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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

The Beach Boys - "Pet Sounds" (1966)

Os Sons de Estimação

 “ 'God Only Knows' é a música
que eu queria ter escrito.”
líder dos Beatles


A psichodelic era dos anos 60, sensacionalmente rica, produziu alguns dos maiores talentos da música mundial. John LennonPaul McCartneyJimmi HendrixSid BarretRay DaviesBrian JonesArthur LeeArnaldo BaptistaLou ReedRocky EriksonFrank Zappa e mais uma dezena de cabeças geniais. Todos produziram, quando não vários, pelo menos um trabalho fundamental para a história da música pop. Porém, um destes expoentes, também surgido à época, criou algo sem precedente dentro da discografia do rock. Ele é Brian Wilson, líder e principal compositor do The Beach Boys. A obra: “Pet Sounds”, de 1966, uma joia rara da música do século XX, comparável aos mitológicos "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" ou "The Dark Side of the Moon". Requintado e perfeito do início ao fim, é repleto de detalhismos que somente a mente obsessiva de Brian Wilson poderia conceber, o que, somado a seu empenho, conhecimento técnico e alta sensibilidade, resultou num disco inovador em técnicas de gravação, conceito temático, estrutura composicional, instrumentalização, arranjos, entre outros aspectos.

“Pet Sounds”, diz a lenda, surgiu de um sentimento de competitividade alimentado por Brian, um perturbado jovem com então 24 anos cujo quadro esquizofrênico era danosamente potencializado pelo vício em LSD. Para piorar: a relação com o pai era péssima, a ponto de, numa ocasião de briga entre os dois, levar uma pancada tão forte que o deixou surdo de um dos ouvidos – motivo pelo qual, reza outra lenda, teria concebido e gravado “Pet Sounds” em mono, uma vez que não conseguia perceber fisicamente os sons em estéreo. Todo este quadro e o temperamento vulcânico fizeram com que Brian, maravilhado mas enciumado com o resultado que os Beatles haviam atingido com seu “Rubber Soul”, lançado cinco meses antes, se pusesse na missão de superar a obra dos rapazes de Liverpool.

E conseguiu.

“Pet Sounds” é uma pequena sinfonia barroco-pop jamais superada, nem pelo próprio Beach Boys. Brian deixa para trás a pecha de mera banda de surf music creditada a eles (o que já se vinha notando desde “The Beach Boys' Christmas Album”, trabalho anterior da banda) e se lança na composição, produção, arranjo e condução de todo o trabalho, resultado de longas e exaustivas pesquisas à teoria musical e às musicas erudita, folclórica, jazz e pop. O desbunde já começa na faixa de abertura, a clássica “Wouldn't It Be Nice”. O som fino e lúdico do harpschord executa uma ciranda, que faz a abertura de “Pet...” lembrar a de outro LP histórico da época, "The Velvet Underground and Nico", de um ano depois, cujo sonzinho inicial vem de outras cordas, as de uma delicada caixinha de música. Mas a semelhança para por aí, pois, se “Sunday Morning” do Velvet varia para um sereno pop-jazz francês, a dos Beach Boys ganha amplitude e cor. O som do cravo repete o tempo três vezes até que é interrompido bruscamente por um forte estrondo seco em staccato da percussão. Aquele contraste entre o agudo cristalino das cordas e o timbre grave da batida faz da abertura do disco uma das mais belas, conceituais e inteligentes da discografia rock. Além disso, a música que se desenvolve a partir dali é absolutamente linda. Elevando o tom, joga o ouvinte num jardim da infância de sons vibrantes e coloridos num ritmo de banda marcial, onde já se nota que Brian vinha com tudo em seu desafio pessoal: som cheio, polifonia, coros em contracanto, abundância de instrumentos e ornados, consonância e equilíbrio total entre graves e agudos.

Um dos principais recursos utilizados por Brian no disco para obter esse resultado é a concepção múltipla da obra como um todo, seja na unidade entre as faixas, na harmonia ou no arranjo das peças. Bem ao estilo da música barroca dos séculos XVII e XVIII, ele vale-se da variedade instrumental e, numa decorrência mais impressionista, de timbres, uma vez que extrai sonoridades de toda a escala diatônica através de cordas, sopros, percussão, vozes, teclados e até eletrônicos. Há vários instrumentos exóticos, como mandolin, harpa francesa, ukulele, english corn, banjo, tack piano e temple block. A obsessão de Brian de superar o Fab Four, sabendo da prática dos "rivais" de valerem-se de variados instrumentos em estúdio, pode ser constatada, inclusive, na quantidade de instrumentos usados em todo o disco: cerca de 40, tocados por quase 70 músicos diferentes, incluindo a banda em si: os irmãos Carl (vocais, guitarra) e Dennis Wilson (vocais, bateria) mais Al Jardine (vocais, tamborim), Bruce Johnston e Mike Love (ambos, vocais), além do próprio Brian (vocais, órgão, piano). A belíssima balada “You Still Believe in Me”, das minhas preferidas, vale-se deste conceito polifônico. Além de baixar o tom da faixa inicial, explora mais ainda a riqueza dos ornamentos barrocos, como na complexidade melódica dos corais, que funcionam como um instrumento de teclado que acompanha o toque do cravo. A percussão, detalhada, vai do sutil som de sininho a tambores de orquestra, os quais dão um final épico à faixa em curtos rufares.

Outro trunfo do disco, na tentativa de Brian de superar até a produção de George Martin para com os Beatles, é a adoção do modelo de gravação multitrack. Usando vários takes de vozes e instrumentos tocando ao mesmo tempo e uns sobre os outros, consegue atingir, assim, timbres únicos. Isso foi possível pelo ouvido apurado de Brian que, grande fã do produtor Phil Spector, “inventor” das teenage symphonies nos anos 50, chupou-lhe a ideia do “wall of sound”, refinando-a. A “muralha de som” de Spector aproveitava o estúdio como instrumento, explorando novas combinações de sons que surgem a partir do uso de diversos instrumentos elétricos e vozes em conjunto, combinando-os com ecos e reverberações. Isso se nota em todo o disco, como em “That’s Not Me”, outra espetacular. Lindíssima a voz de Love, que, limpa e sem overdub, desenha toda a canção, enquanto a base se sustenta num órgão, nos acordes de ukulele (guitarrinha havaiana) e na combinação grave/agudo da percussão, em que o tambor e o chocalho ditam o ritmo. “Don't Talk (Put Your Head on My Shoulder)” é outra balada que faz, novamente, cair o andamento para um ar melancólico. Mas que balada! Tristonha, romântica e, como num ornamento rococó, toda cheia de enlevos. Nesta, Brian capricha na orquestração.

Por falar em orquestração, duas merecem destaque neste aspecto. A primeira, a não menos lírica “I’m Waiting for the Day”, que oscila entre um ritmo de balada, levada por um suave órgão, e momentos de empolgação, quando, lindamente, vozes em contracanto se juntam a flautas e uma percussão densa em que o tímpano se destaca na marcação. A orquestra, no entanto, entra por apenas rápidos segundos, suficientes para pintar a música com alguns traços, quando, lá para o fim da faixa, logo após Brian cantar com doçura os versos: I’m waiting for the day when you can love again”, violinos e cellos, sem dar pausa entre o fim da vibração da voz e o ataque de suas cordas, aparecem juntos em um fraseado lírico como uma suave nuvem sonora, integrando voz e instrumentos. Depois desse breve sonho, estes e todos os outros instrumentos voltam para encerrar a canção em tom maior, com a voz solo cantando: “You didn't think that/ I could sit around and let him work...”, enquanto um dos coros faz: “Ah aaah ah/ ah, aaah, ah...”, em três tempos, e o outro vocalisa: “doo- doo/ doo-roo/ doo- doo/ doo-roo...”, em dois. Estupendo.

A segunda especial em termos de arregimentação é "Let's Go Away for Awhile”. Como a faixa-título – uma rumba estilizada em que o compositor se vale da diversidade de instrumentos que vão desde sopros, como sax alto e trombone, e percussão, reco-reco e (pasmem!) latas de Coca-Cola, até um método de filtragem de entrada de som do alto-falante, que dá uma sonoridade específica à guitarra –, é instrumental, prestando mais um tributo à tradição medieval, uma vez que o conceito de dissociar música da dança ou do teatro iniciou-se, justamente, com mestres como Scarlatti e Vivaldi nesta época. Perfeita em harmonia, é quase um pequeno concerto para vibrafone, que conta também com um breve solo de bloco de madeira, finalizando com um arrepiante diálogo entre bateria e tímpano de orquestra, sustentados por um arranjo de cordas de caráter grandioso.

Depois do tom médio de “Let’s...”, o ânimo volta às alturas com a graciosa “Sloop John B”. Na introdução, outra clássica no disco, um toque de sininho e uma nota de flauta que se estende, ambos marcados pelo tic-tac de um metrônomo, dando início à alegre canção, com Brian, Love e Carl alternando a voz solo e na qual não falta beleza no arranjo das vozes em contraponto. Brian consegue dar colorações lúdicas a uma canção folclórica tradicional do Caribe, criando uma música em que dá a impressão de que toda a caixa de brinquedos ganhou vida e saiu a tocar pelo chão do quarto, cada um com um instrumento: o soldadinho do Forte Apache com a tuba, o marinheiro com o tamborim, o indiozinho Pele-Vermelha com os sinos, o playmobil com o clarinete e assim por diante.

Para os apaixonados por “Pet Sounds” como eu, que o conhecem de trás pra diante, o final da extrovertida “Sloop...” traz uma emoção especial, pois é sinal de que vem, na sequência, “God Only Knows”. Magistral, numa palavra. A música que fez o gênio Paul McCartney sentir inveja alinha-se em magnitude a ícones da música moderna como "Like a Rolling Stone""Bolero""A Day in the Life""Águas de Março" ou "Summertime". Com uma aura ao mesmo tempo celestial, emocionada e suplicante, “God...” não poupa o coração dos diletantes, pois o órgão e o toque do oboé já largam entoando em alto e bom som. Na suave percussão, chocalhos e temple block. As cordas e sopros, igualmente perfeitos. A voz de Carl transmite uma emoção intensa e não menos lírica. Após uma segunda parte em que sobe uma gradação, adensando a emotividade, a faixa se encerra sob belíssimas frases dos sopros e uma orquestração a rigor, quando as vozes de Carl, Brian e Johnston se misturam, criando um efeito onírico tal como um Cantus Firmus, tipo de melodia extraída dos cantochões polifônicos medievos em louvor ao Senhor. Impossível não lembrar, ouvindo-a, da famosa sequência do filme "Boogie Nights" em que a câmera sobrevoa os cenários mostrando os rumos tomados na vida de cada personagem, como se Deus estivesse vendo o destino de todos e dissesse: “só Eu sei”.

“I Know There's an Answer” (que, nas extras, vem na versão “Hang on to Your Ego“, com mesma melodia e letra diferente) mantém a beleza polifônica e reforça uma outra base conceitual do disco: a “teoria dos afetos”. Princípio básico da música barroca, estabelece correspondência entre os sentimentos e os estados de espírito humanos. A alegria, consonante, por exemplo, é expressa através dos tons maiores, acontecendo o inverso para o sentimento de tristeza, em matizes menores e dissonantes em forma. Por isso, as idas e vindas durante todo o disco de temas calmos e/ou românticos alternados com outros alegres e mais pulsantes. Isso que acontece novamente com a “agitada” “Here Today”, que antecede outra obra-prima de Brian e Cia.: o baladão “I Just Wasn't Made for These Times”. Com base de cravo, num clima dos oratórios de Bach e Häendel, percussão que equilibra temple blocks, bateria e tímpanos, além de impressionantes contracantos, traz ainda uma inovação em termos de música pop: o electro-theremin, sintetizador muito usado pela vanguarda erudita da eletroacústica que pouco (ou nunca) havia sido usado em rock até então. E Brian não só usa como, inteligentemente, aplica-o de uma forma genial, pois, integrando uma ferramenta sonora moderna a outras marcantes da Idade Média (como o cravo e o tímpano), a faz homogeneizar-se ao coro, como se instrumento e voz, natureza e espírito, Deus e homem fossem a mesma matéria.

Se os Beatles de “Rubber...” louvavam o amor à sua Michelle, Brian, em mais uma estocada, vinha com a lenta e definitiva “Caroline No” com suas combinações de bongô/chocalho e hammond mantendo a base, além do engenhoso solo de cello com trombone, desfechando vitoriosamente o LP original.

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Se parasse por aí, já estava de bom tamanho, mas até os extras são dignos de nota. Haja visto a curta e brilhante “Unreleased Backgrounds”, toda a capella e na qual Brian evoca os mais ricos motetos barrocos – claro, numa roupagem pop e com a cara dele. Afinadíssimo, ele puxa um “lá”, prolongando seu corpo e baixando gradualmente a escala por cerca de 15 segundos até cair totalmente. O “good Idea”, ouvido ao fundo dito por algum dos integrantes da banda no estúdio mostra que a coisa agradou, motivando todos a se juntarem num coro. Eles exercitam melismas com acidentes, formando um verdadeiro canto gregoriano moderno. Lindíssimo. Depois disso, ainda há a ótima instrumental “Trombone Dixie”, em que, de uma feita, homenageiam o célebre bluesman Willie Dixie e evidenciam a sutil fronteira entre o folk e o erudito.

Brian Wilson vencera o desafio a que ele mesmo se propôs: apenas cinco meses depois, os Beach Boys superavam com “Pet Sounds” os Beatles de “Rubber Soul”. A história da música pop nunca mais seria a mesma, tendo em vista a alta influência deste trabalho para uma infinidade de outros artistas, que vão desde ZombiesPink Floyd e R.E.M., passando por Van Morisson, Genesis, Blur e, claro, os próprios Beatles. Mas a instabilidade emocional e o vício em drogas de Brian não o deixariam prosseguir combatendo no front da música pop – pelo menos, não à altura de Lennon, McCartney, Harrison e Ringo. Três meses adiante, o Quarteto de Liverpool se reinventa novamente e lança o espetacular “Revolver”; no ano seguinte, o histórico “Sgt. Peppers...”; logo em seguida, emendam o fecundo “Álbum Branco”. Brian perde o passo e não consegue mais conceber uma obra com início, meio e fim, quanto menos uma grandiosa como a que criou. Mas, para sorte da humanidade, havia dado tempo do mundo conhecer “Pet Sounds”, o álbum que é mais do que um “disco de cabeceira”, mas os verdadeiros “sons de estimação”.



por Daniel Rodrigues
(Consultas técnicas e agradecimentos: Maria Beatriz Noll e Leocádia Costa)

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FAIXAS:
1. Wouldn't It Be Nice - 2:26 (Wilson, Asher, Mike Love)
2. You Still Believe in Me - 2:31
3. That’s Not Me - 2:30
4. Don't Talk (Put Your Head on My Shoulder) - 2:53
5. I’m Waiting for the Day – 3:06
6. Let's Go Away for a While - 2:21
7. Sloop John B - 2:54
8. God Only Knows - 2:46
9. I Know There's an Answer - 3:10 (Wilson, Terry Sachen, Love)
10.  Here Today - 2:55
11. I Just Wasn't Made for These Times - 3:10
12. Pet Sounds - 2:23
13. Caroline, No - 2:54
14. Unreleased Backgrounds - :50
15. Hang on to Your Ego – 3:17
16. Trombone Dixie – 2:53

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OUÇA O DISCO


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

The Beach Boys - "Surfin' USA" (1963)



"Éramos apenas garotos,
mas éramos sérios no nosso trabalho.
O ponto é que quando lhe é dada a chance,
você faz o seu melhor (...)
Eu não gostava de vocais de segunda categoria.
Era o melhor ou nada, na minha opinião.
Os garotos pegaram a ideia."
Brian Wilson



A  maioria das pessoas prefere os Beach Boys mais elaborados e eruditos que chegaram a rivalizar com os Beatles em refinamento compositivo, mas particularmente, embora reconheça todo o valor de obras como "Smiley Smile" e da obra-prima "Pet Sounds", mesmo sob o risco de ser rotulado de ignorante, ainda sou mais a pureza quase juvenil da fase surf. E poucos discos podem representar tão bem esta fase quanto "Surfin' USA", álbum que traz um dos hinos da turma das ondas e um dos maiores clássicos do rock de todos os tempos, a música que lhe dá o nome. É verdade que a canção é uma bela duma cópia de "Sweet Little Sixteen", o que, por sinal, rendeu um belo processo contra a banda e a obrigação de creditar posteriormente o velho Chuck Berry na composição, mas podemos interpretar que, na verdade, "Surfin' USA" talvez tenha sido a oportunidade divina que fora concedida para que pudesse ocorrrer a combinação entre o pai do rock e uma das mentes mais geniais e criativas do mundo da música.
"Surfin' USA" é mais primário, mais cru, é verdade mas traz consigo uma espécie de tradução de um espírito de juventude e aventura que o surf carrega naturalmente e uma sonoridade e postura mais efetivamente roqueira do que adotada por eles mais adiante. Mas não se engane achando que essa crueza reflete em pouca qualidade. Brian Wilson desde sempre já demonstrava sua qualidade de arranjador e instrumentista e o disco já revela grandes virtudes compositivas e técnicas.
Cinco das faixas de "Surfin' USA" são instrumentais, algo muito característico nas bandas de surf music da época, todas elas naquele estilo bem característico, com aquela tradicional guitarra vibrante dobrada e trêmula. Destaque para a notável "Misirlou" de Dick Dale que viria a ser definitivamente imortalizada mais tarde por sua inclusão na tilha do filme "Pulp Fiction", mas dentre estas também merecem destaque a excelente "Stoked" um pouco mais cadenciada, e "Surf Jam", simplesmente selvagem. Das demais gosto muito da balada "The Lonely Sea", de vocal incrível de Brian Wilson; da ótima "Shut Down" que narra um tíico racha automobilístico entre jovens; e de "Finders Keepers" de arranjos vocais interessantíssimos que já prenunciavam que aqueles garotos da praia não estavam destinados a ficar apenas por alí pegando onda.
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FAIXAS:

  1. Surfin' U.S.A. (2:20)
  2. Farmer's Daughter (1:49)
  3. Misirlou (2:02)
  4. Stoked (2:00)
  5. Lonely Sea (2:20)
  6. Shut Down (1:50)
  7. Noble Surfer (1:50)
  8. Honky Tonk (2:00)
  9. Lana (1:40)
  10. Surf Jam (2:00)
  11. Let's Go Trippin' (1:52)
  12. Finders Keepers (1:43)


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Ouça:
The Beach Boys Surfin' USA


Cly Reis

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

The Beatles - "Rubber Soul" (1965)

Transpiração ou inspiração? A história por trás de “Rubber Soul”, o álbum revolucionário que sobreviveu ao deadline

"Eu realmente não estava completamente
pronto para aquela unidade.
Parecia que todas [as músicas] eram juntas.
‘Rubber Soul’ era uma coleção de canções que,
de alguma forma, eram juntas
 como nenhum álbum já feito antes,
e fiquei muito impressionado.
Eu disse: ‘É isso. Eu realmente fui desafiado 
a fazer um grande álbum’."
Brian Wilson,
líder dos Beach Boys


Quando o assunto em pauta é a obra dos Beatles, a transpiração sempre andou abraçada à inspiração. Principalmente, no período entre 1962-1965, quando o quarteto vivia à base de anfetaminas para cumprir a agenda transbordada de shows, aparições na BBC, entrevistas e sessões de gravação em Abbey Road.
       
Com “Rubber Soul” não foi diferente. O LP, lançado em 3 de Dezembro de 1965, teve a honra de ser o primeiro a marcar um dos “fins” ligados aos Beatles. John, Paul, George e Ringo bateram o martelo para o empresário Brian Epstein. A turnê pelo Reino Unido seria a última da carreira. E eles cumpriram a promessa.  O fim dos shows foi uma exigência, já que o interesse era desenvolver as composições e o trabalho no estúdio. “Rubber Soul”, não há dúvida, foi o grito inicial de independência da banda para fugir da maratona de compromissos... Apesar de que muito sofrimento ainda estava por vir.

Bob Dylan
E não foi brincadeira. Com o Natal chegando, e a turnê pela Grã-Bretanha à vista, os Beatles foram obrigados a produzir (com ajuda de Norman Smith e George Martin) o sexto álbum da carreira em apenas um mês, entre Outubro e Novembro de 1965.

A inspiração transbordava pelas mentes da principal dupla de compositores.  Uma das fontes mais generosas foi Bob Dylan, que continuava a influenciar o grupo (“Help” – também lançado em 65 – trouxe “You’ve Got To Hide Your Love Away”, bastante dylanesca). Em “Rubber Soul”, o mix de folk e eletricidade de álbuns como "Bringing It All Back Home" e "Highway 61 Revisited" (respectivamente lançados em março e agosto daquele ano) deram o toque do novo rock americano ao sabor britânico de Liverpool.

Deadline
  Além de Lennon/McCartney, George Harrison aparecia naquela hora como a segunda força criativa. Na verdade, até Ringo conseguiu um crédito em uma das 14 faixas que entraram no disco. Mas como não dava apenas para ficar na inspiração, os Beatles precisaram resgatar músicas de seu arquivo para completar o álbum. O deadline era antes do Natal. E antes da excursão pelas Terras da Rainha, que estava marcada para iniciar na Escócia, dia 3 de Dezembro (Exatamente no dia que o LP chegaria às lojas).

Por isso, “Wait” foi fisgada das fitas de gravação de “Help!”, e “What Goes On” (composição antiga de John) teve de ser recuperada para ganhar cores das novas roupas dos Beatles.  No caso de “What Goes On”, Ringo contribuiu com 5 palavras, e ganhou o crédito como Richard Starkey, ao lado de John Lennon e Paul McCartney. As demais faixas – incluindo mais duas não incluídas no disco – precisaram ser geradas “à força” para cumprir o calendário.

“Maternidade”
A história das músicas dos Beatles pode ser complexa, mas como também existe limite de tempo e espaço para escrever, os contos da maternidade criativa serão breves...

“I’m Looking Through You” nasceu lenta, e ganhou mais pegada na versão definitiva. A música, que escancara os problemas de relacionamento entre Paul McCartney e Jane Asher, é um rocker com sombras do som produzido por Dylan em "Highway 61 Revisited" e do single “Positively 4th Street”.

A origem da linda balada “In My Life” é das mais disputadas. John garantiu que Paul criou o meio da música. Paul disse em sua biografia, “Many Years For Now”, que colocou a melodia sobre um longo poema editado pelo amigo sobre a infância e amigos da região de Penny Lane, em Liverpool.

A melodia de “Michelle” já existia há alguns anos na cabeça de Paul, mas só virou composição com a ajuda de John que a complementou com os “I want you, I want you, I want you”, inspirado por Nina Simone. O francês da música veio das aulas de francês da mulher do amigo Ivan Vaughan.

“Drive My Car” é outro exemplo da parceria Lennon/McCartney. Ao invés de “You can give me golden rings”, John sugeriu “Baby you can drive my car”, alimentando o duplo sentido materialista da letra.

Já “The Word” foi a primeira tentativa da dupla de escrever sobre o que aconteceria no “Verão do Amor” dois anos mais tarde. “Say the Word and you’ll be free... it’s sunshine”.

The Byrds
Na turnê de 65 pelos Estados Unidos, George Harrison tinha ficado amigo da banda The Byrds, que misturava o folk e o rock, também influenciada pelo som de Bob Dylan. Esta inspiração aparece nos arranjos de “If I Needed Someone” – o seu recado nada animador às fãs histéricas – graças à magistral base criada pela guitarra de 12 cordas usada no estúdio. Sua outra contribuição – “Think For Yourself” – tem letra filosófica e conteúdo pragmático. A letra acusa alguém de falar mentiras. Quem seria? A mulher Patty Boyd (que viria a ser mulher de Eric Clapton anos mais tarde) ou o empresário Brian Epstein?

Ciúmes
As músicas de Paul McCartney e John Lennon também não tinham tons alegres. “You Won’t See Me” e “We Can Work It Out” seguem a linda de “I’m Looking Through You”. Todas são gritos de descontentamento com a relação amorosa com a noiva, uma atriz bastante ocupada com o tradicional grupo inglês Old Vic.

 Já a sensual “Girl” – com instrumentação que remete à música grega – conta a história de uma mulher destruidora de corações, insensível e materialista.

“Run For Your Life” é o grito de ciúmes de John, casado com Cynthia Powell. “Day Tripper” (que divide o espaço do single com “We Can Work It Out”) fala de mulheres e drogas de forma subliminar. Segundo o próprio Lennon, assim como “Nowhere Man” (resultado de uma noite em claro, tentando buscar inspiração) a música foi criada “à força” (imagine se não fosse) para preencher os 14 sulcos do vinil.

Uma das (muitas) joias da coroa do LP fecha esse texto. Em “Norwegian Wood” (100% dylanesca) John e Paul dão show nas harmonias, e contam a história de um provável caso extraconjugal de Lennon que termina com incêndio no apartamento do casal. “So I lit a fire – isn’t good, Norwegian Wood” (“Então eu toquei fogo – a madeira da Noruega não é das melhores”).

A madeira citada na música pode não ser das melhores. Mas “Rubber Soul” – que completou 48 anos em dezembro de 2013 – é força de inspiração contínua no universo musical de hoje. E do amanhã.


por Eduardo Lattes
fonte e revisão: Claudio Dirani, autor de "Paul McCartney - Todos os Segredos da Carreira Solo" (esgotado na editora)
e "Na Rota da BR-U2" (disponível com o autor).

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FAIXAS:              
1. "Drive My Car" - 2:30
2. "Norwegian Wood (This Bird Has Flown)" - 2:05
3. "You Won't See Me" - 3:22
4. "Nowhere Man"  - 2:44
5. "Think for Yourself" (Harrison) - 2:19
6. "The Word" - 2:43
7. "Michelle" - 2:42
8. "What Goes On" (Lennon/McCartney/Starr) - 2:50
9. "Girl" - 2:33
10. "I'm Looking Through You" - 2:27
11. "In My Life" - 2:27
12. "Wait" - 2:16
13. "If I Needed Someone" (Harrison) - 2:23
14. “Run for Your Life" - 2:18

todas de Lennon/McCartney, exceto indicadas

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OUÇA:




Eduardo Lattes de Mattos Vellani é paulista é formado em Comunicação Social, Publicidade e Propaganda.RP pela FIAM -Faculdades Integradas Alcântara Machado, de São Paulo. Devoto de Elvis Presley e de seus “apóstolos”, os Beatles, tem quase duas décadas de experiência em Public Relations. Coordena matérias jornalísticas de cobertura em campo, tendo acompanhado de perto a execução de filmagens e reportagens para clientes como SBT, Bandeirantes, FAAP, Roberto Manzoni, Astrid Fontenelle e vários outros.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Phil Spector & Vários – “A Christmas Gift for You from Phil Spector” (1963)





"Eu inventei o negócio da música.
Onde está a estátua para mim?"
Phil Spector




Talvez não combine muito com o espírito natalino fumar, beber e se drogar compulsivamente dentro do estúdio de gravação. Muito menos andar armado, a ponto de mirar uma espingarda nos integrantes dos Ramones para que estes o obedecessem. Pior: disparar um tiro a esmo e deixar John Lennon com permanentes problemas auditivos. Mas, sobretudo, não combina com o ato de usar um revólver para matar a atriz Lana Clarkson em sua própria casa. Pois, ironicamente, esta criatura, que bem poderia passar por qualquer delinquente, é nada mais, nada menos que uma das mentes mais geniais que o mundo da música pop já viu. Foi ele que concebeu integralmente este histórico disco.

Claro que estamos falando de Phil Spector. O talentoso produtor que deu forma às obras-primas “Let it Be”, dos Beatles, a “Plastic Ono Band”, do Lennon, e a “All Things Must Pass”, do George Harrison. Que é também o mesmo tirano que se trancafiava no estúdio como fez em “Death of a Ladies’ Man”, de Leonard Cohen, em 1977, para não deixar ninguém entrar (nem mesmo o próprio Cohen). Mas, talvez, por uma missão divina – motivada, quem sabe, por um milagre de Natal – esse judeu pobre nascido no Bronx em 1939 não escolheu o caminho do crime como seus amigos de bairro e encontrou sua salvação na música para, passando por cima de todas as excentricidades, egocentrismos e loucuras, entrar para a história. No final dos anos 50, esse iluminado ajudou a dar forma à música pop, a forjar o que se passou a chamar de enterteinment.

Compositor, arranjador, produtor, instrumentista e até cantor, Spector ostenta ao menos dois títulos de pioneirismo: o de primeiro multimídia da indústria fonográfica e o primeiro grande produtor de discos. Pois, além de todos esses predicados, ele também sabia empresariar astros e encontrar talentos. E aí ele era infalível. Cabeça do selo Philles Records, ele liderava projetos, lançava grupos e cantores, direcionava carreiras. Tina Turner, Ben King, The Righteous Brothers e Dusty Springfield passaram por sua mão. Criador de peças de forte apelo popular, mas com pés firmes no R&B, no country e no folk, Spector inventou as teenage symphonies, quando pôs grupos vocais como Ronettes e Crystals a serviço de seus arranjos elaborados e primorosos.

A Christmas Gift for You from Phil Spector” é o resultado dessa profusão. Primeiro álbum-conceito de Natal do mercado fonográfico, ajudou a impulsionar as hoje tradicionais vendas de música nessa época do ano (o próprio título, inteligentemente sugestivo, já induz ao ato da compra). Dono de um apuro técnico inconfundível das mesas de som, Spector desenvolveu o que até hoje se conhece como “wall of sound”, ou seja, a “parede de som”, técnica própria dele que aproveitava o estúdio como um instrumento, explorando novas combinações de sons que surgem a partir do uso de diversos timbres (elétricos e acústicos) e vozes em conjunto, combinando-os com ecos e reverberações.

É isso que se ouve em todo o álbum, em maior ou em menor grau e sempre na medida certa. Recriando melodias de standarts natalinos, Spector, junto com o grupo de compositores e sob a batuta de Jack Nietsche, pôs para interpretar em ”A Christmas Gift...”, além dos já citados girl groups Ronettes e Crystals, a cantora Darlene Love e, para equilibrar, o grupo vocal misto Bob B. Soxx & the Blue Jeans, cada um com três faixas (exceto o último, com duas).

Cabe a Darlene Love iniciar o disco com “White Christmas”, clássico de Irving Berlin que, na mão de Spector, ganha uma dimensão apoteótica. O primor do arranjo dá contornos s eruditos à música, como uma minissinfonia. Mas, antes de mais nada, nada rebuscada e saborosamente pop. Exemplo perfeito do seu método de gravação, a música começa com a voz potente de Darlene no mesmo peso dos instrumentos (banda e orquestra), que, por sua vez, soam com amplitude, reverberados. A massa sonora vai se intensificando à medida em que a carga emocional também avança na interpretação da cantora. Ao final, banda, voz e cordas parecem explodir no ambiente, quando atingem o ponto máximo do volume, que Spector modula cirurgicamente. Nota-se um permanente equilíbrio de alturas: percussão grave como tímpanos de orquestra, instrumentos de base assegurando os médios e a voz, juntamente às cordas, com o privilégio diferencial dos agudos, aqueles que fazem arrepiar o ouvinte.

Na sequência, “Frosty The Snowman”, com as Ronettes, traz o marcante timbre agudo de Ronnie Spector – esposa do produtor à época – animando mais o álbum, num R&B típico dos anos 50. O coro das companheiras Estelle Bennett e Nedra Talley ao fundo encorpa a harmonia, mesclando-se as cordas e à percussão permanentemente cintilante dos chocalhos e sinos, como os do trenó do Papai Noel. Os motivos natalinos, também com os característicos sininhos, voltam na outra das Ronettes, o hit “Sleight Ride”, com uma frenética levada de jazz swing.

O gogó romântico de Bobby Sheen, primeira voz da Bob B. Soxx & the Blue Jeans (que tinha a própria Darlene Love mais Fanta James no backing), arrasa na versão para “The Bells of St. Mary's” – que ficou conhecida com Bing Crosby no filme homônimo de 1945, em que, fazendo um padre, o ator a interpreta totalmente diferente, acompanhado de um coro de freiras e órgão. Aqui, Spector redimensiona a beleza litúrgica da canção, aprontando um arranjo vibrante, carregado de emotividade, com toques de balada de baile de anos 50.

Santa Claus Is Coming to Town” traz as Crystals Barbara Alston, Dee Dee Kennibrew e Mary Thomas num R&B embalado e ao seu estilo vocal peculiar. O trio reaparece em “Rudolph the Red-Nosed Reindeer”, de pegada bem infantil, e na divertida “Parade of the Wooden Soldiers” em que, para representar a lúdica “parada dos soldadinhos de madeira”, Spector se vale, na abertura, de cornetas marciais, mas sem perder o astral festivo e descontraído.

As Ronettes, estrelas da Phillies, têm o privilégio de cantar outro standart: “I Saw Mommy Kissing Santa Claus”, original na voz de Jimmy Boyd que atingira, em 1952, o 1º posto da Billboard. Por sua vez, Darlene Love ganha “Winter Wonderland”, um dos mais celebrados cantos natalinos norte-americanos – composta em 1934 por Felix Bernard e Dick Smith –, além da única composta para o disco: “Christmas (Baby Please Come Home)", alçada em 2010 pela revista Rolling Stone à lista de Grandes Canções Rock and roll de Natal, que justificou a escolha: "ninguém poderia combinar tão bem emoção e pura potência vocal como Darlene Love”.

O vozeirão de Bobby Sheen mais uma vez encanta na sacolejante “Here Comes Santa Claus”, outro clássico natalino que, além da gravação do autor – Gene Autry, hit em 1947 –, também recebeu versões ao longo dos tempos de Elvis Presley (no aqui já resenhado "Elvis Christmas Album"), Doris Day, Ray Conniff e Bob Dylan. Sinos de trenó, escala em tom alto, contracantos, percussão reverberada, melodia em crescendo. Um típico “wall of soundspectoriano. Para finalizar, o próprio “cabeça” do projeto declama a letra e “Silent Night” com o suave coro de todos os outros músicos ao fundo, num desfecho se não brilhante como todo o restante, ao menos coerente.

Dessa trajetória iluminada mas altamente conturbada de Phil Spector – a qual ele, encarcerado desde 2009 pelo assassinato da amante, segue infelizmente desperdiçando –, fica a rica contribuição de seu modo de compor e, principalmente, “apresentar” as músicas. Spector foi uma verdadeira máquina de sucessos, criando peças que serviriam de exemplo para toda a geração da Motown e do rock de como fazer uma música pegajosa e inteligente em menos de 4 minutos. Brian WilsonBrian JonesRod Argent, Frank Zappa, Rogério DupratBrian Eno e até George Martin conseguiram pensar como um dia pensaram por causa do caminho aberto por Phil Spector. Sem ele não existiriam os conceitos de hit nem perfect pop. Com Phil Spector a música popular virou negócio – e um negócio muito bom de escutar. Se isso já não vale por um milagre de Natal, ao menos justifica uma estátua.

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FAIXAS:
1. White Christmas (Irving Berlin) - com Darlene Love - 2:52
2. Frosty the Snowman (Steve Nelson/Walter Rollins) – com The Ronettes - 2:16
3. The Bells of St. Mary's (A. Emmett Adams/Douglas Furber) – com Bob B. Soxx & the Blue Jeans - 2:54
4. Santa Claus Is Coming to Town (J. Fred Coots/Haven Gillespie) – com The Crystals - 3:24
5. Sleigh Ride (Leroy Anderson/Mitchell Parish) – com The Ronettes - 3:00
6. Marshmallow World (Carl Sigman/Peter DeRose) - com Darlene Love - 2:23
7. I Saw Mommy Kissing Santa Claus (Tommie Connor) – com The Ronettes - 2:37
8. Rudolph the Red-Nosed Reindeer (Johnny Marks) – com The Crystals - 2:30
9. Winter Wonderland (Felix Bernard/Dick Smith) – com Darlene Love - 2:25
10. Parade of the Wooden Soldiers (Leon Jessel) – com The Crystals - 2:55
11. Christmas (Baby Please Come Home) (Ellie Greenwich/Jeff Barry/Phil Spector) – com Darlene Love - 2:45
12. Here Comes Santa Claus (Gene Autry/Oakley Haldeman) - com Bob B. Soxx  the Blue Jeans - 2:03
13. Silent Night (Josef Mohr/Franz X. Gruber) com Phil Spector & artistas - 2:08

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OUÇA O DISCO:





sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Weezer - "Weezer" ou "The Blue Album" (1994)


por Roberto Sulzbach Cortes

“Se você quiser destruir meu suéter, 
segure esse fio enquanto vou embora.”
da letra de "Undone (The Sweater Song)"


Olá, Clybloggers! Antes do ano acabar, venho aqui para falar de um clássico que está completando três décadas em 2024! Sabe aqueles álbuns que, quando você coloca na vitrola (ou onde quer que você escute música), transportam você para aquele tenebroso local de insegurança e incerteza na vida chamado adolescência? Pois é: apesar de eu ter nascido mais de seis anos depois dessa obra ser lançada, o disco de estreia do Weezer, que completa 30 anos e que também se chama "Weezer", mas é comumente conhecido como "The Blue Album" (devido à cor predominante em sua capa), é um dos que mais me vêm à mente.

O ano é 1986 e Rivers Cuomo conhece o baterista Patrick Wilson, e logo, se muda para a casa dele e de seu amigo baixista, Matt Sharp. Cuomo era um rapaz tímido, que não falava direito com meninas, era fissurado em heavy metal e Role-Playing Game (RPG). Ou seja, um “nerd clássico” a la "Vingança dos Nerds". Aliás, uma curiosidade: o nome Rivers vem do inglês e se traduz como “rios”. Segundo sua mãe, é porque ele nasceu em Manhattan, entre o Rio Hudson e o Rio East. Contudo, seu pai, Frank Cuomo (também músico, tocou bateria no "Odyssey of Iska", do jazzista Wayne Shorter), dizia que era por conta de três jogadores da Copa do Mundo de 1970: os italianos Riva e Rivera, e o brasileiro Rivelino. Ao residir com os futuros colegas de banda, o metaleiro foi se afastando do gênero e se aproximou do grunge, que estava borbulhando na costa oeste, por meio de bandas como Soundgarden, Mudhoney, Pearl Jam e, claro, Nirvana, além de umas pitadas de artistas precursores, como Pixies e Sonic Youth.

Em 1992, os três roommates se juntaram ao guitarrista Jason Cropper (que, durante as gravações do primeiro álbum, foi trocado por Brian Bell por divergências pessoais) e formaram a Weezer. Àquela altura, já tocavam canções que viriam a integrar o "Blue Album", como "Sweater Song" e "Say It Ain’t So", mas ainda não tinham a aderência que viriam a conquistar. Até que Rivers gravou uma K7 que chamou a atenção da Geffen Records. Das oito músicas contidas na fita, cinco apareceram no eventual disco de estreia.

Em agosto de 1993, o quarteto entrou no Electric Ladyland, em Nova Iorque, junto do produtor Rick Ocasek, vocalista do The Cars. Praticaram muito as harmonias, que fariam parte integral da sonoridade do álbum, e definiram que as guitarras precisavam soar tão altas quanto as de "Creep", do Radiohead, lançada um ano antes. O resultado foi um hit atrás do outro, daqueles discos que podem tocar inteiros no rádio sem causar tédio em nenhum ouvinte.

A abertura é com o dedilhado de violão de "My Name is Jonas" e, na prática, explica que a tônica é o power pop direto, sem firulas. Além disso, pouco mais de 10 anos depois, ela fez parte da infância e adolescência de uma nova geração, por meio do jogo de videogame Guitar Hero III. Machismo nunca foi tão pegajoso quanto em "No One Else", em que o locutor terminou com sua namorada porque ela ria das piadas de outros homens e ele desejava alguém que não risse para ninguém além dele, e que ficasse em casa enquanto ele estivesse fora.

"The World Has Turned and Left Me Here" é o completo oposto da faixa anterior. O refrão fala que “o mundo girou e me deixou aqui, onde eu estava antes de você aparecer” e que “no seu lugar, um espaço em branco preencheu o vazio atrás do meu rosto”. Além disso, destaco a abertura da bateria de Patrick Wilson: sempre me pega. "Buddy Holly" é o "hit dos hits". Referenciando o ícone do rock dos anos 50, é um hino atemporal, cultuado por jovens e adultos ao redor do globo e que ganhou o célebre videoclipe de Spike Jonze, sucesso na MTV à época. Seu riff é meme no TikTok, e é impossível achar algo que esteja errado na música. Steve Baltin, da Cash Box, disse que você deve amar uma música que faz referência a Mary Tyler Moore. Eu não poderia concordar mais.

"The Sweater Song" começa a explorar as ansiedades e inseguranças que nosso narrador apresentou em "No One Else". A canção inicia com diálogos de dois amigos em primeiro plano (interpretados por Sharp e Karl Koch, amigo de longa data do grupo e considerado “o quinto Weezer”), enquanto sons de festa são perceptíveis ao fundo. Cuomo começa a cantar versos curtos sobre o suéter que está se despedaçando com as interações que ele tem com as pessoas - uma metáfora para sua própria saúde mental frente à fobia social que sofria. "Surf Wax America" acelera a batida novamente e aborda o distanciamento que amizades e relações sofrem com o desgaste do tempo.

Talvez a música mais interessante do projeto seja "Say It Ain’t So". A canção surgiu de um momento em que Cuomo chegou em casa, encontrou uma garrafa de cerveja no congelador e entrou em pânico. O trauma da separação dos pais, causada pelo alcoolismo de Frank, seu pai, fez com que ele temesse pela relação de sua mãe com o padrasto, a quem tinha grande apreço. Em um trecho, a letra se traduz: “Como pai, padrasto, o filho esta se afogando da avalanche”. "Say It Ain’t So" surge dessa angústia, desse pedido para que a história não se repetisse.

Em "In the Garage", Cuomo fala sobre como “dentro da garagem”, ele se sente seguro, junto de seu jogo de tabuleiro RPG Dungeons and Dragons, da Kitty Pryde, do Noturno (ambos, dos X-Men) e de sua guitarra, e como “ninguém se importa com o seu jeito”. Lembrando algo que disse no começo do texto: Cuomo é um nerd, esquisitão e que não se encaixa direito na sociedade em que vive. Em "Holiday", o objetivo é fugir para um lugar distante, em uma batida harmônica, parecendo uma versão eletrificada dos Beach Boys.

Assim como "My Name Is Jonas" tem um "cheiro de abertura”, "Only In Dreams" foi fabricada para finalizar a obra. A linha de contrabaixo de Matt Sharp é afiadíssima (com o perdão do trocadilho em inglês: sharp é “afiado”) e é protagonista na melodia durante seus 7 minutos e 59 segundos de duração. A tônica do álbum é encerrada com a história de um jovem que gosta de uma menina, mas não tem a coragem de ir atrás dela; portanto, é apenas nos seus sonhos que ele fica com ela. A narrativa é, proporcionalmente, pequena perto da duração dos seus quase oito minutos, mas os arranjos nos contam até mais da história do que a própria letra. Da metade para o final, um épico musical é formado e se torna a despedida perfeita para um álbum que gira em torno da esquisitice que é ser adolescente, a busca por aceitação e a procura do amor perfeito que os hormônios mais ladinos provocam nos jovens de geração em geração.

As gravações foram finalizadas em setembro de 1993, com o lançamento previsto para maio de 1994. Kurt Cobain faleceu tragicamente em abril de 1994 e, com ele, toda a onda grunge perdeu um de seus principais expoentes. Contudo, a música “alternativa” estava espalhada por todo o mainstream, e a porta estava aberta para quem quisesse a atenção das massas, algo que, talvez, possibilitou que o "Blue Album" (lançado menos de um mês depois) se tornasse o sucesso que se tornou. Além de, claro, clipes produzidos pelo Spike Jonze são sempre bem-vindos.

Clássico clipe de "Buddy Holly", da Weezer, 
com direção de Spike Jonze


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FAIXAS:
1. "My Name Is Jonas" (Jason Cropper, Patrick Wilson, Rivers Cuomo) - 3:23
2. "No One Else" - 3:14
3. "The World Has Turned And Left Me Here" (Wilson, Cuomo) - 4:26
4. "Buddy Holly" - 2:40
5. "Undone - The Sweater Song" - 4:55
6. "Surf Wax America" (Wilson, Cuomo) - 3:04
7. "Say It Ain't So" - 4:18
8. "In The Garage" - 3:56
9. "Holiday" - 3:26
10 "Only In Dreams" - 8:03
Todas as composições de autoria de Rivers Cuomo, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO: