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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Th’ Faith Healers - "Lido" (1992)

 

"Eu estava dirigindo para o meu trabalho estúpido e me vi preso em um engarrafamento gigantesco na estrada. De repente, algo novo flutuou sobre as ondas do rádio... um vocal feminino rosnado e sensual serpenteando em uma batida thumpa-thumpa... furtivo, legal... De repente a coisa toda se tornou selvagem. A cantora sibilou entre os dentes, as guitarras (soavam como 50 delas) gaguejavam e cuspiam, e a maldita coisa toda entrou em hiperdrive. A tempestade se estabeleceu em um ritmo pesado, hipnótico e caótico ao mesmo tempo, a música se agitou e se agitou e só terminou quando caiu no chão com um estrondo. Meu trabalho (e o resto do dia), desnecessário dizer, empalideceu em comparação com esse ataque auditivo. Totalmente perfeito... Eu estava apaixonado."
Dave Ehrlich, músico e produtor


A música é das poucas coisas nesse mundo capazes de me provocar paixões arrebatadoras. E que podem acontecer a qualquer momento. Se ainda é assim comigo hoje com todos os recursos e facilidades que a internet traz, imagine-se antigamente, antes da era digital, quando muita coisa era de difícil acesso, se não, impossível. Tudo era mais complicado e mágico. Podia estar a qualquer lance no rádio, na tevê, nas revistas, nos sebos, na discoteca de amigos e familiares. Pois houve um tempo, nos anos 90, em que um desses locais de pesquisa e reconhecimento eram as locadoras de CD’s. A pouca grana que dispunha de mesada ou estágios mal remunerados era boa parte reservada a gravar em K7 as coisas que vasculhava nas prateleiras das locadoras reforçando antigas paixões e descobrindo novas. Numa dessas ocasiões, lá pelos idos de 1994, uma se revelou para mim. 

Logo que entrei na loja, num início de tarde de um sábado, notei que estava rodando, como sempre faziam, algo interessante, mas que não conhecia. Aliás, não conhecia, mas reconhecia ali elementos que me agradavam muito. Rock alternativo forjado nas guitarras distorcidas, base de baixo bem pronunciada, vozes masculina e feminina se intercalando, bateria forte marcando um ritmo pulsante. Algo entre o indie, o shoegaze, o dream pop, o college, o experimental e o noise rock. Era atmosférico, ruidoso, visceral, melodioso... Lembrava muito Sonic Youth, mas não era, isso eu tinha certeza. Havia algo de Lush, de My Bloody Valentine, de Pixies, mas também dava para ver que não era nenhum deles. De boas, o rapaz da loja me sanou a dúvida: “é este CD aqui”. A capa em si me chamou atenção: uma foto vintage de um camping e as letras em fonte de máquina de escrever, tipo Courier New, escrito apenas o nome do disco e da banda cujo artigo “Os” (“The”), vinha sem a letra “e”: apenas “Th". Era um detalhe, mas muito esquisito e interessante. Tudo aquilo, som, estilo, atmosfera, me cativaram imediatamente. Pronto: paixão. Deu tempo de escolher algum outro disco para levar, mas, claro, não poderia deixar de adicionar à minha sacola também “Lido”, aquele álbum do grupo de rock alternativo londrino ao qual acabava de conhecer Th’ Faith Healers, formado por Roxanne Stephen e Tom Cullinan, nos vocais e guitarras; Ben Hopkin, baixo, e Joe Dilworth, bateria.

Como grandes bandas do underground dos anos 90, a Th’ Faith Healers, tal a Whale, a The La’s e a brasileira 3 Hombres, tem uma carreira curtíssima, mas totalmente assertiva. Tanto que talvez goste até mais do segundo e último disco de estúdio deles, “Imaginary Friend”, de 1994, o qual me motivou, inclusive, a concepção de um conto literário, “Heart Fog”, baseada na música homônima, presente na antologia “Conte uma Canção – Vol. 2”, publicada em 2016 pela Multifoco. Mas “Lido”, além de estar completando 30 anos de seu obscuro lançamento, lá nos idos de 1992, guarda consigo a primazia de ser o trabalho inaugural da banda e o que me fez descobri-la. Além de, claro, merecer estar nesta lista de fundamentais, inclusive já tendo sido responsável pelo primeiro nome do Clyblog, que se chamou por um breve espaço de tempo, em 2008, pelo nome da sua última faixa, a apoteótica “Spin ½”, uma minissinfonia de guitarras altamente distorcidas de quase 10 minutos com samples que sobrevoam, batida cadenciada e loopada a e voz de Roxanne cantarolando um único verso: “Into the sea you must be in the water”. Hipnótica, sensual, inebriante, caótica, tempestuosa, onírica, algo hinduísta. Uma oração ruidosa e barulhenta de um dos melhores finais de discos do rock de todos os tempos, sem exagero.

Mas voltemos ao começo com a música que me fez vidrar na Faith Healers logo que os escutei: “This Time”. Exemplar no que se refere ao estilo da banda, tem letra curta, geralmente repetida várias vezes (“Let's do it, whereby/ this time, you die/ if not, quite soon/ maybe by this afternoon”), como um mantra nas vozes em uníssono de Roxanne e Cullinan, sobre uma massa de ruídos eletrificados. O minimalismo abre espaço para o experimentalismo e, principalmente, as melodias muito bem criadas pela banda. Pode ser um riff simples, repetido, dissonante, mas invariavelmente muito inspirado, de quem sabe o que está fazendo e explora suas bagagens musicais.

Bem produzidos por eles próprios, os Faith Healers exploram ao máximo na faixa "A Word of Advice" os detalhes do som metalizado das guitarras, enquanto as vozes, despretensiosas, cantam sem muito alarde. Isso, até a música explodir no refrão em barulho. A mixagem orgânica da gravação, sensível a qualquer ruído, dá a sensação de uma banda tocando ao vivo, inclusive na captação dos "defeitos", como o do som de um nariz aspirando o ar, o que lembra o conceito de produção de Flood para PJ Harvey em “To Bring you my Love”, de três anos mais tarde. Parecido com este trabalho de PJ também é “Hippie Hole”. Pós-punk com umas quebradas funkeadas, traz essa fórmula sintética infalível da Faith encapsulada por uma timbrística cirurgicamente suja. Nela, aliás, Roxanne canta com fúria, com o microfone rascante, longe da sutileza desafetada do começo.

Com subidas e descidas (ao paraíso da melodia e ao inferno do barulho), “Don’t Jones Me” retraz a letra sucinta que mais serve de cama para o rock livre da Faith, espécie de Can dos anos 80. Aliás, o clima é bastante parecido com esta e outras bandas da kratrock alemã, como a Neu! e a Harmonia. Não à toa eles versam a clássica alternativa “Mother Sky” da Can, a qual ouvi com os ingleses primeiro. Embora a original seja incomparável, até pela ousadia visionária dos alemães, a leitura da Faith Healers é daquelas que não deixam a desejar. Coisa de banda realmente identificada com seus ídolos, como a Living Colour fez para com “Memories Can’t Wait”, da Talking Heads, ou a Nirvana com “The Man Who Sold the World”, de David Bowie.

“Repetile Smile” e “Moona-Ina-Joona”, na sequência uma da outra, têm riffs tão consistentes quanto improváveis. Ninguém, não fosse uma banda forjada na sonoridade atípica do shoegaze e com referências muito próprias, ousaria criar. Que sonzeira! Se em “Moona...” valem-se do uníssono infalível de “This Time” e "A Word...”, em “Repetile...” é a voz sensual e cativante de Roxanne que prevalece. Ela sabe que não é uma grande cantora. Mas quem disse que é esta a intenção? Aliás, é justamente esta postura insolente roqueira que faz com que ela passeie naturalmente por diferentes formas de cantar com um lirismo espontâneo e encantador. É isso que se vê na balada "It's Easy Being You", a mais “calma” do disco (embora também não se contenham em adicionar guitarras pesadas bem ao final): um timbre jovem e solar. Porém, já na rascante “Love Song”, que de balada romântica só tem o nome, ela vai do doce à sujidade. Principalmente no refrão, quando sua garganta faz soltar gritos carregados de tesão e lamento.

Quando conheci a Th’ Faith Healers, Sonic Youth, Pixies, My Bloody Valentine, Lush, The Breeders e muitas outras bandas já eram realidade para os meus ouvidos. Tanto que ouvi-los não foi uma novidade e, sim, um reconhecimento. Neles eu ouvia todas essas bandas e conseguia entender com mais acuidade aquilo que a Velvet Underground propunha 30 anos antes – inclusive, nas dobradinhas das vozes de Cale e Reed com a de Moe Tucker. Com a Th’ Faith Healers eu descortinaria a Can, tão fundamental para o rock moderno. E descobri depois, que não fui apenas eu que me surpreendi com a Th’ Faith Healers na primeira vez que os escutei, bem como que havia uma legião de fãs escondida nos subterrâneos da internet com relatos muito parecidos com o meu. Mas o mais importante foi a descoberta de que, para mim, a Th’ Faith Healers era a banda que eu sempre gostei, mas não sabia ainda. Era como se eles já estivessem na minha vida desde sempre: bastava apenas que eu me deparasse com aquele CD rodando na locadora para que este laço nunca mais se desfizesse.

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FAIXAS:
1. "This Time" (Tom Cullinan/ Th' Faith Healers) - 05:09
2. "A Word of Advice" - 06:22
3. "Hippy Hole" - 03:20
4. "Don't Jones Me" - 06:18
5. "Reptile Smile" (Th' Faith Healers) - 04:57
6. "Moona-Ina-Joona" (Cullinan/ Th' Faith Healers) - 03:14
7. "Love Song" (Cullinan/ Th' Faith Healers) - 05:38
8. "Mother Sky" (Holger Czukay/ Michael Karoli/ Jaki Liebezeit/ Irmin Schmidt/ Damo Suzuki) - 04:17
9. "It's Easy Being You" - 02:12
10. "Spin 1/2" - 09:34
Todas as composições de autoria de Tom Cullinan, exceto indicadas


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Daniel Rodrigues

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Sarau de leitura “Conte uma Canção – vol. 2” – Multifoco Bistrô – Rio de Janeiro/RJ


Os autores pousando para as lentes na fachada do Bistrô Multifoco.
A ocasião era oportuna: meses após o lançamento da antologia "Conte Uma Canção - vol.2", da editora Multifoco, na qual participamos meu irmão Cly Reis e eu cada um com um conto, estaríamos juntos no Rio de Janeiro, sede da editora. Então, por que não fazermos um encontro que abordasse isso? Foi o que aconteceu no dia 16 de dezembro. A partir de uma ideia de Leocádia Costa, que nos deu o privilégio de fazer as honras, realizamos um sarau de leitura de ambos os contos no bistrô da própria Multifoco, na Lapa.

Lemos na íntegra, alternando as vozes de personagens e narrador, tanto "Heart Fog", de minha autoria e baseado numa canção da banda de rock alternativo Th’ Faith Healers, quanto "O Filho do Diabo", do Cly, este, criado sobre um antigo blues de Robert Johnson: “Me and my Devil Blues”.

Para isso, contamos com a ilustre participação da atriz e amiga Luciana Zule, que muito gentilmente aceitou nosso convite de dividir conosco a leitura dos textos. Num clima bastante intimista, reunimos familiares e amigos num momento muito agradável, que contou com um bate-papo descontraído ao final. Abaixo, um pouco do que aconteceu nos registros feitos por Leocádia.




Os irmãos ensaiando antes do sarau.

Repassando o texto agora com nossa convidada Luciana Zule.

Leocádia fez as honras da abertura do sarau.

A leitura começou.

"Heart Fog" sendo lido aos convidados.

Ouvintes atentos.

Carolina e Luna, ilustres convidadas.

Agora é Luciana quem assume o papel de narrador
para a leitura de "O Filho do Diabo".

Cly acompanha a leitura de seu conto.

Plateia segue atenta.

O ator Eduardo Almeida nos deu a felicidade da sua presença também.

Luninha abrilhantando a tarde do sarau.

Luciana usando seu dom cênico para a leitura.

Segue a leitura...

Chegou mais gente para ouvir.

A foto coletiva, repleta de literatura e amor.





por Daniel Rodrigues


terça-feira, 7 de julho de 2015

cotidianas #380 - “Heart Fog” vazando




manipulação digital sobre foto de
Leocádia Costa
Horário de pico, entrou no metrô quase arrastado pela multidão na estação já pelo meio do trajeto do trem. Seu objetivo de vida ficava uma estação antes do fim da linha e chamava-se “casa” – pelo menos naquele fim de tarde frio e chuvoso, depois de um dia puxado no trabalho. Como faltava um bom tempo ainda para chegar, procurou naquele aperto um espaço para se acomodar, equilibrando-se minimamente entre tantos que faziam o mesmo. Parou de frente a uma moça e um rapaz que, sentados, conversavam animadamente. “Bem bonita”, pensou. Tipo executiva, cabelo aloirado preso no coco sem soltar nenhum fio sequer, maquiagem em dia mesmo no fim de tarde, tailleurzinho risca-de-giz cinza. Muito elegante, ou seja: “não é pro meu bico”, arrematou para si em cima imediatamente. “Seriam namorados os dois?”, ocorreu-lhe.
Não valia a pena interessar-se. Um chinelão indie e pobretão como ele jamais despertaria algo numa mulher como aquela. Tornou, então, a se concentrar no seu objetivo-fim de retornar para o sossego do lar. Porém, não demorou muito para a cena roubar-lhe a atenção de novo. Percebeu que, realmente, não eram namorados, embora a intenção disso provavelmente passasse pela cabeça do interlocutor. Afinou o ouvido e, como suspeitava, viu que conversavam sobre relações, namoros, ex-namorados, pegas, festas, paqueras, ficantes, coisas afins. Eram estudantes de Direito indo para a aula noturna na Universidade Católica, captou. Também percebeu que não trabalhavam juntos: ela, estagiária em um escritório de advocacia no Centro; o outro, um tipo engomadinho e metidinho, embora a empáfia fosse de advogado formado também estagiava num escritório – pelo que entendeu, num dos grandes da cidade.
Deu ainda para atinar que a moça bonita tinha um ex de quem falava mal e que, até onde pegou a conversa, dera nele um pé na bunda há mais de um ano. O rapaz, em contrapartida, enrolado no próprio ego, já tinha namorado várias colegas do escritório e da faculdade (a Fabi, a Márcia, a Katiuscia e a Lê foram os nomes que conseguiu reconhecer) e, ainda que reclamasse que sempre terminava por culpa delas, estava estampado na cara que se vangloriava da quantidade de casos. A moça, entretanto, mesmo que não fosse colega de trabalho ou de aula – o que não deu para ele pescar – era sem dúvida um alvo, afinal, se abordavam aquele tipo de assunto tão tranquilamente, sem ressalvas nem melindres, era porque talvez houvesse interesse de ambos e porque não havia ocorrido ainda nada entre os dois. Ficou feliz quando percebeu que ela não nutria as mesmas intenções para com o tal semiadvogado metido a besta, e isso não pelo o que ouvira, mas pelo o que sentiu no ar. Mas a conversa, essa sim, a absorvia: linda, soltava risinhos de vez em quando, mudava a expressão conforme o tema, formava uma covinha na bochecha direita quando ria, piscava os olhos para começar a falar, ouvia de boca aberta quando se impressionava... “Uma graça...”.
Entretanto, o cansaço do trabalho no restaurante do dia o fez voltar a seus botões novamente. Ordenou-se: “Deixa eles que eu tenho mais do que cuidar”. A mãe e os dois cachorrinhos lhe aguardavam em casa como todos os dias. Embora seu ouvido atento naturalmente captasse acontecimentos externos como aquele bate-papo, queria mesmo era esvaziar a cabeça. E para um roqueiro como ele, que escondia por debaixo do uniforme os braços inteiramente tatuados, a melhor maneira de desopilar é ouvindo rock ‘n’ roll. E alto! Assim, enquanto os dois seguiam ali trocando palavras aos montes, sacou de um dos bolsos da mochila o fone de ouvido, que acoplou ao celular para ouvir música no restante do trajeto. Buscou na playlist Th’ Faith Healers, disco “Imaginary Friend”, dos seus preferidos. “Alternative rock da melhor qualidade!”, animava-se mentalmente, orgulhoso de certamente ser o único em todo o metrô a conhecer uma banda dessas. Pôs para rolar no volume máximo, o que lhe levou imediatamente para um outro mundo de guitarras, pedais de distorção, vozes, batidas, baixos, melodia, poesia. Amava aquele grupo. Dos companheiros de viagem à sua frente, nem interessava mais o que diziam. Via apenas suas bocas se mexerem, as covinhas dela se formarem quando sorria, as piscadas mais demorados quando falava (provavelmente de algo que lhe afligia), as viradas de olhos (sabe-se lá por qual motivo). Tudo ao som de Th’ Faith Healers, como uma trilha sonora ruidosa e melodiosa. Parecia que, a partir do momento que enfiou os fones, a cena daquela conversa corriqueira e sem graça diante dele transformara-se num videoclipe bastante poético.
Próximo à estação de acesso à universidade, viu, imerso na massa sonora de "Sparklingly Chime", que abre o disco, ela falando algo para o advogadinho, que trocou com ela dois beijinhos para depois pegar a mochila e se despedir. Para sua surpresa, ela permaneceu sentada, olhando para baixo, como que resignada. Parecia ter ficado chateada sem o companheiro de viagem, o qual teve seu lugar ocupado imediatamente por um dos vários passageiros. Ele manteve-se de pé à frente dela, mais porque o vagão não esvaziou do que por querer necessariamente ficar ali. Ela não levantou em nenhum momento a cabeça e nem o viu. Obviamente, uma moça daquele alto nível não tinha como notá-lo, um estranho sem sentido para ela tal como todos os outros ali no vagão.
Ela levanta-se ao sinal sonoro da estação seguinte. Educadamente, ele deu espaço para que passasse. Foi quando, de repente, ela lhe olha, mira-o por alguns segundos e diz alguma coisa. Claro que ele não entendeu bulhufas, pois, além de ela ter falado baixo, o volume nas alturas não deixava que ouvisse nada além do que o fone lhe fornecia. Viu apenas uma boca carnuda e rosada de batom gesticular-lhe algo. Franziu o cenho como que perguntando: “O que é?” Ela, então, repetiu mais pausadamente o que dissera na primeira vez (ainda sem ser ouvida, por sinal) adicionando à sua comunicação, entretanto, o gesto de apontar com o indicador para o ouvido. “Ops!”, deu-lhe um estalo: não se trata da um aviso fortuito: “Ela quer me dizer algo mesmo!” De modo a entendê-la, então, tirou o fone direito, que emitia agora no ar um ruído quase indefinível da música que seguia rolando enquanto o outro fone continuava ensurdecendo seu ouvido esquerdo:
- Sim?
- “Heart Fog”, né? – perguntou ela.
Não compreendeu logo de cara a pergunta, talvez porque fosse absolutamente improvável que aquela executiva linda do mundo das leis e dos códigos corretos da sociedade conhecesse como ele, um chinelão indie e pobretão, o Th’ Faith Healers e tivesse, ainda, identificado justamente a segunda faixa do disco que ele escutava, coisa que provavelmente ninguém naquele trem, naquele bairro, naquela cidade fizesse ideia do que se tratava. Impossível. Seria surreal. Ela, contudo, querendo fazer-se entender antes de descer do metrô, prosseguiu:
- Entendeu o que eu disse? É “Heart Fog” mesmo que você tá escutando?
- É... é... sim. – forçou-se a responder num tom besta, pois ainda mais impressionado agora (embasbacado, na real), pois ela estava se referindo, sim, à mesma coisa que ele. “Incrível!”
- Cara, eu adoro eles também! Logo percebi que era essa que você tava escutando quando passei perto de ti. Tá tão alto teu fone que dá pra ouvir o som aqui de fora, reh reh reh.
Ele riu também, misto de encabulado e orgulhoso, baixando, então, o volume para continuar a conversa.
- Eu gosto muito do Th’ Faith Healers.
- Sim, Th’ Faith Healers com o “the” sem a letra “e” e aquela apóstrofe esquisita! – lançou ela, animada; e não a animação que ele observara quando a viu conversando anteriormente, mas uma animação verdadeira – O “Imaginary Friend” é demais! Sabe, prefiro ainda o disco “Lido”, mas esse é muito bom também. E minha preferida é justo essa, “Heart Fog”! Que coincidência, cara!  “Heart fog/ seems so cold to me/ feels so insecure”. – cantarolou um pedaço.
- Sim! –, disse, já contagiado pela animação, porém, visto que o ponto final dela se aproximava, antevendo a perda da presença daquela entidade surreal que lhe aparecera, da nova colega de fã-clube. Ainda surpreso, mas ciente de que presenciava um momento especial em sua vida tão monótona e repetitiva, ele, antes de conseguir articular uma fala que a contivesse ali, viu que o trem já começava a frear para parar na estação. Um bolo de pessoas se acumulou diante da porta para retornar ao frio da rua, enquanto ele lhe olhava com olhos desorientados e infantis, sabendo não ter mais tempo de continuar o papo healeriano naqueles poucos segundos em contagem regressiva que restavam.
Abriu-se a porta automática, subiram pessoas, desceram outras. Mas ela não se movia.
- Você não vai descer? – indagou ele sem entender, antes de a porta se fechar.
- Sabe o que é: já matei a aula hoje, mas também não tava a fim de ir direto pra casa. E agora me bateu uma vontade de ouvir Faith Healers...
Saiu daquele rosto mal barbeado que o cabelo desgrenhado cobria em parte um sorriso entendedor e contente. A porta se fechou e o trem seguiu em direção à próxima estação.


***



terça-feira, 26 de agosto de 2008

Spin1/2


O blog já mudou de nome, já virou ClyBlog, mas mantenho esta postagem como marco do início de uma ideia. Uma deia meio sem ideia no início mas que aos poucos foi evoluindo para um projeto pessoal muito legal e que me dá muita satisfação em tocar pra em diante. Em relação ao que foi escito na época desta postagem, só muda o nome e o fato de que agora meu computador tem os acentos. De resto, a proposta é a mesma: muita arte, música, livros, opiniões, textos, poemas, crônicas, contos, um futebolzinho de vez em quando e tudo mais que der vontade de fazer. enfim, um espaço livre.
Eis a primeira postagem do ClyBlog.




Olá! Nunca tive um blog, entao e' meio estranho nao saber a quem estar se dirigindo, se e' que estarei me dirigindo a alguem. Na verdade, em primeiro lugar estou escrevendo para mim, e acho que todo mundo que tem um blog, o faz mais para si, mesmo.

Spin 1/2 na verdade e' o nome de uma m'usica dos Th' Faith Healers, da qual gosto demais. Demais, mesmo!!! E achei legal pra ser o nome do meu blog.

A proposito dos Healers, e' uma banda que lembra um pouco o Sonic Youth, tambem tem vocais feminino e masculino assim como elese faz aquela linha noise, experimental mas com linhas bem melodicas, por vezes.

A cancao em questao e' do album chamado "Lido" (capa ai' ao lado), que eu descobri meio que por acaso e acabei ficando vidrado nele.

Pra quem gosta dessa linhagem de bandas, vale conferir.

Esta e' uma postagem mais para apresentacao, mas vou falar aqui de tudo: de musica que eu adoro, de filmes, de livros, de futebol, as vezes vou postar so' pra fazer um comentariozinho bobo, as vezes pode ser uma opiniao seria sobre algum assunto relevante.

Nao quero regras!

O Spin 1/2 e' pra ser meu espaco livre.

Espero que meus visitantes apreciem, comentem e visitem sempre.


Eis minha primeira postagem.