me interessei em ouvir o trabalho anterior e nem preciso. Tenho certeza que não pode ser melhor que isso e que a transformação, que dizem ter ocorrido, por certo foi para melhor. E mesmo, se um dia 'der na veneta' e venham a desistir dessa linha, dessa sonoridade, mudem de ideia de novo, resolvam ser extremamente pop e fazer música para o grande público, já terão deixado um dos grandes discos deste início de século.
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FAIXAS: 1."Mirror's Image" – 4:51 2."Three Decades" – 2:50 3."Who Can Say" – 3:41 4."Do You Remember" – 3:28 5."New Ice Age" – 4:25 6."Scarlet Fields" – 4:43 7."I Only Think of You" – 7:07 8."I Can't Control Myself" – 3:28 9."Primary Colours" – 3:02 10."Sea Within a Sea" – 7:59
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Ouça: The Horrors Primary Colours
Acabei de ler o "Escuta Só" do jornalista norte-americano Alex Ross e não gostei tanto quanto eu imaginava que gostaria. Em poucos momentos ele realmente traça paralelos e estabelece analogias entre a música clássica e o universo pop- rock, o que supunha eu, fosse a tônica do livro. Até o faz no início do livro com uma interessante progressão cronológica e inter-relações de épocas e estilos, mas depois até pelo fato de ser uma coletânea de matérias, perde um pouco este foco.
De bem bacana mesmo o capítulo em que fala da cantora islandesa Björk, atribuindo a ela o devido valor no cenário da música atual; o capítulo sobre o Sonic Youth no qual faz ver que por trás de todo um aparente barulho há um conceito e músicas extremamente bem construídas; a parte toda sobre Mozart e sobre como este gênio sabia agradar populares e eruditos; e também quando demonstra a evolução das linguagens musicais que desembocaram na formação do blues. No mais, é interessante quando fala de uma instalação natural-musical chamada O lugar onde você vai para ouvir, e toda a reverência que presta ao mito Bob Dylan refazendo sua trajetória e analisando letras e composições.
Esperava mais do livro mas está longe de ter sido uma decepção. Vale pela tentativa de desmitificação do 'monstro sagrado' que é a música tida como erudita, e o autor se empenha especialmente em mostrar que, no fim de tudo, tudo é apenas música.
Uma boa leitura, no fim das contas.
“Sean Lennon inteligentemente se posicionou entre o pop e o experimental, propondo uma ideia caleidoscópica como fizeram os multiculturais dos anos ‘90 Beastie Boys, Beck e Cibo Matto.”
Stephen Thomas
A estas alturas, segunda década dos anos 2000, já é possível identificar com clareza quais foram os grandes discos da última década do século passado, os anos 90. Depois dos anos 50, marco do nascimento do rock, dos explosivos e extrapolados ’60, dos psicodélicos e revoltados ’70 e dos criativos e inteligentes ’80, o que restaria à música pop nos ’90? Repetir-se? Não! Alguns artistas souberam recriar e até trazer coisas bem novas. "Broken", do 9 Inch Nails, "Nevermind" , do Nirvana, ou "Loveless", do My Bloody Valentine, já elencados como Álbuns Fundamentais neste blog, são bons exemplos. “Moon Safari”, do Air, “Odelay”, do Beck, e “Big Calm”, do Morcheeba, provavelmente darão as caras por aqui ainda. Mas mesmo gostando mais de alguns destes, um que a mim marcou muito os anos 90 e com o qual me delicio a cada audição é “Into the Sun”, do cantor, compositor e multi-instrumentista Sean Lennon, o “filho do homem”.
“Into the Sun” é, simplesmente, apaixonante. De sonoridade sofisticada, experimental e com um toque artesanal, o CD de estreia deste abençoado ser – resultado da cruza de John Lennon com Yoko Ono – emenda uma pérola atrás da outra, numa explosão de criatividade e técnica. O referido ar “caseiro” não é à toa: exceto algumas participações, Sean compõe, produz, canta e toca todos os instrumentos. A delicada faixa-título – uma bossa-nova de rara beleza com direito à batida de violão a la João Gilberto – é a única em que divide o microfone, acompanhado de Miho Hatori, vocalista da banda Cibo Matto. A outra integrante deste grupo, a então namorada Yuka Honda, co-produtora e “musa inspiradora” da obra, dá sua contribuição com samples, programações e no vocal de “Two Fine Lovers”, um jazz-lounge funkeado ao mesmo tempo romântico e dançante, e de “Spaceship”, outra das melhores.
Uma peculiaridade que impressiona na música de Sean é a sua capacidade de inventar melodias de voz absolutamente belas. É o caso de “Home”, single do CD que rodava direto na MTV com o ótimo clipe de Spike Jonze. Por trás das guitarradas estilo Sonic Youth e da bateria possante do refrão, a melodia de voz é doce, linda, daquelas de cantar de olhos fechados pra saborear cada frase. Outra assim é “Bathtub”, um mescla de MPB com Beatles em que, novamente, Sean destila sua destreza com a palavra cantada, principalmente na parte final, onde se cruzam três melodias de voz apresentadas durante a faixa.
Eu sei, eu sei! É óbvio que a dúvida surgiria: afinal, a música Sean se parece com a de John? Como TUDO em música pop depois dos The Beatles, sim; mas, surpreendentemente, menos do que seria normal pela consanguinidade. A voz, claro, lembra o timbre levemente infantil do beatle. Das músicas, “Wasted”, só ao piano e voz, e, principalmente, “Part One of the Cowboy Trilogy”, um country como os que John tinha incrível habilidade ao compor, remetem bastante. Mas fica por aí. No máximo, a parecença conceitual com álbuns do pai como “Plastic Ono Band” ou “Imagine” por conta da diversidade estilística – o que, convenhamos, não era uma característica só de sir. Lennon.
Outra marca de Sean é a composição no violão. Da ótima faixa de abertura, “Mystery Juice”, à balada “One Night”, passando pelas bossas – a já citada “Into the Sun” e “Breeze”, outra belíssima –, ele brande as cordas de nylon para extrair melodias muito pessoais e profundas. A mais intensa destas é, certamente, “Spaceship”, que começa só ao violão sobre ruídos eletrônicos e na qual vão se adicionando outros instrumentos e sons, até estourar em emoção no refrão, com guitarras distorcidas, bateria alta e a voz de Honda no backing. Ótima.
Mas a variedade musical de Sean não pára por aí. Depois de MPB, indie, country e balada, ele apresentaria ainda, se não melhor, a mais bem trabalhada música do álbum: “Photosynthesis”, um jazz-rock instrumental no melhor estilo Art Ensemble of Chicago. Puxado pelo baixo acústico, que mantém a base o tempo inteiro, tem samples, solos de flauta e de piano, até que, depois de um breve breque, a música volta com um impressionante solo de percussão latina e, emendando, um outro de trompete. Incrível! “Sean’s Theme”, mais um jazz, este mais piano-bar, fecha bem “Into the Sun”, que traz ainda “Queue”, um gostoso rock embaladinho que termina sob uma camada densa de guitarras, revelando, mais uma vez, a engenhosidade no trato com a melodia de voz.
Um “disco de cabeceira” para mim, que não canso de reouvir. Um baita disco de rock com a distinção de quem herdou o que de melhor seu pai tinha como gênio da música que foi: a sensibilidade artística.
*********************** vídeo de "Home", Sean Lennon
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FAIXAS: 1. "Mystery Juice" 2. "Into the Sun" 3. "Home" 4. "Bathtub" (S. Lennon/Yuka Honda) 5. "One Night" 6. "Spaceship" (S. Lennon/Timo Ellis) 7. "Photosynthesis" 8. "Queue" (S. Lennon/Y. Honda) 9. "Two Fine Lovers" 10. "Part One of the Cowboy Trilogy" 11. "Wasted" 12. "Breeze" 13. "Sean's Theme"
Todas as músicas de autoria de Sean Lennon, exceto indicadas. **************************** Ouça: