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segunda-feira, 3 de abril de 2023

Ryuichi Sakamoto - "Beauty" (1989)

 

"O mundo dá adeus comovido a um dos seus maiores músicos."
Caetano Veloso

“O que eu quero fazer agora é música livre das restrições do tempo.”
Ryuichi Sakamoto

Como pode a gente se apegar a alguém que nunca se viu pessoalmente – nem sequer através da distância plateia/palco como se dá a artistas a que se assiste – e que está a quilômetros de ti, noutro país? Neste caso, não somente noutro país, mas ainda mais longe, noutro continente, no outro lado do mundo. No Japão. Ryuichi Sakamoto era, é, como um parente sanguíneo na minha casa. Ele é seguidamente convidado a entrar, sentar-se ao sofá, estender-se na cama, a cozinhar ouvindo música. Sempre aceitou os convites com a gratidão e a sapiência calma dos orientais. Embora toda esta intimidade, obviamente, o parentesco não existe. Nem sequer, como abri dizendo, conheci-o pessoalmente quando em vida - quanto menos conhecemo-nos, de ele e eu reconhecerem-se mutuamente como fazem os próximos. Eu, brasileiro fruto da África e da Europa. Ele, japonês, filho de dinastias orientais longevas.

Então, como se explica tamanha familiaridade, tamanha cumplicidade? Bastam poucas audições de sua grandiosa e universal música para se entender. Afora a proximidade dele com a música daqui do Brasil, a qual não apenas admirava como atuava a se ver pelas parcerias com Caetano Veloso, Arto Lindsay, Marisa Monte, Jacques Morelembaum e outros, a obra de Sakamoto, mesmo as mais identificavelmente orientais, pertencem ao Planeta. Até mesmo quando diversas vezes usou os elementos folclóricos típicos do Japão em sua música, Sakamoto o fez à sua maneira: abarcante, cosmopolita, conectada, democrática, inclusiva. Soava japonês, mas africano, americano, indígena, nórdico. Soava a todos os povos. 

Sakamoto, de fato, são muitos. O Sakamoto do final dos anos 70, que ajudou a cunhar o synth pop e a new wave com a precursora Yellow Magic Orchestra e que tanto inspirou grupos do Ocidente como Cabaret Voltaire, Human Leaugue, New Order, Depeche Mode. O Sakamoto maestro, que regeu a Filarmônica de Tóquio. O Sakamoto dono de uma das discografias mais ecléticas e diversas da música pop, com trabalhos que vão desde o experimental à bossa nova, passando pela eletrônica, o erudito e a trilhas sonoras. O Sakamoto instrumentista, colaborador de obras marcantes do pop-rock, como da Public Image Ltd., David Sylvian, Thomas Dolby e Towa Tei. O Sakamoto que engendrava trabalhos multiplataformas, que cruzavam música, artes visuais e performance. 

"Beauty", seu oitavo disco solo, de 1989, é, afora a própria nomenclatura, um resumo de uma concepção de mundo múltipla, pois humanista e libertária. Gente de todas as nacionalidades tocam em suas 11 faixas. Suíça, Senegal, Brasil, Inglaterra, Japão, Espanha, Jamaica, Índia, Estados Unidos, Burkina Faso, Canadá, Coréia... Sakamoto realizou, com a naturalidade de um mestre sensei, a conjunção difícil da world music, aventada por alguns, mas nem sempre acessível e palatável. "Beauty" aprofunda a experiência lançada em “Neo Geo”, seu álbum anterior, convidando para este passeio sonoro músicos da mais alta qualidade e diferentes vertentes, como o icônico beach boy Brian Wilson, o veterano “The Band” Robbie Robbertson, a poesia ancestral de Youssou N'Dour, os percussionistas africanos Paco Yé, Seidou "Baba" Outtara e Sibiri Outtara, os jazzistas Mark Johnson e Eddie Martinez e mais uma turba de conterrâneos arraigados na música tradicional oriental. 

Do Brasil, especialmente, Arto toca guitarra, canta e coassina com ele cinco faixas, entre elas as tocantes “A Pile Of Time”, com o som característico do gayageum coreano; “Rose”, com percussões de ninguém menos que Naná Vasconcelos, e a linda “Amore”, que além da sonoridade arábica do shekere e da batida especial do talking drum, tem contracantos de N'Dour sobre os simples versos cantados pelo próprio Sakamoto: “Good morning/ Good evening/ Where are you?” De arrepiar.

Os encantos não param por aí. O craque Robert Wyatt empresta sua dolorida voz para Sakamoto versar Rolling Stones em "We Love You", que tem ainda as contribuições do congolês Dally Kimoko na guitarra, do britânico Pino Palladino no baixo, do porto-riquenho Milton Cardona no shekere e de coro multiétnico encabeçado por Wilson, Kazumi Tamaki, Misako Koja, Yoriko Ganeko e o próprio Sakamoto. Tem ainda “Calling From Tokyo”, a faixa de abertura, um art-pop com a bateria jamaicana de Sly Dunbas e a tabla indiana de Pandit Dinesh; a espetacular “Diabaram”, com a voz penetrante de N'Dour, que faz remeter a uma humanidade pacífica da Ática-Mãe quiçá perdida; a contemplativa “Chinsagu No Hana”, adaptação de canção tradicional do folclore de Okinawa, assim como “Chin Nuku Juushii”, de “Neo Geo”; “Asadoya Yunta”, cujo inconfundível som do samisém tocado pela japonesa Yoriko Ganeko lhe confere séculos de conhecimento, e “Romance”, totalmente oriental, mas totalmente planetária.

Por essa riqueza toda que a obra de Sakamoto carrega que fico chateado (mas não surpreso) com as manchetes de anúncio de sua morte, ocorrida no último dia 28, aos 71 anos. As notícias de veículos referenciais da imprensa dão conta, em sua maioria, de que: "Morre Ryuichi Sakamoto, célebre compositor que levou o Oscar por 'O Último Imperador'". Ora, Oscar é importante, sim, mas ESSE é o destaque para se falar em Sakamoto?! Pegando-se apenas o cinema, não precisa ser um fã ou profundo conhecedor de Sakamoto para apenas atentar-se a outras trilhas sonoras assinadas por ele e perceber o quanto sua obra se entrelaça com as nossas vidas há décadas, a exemplo de “De Salto Alto”, "Femme Fatale", "O Regresso" e "Black Mirror".

Sakamoto, como Akira Kurosawa, me mostrou há muitos anos que essa dicotomia Orient-Occident, tal o yin-yang taoísta, serve para a geografia ou a estadistas divisionistas. Se Kurosawa quebrou as barreiras ao levar para o cinema do Oriente Shakespeare, Dostoiévski e Gorki, intercambiando, igualmente, a cultura japonesa com o Ocidente, Sakamoto fez, a seu curso, semelhante trajeto. Ao atravessar o Greenwich com sua música, provou que não existem divisões na humanidade. Difícil ensinamento para um mundo tão desigual e superficial... E mais: mostrou que lhe existe, sim, o belo. Sakamoto, esse meu ente que se foi. Mas só de corpo físico. As outras matérias ele generosamente deixou para nós mundanos através dos sons. Por isso, estará sempre presente aqui em casa, pois sabe que a porta está permanentemente aberta para ele entrar com sua beleza e ficar quanto tempo quiser. 


RYUICHI SAKAMOTO 
(1952-2023)



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FAIXAS:
1. "Calling from Tokyo" (Arto Lindsay, Roger Trilling, Ryuichi Sakamoto) - 4:26
2. "Rose" (Lindsay, Sakamoto) - 5:12
3. "Asadoya Yunta" (Katsu Hoshi, Choho Miyara) - 4:35
4. "Futique" (Lindsay, Sakamoto) - 4:09
5. "Amore" (Lindsay, Sakamoto) - 4:55
6. "We Love You" (Mick Jagger, Keith Richards) - 5:16
7. "Diabaram” (Sakamoto, Youssou N'Dour) - 4:13
8. "A Pile of Time" (Lindsay, Sakamoto) - 5:34
9. "Romance" (Kazumi Tamaki, Misako Koja, Yoriko Ganeko, Stephen Foster) - 5:29
10. " Chinsagu no Hana" (Folclore japonês) - 7:26
Faixa Extra da versão CD americana*
11. "Adagio" (Samuel Barber) - 7:47 


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues


sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Ryuichi Sakamoto – "Neo Geo" (1987)


"Eu ainda penso e me pergunto 'o que é música'. É claro que essa pergunta não tem resposta. Hoje, músicos ou compositores se interessam pelas novas tecnologias, como por exemplo Beethoven em seu tempo. Eu acredito que se Beethoven estivesse vivo agora, ele estaria muito interessado em usar novas tecnologias."
Ryuichi Sakamoto


Quando se fala na contribuição que países deram à indústria fonográfica, é normal se associar o Japão muito mais à aptidão científica do que pela produção artística em si. Afinal, quem não tem ou teve ao menos um aparelho Sony, Hitachi, Mitsubishi, JVC, Toshiba, Panasonic ou de alguma outra marca? A alta competência e a disciplina do povo japonês, capaz de erguer um país destroçado pela bomba atômica ao final da Segunda Guerra e levá-lo a uma potência tecnológica mundial, faz tender-se facilmente a esta percepção. Porém, ao contrário do que possa se pensar, foi justamente esse desenvolvimento científico que promoveu o surgimento nas artes dos filhos desse fenômeno social. Na música, o principal nome dessa geração certamente é Ryuichi Sakamoto

Compositor, maestro, tecladista, produtor, arranjador, professor – e às vezes cantor e até ator –, Sakamoto surgiu para o mundo da música nos anos 70 ao compor o revolucionário mas pouco creditado pelos ocidentais Yellow Magic Orchestra, grupo synthpop que deu os primeiros ensinamentos a toda a turma britânica e norte-americana do gênero – que entrariam anos 80 adentro fazendo sucesso muito por conta do que a banda japonesa inventou. Ali, Sakamoto já trazia parte da essência de sua música, que une sofisticação à alta modernidade e a uma visão globalizada da arte, bem como a música clássica e a tradição da cultura milenar da Terra do Sol Nascente.

Precisaram alguns anos, no entanto, para que o exigente Sakamoto calibrasse essa difícil química, cuja fórmula somente o cadinho de alguém muito talentoso como ele poderia misturar sem que resultasse desastroso. Gravou discos solo, compôs trilhas sonoras brilhantes, venceu Oscar, Bafta e Globo de Ouro de Trilha Sonora e, como ator, foi dirigido por cineastas do calibre de Bernardo Bertolucci e Nagisa Oshima, além de colaborar com projetos de diversos outros artistas, como P.I.L. David Sylvian, Bill Laswell e Thomas Dolby. Mas ainda era pouco. Como bom oriental, Sakamoto mantinha uma incessante busca pelo “kodawari”, o “caminho da perfeição”. Passada uma década após sua estreia na YMO, só então o músico pode dizer-se, enfim, minimamente maduro. A materialização desta caminhada perseverante está em “Neo Geo”, nono disco de carreira em que tanto Sakamoto definiu o seu estilo quanto, além disso, ajudou a estabelecer padrões de toda a música pop a partir de então.

Afora a obstinação nipônica, outra característica de Sakamoto é a de, chegado ao ponto que almejava, saber valorizar o que construiu. Os anos de lapidação de sua obra trouxeram, como um ideograma, o poder de síntese. A começar pelo título do álbum em questão, que propositalmente faz referência a uma nova arquitetura geográfica mundial visto que já se percebiam os últimos suspiros da Guerra Fria. Através dos sons, ele recupera a world music, a new age, o pop, a soul, o rap e o jazz fusion e posiciona sua música num ponto certeiro deste mapa. Os sons da África e das Américas (com uma boa dose de harmonias bossa novistas, aliás) convivem em perfeita composição com elementos eruditos e étnicos. Sakamoto adiciona a isso também sempre um ingrediente muito bem preparado de cultura da sua terra, seja num riff, num acorde de teclado, num sample, num canto ou num detalhe em meio a arranjos invariavelmente preciosos. Uma fórmula tão improvável cuja melhor classificação é, justamente, “Neo Geo”.

Os primeiros acordes vêm com toda essa carga de síntese e musicalidade. “Before Long”, como é de praxe nos discos de Sakamoto, ele abre com um tema instrumental. Emotiva e de ares clássicos, é baseada no piano, seu instrumento-base, usando com maestria notas agudas típicas da sonoridade oriental. Ele repete o expediente climático que já havia usado na abertura de “Marry Christimas Mr. Lawrence”, de 1984, na faixa-título, ou "Calling from Tokyo", do álbum exatamente posterior a “Neo...”, “Beauty”, de 1989. Uma pequena obra-prima de pouco mais de 1 minuto. O que já muda bruscamente na segunda faixa – que não desavisadamente dá título ao disco – quando começa um ethnic-funk, adaptação de um tema tradicional japonês, com a timbrística com a qual Sakamoto, alinhado aos modernistas do jazz de então, coloriria a música pop a partir dali: programação eletrônica, recortes, guitarras afro-beat, vozes étnicas e um baixo marcado em slap tocado pelo baixista e produtor norte-americano Laswell. Aliás, outra marca de “Neo...” é o encontro de Sakamoto com uma turma de alquimistas arrojados como ele. Ao lado de Laswell, figura essencial para a fusão do rap na música nos anos 70/80, ele recruta tanto músicos conterrâneos, como o guitarrista Harry Kubota, a cantora Misako Koja e o DJ Hiroaki Sugawara, quanto agrega participantes de outras nacionalidades, seja da música, das artes cênicas ou do cinema.

Fazendo do estúdio o seu laboratório, Sakamoto permite-se experimentar as mais diferentes formulações, mostrando que havia valido a pena acumular conhecimentos e vivências até ali. Um dos pontos altos do disco, “Risky”, não deixa dúvida disso: um pop funkeado e sensual que conta com a voz de Iggy Pop, que empresta seu barítono, um dos mais inconfundíveis da música pop, para deixar a música ainda mais elegante. A pertinência da participação de Iguana está no cerne da própria canção, que lembra o padrão estilístico que ele e o parceiro David Bowie ajudaram a dar à música pop dos anos 80.

Se “Risky” continha toques orientais, “Free Trading” os combina com o Brasil e com os Estados Unidos. Impossível não associar o riff de teclados com a música brasileira, da mesma forma que este soa igualmente muito nipônico. Afora isso, Sakamoto, fervoroso amante de MPB e de jazz, promove neste histórico momento o encontro de dois ícones da música norte-americana: um da soul, o baixista “P-Funk” Bootsy Collins, e outro do jazz, ninguém menos que o lendário baterista Tony Williams

Outra de elegância ímpar é a marcial “Parata”, mais uma instrumental e ao estilo de suas trilhas para cinema. Novamente, Williams empresta suas baquetas mágicas, aqui juntamente com a percussão do jamaicano Sly Dunbar. Quanta delicadeza e bom gosto! Voltando ao synth pop de origem, no entanto, Sakamoto o combina agora a diversas outras propriedades de seu conceito “Neo Ge” num tema para homenagear a histórica ilha de Okinawa. Ritmo dançante, percussões africanas e orientais, vozes sampleadas, teclados marcantes e um indefectível som de uma pipa chinesa, tocada pela instrumentista nipo-americana Lucia Hwong. Mais uma vez, fica evidente a essência sintetizadora do músico: a extração do erudito de um tema folclórico e a transformação em uma invenção moderna. 

Um disco primoroso como este não poderia desfechar de forma diferente. Assim como a faixa inicial, “After All”, sua derradeira, é um breve tema instrumental em que o admirador de Beethoven, Ravel e Tom Jobim denota sua infinita sensibilidade ao reprocessar o lirismo da obra de seus ídolos e compõe algo seu, original. Enfim, nem Japão e nem lugar nenhum especificamente: sua música é do mundo todo. Talvez por isso sua influência seja tamanha nos trabalhos de artistas da música como Sinéad O’Connor, Towa Tei, Madonna, New Order, Cornelius e Deep Forest, além de Caetano Veloso, Ambitious Lovers, Jaques Morelenbaum e Marisa Monte, com quem passaria a contribuir diretamente nos anos 90. Vivo e ativo, Sakamoto prova que talento e sensibilidade estão no coração independentemente do contexto ou da cultura. Como um cientista da música, ele foi capaz de condensar todas as suas referências e trazê-las para dentro de seu núcleo afetivo, que muito bem pode ser representado por uma esfera vermelha tal qual a da bandeira do Japão.

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FAIXAS:
1. “Before Long” - 1:20
2. “Neo Geo” - 5:05
3. “Risky” – com Iggy Pop (Bill Laswell, Iggy Pop/ Ruychi Sakamoto) - 5:25
4. “Free Trading” (Y. Hagiwara, Y. Nomi) - 5:25
5. “Shogunade” (Laswell/ Sakamoto) - 4:33
6. “Parata” - 4:18
7. “Okinawa Song” - Chin Nuku Juushii (H. As/ S. Mita) - 5:15
8. “After All” – 3:08
Todas as faixas de autoria de Ryuichi Sakamoto, exceto indicadas

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Veja o clipe de "Risky", com Ryuichi Sakamoto e Iggy Pop



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2023

 



Rita e Sakamoto nos deixaram esse ano
mas seus ÁLBUNS permanecem e serão sempre
FUNDAMENTAIS
Chegou a hora da nossa recapitulação anual dos discos que integram nossa ilustríssima lista de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS e dos que chegaram, este ano, para se juntar a eles.

Foi o ano em que nosso blog soprou 15 velinhas e por isso, tivemos uma série de participações especiais que abrilhantaram ainda mais nossa seção e trouxeram algumas novidades para nossa lista de honra, como o ingresso do primeiro argentino na nossa seleção, Charly Garcia, lembrado na resenha do convidado Roberto Sulzbach. Já o convidado João Marcelo Heinz, não quis nem saber e, por conta dos 15 anos, tascou logo 15 álbuns de uma vez só, no Super-ÁLBUNS FUNDAMENTAIS de aniversário. Mas como cereja do bolo dos nossos 15 anos, tivemos a participação especialíssima do incrível André Abujamra, músico, ator, produtor, multi-instrumentista, que nos deu a honra de uma resenha sua sobre um álbum não menos especial, "Simple Pleasures", de Bobby McFerrin.

Esse aniversário foi demais, hein!

Na nossa contagem, entre os países, os Estados Unidos continuam folgados à frente, enquanto na segunda posição, os brasileiros mantém boa distância dos ingleses; entre os artistas, a ordem das coisas se reestabelece e os dois nomes mais influentes da música mundial voltam a ocupar as primeiras posições: Beatles e Kraftwerk, lá na frente, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, os baianos Caetano e Gil, seguem firmes na primeira e segunda colocação, mesmo com Chico tendo marcado mais um numa tabelinha mística com o grande Edu Lobo. Entre os anos que mais nos proporcionaram grandes obras, o ano de 1986 continua à frente, embora os anos 70 permaneçam inabaláveis em sua liderança entre as décadas.

No ano em que perdemos o Ryuichi Sakamoto e Rita Lee, não podiam faltar mais discos deles na nossa lista e a rainha do rock brasuca, não deixou por menos e mandou logo dois. Se temos perdas, por outro lado, celebramos a vida e a genialidade de grandes nomes como Jards Macalé que completou 80 anos e, por sinal, colocou mais um disco entre os nossos grandes. E falando em datas, se "Let's Get It On", de Marvin Gaye entra na nossa listagem ostentando seus marcantes 50 anos de lançamento, o estreante Xande de Pilares, coloca um disco entre os fundamentais logo no seu ano de lançamento. Pode isso? Claro que pode! Discos não tem data, música não tem idade, artistas não morrem... É por isso que nos entregam álbuns que são verdadeiramente fundamentais.
Vamos ver, então, como foram as coisas, em números, em 2023, o ano dos 15 anos do clyblog:


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PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)

  • The Beatles: 7 álbuns
  • Kraftwerk: 6 álbuns
  • David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane, John Cale*  **, e Wayne Shorter***: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan e Lee Morgan: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden , U2, Philip Glass, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"

**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"

*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 7 álbuns*
  • Gilberto Gil: * **: 6 álbuns
  • Jorge Ben e Chico Buarque ++: 5 álbuns **
  • Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana, Chico Buarque,  e João Gilberto*  ****, e Milton Nascimento*****: 4 álbuns
  • Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
  • João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Baden Powell*** : todos com 2 álbuns 


*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil

**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"

*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"

**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"

***** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"

+ contando com o álbum "Edu & Tom/ Tom & Edu"

++ contando com o álbum "O Grande Circo Místico"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 121
  • anos 60: 100
  • anos 70: 160
  • anos 80: 139
  • anos 90: 102
  • anos 2000: 18
  • anos 2010: 16
  • anos 2020: 3


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 24 álbuns
  • 1977 e 1972: 20 álbuns
  • 1969 e 1976: 19 álbuns
  • 1970: 18 álbuns
  • 1968, 1971, 1973, 1979, 1985 e 1992: 17 álbuns
  • 1967, 1971 e 1975: 16 álbuns cada
  • 1980, 1983 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1965 e 1988: 14 álbuns
  • 1987, 1989 e 1994: 13 álbuns
  • 1990: 12 álbuns
  • 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 211 obras de artistas*
  • Brasil: 159 obras
  • Inglaterra: 126 obras
  • Alemanha: 11 obras
  • Irlanda: 7 obras
  • Canadá: 5 obras
  • Escócia: 4 obras
  • Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
  • Austrália e Japão: 2 cada
  • Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

PIL - "Album" (1986)

"Ele (John Lydon) canta como eu toco trumpete."
Miles Davis


Uma superbanda, um disco cujo título é seu formato, um hit com a cara dos anos 80 com refrão fácil e inconfundível e um’ frontman’ que havia sido nada mais nada menos que o rei do punk. O cara: John Lydon, ex-Johnny Rotten do Sex Pistols; o álbum: bom, o nome do álbum era “Album” mesmo. E todo o panorama em torno dele e seu lançamento pode ser justificado com o nome de outro disco da banda: “Isso é o que vocês querem, isso é o que vocês terão”. Com “Album”, John Lydon dava à industria pop o que ela queria, e o PIL, sempre avesso às regras do sistema, por sua vez aproveitava então para ganhar dinheiro com a brincadeira. E por que não?
Como o PIL na verdade é John Lydon, ou, John Lydon é o PIL (não importa), depois de brigar com um integrante aqui, dispensar outro ali, convocar outro lá, resolveu então chamar um timaço de feras para reforçar a IMAGEM PÚBLICA da banda: Ruyichy Sakamoto nos teclados; o multicolaborador de inúmeras bandas Jonas Hellborg no baixo; Steve Vai (que dispensa apresentações) nas guitarras; Tony Williams (da banda de Miles Davis) e Ginger Baker (ex-Cream) para a bateria, tudo sob a batuta do produtor Bill Laswell.
Laswell era conhecido por trabalhos de funk, ligações com o jazz tendo conduzido um trabalho interessantíssimo com Herbie Hankock pouco antes. Trabalhara também produzindo o Time Zone, parceria de Lydon com Afrika Bambaata, o suficiente para convencer o ‘anticristo’ a convidar o cara para produzir seu novo projeto. A escolha mostrou-se perfeita! Laswell dava ao projeto de Lydon o tempero que ele precisava acertando em cheio logo de cara com o sucesso “Rise” composto pelos dois. Quem não lembra daquele refrão “I could be wrong, I could be wright”?
“Album” provavelmente consegue o melhor resultado daquilo que se costuma chamar “superbanda”, normalmente grupos com muito nome, pouca qualidade e resultado bastante insuficiente. Neste não: Ginger Baker destrói na bateria, sempre soando alta e estourando, com destaque especial para “Round”que por ser enfática para a percussão permite-lhe um showzinho à parte. Sakamoto e Tony Willimas são aqueles que não aparecem muito pra torcida mas jogam um bolão; sempre discretos mas competententíssimos, sendo que o japonês pode, sim, ser destacado em “Ease”, épico que fecha o disco, na qual aliás todos matam-a-pau. Em “Ease” Ginger volta a estourar o couro da bateria, Lydon está inspirado, mas nesta especialmente Steve Vai, que na maior parte das faixas empresta seu talento com disciplina e discrição, aqui estraçalha e esmirilha num solo final arrepiante.
Se por um lado Lydon parece com “Album” ter-se rendido de vez à indústria fonográfica, dando o que ela queria; por outro mantém nas letras seu tradicional fel e violência pouco palatáveis para rádio e deixa uma dose implícita de cinismo quando, ao invés de uma capa colorida, chamativa, com a banda posando fodona, simplesmente nos apresenta uma capa branca com o nome do formato escrito grande. (Bem pouco comercial, não?) Algo como uma caixa de medicamento, uma embalagem... um produto.
Mas tal simplicidade da capa, de certa forma, se justifica plenamente: o que mais precisaria-se dizer de um disco como este, afinal?
Basta dizer apenas que é O ÁLBUM.

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(O disco efetivamente leva o nome do formato, tanto que a versão em fita chamava-se "Cassete" e o CD chama-se "Compact Disc", mas é conhecido e referido na maioria das vezes, independente da forma como se apresenta, como "ALBUM")
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FAIXAS (listadas na contracapa como "Ingredientes") :
  1. "F.F.F." (John Lydon, Bill Laswell) – 5:32
  2. "Rise" (Lydon, Laswell) – 6:04
  3. "Fishing" (Lydon, Jebin Bruni, Mark Schulz) – 5:20
  4. "Round" (Lydon, Schulz) – 4:24
  5. "Bags" (Lydon, Bruni, Schulz) – 5:28
  6. "Home" (Lydon, Laswell) – 5:49
  7. "Ease" (Lydon, Bruni) – 8:09
Músicos:
John Lydon - vocais
Tony Williams - bateria em "FFF", "Rise" e "Home"
Ginger Baker - bateria na "Fishing", "Round", "Bags" e "Ease"
Bernard Fowler - backing vocals em todas as faixas
Ryuichi Sakamoto - Fairlight CMI em "Rise", "Fishing", "Bags" e "Ease"
Nicky Skopelitis - guitarra em todas, exceto "Ease"
Steve Vai - guitarra em todas as faixas
Jonas Hellborg - baixo em todas as faixas

pessoal adicional
Shankar - violino elétrico de "Rise" e "Round"
Bernie Worrell - órgão em "FFF", "Round" e "Home", Yamaha DX7 em "Fishing"
Malaquias Favores - baixo acústico em "Fishing" e "Bags"
Steve Turre - didjeridu em "Ease"
Aïyb Dieng - tambores em "Round"


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Ouça:
PIL Album



Cly Reis

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A arte do MDC em 2023

E lá se foi mais um ano, ouvintes radioelétricos! Posso dizer, no entanto, o contrário: já se veio mais um ano. Afinal, são quase sete no ar de Música da Cabeça, o programa que comando com muita satisfação na Rádio Elétrica. E como todas as quartas-feiras tem programa novo, tornou-se habitual desde o início que a cada edição houvesse também uma arte. E é aí que a gente entra. Tal no ano passado, quando começamos a fazer essa retrospectiva específica do MDC a exemplo do "A arte do Clyblog", recorrente há mais tempo por aqui, selecionamos algumas das artes criadas para anunciar o programa em 2023, ano dos 15 do blog.

O aviso foi dado anteriormente, mas não custa repetir: não se esperem obras-primas do design gráfico, pois as ferramentas e as habilidades são, se não parcas, básicas. Sei que peco pelo acabamento (um designer profissional deve querer se enforcar a cada vez que vê). Mas não é por mal. Assim como o programa em si, a arte é fruto da vontade de fazer. Até porque, isso dá pra afirmar, busca-se sempre a criatividade, algo que instigue que vê/lê, e até que a coisa sai legal por vezes. Amparadas pelo texto, no qual também invariavelmente tento puxar por algo interessante, as artes se baseiam em acontecimentos da vida cotidiana do Brasil e do mundo que só podem resultar em algo, no mínimo, legal graficamente falando.

Houve a favor, no decorrer de 2023, um caldeirão de eventos para que isso acontecesse. Guerra na Croácia e na Faixa de Gaza, perdas de gente como Rita Lee, Ryuichi Sakamoto, João Donato e Zé Celso Martinez Corrêa, Camões de Chico Buarque, urso em Marte, submarino perdido, 8 de janeiro... É, entre fatos bons e não tão bons, a gente vai contando, quase como uma crônica semanal e musical, aquilo que nos cerca e nos interessa. As artes do MDC são um espelho disso. Então, fique aí com essa seleção do que mais de legal teve em 2023.

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Iniciamos o ano com nada mais, nada menos, que a edição especial de nº 200, que teve a participação à altura: o músico e jornalista pernambucano Fred Zero Quatro, líder da Mundo Livre S/A




Mas nesse Brasil, a festa demora pouco. Uma semana depois da posse do Presidente Lula, 
a barbárie do 8/1, que nos motivou a esta arte para o MDC 301


Enxergaram urso em Marte? A gente enxergou no MDC 304


Em março, ferviam as investigações sobre o "caso das joias"
apreendidas com a comitiva de Bolsonaro, mote pro MDC 311


Ainda em março, a edição 310 teve entrevista especial com meu primo-brother Lucio Agacê,
figura lendária do rock alternativo (e preto) gaúcho





Ramadã, em abril, e o programa também se inspirou pro 314. Ficou bonito


Chico finalmente pôs a mão no certificado do Camões, que, na verdade, era o MDC 316



Em maio, para o especial de nº 320, entrevistamos a psicóloga, musicista e ativista preta gaúcha Caroline Rodrigues


Em junho, a abertura do texto da chamada do programa 321 foi assim: "A gente fotografa a floresta assim,
neste ângulo, só pra que seu olhar se direcione para aquilo que deve". Cara de pau


Lembram daqueles ricaços excêntricos (e sem noção) que se meteram num
submarino sem socorro e não voltaram mais?


Foi uma reprise, mas nem por isso deixamos de comemorar com uma arte especial a primeira edição de julho com o anúncio (quase "ilegígel") da ilegibilidade do Bozo. Só de lembrar, dá vontade de gritar de novo: I-NELEGÍVEEEEL!!



Se houve o que celebrar, também tiveram perdas. E grandes. Ryuichi Sakamoto (abril),
Rita Lee (maio) e Zé Celso Martinez Corrêa (julho) foram três delas




As guerras também, infelizmente, mancharam o calendário, mas viraram arte de denúncia nas edições 324 (julho), 339 (outubro) e 346 (novembro). MDC NO WAR!





Mais perdas, algumas tristes, outras revoltantes: João Donato, em julho e, em agosto, Sinéad O'Connor, e Mãe Bernadete  


Mais uma arte legal, esta pro cabalístico programa 333, último de agosto


É "O Pequeno Príncipe de Maquiavel"? Não, só o MDC tirando sarro da cara de
gente ignorante, mas metida a sabe-tudo (setembro)


Mais uma vez, o 20 de novembro (que agora virou feriado) nos inspirando


Mais edição de data fechada, a de 340, que teve como convidado
a lenda do rock gaúcho Frank Jorge


Adentrando o último mês de 2023, uma arte baseada em grafismos


Talvez a perda mais sentida: Paulo Moreira, nosso "Cabeção", que virou "capa Blue Note"
a la Reid Miles para a nossa edição 349


Quem começa o ano com edição especial, acaba o ano com edição especial: MDC 350, que teve entrevista internacional com o produtor musical cabo-verdiano Djô da Silva (era pra ter  sido um vídeo na época, mas deu problema no programa...)



Daniel Rodrigues



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

4ª Feira de Vinil Gira Música - Casa da Polônia - Rio de Janeiro/RJ (1º/09/2019)



O dias em que passamos Leocádia e eu no Rio de Janeiro foram invariavelmente lotados. Só coisa boa, mas lotados. Mas sempre se tem espaço para encaixar mais uma programação, ainda mais quando esta trata de música. Ou melhor: quando esta trata de música E discos, o que para um colecionador é um prato cheio. Minha mãe, sabendo de nosso gosto, havia avisado dias antes que ocorreria, no domingo, a Feira de Vinil Gira Música, na Casa da Polônia, no próprio bairro e avenida onde estávamos instalados, Laranjeiras. Pois que, voltando de um passeio no bairro Jardim Botânico neste dia, eis que cruzamos em frente à feira. Obviamente que descemos e fomos dar uma conferida, o que não só valeu a pena a título de passeio como, claro, de compras.

A feira trazia food trucks, bancas com artesanato e bijuterias e uma exposição sobre o célebre músico, arranjador e produtor Lincoln Olivetti, morto há  4 anos, infelizmente muito primária e amadora e que não dimensionava nem de perto a relevância do homenageado. Mas isso não era o mais importante e, sim, aquilo que nos levou até lá: os discos. Com expositores cariocas mas também vindos de Minas Gerais e São Paulo, a feira estava muito boa em termos de quantidade e variedade. Todos os gêneros musicais contemplados, mas principalmente rock, MPB e jazz. O nível dos expositores chamou atenção, uma vez que todos sabem muito bem o acervo que oferecem. Ou seja: os discos raros tinham preços que justificavam suas particularidades. Títulos como "A Bad Donato", de João Donato, "Stand", da Sly & Family Stone, o primeiro disco de Arthur Verocai, "Spirit of the Times", de Dom Um Romão, "Blue Train", de John Coltrane, ou o disco do próprio Lincoln em parceria com Robson Jorge, clássico da AOR brasileira, não saíam por menos que 500, 400, 350, 200, 180 Reais ou valores parecidos.

Galera percorrendo as prateleiras em busca "daquele" vinil
Clima descontraído e musical da Feira de Vinil na Laranjeiras
Não só vinil tinha na feira
Eu vasculhando as preciosidades da banda do Sonzera, um dos expositores
Pedaço da miniexposição sobre Lincoln Olivetti: deixou a desejar

Em compensação, vários balaios. E bons! Com muita variedade e, às vezes, até discos raros, era possível encontrar unidades a 10, 20 ou 30 Reais. E foi aí que me esbaldei, passando algumas horas na feira percorrendo as caixas com promoções enquanto Leocádia aproveitava outras atividades ou simplesmente me aguardava. Uma das atrações da feira seria a presença do cantor e compositor Hyldon, lenda da soul brasileira, que estaria à tarde autografando seu disco relançado, mas não ficamos para isso. Afinal, já estávamos muito bem alimentados com o que encontramos de variedade e qualidade de bolachões, inclusive esses, os que levamos para casa:



“Limite das Águas” – Edu Lobo (1976)
Edu tem vários discos solo cultuados, como “Missa Breve”, “Camaleão” e “Jogos de Dança”, mas não raro este aparece como o preferido do autor de “Ponteio”. Afinal, não tem como não adorar as parcerias como Capinan, Cacaso e Guarnieri, além do primor dos arranjos do próprio Edu e as participações de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Cristóvão Bastos, Joyce, Toninho Horta, Danilo Caymmi e o grupo vocal Os 3 Morais. Coisa fina da MPB.


“Libertango” – Astor Piazzola (1974)
Um dos gênios da música do século XX em seu disco mais icônico. Gravado em Milão, é a representação máxima do tango argentino moderno, tanto que as próprias faixas, assim como a que o intitula, trazem o termo “tango” no nome: Meditango, Violentango, Undertango, entre outras. De ouvir ajoelhado - ou tangueando.



“Brazilian Romance – Sarah Vaughn with Milton Nascimento” ou “Love and Passion”  Sarah Vaughn (1987)
A grande cantora norte-americana Sarah Vaughn, amante da MPB, recorrentemente voltava ao gênero. Depois de gravar discos como “Exclusivamente Brasil” e “O Som Brasileiro de Sarah Vaughn”, nos ano 70, em 1987 ela torna à sonoridade do Brasil por meio de um de seus mais admirados compositores: Milton Nascimento. E o faz isso com alto grau de requinte, haja vista a produção de Sérgio Mendes, os arranjos de Dori Caymmi e participações de gente como George Duke e Hubert Laws. Ela quase levou um Grammy de melhor performance feminina por este álbum.

“Merry Christmas, Mr. Lawrence (Music From The Original Motion Picture Soundtrack)”  Ryuichi Sakamoto (1983)
Tenho adoração por este filme intitulado no Brasil como “Furyo - em Nome da Honra”, e tanto quanto pela trilha sonora, escrita pelo genial Ryuichi Sakamoto. Que, aliás, atua neste filme de Segunda Guerra do mestre Nagisa Oshima, o qual conta no elenco (e só no elenco, o que acho legal também em nível de desprendimento) e como ator principal David Bowie em espetacular atuação. A faixa-título é não só linda como um marco das trilhas sonoras feitas para cinema.


“Stories to Tell” – Flora Purim (1974)
Terceiro disco solo de Flora e segundo dela em terras norte-americanas. Ou seja, vindo um ano após o seu debut “Butterfly Dreams”, no mesmo ano de“Hot Sand”, do então marido Airto Moreira, e dois da estreia com Chick Corea na Return to Forever, “Stories...” a consolida como a musa do jazz brasileiro. Ainda por cima tem Carlos Santana, George Duke, Ron Carter e o próprio Airto compondo a “bandinha”. E que voz é essa a dela?! 




“Amor de Índio” – Beto Guedes (1978)
Dos discos mais célebres da chamada “segunda fase” do Clube da Esquina. A galera tá toda lá: Milton, Brant, Toninho, Tiso, Venturini, Tavinho, Caetano e, claro, Ronaldo Bastos, produtor, compositor com Beto da faixa-título e autor da icônica foto dele enrolado no cobertor usada por Cafi na arte da capa.



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa e fanpage Gira Brazil - Gira Música