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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Música da Cabeça - Programa #159


Todo mundo que parou para dar pelo menos uma espiada no One World, hoje é convidados para fazer o mesmo, só que com o Música da Cabeça. E nosso cast de participantes não deixa nada a desejar pro evento da Lady Gaga! Confere: Milton Nascimento, Robert Johnson, Ratos de Porão, Philip Glass, Jorge Ben Jor, Bob Marley e mais. Tem ainda "Cabeção" com a eletro-indie Bent, mais "Música de Fato" e "Palavra, Lê". O MDC não é live, mas tá vivinho da silva na Rádio Elétrica, às 21h. Produção, apresentação: Daniel Rodrigues. #togetherathome


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS


Agora, dobrando a esquina das 100 edições, cabe uma pequena retrospectiva da seção que começou basicamente como destaques pessoais com comentários breves sobre, na maioria das vezes, CD's que eu levava no carro indo para o trabalho, mas que pela própria frequencia de visitação, troca de ideias, comentários, sugestões, etc., acabou ganhando uma certa importância dentro do blog. Dividindo as principais atenções dos amigos e visitantes com o perverso Frango Atirador, os ÁLBUNS FUNDAMENTAIS passaram a exigir deste blogueiro uma maior responsabilidade de informação, mais pesquisa e (uma tentativa de) maior qualidade dos textos. O formato se aperfeiçoou, as resenhas ficaram mais incrementadas com vídeos, downloads e letras, e participações especialíssimas de amigos abrilhataram as análises. Tive neste período o privilégio das participações do meu primo-parceiro-irmão-hermenêutico Lúcio Agacê; do antenadíssimo, porém tímido enquanto colunista, José Júnior; do brilhante e profundo conhecedor de rock Eduardo Wolff; e do meu irmão, Daniel Rodrigues, com seu ecletismo e seus textos sempre apaixonados e competentíssimos.
Virando a página destes primeiros cem álbuns, dentro de uma linha de coerência, o ClyBlog procurou mirar em todos os segmentos possíveis, sem preconceitos e tentando não cometer nenhuma grande injustiça, sem deixar contudo, de ser extremamente pessoal, independente e descomprometido nas escolhas. Na maioria das vezes é na emoção mesmo, tipo, 'puxa, tenho que falar sobre esse disco', mas às vezes vem a razão e aí se tenta equilibrar estilos, décadas, tenta-se não repetir muito os mesmos, não puxar muito pros xodós, e coisas do tipo.
A propósito de repetir, nestes primeiros cem, apenas Rolling Stones, The Beatles, PIL, Miles Davis, Bob Dylan, Jorge Ben e David Bowie fizeram dobradinhas e até agora, ninguém botou três fundamentais na roda Quem será o primeiro?
No que diz respeito às décadas, o placar de destaques é o seguinte:
  • 2 dos anos 30, "Carmina Burana" e Robert Johnson, sendo que este último só saiu em 1990; 
  • 2 dos anos 50, (Elvis e Miles Davis) ;
  • 19 dos anos 60;
  • 31 dos anos 70;
  • 25 dos anos 80;  
  • 17 dos anos 90;
  • 3 dos anos 2000;
  • + um especial com uma lista de melhores de todos os tempos

Talvez a de 60, tida como a grande década do rock pudesse ter mais representantes; talvez devêssemos ter mais dos anos 50, a década do surgimento do rock; talvez os anos 40 merecessem unzinho que fosse; talvez devesse olhar mais para o nosso novo século... Bom, nada é perfeito. Mas também nada está descartado. Aos poucos justiças vão sendo feitas, importâncias vão sendo dadas e assim por diante. Vamos em frentre, postando e ver o que acontece.
Prontos para mais cenzinho então?


C.R.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

The Blue Mitchell Quintet - “Down With It!” (1965)

 


"Hoje quero dizer à cidade de Selma, hoje quero dizer ao estado do Alabama, hoje quero dizer ao povo da América e às nações do mundo, que não estamos prestes a dar a volta por cima. Já estamos em movimento. A verdade Dele está a marchar."
Martin Luther King, no discurso de 25 de junho de 1965 ao final da Marcha de Selma a Montgomery

Alguns seres humanos pisam sobre a Terra de tempos em tempos para que o mundo, em permanente crise, cure-se ao menos um pouco de suas chagas. Jesus, Da Vinci, São Francisco, Buda, Madre Teresa e Gandhi são desses iluminados que parecem descer de outro plano para virem fazer a diferença em meio aos mortais. Porque, claro, eles não morrem nunca. É o caso de Martin Luther King Jr., o pastor batista e ativista político norte-americano que viveu menos de 40 anos para deixar não só o justo legado de reivindicação pelos Direitos Civis de seu país, pelo qual se tornou um ícone, como, mais do que isso, um exemplo de resistência negra e de igualdade para todo o mundo, o qual nunca mais foi igual depois de sua passagem pelas bandas terrenas. De 1955 a 1968, quando foi covardemente assassinado, Dr. King transformou todos os lugares no qual pisou através da palavra e do exemplo.

O jovem Blue Mitchell viveu isso. Como milhares de norte-americanos negros, o trompetista e compositor de jazz e R&B nascido em Miami via na figura de Luther King um sopro de esperança e mudança social tão necessária a um país marcadamente desumano e desigual para com pessoas como ele. Mitchell, no entanto, ao contrário de muitos de seus pares soterrados pelo preconceito, tinha um canal para exprimir seu assombro e admiração: a música. Em “Down With It!”, de 1965, seu 11º da carreira e segundo pela Blue Note, pela a qual havia trocado sua então gravadora Riverside recentemente, não apenas avisa já no significativo título (algo como "abaixo tudo isso!", referindo-se ao racismo, à violência, à segregação) como tematiza um dos mais célebres momentos da trajetória de Luther King: a marcha sobre a cidade de Selma até Montgomery, no abertamente segregador estado do Alabama, pelo direito dos negros norte-americanos ao voto. 

O disco, lançado em julho daquele ano, é claramente tocado por este acontecimento, ocorrido menos de três meses antes e que significou, depois do revoltante Domingo Sangrento, no dia 7, a primeira grande vitória pelos direitos civis da população negra nos EUA duas semanas depois da repressão policial que comoveu o país e o mundo. Tamanho é o impacto positivo sobre Mitchell do feito de Luther King e suas centenas de corajosos correligionários, que o fato lhe inspira um blues alegre, composto em notas altas na escala. Nada estranho a quem traz o estilo musical de raiz no nome. “March on Selma” não só contraria a compreensível seriedade geralmente dada a um tema tão pesado e triste como este como, principalmente, demostra como pessoas como Mitchell se sentiram diante daquele momento histórico e tão simbólico para suas vidas. Era uma conquista pela cidadania, pelo direito de ser quem se é. Por isso, merecia mesmo que se comemorasse – até porque, talvez pressentindo que naquele mesmo ano o presidente Johnson acataria a reivindicação, mas também que, três anos dali, a celebração poderia acabar a qualquer instante com um tiro.

Bastaria, mas “Down...” não se resume somente a “March...”. Há ainda outras maravilhas do quinteto de Mitchell. "Hi-Heel Sneakers" abre o álbum num jazz-funk inspiradíssimo. Todos se esmeram e mostram de pronto a que vieram: Gene Taylor, ao baixo; Aloysius Foster, na bateria; Junior Cook, no sax tenor; e um talentoso jovem pianista que se tornaria um dos maiores nomes do jazz contemporâneo de todos os tempos: Chick Corea, com apenas 24 anos à época. Na linha do Lee Morgan e Herbie Hancock vinham realizando naquele meado de anos 60 ao introjetarem o groove pop de James Brown às linhas melódicas do hard bop, Mitchell ousa em “Hi-Heel...” para, também desta forma, valorizar as raízes negras da música.

Dr. King liderando a famosa Marcha sobre Selma, que tocou profundamente Mitchell

Já “Perception” muda todo o clima, tornado a ambiência mais contemplativa e lírica. O dedilhado do piano, claramente inspirados na bossa nova, denota um Corea já totalmente familiarizado com as harmonias jobinianas as quais aprofundaria como band leader junto a sua mezzo brazuca banda Return to Forever alguns anos depois. A bateria de Foster, cujo ritmo puxado na borda da caixa é igualmente brasileiríssimo, faz uma tabelinha afinada com o gingado do piano e do baixo de Taylor. Os sopros não ficam para trás, contudo. Perfeitos na fluidez do chorus e na elegância dos solos, primeiro Mitchell e depois Cook.

Não podia faltar ao menos uma balada no repertório, especialidade dos be-bopers da linhagem de Cannonball Adderley, Earl Bostic e Horace Silver e como foi Mitchell. "Alone, Alone, and Alone", com seus solfejos lânguidos e suplicante de trompete, faz-se a melhor e única companhia para quem quer ficar na sua sofrendo por um amor. “One Shirt”, por sua vez, exercita com maestria a linguagem do hard bop sobre um antigo tema do ragtime. Já em “Samba de Stacy” Corea e Foster retomam a química para um tema ainda mais gingado e tipicamente brasileiro. De sonoridade mais aberta e vibrante que “Perception”, no entanto, a música encerra o disco no clima de positividade que Mitchell fez questão de imprimir desde a capa de Reid Miles, a qual traz uma foto em p&b estourada de uma mulher de feições afro-americanas sorrindo. Dr. King havia triunfado.

Na semana em que os Estados Unidos celebram o Dia de Martin Luther King, um dos poucos feriados nacionais do país, este dia 17, “Down...” é mais do que um dos melhores discos de Blue Mitchell e uma trilha sonora de uma época áurea do gênero musical mais norte-americano de todos, mas também um registro socioantropológico de quem vivenciou e elaborou um acontecimento social transformador. Os feitos e a existência de figuras como Luther King são tão intensas que perduram eternamente, e a música certamente um dos mais poderosos veículos para esta perpetuação. O mundo nunca esquecerá de Martin Luther King Jr., e Blue Mitchell, testemunha ocular da história, colabora lindamente com este legado universal.

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FAIXAS:
1. "Hi-Heel Sneakers" (Robert Higginbotham) – 8:23
2. "Perception" (Chick Corea, Blue Mitchell) – 5:41
3. "Alone, Alone, and Alone" (Terumasa Hino) – 7:45
4. "March on Selma" (Mitchell) – 6:16
5. "One Shirt" (William Boone) – 7:30
6. "Samba de Stacy" (Boone) – 5:59

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 7 de março de 2016

Quadrinhos no Cinema #12 - "Os Vingadores: Era de Ultron", de Joss Whedon (2015)



Ação, aventura, uma super-equipe muito bem entrosada e efeitos fabulosos. Mais uma vez Joss Whedon acerta em  um filme dos "Vingadores". A Marvel Estúdios foi certeira em deixar seus filmes mais fantásticos e bem-humorados e não sombrios e realistas, estilo que a Marvel faz geralmente e muito bem. "Os Vingadores: A Era Ultron" é bom, porém por seguir na fórmula de sucesso, faz co que seja mais do mesmo (Eu gosto deste mais do mesmo, e você?).
Tentando proteger o planeta de ameaças como as vistas no primeiro Os Vingadores, Tony Stark busca construir um sistema de inteligência artificial que cuidaria da paz mundial. O projeto acaba dando errado e gera o nascimento do Ultron (voz de James Spader). Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), tem a missão de neutralizar seus terríveis planos.
Nem o melhor, nem o pior, Ultron continua com
a sina de vilões mais ou menos da Marvel.
O filme é bom, se sustenta bem mas não é melhor que o primeiro filme. Neste segundo filme dos "Vingadores" a Marvel quis se conter mais, deixar mensagens sobre seus futuros filmes, se preocupando mais com isso do que trazer novidades ou contar uma boa história. Ele tem as mesmas qualidades dos outros filmes Marvel, e as mesmas falhas infelizmente. Falta um pouco de tensão, e apesar de cidades destruídas e lutas épicas o filme não tem um grande senso de urgência, os confrontos são muito mais fans services do que para melhorar o andamento do roteiro.

Muitos fãs não gostaram do vilão e realmente o Ultron do cinema é muito mais engraçado e "bobo" do que sua versão dos quadrinhos, mas para a história contada no longa faz todo sentido, já que ele foi criado da mente de Tony Stark. Essa relação Stark e Ultron é um dos pontos altos do filme e foi muito bem trabalhada. São estes dois personagens que carregam a carga mais filosófica do filme, até a chegada do Visão (Paul Bettany). Tanto Tony como Ultron, ao longo de todo filme tentam se provar, sem medir consequências.
A ação do filme é F0D@, os efeitos são maravilhosos, neste aspecto "Era de Ultron" é um show. Algumas cenas ficarão em nossas cabeças por longos anos como a cena inicial que já mostra o que devemos esperar do filme. Logo temos o duelo de Hulk vs Homem de Ferro que, MEU DEUS DO CÉU, é uma das coisas mais bonitas que eu já vi nesta minha longa vida (e aquela Hulkbuster é linda de mais). O confronto final com diversos Ultrons é uma repetição da invasão alienígena, mas e dai? Ela é fabulosa mostrando bem qual o poder de cada personagem.
Que cena maravilhosa, glamurosa!
Falando em espaço de cada personagem, isso também é bem trabalhado, alguns arcos são maiores que outros, mas no final o resultado deixou o filme equilibrado. Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) tem um grande espaço no filme já que ele, o que mais se aproxima de uma pessoa comum (ou seja, você e eu), no longa é destacada essa sua parte mais humana e como é grande sua importância para equipe. Os novos personagens também são bem introduzidos: os gêmeos Pietro Maximoff/Mercúrio (Aaron Taylor-Johnson) e Wanda Maximoff /Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen) que carregam uma carga dramática enorme, funcionam bem no filme apesar de pouco tempo de tela, fazendo com que nos importemos com eles. Outro personagem que também foi muito bem apresentado foi Visão, não só a cena onde ele aparece a primeira vez que, diga-se de passagem, é maravilhosa, mas todo sua origem e sua construção, as partes do Ultron, a joia da mente, J.A.R.V.I.S, e terminar com raio do Thor, mostrando que ele é a essência que faltava, o equilíbrio do grupo.
O filme não é nenhuma maravilha, mas dentro da proposta ação e aventura é excelente. A Marvel já tem um nome forte, seu universo cinematográfico está bem estabelecido e vai fazendo o feijão com arroz, mas como sou uma pessoa simples, adoro esse prato. O caminho escolhido foi acertado, "Vingadores: Era de Ultron", consegue concentrar tudo aquilo que tem de melhor nos filmes Marvel, humor, aventura, ação com um pouco de drama e um leve romance. Atira para todos os lados e acerta, não em cheio, mas acerta.  Mas agora chegou a hora da Marvel ir mais longe. Me surpreenda MARVEL.
Se o filme acabasse nessa cena eu já estaria feliz.



segunda-feira, 3 de abril de 2023

Ryuichi Sakamoto - "Beauty" (1989)

 

"O mundo dá adeus comovido a um dos seus maiores músicos."
Caetano Veloso

“O que eu quero fazer agora é música livre das restrições do tempo.”
Ryuichi Sakamoto

Como pode a gente se apegar a alguém que nunca se viu pessoalmente – nem sequer através da distância plateia/palco como se dá a artistas a que se assiste – e que está a quilômetros de ti, noutro país? Neste caso, não somente noutro país, mas ainda mais longe, noutro continente, no outro lado do mundo. No Japão. Ryuichi Sakamoto era, é, como um parente sanguíneo na minha casa. Ele é seguidamente convidado a entrar, sentar-se ao sofá, estender-se na cama, a cozinhar ouvindo música. Sempre aceitou os convites com a gratidão e a sapiência calma dos orientais. Embora toda esta intimidade, obviamente, o parentesco não existe. Nem sequer, como abri dizendo, conheci-o pessoalmente quando em vida - quanto menos conhecemo-nos, de ele e eu reconhecerem-se mutuamente como fazem os próximos. Eu, brasileiro fruto da África e da Europa. Ele, japonês, filho de dinastias orientais longevas.

Então, como se explica tamanha familiaridade, tamanha cumplicidade? Bastam poucas audições de sua grandiosa e universal música para se entender. Afora a proximidade dele com a música daqui do Brasil, a qual não apenas admirava como atuava a se ver pelas parcerias com Caetano Veloso, Arto Lindsay, Marisa Monte, Jacques Morelembaum e outros, a obra de Sakamoto, mesmo as mais identificavelmente orientais, pertencem ao Planeta. Até mesmo quando diversas vezes usou os elementos folclóricos típicos do Japão em sua música, Sakamoto o fez à sua maneira: abarcante, cosmopolita, conectada, democrática, inclusiva. Soava japonês, mas africano, americano, indígena, nórdico. Soava a todos os povos. 

Sakamoto, de fato, são muitos. O Sakamoto do final dos anos 70, que ajudou a cunhar o synth pop e a new wave com a precursora Yellow Magic Orchestra e que tanto inspirou grupos do Ocidente como Cabaret Voltaire, Human Leaugue, New Order, Depeche Mode. O Sakamoto maestro, que regeu a Filarmônica de Tóquio. O Sakamoto dono de uma das discografias mais ecléticas e diversas da música pop, com trabalhos que vão desde o experimental à bossa nova, passando pela eletrônica, o erudito e a trilhas sonoras. O Sakamoto instrumentista, colaborador de obras marcantes do pop-rock, como da Public Image Ltd., David Sylvian, Thomas Dolby e Towa Tei. O Sakamoto que engendrava trabalhos multiplataformas, que cruzavam música, artes visuais e performance. 

"Beauty", seu oitavo disco solo, de 1989, é, afora a própria nomenclatura, um resumo de uma concepção de mundo múltipla, pois humanista e libertária. Gente de todas as nacionalidades tocam em suas 11 faixas. Suíça, Senegal, Brasil, Inglaterra, Japão, Espanha, Jamaica, Índia, Estados Unidos, Burkina Faso, Canadá, Coréia... Sakamoto realizou, com a naturalidade de um mestre sensei, a conjunção difícil da world music, aventada por alguns, mas nem sempre acessível e palatável. "Beauty" aprofunda a experiência lançada em “Neo Geo”, seu álbum anterior, convidando para este passeio sonoro músicos da mais alta qualidade e diferentes vertentes, como o icônico beach boy Brian Wilson, o veterano “The Band” Robbie Robbertson, a poesia ancestral de Youssou N'Dour, os percussionistas africanos Paco Yé, Seidou "Baba" Outtara e Sibiri Outtara, os jazzistas Mark Johnson e Eddie Martinez e mais uma turba de conterrâneos arraigados na música tradicional oriental. 

Do Brasil, especialmente, Arto toca guitarra, canta e coassina com ele cinco faixas, entre elas as tocantes “A Pile Of Time”, com o som característico do gayageum coreano; “Rose”, com percussões de ninguém menos que Naná Vasconcelos, e a linda “Amore”, que além da sonoridade arábica do shekere e da batida especial do talking drum, tem contracantos de N'Dour sobre os simples versos cantados pelo próprio Sakamoto: “Good morning/ Good evening/ Where are you?” De arrepiar.

Os encantos não param por aí. O craque Robert Wyatt empresta sua dolorida voz para Sakamoto versar Rolling Stones em "We Love You", que tem ainda as contribuições do congolês Dally Kimoko na guitarra, do britânico Pino Palladino no baixo, do porto-riquenho Milton Cardona no shekere e de coro multiétnico encabeçado por Wilson, Kazumi Tamaki, Misako Koja, Yoriko Ganeko e o próprio Sakamoto. Tem ainda “Calling From Tokyo”, a faixa de abertura, um art-pop com a bateria jamaicana de Sly Dunbas e a tabla indiana de Pandit Dinesh; a espetacular “Diabaram”, com a voz penetrante de N'Dour, que faz remeter a uma humanidade pacífica da Ática-Mãe quiçá perdida; a contemplativa “Chinsagu No Hana”, adaptação de canção tradicional do folclore de Okinawa, assim como “Chin Nuku Juushii”, de “Neo Geo”; “Asadoya Yunta”, cujo inconfundível som do samisém tocado pela japonesa Yoriko Ganeko lhe confere séculos de conhecimento, e “Romance”, totalmente oriental, mas totalmente planetária.

Por essa riqueza toda que a obra de Sakamoto carrega que fico chateado (mas não surpreso) com as manchetes de anúncio de sua morte, ocorrida no último dia 28, aos 71 anos. As notícias de veículos referenciais da imprensa dão conta, em sua maioria, de que: "Morre Ryuichi Sakamoto, célebre compositor que levou o Oscar por 'O Último Imperador'". Ora, Oscar é importante, sim, mas ESSE é o destaque para se falar em Sakamoto?! Pegando-se apenas o cinema, não precisa ser um fã ou profundo conhecedor de Sakamoto para apenas atentar-se a outras trilhas sonoras assinadas por ele e perceber o quanto sua obra se entrelaça com as nossas vidas há décadas, a exemplo de “De Salto Alto”, "Femme Fatale", "O Regresso" e "Black Mirror".

Sakamoto, como Akira Kurosawa, me mostrou há muitos anos que essa dicotomia Orient-Occident, tal o yin-yang taoísta, serve para a geografia ou a estadistas divisionistas. Se Kurosawa quebrou as barreiras ao levar para o cinema do Oriente Shakespeare, Dostoiévski e Gorki, intercambiando, igualmente, a cultura japonesa com o Ocidente, Sakamoto fez, a seu curso, semelhante trajeto. Ao atravessar o Greenwich com sua música, provou que não existem divisões na humanidade. Difícil ensinamento para um mundo tão desigual e superficial... E mais: mostrou que lhe existe, sim, o belo. Sakamoto, esse meu ente que se foi. Mas só de corpo físico. As outras matérias ele generosamente deixou para nós mundanos através dos sons. Por isso, estará sempre presente aqui em casa, pois sabe que a porta está permanentemente aberta para ele entrar com sua beleza e ficar quanto tempo quiser. 


RYUICHI SAKAMOTO 
(1952-2023)



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FAIXAS:
1. "Calling from Tokyo" (Arto Lindsay, Roger Trilling, Ryuichi Sakamoto) - 4:26
2. "Rose" (Lindsay, Sakamoto) - 5:12
3. "Asadoya Yunta" (Katsu Hoshi, Choho Miyara) - 4:35
4. "Futique" (Lindsay, Sakamoto) - 4:09
5. "Amore" (Lindsay, Sakamoto) - 4:55
6. "We Love You" (Mick Jagger, Keith Richards) - 5:16
7. "Diabaram” (Sakamoto, Youssou N'Dour) - 4:13
8. "A Pile of Time" (Lindsay, Sakamoto) - 5:34
9. "Romance" (Kazumi Tamaki, Misako Koja, Yoriko Ganeko, Stephen Foster) - 5:29
10. " Chinsagu no Hana" (Folclore japonês) - 7:26
Faixa Extra da versão CD americana*
11. "Adagio" (Samuel Barber) - 7:47 


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues