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domingo, 28 de julho de 2024

20 filmes... daonde mesmo? - Filmes de países com pouca (ou nenhuma) tradição no cinema mundial

 





E começaram as Olimpíadas!!!
Sabe quando começam a passar aquelas delegações na cerimônia de abertura e a gente estranha cada país que nem fazia ideia que existisse, ou, em alguma competição qualquer a gente pensa, "nem sabia que se praticava esse esporte num lugar desses..."? Pois é. Em cinema às vezes acontece algo parecido. Acostumados com o cinema norte-americano e mais uns três ou quatro núcleos cinematográficos tradicionais como França, Itália, Alemanha talvez... uma Suécia vá lá, um Japão por causa do Kurosawa e dos filmes de terror refilmados em Hollywood, Espanha pelo Almodóvar, mexicanos e sul-coreanos que estamos acostumando agora, argentinos cada vez mais consolidados e tal, mas, de um modo geral, até pelo bombardeio midiático, pelo apelo comercial ainda é estranho ver produções de lugares como África, América Central ou Leste Europeu.
Eis que, hoje, depois da entrada das delegações na Olimpíada do ClyBlog, o Claquete destacará filmes de alguns desses lugares que nem sempre têm potencial para ganhar uma medalha de ouro, mas que, podem crer, não fazem feio diante das potências cinematográficas, sendo inclusive, muitas vezes inspiração para muitos remakes na terra do Tio Sam.
Seguem abaixo 20 filmes daqueles lugares que a gente só lembra no dia da abertura das Olimpíadas. Alguns são bem desconhecidos, outros nem tanto, outros já gozam de um status de cult, alguns até premiados são, mas o que todos tem em comum é que são daqueles lugares que muita gente perguntaria, "mas se faz filme nesse lugar?". Se faz, sim. E coisa boa.

🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬🎬


1. "A Felicidade das Pequenas Coisas", de Pawo Choyning Dorji (
🇧🇹Butão /2019): E lá se faz cinema no Butão??? Não só se faz cinema, como se faz um baita filme. Um jovem professor, cujo sonho verdadeiro é ser cantor e morar na Austrália, é designado pelo governo butanês a lecionar numa escola... no fim do mundo. No ponto mais alto do país, acesso dificílimo, depois do transporte rodoviário dias de caminhada montanha acima, sem telefone, sem internet, com poucos recursos, sem nada que o jovem Ugyen estava acostumado na capital. Contrariado, do início, Ugyen vai se apegando ao local, à pequeníssima população, aos costumes, às crianças e até a um yak, animal típico da região que, por vezes tem que ficar dentro da sala de aula e 'morar' na escola. Belíssimo filme indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2022.






2. "O Assobio do Mal", Gisberg Bermudez Molero (
🇻🇪Venezuela /2017): O longa, inspirado em tradições e lendas venezuelanas, traz a figura do Assobiador, um espírito que assobia antes de atacar, uma figura fantasmagórica que segundo se fala, aparece à noite e devora pessoas. Embora um pouco picotado na narrativa, parecendo uma colcha de retalhos, o filme não é mau. Tem até uma boa produção, boa direção de arte, fotografia adequada para a proposta e boas opções estéticas. E o melhor, para quem gosta de terror: consegue ser bem brutal em determinados momentos.







3. "A Green Fever", de Taiwo Egunjobi (
🇳🇬Nigéria /2023): Em um país sob estado de sítio, um arquiteto pede socorro em uma mansão isolada, de propriedade de militares, a fim de socorrer sua filha que ele alega sofrer de uma rara doença chamada Febre Verde. Lá, num clima de constante desconfiança e ameaça, o arquiteto depara-se com situações de corrupção e crueldade por parte dos militares. Mas existe a tal febre ou aquilo seria somente um pretexto para que um civil rebelde se infiltrasse dentro de um núcleo ditador? Filme com alguns problemas, algumas travas, elementos que poderiam ter uma condução melhor, mas não há como negar que mantém o espectador tenso do início ao fim.







4. "Cemitério Geral", de Dorián Fernadez-Moris (
🇵🇪Peru /2013): Invocação por tábua Ouija e tal, só que aqui, dentro de um cemitério e registrada em estilo documental por um dos integrantes da expedição sinistra. Meio tosco é verdade, mal iluminado em determinados momentos, amadorísticos às vezes... mas talvez, exatamente essa limitação torne "Cemitário Geral" mais assustador. A correria entre as vielas do cemitério é inquietante, as imagens em visão noturna, mesmo já tão batidas pelo uso excessivo em filmes do gênero, são aterrorizantes. Não se engane pensando, "ah, terror peruano...". Não caia nessa. É dos bons found-footage que existem por aí.








5. "Cafarnaum", de Nadine Labaki (
🇱🇧Líbano /2018): Filme pesado sobre a dura realidade de crianças no Líbano, seja nas relações familiares, no trabalho infantil, na exploração sexual, seja no que for... Aos doze anos, Zain, sobrecarregado com obrigações do lar de pais ausentes, se revolta definitivamente quando sua irmã de onze é forçada a se casar com um homem mais velho. Ele então foge de casa e passa a viver nas ruas junto aos refugiados e outras crianças que, diferentemente dele, não chegaram lá por conta própria. Entre tantas qualidade do longa está a opção por usar a câmera na mão, muitas vezes à altura dos olhos do menino, reforçando a sensação de realidade e aumentando o impacto de tudo aquilo que estamos vendo. Destaque para atuação do menino Zaim, que transmite uma verdade, uma intensidade incrível em cada uma de suas cenas.
"Cafarnaum" foi vencedor do Prêmio do Júri em Cannes em 2018






6. "Espíritos - A Morte Está a Seu Lado", de Banjong Pisanthanakun e Parkpoom Wongpoom (
🇹🇭Tailândia /2004): Nem todo mundo sabe mas a Tailândia é uma grande produtora de filmes de terror e um dos mais célebres representantes desse segmento no cinema tailandês é "Espíritos - A Morte Está A Seu Lado", filme que já ocupa seu lugar entre os clássicos do horror.
Desde que atropelou uma pessoa e fugiu da cena do acidente, um fotógrafo, Thun, passa a ser atormentado por visões e começa a identificar sinais sobrenaturais em suas fotos. Intrigado, ele e a namorada passam a investigar as fotos e curiosamente as pistas sobre as aparições vão convergindo para o próprio Thun e para alguns de seus amigos que, "coincidentemente" começam a morrer de forma trágica, um a um.
As figuras nas fotos já são de arrepiar, mas a cena final do filme é de ter pesadelos.







7. "Baskin", de Can Evrenol (
🇹🇷Turquia /2015): Terror bizarro!
Um grupo de policiais, de folga num bar, recebe uma chamada de um lugar que supunham nem existir mais. Mas, ok, se estão chamando de lá, então, vamos atender a chamada... No caminho sofrem um acidente, buscando socorro encontram pessoas estranhas e ameaçadoras e refugiam num casarão, que por acaso, revela-se o próprio local da missão. O problema é que o lugar é o verdadeiro inferno! Um antro de tortura e dor onde delírios, pesadelos, demônios interiores e demônios reais revelam-se para punir a cada um deles, tudo liderado por um anão careca deformado, uma espécie de mestre de cerimônias do inferno, que conduz as ações mais sádicas e brutais.
Um dos filmes mais repulsivos e perturbadores que já assisti.
Pra completar, o final é um verdadeiro nó na mente.
Ponto pro cinema turco.






8. "Rafiki", de Wanuri Kahiu (
🇰🇪Quênia /2018): Aquela conhecida luta contra o conservadorismo muito bem retratada, desta vez mostrando a realidade num país africano. Duas amigas, Kena e Ziki, acabam se apaixonando e, além de lutar contra as diferenças das famílias, rivais na política local, têm que encarar o preconceito da sociedade. Num ambiente altamente homofóbico e violento, elas precisam fazer a escolha entre viver suas vidas como querem ou encarar as ameaças que aquela situação acaba lhes gerando.
O filme foi festejado em Cannes, teve reconhecimento mundial para o novo cinema africano, mas, por outro lado, acabou banido de seu próprio país por conta da temática homossexual, proibida no país.
Mexeu em algo que incomodou...
Não é pra isso que serve a arte?
 


 


9. "JeruZalém", de Doron Paz e Yoav Paz (
🇮🇱Israel /2015): Terror foud-footage, em primeira pessoa mas não gravado com uma câmera na mão e sim com um Google Glass.
Uma jovem norte-americana de origem israelense, viaja para a Terra Santa, acompanhada da melhor amiga, a fim de espairecer um pouco depois da prematura morte do irmão. Ela usa o óculos tecnológico a pedido do pai, de modo a manter a comunicação e também estar sempre conectada com informações, pontos turísticos, eventos, etc. Só que lá, entre festas, namoros, bebedeiras, está se dando o início de um anunciado apocalipse previsto por todas as religiões. Algo como zumbis-demônios-vampiros alados tomam conta de tudo atacando as pessoas e transformando-os também em mortos-vivos. Daí é que a correria começa e não para! Vielas, túneis, lugares sagrados, cavernas, tudo na visão do óculos tecnológico da turista.
A última meia hora é frenética e o final é bem interessante, de certa forma dialogando com tudo isso que está acontecendo hoje, na Faixa de Gaza. Se ninguém se entende, se continuarem brigando a vida inteira por convicções, religião, território, ou seja lá o que for, Israel, a Palestina, tudo vai se transformar num inferno.






10. "Fantasmas do Passado", de Óskar Thór Axelsson (🇮🇸Islândia /2013): Duas situações aparentemente sem relação alguma: uma senhora suicida cujo caso é analisado por um psiquiatra que, por acaso, também enfrenta um drama pessoal do desaparecimento do filho; e um casal que se compra uma casa e se muda para uma região isolada do país, para, além de reformar o local visando um um futuro empreendimento turístico, reafirmar a relação. Só que coisas esquisitas começam a ocorrer nas duas pontas da história. O psiquiatra encontra cruzes misteriosas nas costas do cadáver da idosa, fotos de crianças desaparecidas em outras épocas e, além disso começa a ter visões de uma criança que pode ser seu filho. Na casa velha, Katrin, a esposa, começa a ver coisas e perceber alguma presença sinistra no lugar.
Como essas coisas se juntam? Não vou revelar porque você pode topar com o filme por aí e não vai querer que eu quebre a surpresa, mas pode acreditar que desfecho é absolutamente inesperado e faz valer todo o enredo e a condução lenta e paciente do diretor Óskar Thór Axelsson. O que posso adiantar é que a resposta estava por perto o tempo todo






11. "Antes da Chuva", Milcho Manchevski
  (🇲🇰Macedônia /1994): Um lamento pela guerra e pelos conflitos da antiga Iugoslávia, "Antes da Chuva" traz três narrativas sobre os desencontros que as diferenças entre os homens podem causar. Na primeira, um monge se apaixona por uma jovem refugiada albanesa acusada de assassinato e abandona as obrigações monásticas para fugir com ela pelos vales da Macedônia; na segunda, uma fotógrafa, editora de imagem, em Londres, vive o dilema de continuar com o marido ou ceder à paixão pelo amante, um fotógrafo de guerra macedônio que reaparecera em sua vida; e na última, que incorpora as duas anteriores, o mesmo fotógrafo, o amante da história anterior, volta à sua terra natal a fim de permanecer por lá, mesmo com todas as dificuldades, diferenças e desavenças que vive o país.
Pequeno recorte dos conflitos que dividiram um país, separaram pessoas e destruíram vidas.
Ganhou o Leão de Ouro em Veneza, em 1995.






12. "Cão Come Cão", de Carlos Moreno (
🇨🇴Colômbia /2008): A realidade dura da pobreza, da violência e do domínio do tráfico em algumas regiões da Colômbia é tema recorrente no cinema do país, e um dos filmes que retratam situações envolvendo o submundo do crime é o bom "Cão Come Cão", um thriller policial astuto, envolvente repleto de regionalismos e características típicas da cultura da América do Sul, como música, dança e misticismo.
Após a morte de seu afiliado, El Orejo, um violento chefe do tráfico em Cali, ligado ao vudu, contrata dois matadores para um serviço e os põe hospedados num mesmo quarto de hotel, esperando instruções de um terceiro homem sobre a missão que ainda desconhecem. Na verdade, sabedor que um deles fora o responsável pela morte de seu sobrinho e que o outro ficara com uma quantia sua em uma transação, o chefão pretende mesmo é que um devore o outro. Que um cão coma o outro.
Filme policial bem tramado, repleto de contornos e envolvimentos. Uma espécie de Tarantino sul-americano.





13. "Macabre", de Kimo Stamboel, Timo Tjahjanto (
🇮🇩Indonésia /2009): Aquela mania de ser gentil, solidário... Um grupo de amigos, a caminho do aeroporto, socorre uma mulher na beira da estrada e, ainda com muito tempo antes do voo, resolve levá-la para casa. Chegando lá, em agradecimento, a garota socorrida convida os bons samaritanos a entrarem, comerem alguma coisa, e diante de tanta gentileza e insistência da mãe da jovem, resolvem aceitar. Péssima ideia!
Ao ficarem presos ali, à mercê daqueles psicopatas, é dado início ao pior pesadelo que poderiam imaginar. Canibalismo, mutilações, crueldades, sadismo, um banho de sangue como poucas vezes se vê no cinema.
A família, liderada pela belíssima matriarca Dara, lembra a do "Massacre da Serra Elétrica" só que sem aquela sutileza da sugestão do clássico de 1974. Aqui não tem sutileza. É hardcore, mesmo.







14. "A Onda", de Roar Uthaug (
🇳🇴Noruega /2015): Os noruegueses, de uns tempos pra cá, enveredaram para fazer filmes catástrofe e, olha, não se saíram mal. "Terremoto", "O Túnel", "Presos no Gelo", todos atendem bem as exigências do gênero.
"A Onda" é um bom filme na categoria. Tem uma boa premissa, coerência, mantém o espectador tenso e não decepciona nos recursos técnicos, qualidade atestada pela indicação ao Oscar de melhor filme internacional no seu ano de lançamento.
Uma avalanche provoca um descolamento de um fiorde causando uma onda gigantesca que atingirá em cheio o povoado de Geirander. Como de costume, alguém avisou e não quiseram ouvir: o geólogo Kristian, mesmo diante da oportunidade de sair da cidadezinha e trabalhar na capital num bom emprego, alertado por anomalias nas leituras dos índices, resolve ficar e salvar quem conseguir, inclusive sua família. Quem devia tomar providências de alerta, evacuação e tudo mais, não deu a devida atenção, aí, o que resta? É correria e cada um tentando salvar suas vidas.
Como a gente já sabe, uma tragédia sempre começa quando um cientista avisa e as autoridades demoram para agir...




15. ""Conflitos Internos"", de Andrew Lau e Alan Mak (
🇭🇰Hong Kong /2002): Já citado aqui no Clyblog, "Conflitos Internos", originou o remake "Os Infiltrados", de Martin Scorsese.
A refilmagem realmente é melhor e mais completa, mas a trama principal do filme honconguês, muito engenhosa e envolvente, não à toa inspirou os norte-americanos a aproveitarem seu enredo.
Um agente de polícia trabalha infiltrado na máfia, e um "afilhado" de um mafioso, formado na academia policial, trabalha na polícia, a serviço do criminoso. Percebendo que informações vazam, tanto para a lei quanto para os criminosos, a polícia e a máfia, iniciam suas caças particulares ao respectivo informante, gerando situações de perseguição, suspense e constante expectativa.
"Conflitos Internos" não é o único caso de thrillers policiais interessantes produzidos por lá e, para os mais desavisados, pode-se até afirmar que Hong Kong é especialista nesse tipo de produção.




16. "A Casa", de Gustavo Hernández (
🇺🇾Uruguai /2010): Que a Argentina tem uma excelente produção cinematográfica a gente já sabe, mas... o Uruguai??? Sim, os outros vizinhos aqui do Prata também sabem fazer bons filmes e um que merece destaque especial é o terror psicológico "A Casa", longa já mencionado aqui no ClyBlog, o primeiro filme de terror a ser feito em uma tomada, sem cortes, em plano sequência.
Na história, uma jovem (Laura) vai com seu pai a uma casa de campo de um amigo da família para dar ao local alguma manutenção e limpeza enquanto o dono se ausenta. Lá ela começa a sentir, ver, perceber coisas estranhas que parecem querer lhe revelar algo. Ruídos e movimentos misteriosos assombram a garota e, de certa forma, a chamam para o andar de cima onde verdades inesperadas (até para o espectador) acabarão se revelando. Impactante!
Sim, o Uruguai está no mapa do cinema. Tanto está que os norte-americanos copiaram e já meteram um remake desse novo clássico do terror, o também bastante bom "A Casa Silenciosa". Esses EUA não perdem tempo...






17. "Dente Canino", de Yorgos Lanthimos (
🇬🇷Grécia /2009): Antes de entrar no grande circuito e  conquistar Hollywood com "A Favorita" e "Belas Criaturas", o diretor Yorgos Lanthimos já produzia coisas bem interessantes em seu país de origem, a Grécia. É o caso de "Dente Canino", filme que parte de um argumento bizarro mas nada absurdo. A ideia de proteger os filhos do mundo exterior e as questões originárias e resultantes dessa escolha. Por eles? Por mim? Pela família? Pela sociedade?
Na trama, um pai e uma mãe se utilizam de falsos argumentos, conceitos fictícios e regras próprias para manter os três filhos longe de qualquer contato com o mundo exterior, mentiras, traumas, castigos são utilizados de modo que os filhos sequer pensem em sair dos limites da propriedade da família. Não precisa nem dizer que no desenvolvimento dessa ideia, Lanthimos sabe ser chocante e impactante como poucos.
Um ensaio provocativo sobre família, poder, limites, sociedade  e individualidade, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2010 e o impulso definitivo para a entrada de Yorgos Lanthimos na cena dos grandes diretores da atualidade.






18. "À Sombra do Medo", de Babak Anvari (
🇯🇴Jordânia/🇶🇦Qatar /2016): Mais um terror? Eu sei, eu sei... Mas esse não é exatamente um filme de terror. Aparentemente um filme de assombração, fantasmas e tal, mas no fundo, na verdade, um drama humano repleto de simbologias. Um drama sobre o terror da guerra e o impacto que essa praga tem, especialmente sobre as partes frágeis dessa irracionalidade: as mulheres e crianças. Uma mãe, em meio à guerra Irã-Iraque, nos anos 80, fica cuidando sozinha da filha quando o marido é recrutado para trabalhar nas trincheiras. No entanto, não ficam seguras onde estão, uma vez que sua cidade também sofre frequentes bombardeios. A rotina de explosões, ameaças, incertezas e medo afeta brutalmente a saúde mental das duas, mãe e filha e elas passam a ser atormentadas por 'assombrações' que rondam o apartamento onde vivem. O sumiço da boneca da menina como símbolo da perda infância, o hijab ameaçador (véu que cobre o rosto das mulheres muçulmanas) que as ataca, simbolizando a inferiorização da mulher, a sombra da bomba, presa na estrutura do telhado, como uma ameaça constante, simbolizando a constante ameaça das guerras, a projeção da sombra em forma de cruz, fazendo referência às crenças e aos conflitos por religião, fazem de "Sob a Sombra" mais que meramente um filme de terror.
Mesmo tendo um diretor iraniano, o longa, co-produção de Jordània e Qatari, com apoio britânico, caracteriza mais um daqueles casos nos quais um diretor não consegue trabalhar com liberdade criativa dentro do Irã, por conta das restrições e perseguições políticas e culturais, e acaba tendo que exprimir sua arte fora de seu país.







19. "O Cheiro da Papaia Verde", de Tran Anh Hung (
🇻🇳Vietnã /1993): Mui, uma mulher bem colocada socialmente, relembra os dias de dificuldade até chegar ali. Lembra que trabalhara para uma família rica no Vietnã, de como era bem tratada pela patroa que a tomava quase por filha, lembra de quando fora designada para uma família chinesa, de como as coisas pioram financeiramente e ela teve que ser encaminhada para um novo patrão, um pianista, por quem se apaixonaria e tornaria-se, depois, seu marido. Mas de todas as lembranças, o que faz seu fio da memória para os acontecimentos de uma vida é o cheiro do mamão papaia verde.
Um filme cujo maior mérito talvez seja essa capacidade de conjugar os sentidos, combinar imagem, com cheiro, fazer supor o sabor, o frescor da fruta, o calor de uma pele, os sons ocultos em cada uma dessas coisas.
Pra quem acha que Vietnã é só filme de guerra, Rambo, ameaça comunista americana, etc., "O Cheiro da Papaia Verde" é a resposta definitiva que não. O Vietnã é capaz de produzir um filme verdadeiramente saboroso.






20. "Infância Roubada", de Gavin Hood (
🇿🇦África do Sul /2010): Único filme africano a ganhar um Oscar, "Infância Roubada" acompanha a trajetória de Totsi, um jovem delinquente de vida sofrida, que após um acidente com um carro que roubara, descobre no banco traseiro um bebê. Desnorteado com a situação, ele leva a criança para seu bairro, na periferia de Johanesburgo e tenta convencer uma amiga, Miriam, a cuidar do bebê. O novo personagem em sua vida, a relação com uma jovem a quem pede ajuda pela experiência de maternidade, a criminalidade em seu bairro, a situação precária de vida, e a impotência diante de uma solução para o problema, desencadeiam uma série de novos sentimentos e sensações no rapaz que, até então, nunca tiver muito tempo nem atenção para emoções dessa natureza.
Tem filme bom na África também!




C.R.


sábado, 9 de março de 2024

“Dias Perfeitos” , de Wim Wenders (2023)



INDICADO A
MELHOR FILME INTERNACIONAL


Teria muito para falar de Wim Wenders, de qualquer filme de sua extensa filmografia, de sua carreira, do namoro de seus filmes com a filosofia, das diversas fases e projetos diferentes, das obras-primas. Mas o que talvez dê mais prazer e uma alegria até ingênua é falar sobre a realização de um filme japonês de Wim Wenders. “Dias Perfeitos” é, acima de tudo, uma dessas delícias que cinéfilos admiram: um filme de um cineasta de um país realizado noutro e com total propriedade. Porque, sim, “Dias Perfeitos” é um filme japonês, produzido com verba japonesa, falado em japonês, com atores japoneses e cheio de referências ao cinema japonês. E um baita de um filme.

“Dias Perfeitos” acompanha com extrema delicadeza a história de Hirayama (Koji Yakusho, lindo e atorzaço), um homem de meia idade reflexivo que vive de forma modesta como zelador e limpando banheiros em Tóquio. Sua rotina é revelada ao espectador através da música que ouve, dos livros que lê e da apreciação das árvores, suas três paixões. À medida que os dias Hirayama avançam, encontros inesperados começam a surgir e passam a revelar um passado escondido, que jogam luz sobre os porquês da solidão, da fuga e da busca de sentido na vida moderna.

Wenders assumidamente faz uma homenagem e referencia seus mestres do Oriente: Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi e, principalmente, Yasujiro Ozu, sua grande paixão talvez apenas equiparável a Michelangelo Antonioni. É do Ozu de “A Rotina Tem seu Encanto” e “Era uma Vez em Tóquio”, cineasta já perscrutado por Wenders no documentário poético “Tokyo-Ga”, de 1985, que ele extrai o senso contemplativo de “Dias...”. Seja na extensão sem pressa do transcorrer das cenas, seja na posição baixa da câmera em determinadas tomadas, quase ao chão, seja na apreciação natural da ação, aproveitando o som direto e sem “interferência” de trilha sonora.

Tomada quase no chão ao estilo Ozu

Por falar em música, aliás, são elas que ajudam a conduzir o filme. Ou melhor: pontuá-lo. A bela seleção de K7s do personagem, a qual ele ouve no carro pelas ruas e avenidas de Tóquio (Otis Redding, Lou Reed, Nina Simone, Patti Smith, só coisa boa) geralmente indo ou voltando do trabalho, demarcam não apenas a busca dele por “dias perfeitos” como, igualmente, o conduzem a praticamente encontrá-los ao final. Como uma trilha que acompanha momentos da vida e traduz emoções. 

Como em “Paris, Texas”, “O Estado das Coisas” e “Além das Nuvens“, Wenders dá ao “decurso do tempo” (para usar outro título de filme seu) a forma e a estética, que se fundem. Mais uma vez captando com muita pertinência o espírito da terra em que se apropriou, o cineasta atribui aos silêncios (o “ma” da cultura oriental) uma função primordial para transmitir sentimentos de culpa, sofrimento, medo, frustração, angústia e, porque não, também de alegria. Em compensação, os diálogos são extremamente bem aproveitados, precisos como um golpe samurai. Vários são realmente tocantes, como o breve reencontro com a irmã abastada e de vida triste, que vai à sua humilde casa resgatar a filha, fugida de casa e de sua realidade para ter alguns dias de harmonia com o tio que tanto gosta.

Hirayama com a sobrinha: momentos
de contemplação e harmonia
A dialética entre o arcaico e o moderno é, contudo, o centro da trama. Isso faz remeter, mais profundamente analisando, a uma forma de se colocar no mundo. O anacronismo do tipo de música e a mídia que Hirayama tanto apreciava é um símbolo de algo em extinção, mas capaz de gerar uma genuína conexão do ser humano com a arte, embora isso não faça mais tanto sentido num mundo cada vez mais digitalizado e fragmentado. A busca por si próprio no isolamento e na circunspecção faz lembrar filmes em que este foi o refúgio existencial de personagens na procura pelo sentido da vida, casos de “Nascido e Criado”, de Pablo Trapero, “O Turista Acidental”, de Lawrence Kasdan, e o próprio “Paris, Texas”. Porém, assim como nestes exemplo, “Dias...”, em suas propositais repetições de cenas e na progressão emocional do protagonista ao longo da história, vota numa solução humana para as dificuldades. Perfeição não existe.

Embora torça para isso, dificilmente Wenders levará o Oscar de Filme Internacional. Sem o gigante “Anatomia de uma Queda” na disputa, uma vez que a produção francesa ganhadora da Palma de Ouro em Cannes concorre somente ao de Melhor Filme ao lado de favoritos como “Oppenheimer” e “Vidas Passadas”, o caminho para o elogiado longa alemão (mas um tanto superestimado) “A Zona de Interesse” vencer está facilitado. Porém, só o fato de ver no páreo um “Junger Deutscher” como Wenders, um verdadeiro esteta e revolucionário do cinema moderno, é quase que um prêmio adiantado a ele e a toda uma geração. Herzog, Schlöndorff, Fassbinder, Von Trotta, Kluge: estão todos representados com esta indicação. E não só eles, mas também, no caso, Ozu, Kurosawa, Mizogushi, Imamura, Oshima. Porém, talvez nem Wenders dê tanta importância a uma conquista como esta. Afinal, mesmo com o reconhecimento a uma obra de meio século como a dele, a Academia está longe de ser perfeita. Assim como os dias.

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trailer de "Dias Perfeitos", de Wim Wenders



Daniel Rodrigues


segunda-feira, 3 de abril de 2023

Ryuichi Sakamoto - "Beauty" (1989)

 

"O mundo dá adeus comovido a um dos seus maiores músicos."
Caetano Veloso

“O que eu quero fazer agora é música livre das restrições do tempo.”
Ryuichi Sakamoto

Como pode a gente se apegar a alguém que nunca se viu pessoalmente – nem sequer através da distância plateia/palco como se dá a artistas a que se assiste – e que está a quilômetros de ti, noutro país? Neste caso, não somente noutro país, mas ainda mais longe, noutro continente, no outro lado do mundo. No Japão. Ryuichi Sakamoto era, é, como um parente sanguíneo na minha casa. Ele é seguidamente convidado a entrar, sentar-se ao sofá, estender-se na cama, a cozinhar ouvindo música. Sempre aceitou os convites com a gratidão e a sapiência calma dos orientais. Embora toda esta intimidade, obviamente, o parentesco não existe. Nem sequer, como abri dizendo, conheci-o pessoalmente quando em vida - quanto menos conhecemo-nos, de ele e eu reconhecerem-se mutuamente como fazem os próximos. Eu, brasileiro fruto da África e da Europa. Ele, japonês, filho de dinastias orientais longevas.

Então, como se explica tamanha familiaridade, tamanha cumplicidade? Bastam poucas audições de sua grandiosa e universal música para se entender. Afora a proximidade dele com a música daqui do Brasil, a qual não apenas admirava como atuava a se ver pelas parcerias com Caetano Veloso, Arto Lindsay, Marisa Monte, Jacques Morelembaum e outros, a obra de Sakamoto, mesmo as mais identificavelmente orientais, pertencem ao Planeta. Até mesmo quando diversas vezes usou os elementos folclóricos típicos do Japão em sua música, Sakamoto o fez à sua maneira: abarcante, cosmopolita, conectada, democrática, inclusiva. Soava japonês, mas africano, americano, indígena, nórdico. Soava a todos os povos. 

Sakamoto, de fato, são muitos. O Sakamoto do final dos anos 70, que ajudou a cunhar o synth pop e a new wave com a precursora Yellow Magic Orchestra e que tanto inspirou grupos do Ocidente como Cabaret Voltaire, Human Leaugue, New Order, Depeche Mode. O Sakamoto maestro, que regeu a Filarmônica de Tóquio. O Sakamoto dono de uma das discografias mais ecléticas e diversas da música pop, com trabalhos que vão desde o experimental à bossa nova, passando pela eletrônica, o erudito e a trilhas sonoras. O Sakamoto instrumentista, colaborador de obras marcantes do pop-rock, como da Public Image Ltd., David Sylvian, Thomas Dolby e Towa Tei. O Sakamoto que engendrava trabalhos multiplataformas, que cruzavam música, artes visuais e performance. 

"Beauty", seu oitavo disco solo, de 1989, é, afora a própria nomenclatura, um resumo de uma concepção de mundo múltipla, pois humanista e libertária. Gente de todas as nacionalidades tocam em suas 11 faixas. Suíça, Senegal, Brasil, Inglaterra, Japão, Espanha, Jamaica, Índia, Estados Unidos, Burkina Faso, Canadá, Coréia... Sakamoto realizou, com a naturalidade de um mestre sensei, a conjunção difícil da world music, aventada por alguns, mas nem sempre acessível e palatável. "Beauty" aprofunda a experiência lançada em “Neo Geo”, seu álbum anterior, convidando para este passeio sonoro músicos da mais alta qualidade e diferentes vertentes, como o icônico beach boy Brian Wilson, o veterano “The Band” Robbie Robbertson, a poesia ancestral de Youssou N'Dour, os percussionistas africanos Paco Yé, Seidou "Baba" Outtara e Sibiri Outtara, os jazzistas Mark Johnson e Eddie Martinez e mais uma turba de conterrâneos arraigados na música tradicional oriental. 

Do Brasil, especialmente, Arto toca guitarra, canta e coassina com ele cinco faixas, entre elas as tocantes “A Pile Of Time”, com o som característico do gayageum coreano; “Rose”, com percussões de ninguém menos que Naná Vasconcelos, e a linda “Amore”, que além da sonoridade arábica do shekere e da batida especial do talking drum, tem contracantos de N'Dour sobre os simples versos cantados pelo próprio Sakamoto: “Good morning/ Good evening/ Where are you?” De arrepiar.

Os encantos não param por aí. O craque Robert Wyatt empresta sua dolorida voz para Sakamoto versar Rolling Stones em "We Love You", que tem ainda as contribuições do congolês Dally Kimoko na guitarra, do britânico Pino Palladino no baixo, do porto-riquenho Milton Cardona no shekere e de coro multiétnico encabeçado por Wilson, Kazumi Tamaki, Misako Koja, Yoriko Ganeko e o próprio Sakamoto. Tem ainda “Calling From Tokyo”, a faixa de abertura, um art-pop com a bateria jamaicana de Sly Dunbas e a tabla indiana de Pandit Dinesh; a espetacular “Diabaram”, com a voz penetrante de N'Dour, que faz remeter a uma humanidade pacífica da Ática-Mãe quiçá perdida; a contemplativa “Chinsagu No Hana”, adaptação de canção tradicional do folclore de Okinawa, assim como “Chin Nuku Juushii”, de “Neo Geo”; “Asadoya Yunta”, cujo inconfundível som do samisém tocado pela japonesa Yoriko Ganeko lhe confere séculos de conhecimento, e “Romance”, totalmente oriental, mas totalmente planetária.

Por essa riqueza toda que a obra de Sakamoto carrega que fico chateado (mas não surpreso) com as manchetes de anúncio de sua morte, ocorrida no último dia 28, aos 71 anos. As notícias de veículos referenciais da imprensa dão conta, em sua maioria, de que: "Morre Ryuichi Sakamoto, célebre compositor que levou o Oscar por 'O Último Imperador'". Ora, Oscar é importante, sim, mas ESSE é o destaque para se falar em Sakamoto?! Pegando-se apenas o cinema, não precisa ser um fã ou profundo conhecedor de Sakamoto para apenas atentar-se a outras trilhas sonoras assinadas por ele e perceber o quanto sua obra se entrelaça com as nossas vidas há décadas, a exemplo de “De Salto Alto”, "Femme Fatale", "O Regresso" e "Black Mirror".

Sakamoto, como Akira Kurosawa, me mostrou há muitos anos que essa dicotomia Orient-Occident, tal o yin-yang taoísta, serve para a geografia ou a estadistas divisionistas. Se Kurosawa quebrou as barreiras ao levar para o cinema do Oriente Shakespeare, Dostoiévski e Gorki, intercambiando, igualmente, a cultura japonesa com o Ocidente, Sakamoto fez, a seu curso, semelhante trajeto. Ao atravessar o Greenwich com sua música, provou que não existem divisões na humanidade. Difícil ensinamento para um mundo tão desigual e superficial... E mais: mostrou que lhe existe, sim, o belo. Sakamoto, esse meu ente que se foi. Mas só de corpo físico. As outras matérias ele generosamente deixou para nós mundanos através dos sons. Por isso, estará sempre presente aqui em casa, pois sabe que a porta está permanentemente aberta para ele entrar com sua beleza e ficar quanto tempo quiser. 


RYUICHI SAKAMOTO 
(1952-2023)



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FAIXAS:
1. "Calling from Tokyo" (Arto Lindsay, Roger Trilling, Ryuichi Sakamoto) - 4:26
2. "Rose" (Lindsay, Sakamoto) - 5:12
3. "Asadoya Yunta" (Katsu Hoshi, Choho Miyara) - 4:35
4. "Futique" (Lindsay, Sakamoto) - 4:09
5. "Amore" (Lindsay, Sakamoto) - 4:55
6. "We Love You" (Mick Jagger, Keith Richards) - 5:16
7. "Diabaram” (Sakamoto, Youssou N'Dour) - 4:13
8. "A Pile of Time" (Lindsay, Sakamoto) - 5:34
9. "Romance" (Kazumi Tamaki, Misako Koja, Yoriko Ganeko, Stephen Foster) - 5:29
10. " Chinsagu no Hana" (Folclore japonês) - 7:26
Faixa Extra da versão CD americana*
11. "Adagio" (Samuel Barber) - 7:47 


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues