Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Bom Fim. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta Bom Fim. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

sábado, 29 de agosto de 2020

Festival M2000 Summer Concerts - Helmet, Fito Páez, Robin S., Anithing Box, Dr. Sin, Débora Blando e Cidadão Quem - Capão da Canoa / RS - (Jan.1994)



A galera no M2000 Summer Festival, festival que rodou diversos lugares do Brasil,
 com diferentes atrações, naquele ano de 1994.
(foto: site da DC Set)
O M2000 Sumer Concert, pra mim, mais que um festival, foi uma aventura! O litoral gaúcho já costumava ter, todo verão, o badalado Planeta Atlêntida, evento que, de um modo geral, sempre baseou seu line-up em atrações, na sua maioria, nacionais de grande apelo popular, mas naquele verão de 1994, uma marca de tênis promovia por, ali mesmo, por aquelas bandas, um festival que se não chegava a ser "alternativo", contava com nomes não tão "batidos" na mídia e de um peso até um pouco maior do que o tradicional evento gaúcho. Se por um lado tinha a "Madonna brasileira", Débora Blando que bombava nas rádios naquele momento com "Innocence" e uma versão de "Decadence Avec Elegance", de Lobão, a acid-house do Anythin Box e a dançante Robin S, por outro tinha nomes como o argentino Fito Páez que embora bastante conhecido está longe de ser um astro pop, o metal progressivo do Dr. Sin que, embora respeitado e reconhecido não era o tipo de coisa que fazia acabeça do grande público, e um tal de Helmet, uns carinhas norte-americanos que eu conhecera havia pouco tempo mas que me encantara com um metal pouco usual de estruturas complexas e um estilo bem despojado e atípico para bandas do seu estilo. Não lembro o que atraiu meus amigos Giuliano e Renê, ou se toparam ir só pelo programa, mas a mim, o que chamava atenção e me fazia querer ir a Capão da Canoa dar uma conferida naqueles shows, sem dúvida, era o Helmet de quem eu, inclusive, já tinha o primeiro álbum, o intenso e arrrebatador "Meantime".
Ok, iríamos os três mas tínhamos alguns problemas: em primeiro lugar tínhamos pouco dinheiro. Tá bom... demos um jeito. Junta um trocado daqui outro dali, segura mais uma semana aquela conta pra pagar, tira daquilo que tava reservado, ede uma ajuda pra mãe e no fim das contas dava pra ir. Tá mas... ir e ficar onde? Não conhecímaos ninguém em Capão da Canoa que pudesse nos dar abrigo e tampouco tínhamos recursos pra alugar uma casa, ficar numa pousada ou algo assim. A solução? Um camping! Ótima solução. Bom, nem tanto... Não tínhamos uma barraca. quer dizer, até tínhamos mas... era só pra duas pessoas. Ok, dois de nós dormiríamos no abrigo de lona e outro ao ar livre num saco de dormir. "Dá pra ser?". Então tá! "Vamos assim mesmo". E fomos.
O festival começava às seis da tarde, então, no dia, pegamos um ônibus na rodoviária de Porto Alegre, ali pelo início da tarde. Tranquilo! Capão fica a mais ou menos uma hora, uma hora e meia da capital, chegaríamos cedo e dava pra procurar um camping e ir numa boa pro show. No busão já fomos "calibrando" com um vinho que o René havia levado. As pessoas só nos olhavam de canto reprovando, por certo, aqueles garotos que passavam aquela garrafa de um lado para o outro pois, além de tudo, não tínhamos conseguido nossos três assentos juntos.
Chegando a Capão da Canoa fomos então providenciar o camping. Se o litoral gaúcho já é repleto de argentinos, com um bom festival e com Fito Páez escalado entre as atrações o que mais tinha na cidade era hermanos e, no camping onde ficamos, não era diferente: só se falava castelhano. Nos entendemos bem, trocamos umas ideias sobre futebol, música e os nossos vizinhos de barraca até nos apresentaram alguns bons sons de metal argentino. Mas era hora de ir para o festival. Tratamos de encher o cantil (e não foi de água) e fomos caminhando até o palco pela beira da praia.
Chegamos!
No início não estava muito cheio pois ainda tocava a banda gaúcha, bem meia-boca, Cidadão Quem, mas, logicamente, conforme ia acabando o horário de praia, ia anoitecendo e as atrações iam melhorando, o lugar ia ficando mais cheio. Acho que nem demos bola pro tal do Cidadão Quem; pelo que lembro só demos uma olhada mais ou menos, meio por cima, no Dr. Sin; ficamos azarando uma garotas durante o show do Anything Box que até ficaram impressionadíssimas com o fato de eu ter ido ao show da Madonna mas, logicamente, incomepotentes como éramos, não tiramos proveito da sensação que causáramos; azucrinamos a vida da Débora Blando plantados na frente do palco, bêbados, chamando a loira de "gostosa", durante praticamente todo o show dela; praticamente apenas ouvimos o bom show da Robin S. de um bar ali perto onde jogamos sinuca e tomamos mais algumas cervejas. Nossa passagem pelo bar merece registro pois lá furei o pano da mesa de bilhar com a minha falta de habilidade para o jogo e o Giuliano levou um tombo, para trás, tentando se encostar numa mureta que não estava onde ele imaginava. Deposi dessa pausa, voltamos para perto do palco para ver o Fito Páez mas, sinceramente teria sido melhor ter assistido ao show da Robin S. que, à distância impressionava pelo vozerio, do que ter voltado para ver o fraquíssimo show do cantor argentino. Depois disso, por fim, de minha parte fui curtir o que me interessava. Não lembro de todos os detalhes do show mas posso garantir que o Helmet não decepcionou. Entraram no palco bem ao estilo deles, de bermudas camisetas, cabelos curtinhos, tão comuns que poderiam ser confundidos com alguns veranistas quaisquer e, olhando para aqueles caras talvez nem desse para imaginar que fossem capazes e produzir todo aquele terremoto sonoro. Foi aquela pegada agressiva e intensa o tempo todo sem deixar a bola cair. Lembro especialmente de ter me surpreendido positivamente pelo fato de terem tocado "Just Another Victim", música que fazia parte da trilha sonora do filme "Judgement Night", e que, originalmente, combinava o metal deles com o rap do House of Pain e, exatamente me surpreendeu a tocarem pelo fato de, ali, não contarem com a parceria dos rappers. Ficou um pouco mais curta, é bem verdade, sem toda a segunda parte, mas ficou uma pedrada.

Helmet - "Just Another Victim" - ao vivo  no sonoria Festival - Itália (1994)
Não há registro da apresentação deles em Capão da Canoa, naquela noite
 mas segue aqui um vídeo da banda tocando "Just Another Victim" ao vivo, naquele mesmo ano,
num festival com mais ou menos a mesma vibe do M2000 Summer Concerts.

E claro, não teria como não lembrar de "Unsung", o "hit" da banda que fez até as menininhas de praia caírem no metal. De minha parte, eu só queria saber de "poguear" e "benguear", tanto que numa dessas balançadas de pescoço, dei uma cabeçada tão forte em outro headbanger que estava ali por perto que me deixou tontofiquei verdadeiramente tonto a ponto de tudo à minha volta começar a girar. A pancada foi tão forte que até hoje tenho uma certa sensibilidade na área do choque e, desde então acho que fiquei com um certo problema de assimilação e fixação. Mas a pancada valeu a pena. Grande show, embora a maioria do público ali, típicos praieiros  esperando por um monte rockzinhos bem palatáveis, não tivesse curtido tanto assim.
Shows terminados, grande festival, agora tudo o que queríamos era voltar para o camping e dormir. A caminhada era longa mas chegamos. O plano era que dormíssemos o René e eu na barraca e o Giuliano, fora, no saco de dormir que ele havia comprado, mas não contávamos com um elemento surpresa: a chuva. Aí não teve jeito. Tivemos que dormir, aqueles três marmanjos, numa minúscula barraca de camping para dois. A tarefa não foi das mais fáceis mas entre cutucões, roncos, pés, apertos, tudo deu certo. Superada a noite desconfortável, agora, pela manhã seguinte, era só juntar as coisas e tratar de voltar pra casa. Mas o que parecia simples não foi tão natural assim. Havíamos torrado praticamente toda a grana em bebidas na noite anterior e pouco havia sobrado em dinheiro vivo, e o problema é que, na época (e lá se vão 26 anos!), embora tivéssemos cartão de banco para saque, não era tão comum ter caixas eletrônicos a cada esquina como acontece hoje, ainda mais em uma localidade litorânea. Aí que não conseguíamos sacar dinheiro para comprar as passagens de volta e tampouco a rodoviária, naquela época, diferentemente de hoje, aceitava pagamentos com cartão. O que fazer? O Giuliano lembrou que tinha uns poucos dólares na carteira mas, com a cotação alta, como nos dias de hoje, aquilo ali renderia uns bons Cruzeiros Reais e, na ausência de uma casa de câmbio aberta em pleno domingo, a solução foi trocar com uns taxistas. Deu certo. Conseguimos dinheiro o suficiente para comprarmos as passagens. Foi ali, ali. Sobrou só uma meia dúzia de trocados e, como não tínhamos almoçado ainda, tudo o que deu para comprar com o que sobrou foi... uma melancia. Foi nosso almoço.
Mas tudo deu certo! Tudo meio improvisado, bem farofada mas deu. Programa de índio? Visto assim com tantos percalços e imprevistos, pode até ter sido, mas são aventuras como essa que fortalecem amizades e garantem boas histórias para se contar depois. E e essa é uma delas. Uma daquelas que sempre vão render risadas e vão ficar para sempre nas nossas memórias.



por Cly Reis
para os amigos Giuliano e René

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

O Jogo da Sua Vida #1 - Internacional 2 (3) x Olimpia 3 (5) (1989)



Eram mais de três mil.
Nunca vi tanta gente permanecer no estádio depois de um jogo.
Bom, na verdade já vi. Em vitórias. Vi muitas no Gigante.
Mas em uma derrota???
Aquelas criaturas lá pareciam simplesmente não acreditar no que acabara de acontecer.
Uns cabisbaixos, uns chorando, outros atônitos, outros impassíveis, outros olhando para o gramado vazio como se a qualquer momento os times fossem retornar a campo e continuar a partida nos dando mais uma chance. Esperando talvez que os alto-falantes anunciassem que tudo o que tinha acontecido até aquele momento não passava de uma brincadeira e que o jogo mesmo começaria naquele instante. Esperando que... Esperando, talvez, simplesmente acordar. Pois aquilo só podia ter sido um sonho. Um sonho ruim.
O sonho do Sport Club Internacional de conquistar uma Libertadores da América era antigo. Embora tivéssemos participado da competição antes que o nosso tradicional rival, tendo inclusive chegado a uma final antes deles, o co-irmão da Azenha havia tido uma melhor sorte e conquistado a Taça em 1983. Mas naquele 1989, depois de ter obtido a vaga na competição sul-americana num épico confronto com o rival, no jogo apelidado de  "GreNal do Século", seguido, no entanto, de uma decepcionante derrota na final do brasileiro que coroaria o triunfo, mesmo com um primeira fase um tanto claudicante, nas eliminatórias nossas esperanças pareciam começar a tomar forma daquele tão almejado título, do qual os torcedores rivais tanto se gabavam de ter conquistado.
O pênalti batido por Nílson, durante o jogo,
na foto do jornal Zero-Hora, do dia seguinte
A quarta-de-final, então, foi o que faltava para a empolgação tomar conta, numa atuação luxuosa no Beira-Rio, fazendo 6x2 no multicampeão Peñarol.
Ninguém segurava aquele time!
Tínhamos um centroavante matador que decidira o GreNal do Século, um uruguaio que nunca falhava e, nada mais nad menos que, o melhor goleiro do Brasil.
Iríamos à semifinal contra o Olimpia do Paraguai, adversário difícil, sim, mas nada que nos metesse medo. Tinham um centroavante bem conceituado, um tal de Amarilla, tinham a tal garra porteña, mas por outro lado, tinham um goleiro baixo, velho e meio acima do peso, o tal de Almeida.
Se nossa confiança já estava lá nas nuvens depois da goleada contra os uruguaios, o primeiro jogo contra o Olimpia em Assunción, parecia nos dar uma certeza: estávamos na final.
Vencemos os paraguaios na casa deles com um golaço de bicicleta. E mais: sem grandes riscos, com uma partida segura, uma boa atuação. Nada podia nos tirar aquela vaga e na final... Na final, viesse quem viesse, nós trucidaríamos.
E veio o jogo da volta. Naquele 17 de maio de 1989, todos os colorados queriam estar no Beira-Rio aquela noite. Eu fui um dos 70 mil que conseguiram isso.
Já na chegada, o clima de festa era tanto que um vendedor de lanches anunciava o 'cachorro-quente Amarilla'. Era aquilo: iríamos devorar o Amarilla e seu timezinho paraguaio. O empate servia mas queríamos golear como fizéramos contra o aurinegro uruguaio. E se já havíamos feito 1x0 fora de casa, e com um gol de bicicleta, no nosso estádio faríamos 4, 5, de letra, de lençol, de sem-pulo, de todas as maneiras possíveis.
Mas esta não foi a realidade do jogo.
Não tardou muito para o Olimpia, com Mendoza, fazer seu primeiro gol e desfazer nossa vantagem. O placar de Assunción tinha ido pro espaço e agora éramos nós que tínhamos que buscar o resultado. Felizmente, também não muito tarde, nosso volante Dacroce empatava. Era nosso, de novo!
Mas o Olimpia era bravo e ninguém menos que ele, aquele que engoliríamos como um hot-dog, colocaria o adversário em vantagem. Gol dele: Amarilla. E os portenhos viraram o intervalo em vantagem. Não seria a facilidade que imaginávamos. àquelas alturas já nos dávamos por satisfeitos com um empatezinho e olhe lá.
Veio o segundo tempo e veio o gol do empate: Luís Fernando, o baixinho que havia feito o golaço em Assunción. Parecia um bom prenúncio! Sim, era um bom prenúncio pois logo depois viria um pênalti a favor do Internacional. Pronto! A sorte voltava a brilhar para o nosso lado. E quem bateria o penal? Ele, Nílson, o matador do GreNal do Século. E Nílson perdeu. Nas mãos do gordinho Almeida.
Mas tudo bem... 2x2 ainda era nosso. Estávamos na final.
Não. Num chute de fora da área do bom meia Neffa, a bola batia num defensor, enganava Taffarel e morria no fundo das redes. Havia pouco tempo para reagir e, de mais a mais, o time já se desestruturara tática e psicologicamente. Tivéramos por três vezes a vantagem (0x0, 1x1, 2x2) e um pênalti a favor. Eles chegavam mais confiantes para a decisão.
Restava ir para os pênaltis, e sorte que na época o regulamento não previa gol qualificado, senão não teríamos nem aquela esperança. E nossa esperança numa decisão por penais tinha um nome: Taffarel. Goleiro de Seleção Brasileira, exímio pegador de pênaltis, mas naquela noite não.
Dois dos nosso jogadores perderam, eles fizeram todos, inclusive do goleiro gordo, velho e baixinho deles que bateu um. Mas coube a Amarilla cravar o último prego no caixão. Gol do Olimpia. A bola nas redes os jogadores do Olimpia correndo para comemorar, o fim do sonho, um silêncio mortal como poucas vezes se ouviu num estádio de futebol.
Eu olhava em volta e via que daqueles 70 mil que estiveram ali, muitos permaneciam. Ninguém acreditava no que acabara de acontecer.
Do meu lado, meu amigo, chorava com a cabeça baixa entre as pernas, abraçado bandeira do clube, um outro simplesmente olhava para o vazio, um outro mais revoltado xingava, outros simplesmente não tinham coragem de voltar pra casa, outros esperavam... esperavam por um milagre, por uma boa notícia, esperavam que o juiz tivesse contado errado e tivéssemos mais um pênalti para bater mantendo viva a esperança por mais alguns instantes que fosse. Esperavam talvez que o presidente da Confederação pudesse entrar em campo para anunciar que a partida havia sido anulada e que o jogo seria disputado novamente. Esperávamos simplesmente acordar. Pois aquilo só podia ter sido um sonho. Um pesadelo.
Felizmente depois disso já presenciei glórias fantásticas dentro do Beira-Rio e já fiquei depois dos jogos por horas fazendo festa, esperando voltas olímpicas, cantando e tudo mais. Mas aí foram vitórias.
Mas em uma derrota... nunca vi tanta gente permanecer no estádio depois de um jogo.
Eram mais de três mil.




Cly Reis
(torcedor do Internacional)

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

"Robocop, O Policial do Futuro", de Paul Verhoeven (1987) vs. "Robocop", de José Padilha (2014)

 



Em "Robocop, O Policial do Futuro", de Paul Verhoeven, de 1987, numa Detroit do futuro, dominada por sádicos criminosos, a polícia foi privatizada e não consegue deter a alta criminalidade. A multinacional OCP pretende substituir os policiais humanos por ciborgues, e aproveita o cadáver do policial Murphy, executado pro uma quadrilha, para criar RoboCop - um misto de máquina e homem a serviço da justiça. Mas as memórias de Murphy, que deveriam ter sido apagadas, ressurgem, e com elas o desejo de vingar-se do seus assassinos.

No "Robocop", do brasileiro José Padilha, de 2014, a ação se passa em 2028 e o conglomerado multinacional OmniCorp está no centro da tecnologia robótica. No exterior, seus drones têm sido usados para fins militares há anos, mas na América, seu uso foi proibido para a aplicação da lei. Agora a OmniCorp quer trazer sua controversa tecnologia para casa, e buscam uma oportunidade de ouro para fazer isso. Quando Alex Murphy (Joel Kinnaman) – um marido e pai amoroso, e um bom policial que faz seu melhor para conter a onda de crime e corrupção em Detroit – é gravemente ferido no cumprimento do dever, a OmniCorp vê sua chance para criar um oficial de polícia parte homem, parte robô. A OmniCorp prevê a implantação de um Robocop em cada cidade para assim gerar ainda mais bilhões para seus acionistas, mas eles não contavam com um fator: ainda há um homem dentro da máquina.

Apresentados os times, vamos ao jogo:

Cada um dos filmes, dentro das suas épocas e propostas, conseguem entregar algo bem positivo. Ambos com suas críticas sociais, com dinâmicas bem feitas em cenas de ação, um com efeitos práticos, e outro indo mais para os computadores e CGI, mas ambos com um bom resultados. Vamos fazer a bola rolar e ver quem ganha esse duelo de Robozão, e não estou falando do CR7.

Antes da bola rolar, vamos destacar os treinadores. Cada com seu estilo porém ambos gostam de atacar, e fazem esquemas bem ousados colocando os times para frente. Não espere um jogo sem gols.

O time de '87, mesmo cheio de volantes marcadores, mordedores, cara feia, não deixa de jogar para o ataque, mas a polêmica já começa no aperto de mão quando o time de 2014 estica a mão para o cumprimento e o de 1987 logo fala, “Tira essa mão! Nada de mão aqui!

Depois da treta começa o jogo e rola a bola. O time de 2014 está com futebol bonito, uniforme lindo, elenco cheio de estrelas, tem mais posse de bola, porém não vai pra frente, só toque lateral, ninguém chama responsabilidade do jogo. Já o time de '87, mesmo sem estrelas, só com a experiente e rodada Nancy Allen, já começa, com futebol “pegado”, às vezes até mesmo violento, mas o juiz deixa rolar e  então a pauleira segue. Na base da intimidação, na força física, o time de '87 consegue impor seu futebol e abre o placar, após vários tiros à meta adversaria, fuzilando o gol. Com uma fotografia suja e uma construção de cenário beirando o pós-apocalíptico, a parte visual o trabalho da direção de arte e efeitos fazem a versão original sair na frente, sem falar no bom uso da violência. Robocop (1987) 1 x 0 Robocop (2014).

 Jogo que segue truncado e mesmo o time de 2014 querendo colocar mais velocidade, não adianta muito, não passando do meio campo e fazendo um jogo morno sem jogadas criativas. No final do primeiro tempo, após os craques de cada time acordarem e começarem a participar mais ativamente do jogo, a partida esquenta. Um deles, mais parado, sem muita mobilidade mas com raciocínio rápido, consegue disparar para meta adversaria, mesmo com curto espaço. O outro é mais rápido, corre pelas pontas, dá dinâmica ao jogo e embora seu estilo de jogo não agrade a muitos, cumpre muito bem a função. Na velocidade e sem sujar seu belíssimo uniforme, Robocop de '14, empata, passeando pela zaga adversaria, deixando os zagueiros caídos no chão. Mas a alegria dura pouco e logo em seguida, o time de '87 vai ao ataque, Robocop vence a batalha contra os fortíssimos zagueiros ED-209, e coloca seu time outra vez na frente. Robocop (1987) 2 x 1 Robocop (2014)


"Robocop, O Policial do Futuro" (1987) - trailer



"Robocop" (2014) - trailer


Os dois times colocam mais velocidade no final da partida, o jogo ganha em emoção e o time de 87 tem bons ataques mas marca mesmo na bola parada, em uma bela falta em que a bola passa por cima da falha barreira policial, e acerta em cheio com suas ótimas críticas ao sistema penitenciário americano. 3x1 para Robocop 87. Minutos depois, em um escanteio, o Robocop de Verhoeven sobe no último andar da OmniCorp para dar uma cabeçada certeira, fazendo seu adversário desabar. 4 x1.

Partida praticamente resolvida e nos acréscimos, mostrando que ter um bom elenco que pode fazer diferença, o segundo volante Samuel L. Jackson, diminui, mostrando como as falsas mentiras, as meias verdades, o sensacionalismo, a manipulação de informações podem ser um grande inimigo. Mas aí já parece ser tarde. O time de 2014 pressiona nos últimos minutos, mas o de '87 está fechado. Vivo ou morto esse time vai sair com a vitória. Fim de jogo.

O novo Robocop até tem um uniforme mais bonito, mas
o antigo mesmo mais pesadão, mais lento, prova dentro de campo que
 não é nenhuma lata velha.


O time de Paul Verhoeven funciona como uma máquina 
e destroça a tropa de elite de José Padilha.



por Vagner Rodrigues


terça-feira, 7 de julho de 2015

cotidianas #380 - “Heart Fog” vazando




manipulação digital sobre foto de
Leocádia Costa
Horário de pico, entrou no metrô quase arrastado pela multidão na estação já pelo meio do trajeto do trem. Seu objetivo de vida ficava uma estação antes do fim da linha e chamava-se “casa” – pelo menos naquele fim de tarde frio e chuvoso, depois de um dia puxado no trabalho. Como faltava um bom tempo ainda para chegar, procurou naquele aperto um espaço para se acomodar, equilibrando-se minimamente entre tantos que faziam o mesmo. Parou de frente a uma moça e um rapaz que, sentados, conversavam animadamente. “Bem bonita”, pensou. Tipo executiva, cabelo aloirado preso no coco sem soltar nenhum fio sequer, maquiagem em dia mesmo no fim de tarde, tailleurzinho risca-de-giz cinza. Muito elegante, ou seja: “não é pro meu bico”, arrematou para si em cima imediatamente. “Seriam namorados os dois?”, ocorreu-lhe.
Não valia a pena interessar-se. Um chinelão indie e pobretão como ele jamais despertaria algo numa mulher como aquela. Tornou, então, a se concentrar no seu objetivo-fim de retornar para o sossego do lar. Porém, não demorou muito para a cena roubar-lhe a atenção de novo. Percebeu que, realmente, não eram namorados, embora a intenção disso provavelmente passasse pela cabeça do interlocutor. Afinou o ouvido e, como suspeitava, viu que conversavam sobre relações, namoros, ex-namorados, pegas, festas, paqueras, ficantes, coisas afins. Eram estudantes de Direito indo para a aula noturna na Universidade Católica, captou. Também percebeu que não trabalhavam juntos: ela, estagiária em um escritório de advocacia no Centro; o outro, um tipo engomadinho e metidinho, embora a empáfia fosse de advogado formado também estagiava num escritório – pelo que entendeu, num dos grandes da cidade.
Deu ainda para atinar que a moça bonita tinha um ex de quem falava mal e que, até onde pegou a conversa, dera nele um pé na bunda há mais de um ano. O rapaz, em contrapartida, enrolado no próprio ego, já tinha namorado várias colegas do escritório e da faculdade (a Fabi, a Márcia, a Katiuscia e a Lê foram os nomes que conseguiu reconhecer) e, ainda que reclamasse que sempre terminava por culpa delas, estava estampado na cara que se vangloriava da quantidade de casos. A moça, entretanto, mesmo que não fosse colega de trabalho ou de aula – o que não deu para ele pescar – era sem dúvida um alvo, afinal, se abordavam aquele tipo de assunto tão tranquilamente, sem ressalvas nem melindres, era porque talvez houvesse interesse de ambos e porque não havia ocorrido ainda nada entre os dois. Ficou feliz quando percebeu que ela não nutria as mesmas intenções para com o tal semiadvogado metido a besta, e isso não pelo o que ouvira, mas pelo o que sentiu no ar. Mas a conversa, essa sim, a absorvia: linda, soltava risinhos de vez em quando, mudava a expressão conforme o tema, formava uma covinha na bochecha direita quando ria, piscava os olhos para começar a falar, ouvia de boca aberta quando se impressionava... “Uma graça...”.
Entretanto, o cansaço do trabalho no restaurante do dia o fez voltar a seus botões novamente. Ordenou-se: “Deixa eles que eu tenho mais do que cuidar”. A mãe e os dois cachorrinhos lhe aguardavam em casa como todos os dias. Embora seu ouvido atento naturalmente captasse acontecimentos externos como aquele bate-papo, queria mesmo era esvaziar a cabeça. E para um roqueiro como ele, que escondia por debaixo do uniforme os braços inteiramente tatuados, a melhor maneira de desopilar é ouvindo rock ‘n’ roll. E alto! Assim, enquanto os dois seguiam ali trocando palavras aos montes, sacou de um dos bolsos da mochila o fone de ouvido, que acoplou ao celular para ouvir música no restante do trajeto. Buscou na playlist Th’ Faith Healers, disco “Imaginary Friend”, dos seus preferidos. “Alternative rock da melhor qualidade!”, animava-se mentalmente, orgulhoso de certamente ser o único em todo o metrô a conhecer uma banda dessas. Pôs para rolar no volume máximo, o que lhe levou imediatamente para um outro mundo de guitarras, pedais de distorção, vozes, batidas, baixos, melodia, poesia. Amava aquele grupo. Dos companheiros de viagem à sua frente, nem interessava mais o que diziam. Via apenas suas bocas se mexerem, as covinhas dela se formarem quando sorria, as piscadas mais demorados quando falava (provavelmente de algo que lhe afligia), as viradas de olhos (sabe-se lá por qual motivo). Tudo ao som de Th’ Faith Healers, como uma trilha sonora ruidosa e melodiosa. Parecia que, a partir do momento que enfiou os fones, a cena daquela conversa corriqueira e sem graça diante dele transformara-se num videoclipe bastante poético.
Próximo à estação de acesso à universidade, viu, imerso na massa sonora de "Sparklingly Chime", que abre o disco, ela falando algo para o advogadinho, que trocou com ela dois beijinhos para depois pegar a mochila e se despedir. Para sua surpresa, ela permaneceu sentada, olhando para baixo, como que resignada. Parecia ter ficado chateada sem o companheiro de viagem, o qual teve seu lugar ocupado imediatamente por um dos vários passageiros. Ele manteve-se de pé à frente dela, mais porque o vagão não esvaziou do que por querer necessariamente ficar ali. Ela não levantou em nenhum momento a cabeça e nem o viu. Obviamente, uma moça daquele alto nível não tinha como notá-lo, um estranho sem sentido para ela tal como todos os outros ali no vagão.
Ela levanta-se ao sinal sonoro da estação seguinte. Educadamente, ele deu espaço para que passasse. Foi quando, de repente, ela lhe olha, mira-o por alguns segundos e diz alguma coisa. Claro que ele não entendeu bulhufas, pois, além de ela ter falado baixo, o volume nas alturas não deixava que ouvisse nada além do que o fone lhe fornecia. Viu apenas uma boca carnuda e rosada de batom gesticular-lhe algo. Franziu o cenho como que perguntando: “O que é?” Ela, então, repetiu mais pausadamente o que dissera na primeira vez (ainda sem ser ouvida, por sinal) adicionando à sua comunicação, entretanto, o gesto de apontar com o indicador para o ouvido. “Ops!”, deu-lhe um estalo: não se trata da um aviso fortuito: “Ela quer me dizer algo mesmo!” De modo a entendê-la, então, tirou o fone direito, que emitia agora no ar um ruído quase indefinível da música que seguia rolando enquanto o outro fone continuava ensurdecendo seu ouvido esquerdo:
- Sim?
- “Heart Fog”, né? – perguntou ela.
Não compreendeu logo de cara a pergunta, talvez porque fosse absolutamente improvável que aquela executiva linda do mundo das leis e dos códigos corretos da sociedade conhecesse como ele, um chinelão indie e pobretão, o Th’ Faith Healers e tivesse, ainda, identificado justamente a segunda faixa do disco que ele escutava, coisa que provavelmente ninguém naquele trem, naquele bairro, naquela cidade fizesse ideia do que se tratava. Impossível. Seria surreal. Ela, contudo, querendo fazer-se entender antes de descer do metrô, prosseguiu:
- Entendeu o que eu disse? É “Heart Fog” mesmo que você tá escutando?
- É... é... sim. – forçou-se a responder num tom besta, pois ainda mais impressionado agora (embasbacado, na real), pois ela estava se referindo, sim, à mesma coisa que ele. “Incrível!”
- Cara, eu adoro eles também! Logo percebi que era essa que você tava escutando quando passei perto de ti. Tá tão alto teu fone que dá pra ouvir o som aqui de fora, reh reh reh.
Ele riu também, misto de encabulado e orgulhoso, baixando, então, o volume para continuar a conversa.
- Eu gosto muito do Th’ Faith Healers.
- Sim, Th’ Faith Healers com o “the” sem a letra “e” e aquela apóstrofe esquisita! – lançou ela, animada; e não a animação que ele observara quando a viu conversando anteriormente, mas uma animação verdadeira – O “Imaginary Friend” é demais! Sabe, prefiro ainda o disco “Lido”, mas esse é muito bom também. E minha preferida é justo essa, “Heart Fog”! Que coincidência, cara!  “Heart fog/ seems so cold to me/ feels so insecure”. – cantarolou um pedaço.
- Sim! –, disse, já contagiado pela animação, porém, visto que o ponto final dela se aproximava, antevendo a perda da presença daquela entidade surreal que lhe aparecera, da nova colega de fã-clube. Ainda surpreso, mas ciente de que presenciava um momento especial em sua vida tão monótona e repetitiva, ele, antes de conseguir articular uma fala que a contivesse ali, viu que o trem já começava a frear para parar na estação. Um bolo de pessoas se acumulou diante da porta para retornar ao frio da rua, enquanto ele lhe olhava com olhos desorientados e infantis, sabendo não ter mais tempo de continuar o papo healeriano naqueles poucos segundos em contagem regressiva que restavam.
Abriu-se a porta automática, subiram pessoas, desceram outras. Mas ela não se movia.
- Você não vai descer? – indagou ele sem entender, antes de a porta se fechar.
- Sabe o que é: já matei a aula hoje, mas também não tava a fim de ir direto pra casa. E agora me bateu uma vontade de ouvir Faith Healers...
Saiu daquele rosto mal barbeado que o cabelo desgrenhado cobria em parte um sorriso entendedor e contente. A porta se fechou e o trem seguiu em direção à próxima estação.


***



quinta-feira, 3 de julho de 2014

cotidianas #306 - O Cambolão



Bombonera que nada!
Quem nunca jogou no Cambolão não sabe o que é pressão.
Pressão fora e dentro de campo. Aquelas Libertadores de antigamente, sabe, sem regras, sem antidoping, com intimidações...
Sabe?
É... Aquilo só que piorado.
Um lugar escondido, sem escapatória, sem testemunhas, no meio da selva. Chamar de selva é um exagero, tá bom, mas efetivamente o Torneio do Cambolão era disputado num lugar remoto, inóspito, no meio do mato.
Quando o João, que na verdade se chamava Vinícius mas que na verdade se chamava Alcione mas não gostava do próprio nome e que por chamar os outros de João por não saber o nome dos outros era simplesmente conhecido por João, nos falou de um torneio no Parque Saint-Hilaire, em Viamão, nos pareceu interessante. A Juventus, nosso timezinho de amigos, deveria mudar de ares, disputar com outros times que não os de sempre, sair do bairro. Sim, seria legal.
Mas quando o próprio Alcione Vinícius, vulgo João, nos disse que deveríamos pegar o ônibus da linha Pinheiro, que levava a um dos bairros mais temidos da região metropolitana, e não o da empresa Viamão que deixaria em frente ao parque começamos a nos perguntar se a ideia havia sido mesmo boa. Deveríamos entrar pelos fundos do parque num campo que não fazia parte, exatamente, do complexo convencional de lazer. Hum... Não gostamos muito daquilo mas fomos.
Mas quando o Pinheirão começou a fazer voltas e mais voltas e seguir por caminhos cada vez mais esquisitos e a civilização começou a ficar para trás, começamos verdadeiramente a questionar a validade daquela pequena excursão. Contudo seguimos, e então, após percorrer um longo caminho desembarcamos. Desembarcamos no meio de um nada. Uma estrada de terra cercada de mato pelos dois lados.
E o torneio? E o campo? Onde era?
O João (Vinícius ou Alcione) nos indicava que, como era nos fundos do parque, deveríamos entrar pela cerca de arame e andar "um pouco" até o local dos jogos. Bem, a essas alturas posso assegurar que ninguém, a não ser o próprio João, ex-morador da localidade, estava se sentindo muito confortável com a situação, mas já que estávamos ali, havíamos acordado cedo e, principalmente, éramos loucos de fome por futebol, o seguiríamos mato adentro. À medida que caminhávamos e nos embrenhávamos pelas matas nosso pavor aumentava. Parecia aquelas florestas vietnamitas do Rambo ou as do Platoon. A impressão era que um amarelo saltaria sobre nós a qualquer momento, pisaríamos numa mina terrestre ou seríamos pegos numa armadilha pendurados pelos pés. Quanto mais caminhávamos, mais nosso arrependimento aumentava. O que que estávamos fazendo ali? Até que depois de minutos caminhando, que nos pareceram uma eternidade, finalmente ouvíamos ouvíamos vozes. O Parque! A civilização!!!
Engano.
Pelo contrário.
Selvagens.
O que vimos era ainda mais aterrorizante que tudo o que tínhamos passado até então. Uma pequena clareira de chão batido extremamente ondulada com uma goleira de pau em cada extremidade e invadido nas laterais por raízes das árvores que praticamente delimitavam o campo envoltas em uma nuvem que confundia poeira com uma misteriosa fumaça. E nas árvores, sobre elas e entre elas, criaturas com olhares famintos nos espreitavam como feras. Aquilo parecia o kumite d"O Grande Dragão Branco", só que no meio do mato, a cena da chegada do barco em "Apocalypse Now" só que sem água, o clipe opressivo de "Wish" dos Nine Inch Nails só que sem grades, os zumbis cercando o shopping em "Madrugada dos Mortos". O horror, o horror!
Na verdade a sensação de que aqueles meninos eram feras e que nos olhavam sequiosos por algo devia-se em grande parte ao fato de que, se não éramos "mauricinhos", naquele modestíssimo ambiente, tínhamos aparência de guris de apartamento, filhinhos de papai, o que podia fazer supor que teríamos algo de interessante em nossas bagagens de jogo. E o pior é que era verdade. Não éramos ricos, como já disse, mas gostávamos de coisas boas e as adquiríamos na medida do possível. O time tinha um bom uniforme, completo, bonito e de uma marca esportiva renomada, sem falar no fato de que a maioria dos nosso jogadores gostava de ter boas chuteiras de futebol society, caneleiras, etc. que tinham conseguido a muito custo com esforço próprio ou dos pais que, por sua vez, também não nadavam em dinheiro para dar aqueles acessórios aos filhos. E a consciência de nossas "valiosas" cargas só fazia aumentar nosso pavor.
Sufocados por um cheiro insuportável de maconha dos atletas e torcedores dos outros times que se espalhavam seminus e esfarrapados, apavorados com o cenário, deliberamos rapidamente se deveríamos ficar e jogar o torneio ou sair de fininho e dar o fora dali antes que fosse tarde. Concluímos que não teríamos como disfarçar uma saída à francesa e convencidos pelo João-Vinícius de que, apesar da aparência, não havia riscos, decidimos ficar.
Como algumas equipes não haviam comparecido e como havia menos times do que o previsto para a disputa do torneio, teríamos uma partida eliminatória que nos levaria ou não para a fase seguinte. Houve uma espécie de consenso natural: perderíamos a partida para termos um bom motivo, aí sim, para dar o fora dali o quanto antes. Não só por isso. O time adversário era tão mal encarado que imaginamos que não encararia de uma maneira muito desportiva se perdesse para aqueles "mimosinhos" ali.
Bom, na hora de nos fardarmos, chegamos a pensar em não usar o uniforme do time, mas não teríamos outra alternativa, do contrário ficando um time à moda palhacinho, No entanto, quem tinha um tênis mais velho e, assim, a opção de não expôr suas chuteiras  naquele ambiente potencialmente arriscado, optou por usa-lo, afinal, seriam só 40 minutos de apreensão e depois era dar no pé daquele lugar.
Nossa tensão era tão grande que nem vimos o tempo passar. Era simplesmente levar gols e sorrir. Mesmo que quiséssemos ganhar o jogo, provavelmente não conseguiríamos tamanho era nosso nervosismo e, por que não dizer, medo.
Se não me engano o martírio acabou em 6x0. Tudo bem. Aquilo era o de menos. Um torneio a mais, um torneio a menos não ia fazer diferença nas nossas vidas. O que temíamos era exatamente por elas: as nossas vidas. Arrumamo-nos rapidamente, recolhemos o que tínhamos que recolher e fomos saindo de forma apressada mas cuidadosa, tal a cena das crianças na escola em "Os Pássaros" de Hitchcock.
No fim das contas, fomos nos afastando suavemente, fingindo tranquilidade, percorremos o caminho pela floresta e chegamos à cerca de arame farpado. Ufa! Mas não estávamos certos de estarmos seguros. Será que não teriam se arrependido de não terem levado nada daqueles manés? Será que não teriam esperado para nos pegar desprevenidos longe do local do jogo? Será que não estariam ainda tramando um plano para que todos os times nos pegassem juntos? Será que não teriam optado por armar a tocaia naquela estrada deserta ao invés de fazê-lo no campo?
E aquele ônibus que não aparecia...
Demora, demora e o ônibus chegou. Embarcamos aliviados. Estávamos a salvo.
Era só voltar para casa e esquecer aquele pesadelo.
(Esquecer?)
Nada aconteceu. Não nos levaram nada, não nos agrediram, nem sequer nos abordaram. Aliás, provavelmente toda aquela sensação de insegurança fora fruto tão somente de um certo preconceito social de garotos de classe média em relação a um ambiente mais desfavorecido e pelo aspecto de seus moradores e frequentadores, mas esquecer aquilo é impossível. Jamais esquecerei a sensação de entrar naquele campinho no meio do mato esfumaçado com árvores apinhadas de moleques em todos os galhos.   .
O horror, o horror!
Bombonera é brincadeira perto daquilo.


Cly Reis

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

“Big Buka: para Charles Bukowski”, organização: Afobório (Vários Autores) - ed. Os Dez Melhores (2015)




“Antes o golpe,
a porrada violenta da perda de um pedaço de si
à covardia do cotidiano que mói
 fantasiado de angústia e falta de amor,
que mói numa recusa, numa cabaça baixa e num gesto contigo.” 
trecho do conto “O Açougueiro Moído”,
presente na coletânea



A proposta nasceu ousada: homenagear o norte-americano Charles Bukowski , escritor de forte influência a vários outros, de grande apelo com o público e dono de um estilo muito peculiar, que vai da crueza de mau gosto e a putaria à mais doce beleza sentimental. Um homem que, por detrás da obscenidade e da contundência, era extremamente profundo, poético e comprometido com suas verdades. Assim, a coletânea "Big Buka: para Charles Bukowski" (ed. Os Dez Melhores, 2015), da qual soube do projeto ano passado, encarou o desafio de reunir dez textos que remetessem ao universo de Bukowski tanto em temática quanto em estilo. Para que tal funcionasse, contudo, os contos deveriam ser muito bem selecionados, uma vez que o risco de não corresponder à altura do mestre tornava-se um erro fácil de cometer.

Afastados os temores, a reverência ao “velho safado” resultou feliz. Uma garantia de qualidade eu já tinha: o conto metalinguisticamente intitulado “O Conto Nunca Escrito”, do meu irmão, Cly Reis (na obra, assinando com o primeiro nome original, Clayton), que meses atrás me noticiou ter sido um dos nove selecionados – considerando que o décimo texto cabia ao próprio organizador, o editor e também escritor gaúcho Afobório. Já havia tido a oportunidade de ler o conto de Cly e tinha convicção desde lá que seria um dos escolhidos. Não deu outra. Para começar, “O Conto Nunca Escrito” contém elementos clássicos do arsenal bukowskiano: o humor sarcástico, o submundo, o personagem escritor fodido mas genial, o editor raivoso, as bebedeiras, os botecos, as brigas e as mulheres gostosas. Acima disso, entretanto, a história em especial é bastante atrativa pela narrativa cíclica, que enreda o leitor, algo de Borges ou Pirandello ao usar as entradas e saídas da consciência do protagonista. Diferente de todo o restante, é engraçado e bem elaborado literariamente.

Afora minha ligação emocional com o livro pelo fato de incluir um conto do meu irmão – além de criticamente também tê-lo apreciado –, os outros contos só fui conhecer após o lançamento. E estes mantêm o bom nível que Bukowski merece. Reunindo autores de diversas localidades do Brasil, a coletânea abrange uma diversidade temática e narrativa bem interessante, embora todos os textos se liguem inevitavelmente a Bukowski seja pelo coloquialismo, pelo teor subversivo, pela ambientação urbana, os “ganchos” simbólicos ou pelos estereótipos, como os personagens anti-heróis sempre desacordados com o sistema. O mais fiel é, certamente, “Underwood nº 5”, do piauiense Heliton Queiroz. Na história, um escritor alcoólatra e sem inspiração apaixonado pela ex-mulher sai para a noite à procura de algo que o preencha. Até que encontra a própria ex... com outro cara. E feliz. Conteúdo suficiente para, arrasado mas novamente inspirado, voltar a escrever. As tiradas próprias de Buka (“Malditos cães” ou “o uísque já está pela metade e eu já havia comprado outros cigarros”) dão ao conto de Heliton o ponto certo da reverência ao autor, porém não abrindo mão de características próprias, principalmente na narrativa cronológica picotada.

“Charlene”, do porto-alegrense Jeremias Soares, tem grande mérito ao valer-se da linguagem bukowskiana, geralmente na 1° voz masculina, para relatar a vida de uma mulher de classe baixa e de meia-idade que, com sua amiga Carol, tenta achar alguém que preste na vida, mas é bastante cética e sofrida para acreditar nisso. Igualmente explorando uma personagem feminina, “Aquele velho”, da também gaúcha Marina de Campos, natural de Passo Fundo, é muito bom ao contar uma história em que praticamente nada se sucede, apenas suposições e proto-acontecimentos que passam diretamente pela mente de uma jovem roqueira e sonhadora.

Gostei em especial de “O Açougueiro Moído”, do nova-iguaçuense (e estreante em publicações) Rafael Simeão. Texto menos cômico e na medida certa do drama, valendo-se com precisão das metáforas e metonímias para criar uma simbiose funesta entre o externo e o interno do personagem. A carne que ele manipulava no açougue era tal o seu estado psicológico: o de um homem infeliz e sem esperanças cuja própria carne moía diariamente na sufocante vida em uma sociedade que não o valoriza como ser humano.

Semelhante prazer tive ao ler “Em Noite de Rock, Eis os Três Desejos de Naomi”, do mato-grossense Wuldson Marcelo, outro de narrativa madura (adjetivações adequadas; repetições precisas; controle do suspense; clímax/anticlímax nas horas certas) e exercita, como fizeram outros cinco no volume, a narração em 1ª pessoa, um dos trunfos consagrados por Bukowski. Também, “Vinte Pratas”, que termina a obra no melhor estilo: um escritor, Hank, acorda de uma noitada de sexo e bebedeira e logo cai com seu amigo Phil nos botecos da cidade, pois (igual aos protagonistas do conto de Cly e de Heliton) busca inspiração nos eventos bizarros que só a noite urbana proporciona. Neste conto do paranaense Max Moreno, é o encontro com um marido que estourara os miolos da própria esposa e fora pedir ajuda àqueles desconhecidos para dar um fim no cadáver. Hilária a passagem, além de típica de Bukowski:

“- Preciso me livrar do corpo! – disse o homem, sem levantar a cabeça.
- Porra, que bela maneira de se começar uma conversa – resmungou Phil.”

Ainda, o conto de Afobório, “Os Felinos Sacam das Coisas”, bastante interessante ao narrar um simples e engraçado acontecimento (no apartamento de um escritor, o resgate de um amigo bêbado por sua mulher, com quem este último havia se desentendido) e, principalmente, ao criar simbolismo com a presença de um gato no ambiente, animal misterioso e tradicional companheiro dos homens das letras. Porém, o conto, do meio para o fim, entra num divagar do personagem principal que quebra o ritmo e, finalizando-o assim, não justifica tão bem o término. Ainda, há o bom “O Matador de Lésbicas” (do carioca Fábio Mourão) e o que me soou como mais fraco de todos – justamente o que abre a seleção –: “A Vizinha Reboladeira” (Willian Couto, de Minas Gerais), que, embora afim com a temática e de bom final, é o mais modesto em estrutura e narrativa.

Num todo, entretanto, “Big Buka” é bastante interessante. Daquelas obras que se termina rápido, dada o gosto da leitura. Mesmo com contos melhores que outros, o nível se mantém de cabo a rabo, principalmente pela boa escolha do organizador, fazendo com que haja uma linha condutora permanente de uma história para a outra. Enfim, uma coletânea corajosa pela ideia do tema e que, por sorte, encontrou dez escritores igualmente valentes que compraram o desafio. Afinal, como disse o próprio Bukowski: “Os verdadeiros valentes vencem a sua imaginação e fazem o que devem fazer”.





terça-feira, 24 de novembro de 2015

Pearl Jam - Estádio do Maracanã - Rio de Janeiro (22/11/2015)



Já com as luzes acesas durante "Rockin' inthe Free World"
Não sei mas, tenho a impressão que só eu não fiquei empolgado com o show do Pearl Jam.
Show normal, normalzinho.
Tinha grande expectativa por conta da apresentação que havia presenciado deles em Porto Alegre em 2005 e por todos os comentários que vinham sendo feitos em relação aos outros pontos da turnê mas no fim das contas foi um show morno.
"Oceans" como escolha para a abertura já me pareceu uma opção pouco feliz, a não ser que fosse seguida por um dos mega-hits ou por uma paulada, o que não foi o caso. "Present Tense" do álbum "No Code" a seguiu e assim, já a partir daí, a primeira parte se arrastou num ritmo não lento, mas sem pegada. É verdade que a moderação era quebrada de vez em quando por algo mais agressivo como "Even Flow", a boa "Mind Your Manners", uma das melhores do novo álbum "Lighting Bolt" e a excelente "Do The Evolution", talvez a mais empolgante do primeiro segmento, mas não era o suficiente para engrenar de vez.
Considerei o planejamento do repertório um tanto equivocado no seu conceito, no seu ritmo, na sua sequência, mas não dá pra negar também que parte da sensação pouco satisfatória do início do show pode ser um atribuída ao som do estádio que prejudicava muito a qualidade de cada música e por vezes fazia com que estas soassem como uma massa sonora única.
Eddie Vedder vestindo a sunga vermelha com a qual
foi 'presenteado' por um fã da plateia.
Terminada a primeira parte, no primeiro bis, depois de algumas acústicas, Eddie Vedder camou o público ainda mais para junto da si com uma interpretação de "Imagine" de John Lennon, em homenagem a um fã morto num dos atentados de Paris com o público proporcionando um belo espetáculo visual com seu celulares acesos. Mas a balada de Lennon já trouxe no rastro a intensa "Jeremy" e a boa "Why Go" para quebrar a sequência morosa e fechando o segundo trecho com uma inusitada mas interessante participação de um fã aniversariante que pedira para cantar e que surpreendentemente mandou muito bem puxando a introdução de "Porch".
Com um Eddie Vedder simpático, falante e bem-humorado, o último bis compensou a desnecessária cover da infame banda que estava no Bataclan em Paris e da chata "Last Kiss" de Wayne Cochram (mas que, devo fazer justiça, todos cantaram juntos acompanhando com palmas) com as ótimas versões para os clássicos "Comfortably Num" do Pink Floyd e da já tradicional "Rockin' in the Free World" de Neil Young, talvez o melhor momento do show com as luzes do estádio já acesas, encaminhando o final e a galera se acabando no rock'n roll. Esta última parte também apresentou os clássicos "Black" e "Alive" que não poderiam faltar, até porque, no fim das contas, a maioria esmagadora das pessoas que estava no estádio estavam interessadas em ouvir as músicas do álbum "Ten" e na reta final foram recompensadas com o que esperavam. Aliás, ambas duas tiveram execuções e performances à altura de suas grandezas com a devida entusiasmada reação do público que as cantou em côro de forma emocionante.
Para ser justo, com o final se aproximando, com as covers, com os clássicos da banda e o clima descontraído, chegando ao ponto do vocalista vestir por cima da bermuda uma sunga jogada pelos fãs, dá pra dizer que a tepidez que dominava o espetáculo na maior parte do seu tempo deu lugar a um show, no fim das contas, interessante. Antológico? Incrível? Maravilhoso? Não, não. Um bom show. Bom. Só isso.


SET LIST - "Pearl Jam - Maracanã
Oceans 
Present Tense
Corduroy
Hail Hail
Mind Your Manners
Do the Evolution
Amongst the Waves
Save You
Even Flow
Who You Are
Setting Forth, da carreira solo de Eddie Vedder)
Not for You
Sirens
Given to Fly
I Want You So Hard (Boy’s Bad News), do Eagles of Death Metal
Comatose
Lukin
Rearviewmirror


Bis 1:
Yellow Moon (acústica)
Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town (acústica)
Just Breathe (acústica)
Imagine, de John Lennon (acústica)
Jeremy
Why Go
The Fixer
Porch

Bis 2:
Last Kiss, de Wayne Cochran
Comfortably Numb, do Pink Floyd
Spin the Black Circle
Black
Better Man
Alive
Rockin’ in the Free World, de Neil Young
Yellow Ledbetter

Só pelo registro, com imagem distante mas com som bastante razoável, segue o vídeo da execução de 
"Alive" - Maracanã (22/11/2015)




por Cly Reis

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Maria Bethânia - "Drama - Anjo Exterminado" (1972)



capa e contracapa do álbum

"Drama
E ao fim de cada ato
limpo no pano de prato
as mãos sujas do sangue das canções"
da letra de "Drama"


Há tempos que queria escrever sobre este disco nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, mas sempre hesitava exatamente por gostar demais dele e achar que por mais que o elogie, que lhe exalte, que lhe credite predicados, não seria o suficiente para ressaltar o quanto ele é bom, o quanto é grandioso, o quanto é excepcional. Ora, mas vamos tentar ao menos. Pra começar, Maria Bethânia é na minha opinião, nada mais nada menos que a maior cantora brasileira, a maior voz, a grande intérprete da MPB, talvez só comparável a Elis Regina. Neste disco em especial, “Drama - Anjo Exterminado” de 1972, Bethânia tem algumas de suas mais notáveis interpretações em um repertório extremamente bem selecionado que inclui Gilberto Gil, Luís Melodia, Herivelto Martins e, claro o irmão Caetano Veloso, indo do ponto de umbanda ao fado, visitando o brega e eventualmente o jazz, inveriavelmente esbanjando qualidade, emoção e versatilidade ao longo das 12 faixas.

A vinheta, canto tradicional praticamente declamado, “Ponto” abre o disco já emendando no choroso choro “Esse Cara”, cantado de forma triste e delicada por ela e encerrando com um pequeno trecho do clássico do cancioneiro romântico brasileiro, “Bodas de Prata”. O famoso samba “Volta por Cima” de Paulo Vanzolini fica vigoroso com ela, não somente pela interpretação única mas por uma linha de baixo quebrada que dá um toque sofisticado à canção; a espetacular “Anjo Exterminado” já seria admirável por si só por conta da brilhante composição de Jards Macalé e da letra de Wally Salomão, mas o jeito que ela canta, cada palavra, cada verso, cada inflexão... Nossa!!! parecendo carregar em si toda aquela angústia, aquele desespero, aquela procura, faz com que nas suas mãos, ou melhor na sua voz, torne-se algo superior e inigualável; “Estácio, Holly Estácio” de Luís Melodia ganha igualmente uma versão notável da Abelha Rainha; e a fantástica “Iansã”, oferenda musical de Caetano e Gil para a deusa dos raios no candomblé, é outra que vai da delicadeza ao vigor com uma naturalidade que somente uma grande intérprete pode conseguir.
O nome do disco não é à toa e o tom dramático, as tragédias, os abandonos estão presentes com freqüência: além das já mencionadas “Esse Cara” e “Bom Dia”, “Maldição”, por exemplo, um fado-samba com batidas altas de surdo, é extremamente dramático, quase teatral com um vocal cheio de sentimento e dor; isso sem falar na sangrenta “Drama”, tão cotidiana e praticamente novelística tal o exagero das emoções ali expostas.
A gostosa “Trampolim”, a graciosa “O Circo” e a sonoridade agradável, apesar da premissa pessimista, de “Negror dos Tempos”, suavizam o climão dolorido e sofrido da maior parte do disco. No entanto, não engane-se achando que esse conteúdo trágico, choroso, comovido venha a constituir um produto final maçante, de audição difícil, forçada. Pelo contrário: “Drama - Anjo Exterminado” com faixas bem distribuídas e minuciosamente bem produzido pelo mano Caetano, parece provocar sensações novas, diversas e surpreendentes a cada faixa compondo, ao fim, uma unidade absolutamente coerente e harmoniosa. Uma espécie de grande peça cênico-musical protagonizada por esta baiana de voz firme, potente, empostada que desfila interpretações, situações e personagens que culminam num final grandioso, um final dramático, como que ajoelhada com as mãos para o alto, com as mãos sujas de sangue das canções.
...............................................................................................

FAIXAS:
01 - Ponto (Tradicional)
02 - Esse Cara / Bodas de Prata (Caetano Veloso - Bodas de Prata de Roberto Martins e Mário Rossi)
03 - Volta Por Cima (Paulo Vanzolini)
04 - Bom Dia (Herivelto Martins/ Aldo Cabral)
05 - Anjo Exterminado (Jards Macalé/Waly Salomão)
06 – Maldição (Alfredo Duarte/ Armando Vieira Pinto)
07 – Iansã (Gilberto Gil / Caetano Veloso)
08 – Trampolim (Caetano Veloso / Maria Bethânia)
09 - Negror dos Tempos (Caetano Veloso)
10 - O Circo (Batatinha)
11 - Estácio, Holly Estácio (Luís Melodia)
12 – Drama (Caetano Veloso)

............................................................................................
Ouça;
Maria Bethânia Drama / Anjo Exterminado

Cly Reis

terça-feira, 25 de setembro de 2012

"A Árvore da Vida", de Terrence Malick (2011)




Somente dia desses tive a oportunidade de assistir ao premiado “Árvore da Vida” do cineasta pouco prolífico Terrence Malick, ganhador da Palma de Ouro do festival de Cannes do ano passado e centro de uma certa discussão dos que o colocam como extremamente chato e longo e dos que o vêem como uma obra-prima definitiva. Eu diria que nem tanto ao mar nem tanto à terra. Vi com toda a expectativa para um bom filme, mas também me resguardando do que poderia me esperar, com toda a tenção que pudesse merecer ou necessitar para que detalhes definidores não me escapassem, e com toda a paciência que exigisse. Fiz bem em abranger todas as possibilidades. É um filme que exige que todas estas antenas estejam ligadas. Ele vai exigir sua atenção, sensibilidade, disposição, percepção e tempo.
Mallick alterna sua lente sobre a vida de uma família dos anos 50, cujo pai (Brad Pitt) é rígido em sua educação religiosa; na cabeça perturbada de um dos filhos desta família nos tempos atuais (Sean Penn); em imagens esparsas acompanhadas pela voz de e Penn ou pela mãe da família (Jéssica Ceastain); e em imagens notáveis do surgimento da vida, desde o Big Bang, passando pelas glaciações, pela primeira forma de vida, pelos dinossauros, pelo surgimento de uma árvore, pelo nascimento de uma criança. Tudo isso ao som de temas clássicos que conferem uma atmosfera toda majestosa e etérea à cada cena. Tudo pacientemente. Tudo sem obedecer necessariamente a uma ordem lógica. Mas isso é compensado, na minha opinião, pela fundamental amarração de todos os elementos que é a perda de um dos filhos pela família que traz à tona toda sorte de dúvidas, questionamentos, reflexões por parte da mãe e do irmão e, pretende suscitar no espectador o sentimento mais importante de todos: entendermos que nessa vida, só há uma coisa verdadeiramente importante, só uma coisa que realmente fica, que permanece, e que esta coisa é o amor.
O diretor pacientemente insiste nos mostrar em imagens espetaculares a origem da vida, do universo, do mundo, nos apresenta uma família com problemas, com sentimentos conflitantes, com hábitos particulares, com suas crenças, insiste em mostrar a natureza, questiona Deus, questiona o ser, só para nos dizer no fim das contas que A VIDA É ASSIM. Tudo tem começo, meio e fim. Inclusive nós. Mas nós, humanos, racionais que somos, temos é que viver nossas vidas, sejam elas com pais rigorosos ou não, com religiões ou sem elas, com alegria muitas vezes mas com tristezas também, lidando com a morte, lidando com frustrações, mas fazendo uso dessa capacidade ímpar que temos em relação aos outros seres vivos que é o poder de amar.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra: não é cansativo como muitos classificam, maçante por conta de sua duração, ausência de linearidade ou subjetividade. É filme para se ver mais com os olhos da alma do que com os olhos físicos. Filme que merece a contemplação que ele mesmo sugere. Por outro lado, não o classificaria também como obra-prima. Não chegaria a tanto. Não diria tratar-se de uma das melhores coisas que tenha visto na vida ou o impulsionaria imediatamente ao olimpo das grandes obras do cinema, lá junto com “8 e 1/2”, “Laranja Mecânica”, etc. Muito bom filme,  com certeza. Inegavelmente o é. Apreciável e recomendável pra quem estiver disposto a ver com o coração e a mente abertos.
Porque “A Árvore da Vida” no fim das contas, amigos, não é nada mais nada menos do que um filme sobre... a vida. Sobre a vida.


Cly Reis

segunda-feira, 18 de maio de 2020

"Hellboy", de Guillermo del Toro (2004) vs. "Hellboy", de Neil Marshall (2019)




Desta vez o confronto acaba em goleada, pois um lado é muito superior ao outro. "Hellboy", de Guillermo del Toro, vence o novo longa em todos os aspectos, até nos efeitos especiais critério no qual supostamente o longa de Neil Marshall deveria ganhar mas, pelo contrário, apanha feio.
Vamos iniciar a disputa pelo roteiro: o primeiro, de 2004, pega elementos do início das HQs de Mike Mignola (criador das HQs de Hellboy) que se passa perto do fim da Segunda Guerra Mundial, de onde o Hellboy vem para terra, e logo já pula para o “presentes” com o demônio atuando na BPRD , uma organização que combate demônios e criaturas sobrenaturais. Um enredo bem conduzido, focado em apenas um arco da HQs. Ele até tem elementos de outros arcos mas o foco principal é apenas um que é a luta contra Rasputin e outros demônios. Esse foco único é importante pois assim temos tempo para que o personagem principal seja desenvolvido, para que os secundários sejam apresentados de maneira satisfatória, bem como o vilão. Já o longa de 2019, é uma bagunça! O filme de Neil pega vários arcos das HQs que demoram anos para serem desenvolvidos, e coloca todos juntos e quer dar uma solução em 2 horas. Neste longa de 2019, tem a lenda do Rei Arthur, BabaYaga, Rainha de Sangue, Hellboy Rei do Inferno, Fim do Mundo e muita coisa acontecendo que, para piorar, não parecem ser ligadas uma à outra. Essa bagunça faz com que os personagens não se desenvolvam e a história fique sem um objetivo.
"Hellboy" 2019 parece um time sem tática definida, perdido na marcação, onde os laterais sobem e não ajudam na marcação, mas mesmo assim começa com um ritmo frenético e marcação alta. Ao passo que "Hellboy" 2004, que até tem problemas para fazer o jogo no meio fluir pela falta um camisa 10, consegue mesmo assim levar perigo em jogadas ensaiadas, muito bem pensadas pelo treinador e sua equipe técnica. E o primeiro tempo acaba com 2x1 para o filme de 2004.
Não podemos, é claro, deixar de falar sobre o nosso protagonista, o menino Hellboy. Ambos acertam na pegada cômica e impulsiva do personagem, mas Ron Perlman, da primeira versão, tem muito mais carisma e roteiro que David Harbour, do mais recente. Mesmo com os efeitos e a maquiagem dando um ar mais realista e monstruoso no Hellboy de Harbour, Perlman, sai na frente pois, no fim das contas, é um longa baseado em HQ e, logo, o estilo cartoon do filme de 2004 fica bem mais apropriado.

"Hellboy" (2004) - trailer

"Hellboy" (2019) - trailer

Quando assunto e direção, não vejo nem necessidade de comparar, pois aqui é a maior surra, só não maior que a do roteiro. Guillermo del Toro é muito, mas MUITO mais diretor que Neil Marshall. Marshall até tem potencial, mas... não dá.
Todas as escolhas de Guillermo são assertivas. Sabe trabalhar bem com elementos de fantasia, seu  design de produção sempre é fabuloso, essa ele leva fácil e olha que nessa época ainda nem tinha aquela estatueta brilhando na prateleira.
Então, com os times já cansados, indo para parte final da partida, aí o dedo do treinador faz diferença. e vemos o famoso “nó tático”. Isso sem falar no centroavante,  Perlman, o verdadeiro camisa 9 rompedor é um verdadeiro monstro na partida e inferniza a zaga adversária. A bola chega nele é gol. Até cortou os chifres pra poder cabecear melhor.
Resultado final, "Hellboy" de 2004 vence disparado, como adaptação de quadrinhos, como conceito e como filme em geral. É uma obra que sabia o que queria e o que podia fazer, diferente do mais recente que tenta ir para todos os lados, mas não sai do lugar. Só eu quero uma continuação de Guillermo?
Vem "Hellboy 3"!!!

O Hellboy de 2004 é perfeito? Não, mas é bom.
Já o de 2019 é... qualquer coisa.

"Hellboy" 2019 é a prova de que não adianta gastar muito dinheiro e contratar jogadores errados,
propor um futebol moderno se seu time não tem entrosamento.
Já "Hellboy" 2004, mesmo com um futebol mais conservador, mais tradicional,
faz o feijão com arroz.
Um centroavante que se não é bom de bola, sabe colocar a bola na rede como ninguém Sem falar que o treinador é um maestro e fez o time todo jogar.




por Vagner Rodrigues

terça-feira, 3 de junho de 2014

cotidianas #299 - A Última Chamada



Pôs o fone no gancho e sorriu para a mulher que acabara de entrar no escritório.
- Trouxe um café – disse a esposa com um sorriso no rosto – Negócios?
- Ah... um cliente. Uma entrega de um lote. Só isso – respondeu parecendo um tanto embaraçado.
- Ah, entendo – disse colocando a bandeja sobre a mesa de trabalho do marido.
- Pensei que você só fosse voltar mais tarde – observou o homem.
- Pois é. Desocupei mais cedo do que imaginava – explicou – Mas não quero atrapalhar o seu trabalho. Só aproveitei que a Leonice ia trazer o café e vim ver se estava tudo bem. Está, não?
- O que?
- Tudo bem.
- Claro, claro. Sim, está tudo bem. Obrigado. Está tudo bem.

****

- Mais ou menos. Estou com saudade.
Com um sorriso brejeiro no rosto, a moça, não mais que uma adolescente, conversava excitada ao telefone.
- Quando é que você vem aqui me ver? Faz tempo que a gente não faz... aquilo – pronunciou esta última palavra  numa espécia de risinho sugestivo.
A garota falava, visivelmente excitada, enrolando os dedos no fio do aparelho e mordendo o lábio inferior.
- Ah, dá um jeito – continuou ela agora um pouco contrariada.
Silenciou por alguns instantes ouvindo a pessoa do outro lado da linha e retomou em tom de cobrança:
- Tá bom. Tá bom... Então pelo menos diz que me ama. Não, não... diz... Ãhnn??? O que??? Como ass...? Que conversa é essa?
Ainda olhou indignada para o fone como se olhasse para a cara da pessoa do outro lado.
- Desgraçado! Desligou na minha cara.

****

- Tá bom, Leonice, deixa que eu levo o café.
- Mas o seu Flávio pediu pra eu levar – tentou insistir a empregada.
- Mas deixa que eu levo. Deixa eu fazer uma surpresa pra ele.
Caminhando em direção à biblioteca que o marido costumava usar como escritório para encaminhar assuntos da empresa, do corredor, mesmo sem querer, pôde escutar a voz quase sussurrada que vinha lá de dentro.
- Assim que eu puder. Acho que a minha mulher anda meio desconfiada. Tá em cima de mim, ultimamente.
Aquela última frase fez a esposa, Irene, com a bandeja de café nas mãos, no final do corredor, aí sim, prestar atenção na conversa, tentando aproximar-se mais, silenciosamente, de modo a não ser vista pela porta aberta da biblioteca.

*****

Flávio saiu da cozinha assoviando corredor afora em direção à biblioteca.
Tinha assuntos da empresa para cuidar, entregas, lotes, mas aquilo tudo podia esperar. Aproveitaria que a esposa não estava em casa e trataria de outra coisa.
Sentou à escrivaninha, olhou para o aparelho à sua frente e tirou o fone do gancho.

****
Irene estranhou ver o marido tão animado, assoviando pelos corredores. Por certo fechara algum negócio importante. Por vezes o marido não ia ao escritório e ficava em casa fazendo ligações da biblioteca.
O cheiro de café invadia a casa inteira. Por certo a Leonice havia passado um novinho.
Aproveitaria o imprevisto de sua consulta médica adiada e faria uma surpresa ao marido que por certo não esperaria por ela em casa àquela hora. Levaria ela mesmo o café para ele.

****
- A Jéssica mandou o senhor ligar pra ela. Nem sei porque que eu ainda faço essas coisas pro senhor. A Dona Irene vai me matar.
- Você faz isso por mim porque você é um anjo, Leonice – disse o homem pegando a cabeça da empregada entre as mãos e tascando-lhe um beijo na testa.
- Para com essas coisa, Seu Flávio – disse a serviçal fingindo irritação.
- Vai, me leva um cafá na biblioteca, Leo. Vou aproveitar que a Irene vai demorar e ligar pra tua sobrinha.
- Seu Flávio... - fez ainda a empregada em tom de desaprovação antes que ele tomasse o corredor assoviando.

****
Há tempos que já estava um tanto desconfiada do marido e agora aquela ligação misteriosa.
Até já imaginava quem pudesse ser. Aquela piranhazinha da sobrinha da Leonice. Estivera com a tia, um dia desses, ajudando na faxina. Se era isso, descobriria. Se fora o marido quem fizera a última chamada, descobriria para quem foi pela rediscagem automática. Tinha quase certeza de que havia sido a última ligação pois pouco depois que deixara o café e saíra da biblioteca, vira o marido sair apressadamente logo em seguida.

****
- Não... Não. Não assim pelo telefone... Tá bom. Eu te am… - e avistando um reflexo no piso, entre a porta da biblioteca e o corredor, mudou repentinamente de tom e de assunto.
- Aham... Sim, claro. Como não? Perfeitamente. Até mais tarde. Obrigado.
O homem atrás da escrivaninha desligou o telefone e sorriu para a esposa que entrava no escritório com uma bandeja de café.

****
Dona Leonice já não era mais nenhuma menina.
Era de confiança do casal, mais do Seu Flávio, de quem cuidara desde pequeninho e por quem tinha um afeto todo especial. Não podia àquelas alturas da vida se dar ao luxo de perder o emprego por causa dos namoricos da sobrinha.
É verdade que ela mesma, Leonice, criara aquela situação dando o número da garota para o patrão. Mas acabaria com aquilo imediatamente.
Tirou do gancho o aparelho de telefone da cozinha e discou.
Começou a chamar.

****
- Na minha cara! - exclamou em voz alta para si mesma.
Por que seria que o novo amante, mais velho, a deixara falando sozinha com o telefone na mão?
Por certo não fora por vontade própria. Se mostrara tão atencioso desde que se conheceram no dia em que foi ajudar a tia na faxina na casa dona patroa, a Dona Irene.
Não se incomodou nem um pouco quando recebeu a ligação do homem casado. A tia fora quem dera o número. Na verdade mal sabia o coroa que tinha autorizado a tia a fazê-lo caso ele pedisse.
Mas e agora aquele tratamento...
Não podia retornar a ligação para a casa dele. Não seria prudente. Ligaria para a tia e saberia o que estaria se passando. Se a barra estava limpa. Pegou o celular de dentro da mochila, deslizou a tela, localizou Leonice e... chamando.

****

Perturbado pelo susto, Flávio deixou de lado os assuntos da empresa que tinha para resolver. Permaneceu alguns instantes ainda sentado à cadeira rotatória da biblioteca, pensando no que faria, e por fim levantou-se e dirigiu-se com decisão ao pátio.
Acabaria com aquela história naquele momento.
Ligaria do celular para a amantezinha e poria fim àquela aventura juvenil.
Sacou o aparelho do bolso e procurou “contato sem nome”. Era este.
- Está chamando... – fez questão de dizer para si mesmo.

****
Irene abriu a porta do quarto contíguo à biblioteca, de onde viu Flávio sair decidido, a passos largos, pouco depois de ter-lhe deixado o café, e retornou à mesa do marido. Sentou na confortável cadeira giratória, pegou o telefone e apertou REDISCAR.
Estava chamando.

****
- Alô.


Cly Reis