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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Agosto, Mês do Aniversário do ClyBlog







As pessoas, de um modo geral, costumam demonizar o mês de agosto, em muitos casos gratuitamente, sem que ele tenha lhes feito mal algum, sem que nele tenha ocorrido qualquer fato relevantemente negativo que não tivesse acontecido em qualquer outro dos onze meses do ano. Atribui-se ao oitavo mês do ano uma série de títulos pouco elogiosos, responsabilidades injustas e predicados nada agradáveis repetindo chavões batidos como "mês do desgosto", "mês do cachorro louco" como se seus trinta e um dias guardassem por alguma maldição todas as desgraças do mundo. Não raro ouve-se até que agosto seria um mês ruim por ser o que gente importante morreu, sendo Getúlio Vargas o mais comum de associar-se a este período que, aí, para justificar a má fama do mês até por uma aura quase beatificada parece ficar coberto. Mas não é só ele, vão na carona Elvis, Raul Seixas, John Lennon e outros só pra reforçar a tal reputação maldita do agosto.
De minha parte, pra começar, nunca tive nada contra agosto na minha vida desde sempre, mas com o passar dos tempos o mês oito acabou me reservando algumas grandes alegrias que, contrariando a maioria, acabaram fazendo com que se tornasse um mês especial. Lá pelos idos dos anos 90, minha banda amadora, a HímenElástico fazia seu primeiro e marcante show no município de Alvorada, vizinho a Porto Alegre, numa sexta-feira 13 de agosto, abrindo a apresentação com uma marcha fúnebre, celebrando a data também tida como sinistra, e aos poucos vencendo a desconfiança do público fazendo um show matador até conquistar definitivamente a audiência no final. Um dos grandes momentos da minha vida e tenho certeza que do meu irmão Daniel Rodrigues e do meu primo Lucio Agacê, ex-integrantes da banda, hoje parceiros de ClyBlog. Mais adiante, superando um período acadêmico um tanto conturbado, depois de ter concluído meu trabalho de diplomação entre as madrugadas frias de julho assistindo aos jogos da Copa do Mundo de 2002 da Coreia/Japão, foi marcada para agosto minha cerimônia de formatura, momento marcante não só pelo passo pessoal e profissional em minha vida naquele momento mas também pelo momento emocionante da homenagem à minha mãe guerreira que fez de tudo para que eu conseguisse chegar àquele momento vitorioso.
 Outros agostos vieram com novas vitórias, derrotas, fatos bons, ruins, alegrias, tristezas e a vida, que tem dessas coisas quis que no início de 2006 eu acabasse no Rio de Janeiro. Naquele ano, meu time do coração o Sport Club Internacional, no dia 16 de agosto conquistaria pela primeira vez o tão sonhado título sul-americano em seu estádio em Porto Alegre. Ironia do destino: exatamente no ano em que saía da minha cidade o clube era campeão lá, no estádio onde nunca deixara de ir e assistira a inúmeras decisões, muitas delas, nas décadas que precederam aquele momento, marcadas pelo fracasso. Naquela ocasião acompanhei à distância. Estava em um emprego novo, não podia faltar ao trabalho para viajar e de qualquer forma ainda estava tentando me estabilizar na nova cidade, mas em 18 de agosto de 2010, já um pouco mais estruturado no Rio e diante de uma nova decisão de Libertadores, numa jornada apaixonada e quase inconsequente me toquei para Porto Alegre para ver no estádio, no Beira-Rio, com meus próprios olhos e exorcizar meus fantasmas de derrotas do passado, o Bi da América. Era agosto me trazendo mais uma alegria.
Mas a maior delas ainda estaria por vir. Em 11 de agosto do ano seguinte viria ao mundo meu maior tesouro, minha filha, uma leonina, saudável, linda e inteligente que tornou-se a razão superior da minha vida. Tem como eu não gostar de agosto?
E por essas cargas d'água, sem ter premeditado nada, uma das coisas mais legais que fiz e que tenho feito na vida, um dos projetos criativos mais amplos e abrangentes que tive a oportunidade de criar teve seu início num agosto. Em 26 de agosto de 2008 estava em ação na internet o ClyBlog, no início sem saber muito bem o que pretendia, sem um formato, sem uma ideia definida mas com a intenção de ser o meio onde eu pudesse expôr meu material criativo em todos os segmentos nos quais eu tivesse qualquer coisa para apresentar. Para quem? Para quem quisesse ver, para quem por acaso topasse com aquilo na internet, para minha família, para amigos... O ClyBlog tornou-se um projeto apaixonante. Não é um blog gigante com milhares de visualizações por dia, mas pelo que acompanho, nos gerenciamentos de página, atinge o público certo: quem QUER ler uma crônica, quem QUER ler um conto, um poema, quem tem interesse por música, por arte, por cinema. A sensação que eu tenho é que quem entra na página do blog, LÊ o blog, VÊ o conteúdo e não apenas passa por acaso e segue em frente. Por isso, mais do que em qualquer outra situação, é mais importante é a qualidade do leitor do que a quantidade.
Pois esta ideia individual ganhou corpo, ganhou um parceiro valiosíssimo, ganhou colaboradores, foi se desenvolvendo, ganhou seções, participações especiais importantes, teve seus textos valorizados ganhando espaço em publicações e coletâneas e chega agora, neste agosto de 2016, aos 8 anos. A partir de hoje, desta semana até o final de agosto, o ClyBlog estará comemorando seu aniversário e por esses dias teremos além das publicações habituais, algumas publicações especiais e algumas surpresas.
Temos prazer em fazer o blog e esperamos que quem o visite, leia, veja também o tenha pois a nossa intenção é fazer um blog com coisas que gostaríamos de encontrar quando 'navegamos' por aí ou buscamos alguma informação e por isso procuramos fazer um espaço virtual ágil e diversificado, conseguindo com isso colocar, expôr e expressar todas as nossas paixões, preferências e manifestações sem direcioná-lo especificamente em um só assunto ou modelo.
São oito anos de prazer em criar e sempre estar apresentando algo novo. Sempre manter nossas páginas com alguma coisa no mínimo interessante, instigante, inventiva. Quem vai ler? Quem vai ver? Os amigos, os parentes, quem topar com a gente na internet... Ou seja, continuamos do mesmo jeito que há oito anos atrás. Este momento é apenas mais um novo começo.



Cly Reis
editor-chefe

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Milton Nascimento - "Geraes" (1976)

 

"Esses gerais são sem tamanho."
Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas"

"Sou o mundo, sou Minas Gerais."
Da letra de "Para Lennon e McCartney", de Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant


Tom Jobim e o desenho sinuoso e sensual da Rio de Janeiro. 

Dorival Caymmi e a Bahia dos pescadores e santos do candomblé. 

Moondog e as pradarias inóspitas do Wyoming. 

Robert Johnson e as infinitas plantações de algodão do Mississipi. 

Violeta Parra e a imensidão das cordilheiras andinas. 

É sublime quando um músico consegue atingir tamanha simbiose entre ele e seu espaço, a ponto de passar a representar, através de sua arte, uma paisagem física. É como se ele fosse, por intermédio dos sons, não originário deste lugar, mas, sim, o próprio lugar.

Milton Nascimento é um destes seres que, como o próprio nome indica, nasce e gera a própria terra, Minas Gerais. O homem que integra a seu próprio nome um estado inteiro, o seu mundo. E não digam que Mi(lton) Nas(cimento) é mera coincidência linguística! Mais correto é afirmar que os Deuses - os do candomblé, da Igreja, muçulmanos, indígenas, todos aqueles que perfazem a cultura mineira - assim quiseram a este carioca desgarrado abraçado como um filho pelos morros de cor ferrosa das Gerais, os quais, junto à lúdica maria fumaça, ele mesmo representa na icônica capa em desenho a próprio punho. Como um ser pertencente àquela terra a qual se homogeiniza. 

Em meados dos anos 70, Milton já havia percorrido muita estrada de terra na boleia de um caminhão. Na faixa dos 35 anos, pai, casado, consagrado no Brasil e no exterior, idolatrado e gravado por Elis Regina, mentor do movimento musical mais cult da modernidade brasileira, autor de algumas das obras mais icônicas do cancioneiro MPB. O reconhecido talento como compositor, cantor, arranjador e agente catalisador misturava-se, agora, com a sabedoria da maturidade - como se ainda coubesse mais sabedoria a este ser nascido gênio. Quase que naturalmente a quem já havia ganhado o centro do País e desbravado o principal mercado fonográfico do mundo, o norte-americano, Milton, então, volta-se à sua própria essência: a terra que lhe é e a qual pertence. 

Mas Milton, carinhosamente chamado de Bituca por quem o ama, não faz isso sozinho, visto que convoca seu talentoso Clube da Esquina, reforçando o time de amigos, inclusive. Se "Minas", a primeira parte deste duo de álbuns gêmeos, explora a grandiosidade das geraes Guimarães Rosa de Drummond, seja em sons e letras, "Geraes" solidifica essa ideia quase que como um milagre: um homem torna-se seu próprio som. Ou melhor: transforma-se em montanha para, do alto de topografia, emitir a sonoridade da natureza. Samba, rock, soul, folk, jazz, toada, sertanejo, candombe, trova, oratório... world music, não só por acepção, mas por intuição, é o termo mais adequado para classificar.

A ligação entre uma palavra e outra, entre um título e outro, entre um disco e outro, se dá pelo mesmo acorde que desfecha “Simples”, última faixa de "Minas", e abre, em ritmo de toada mineira, a linda "Fazenda" (“Água de beber/ Bica no quintal/ Sede de viver tudo/ E o esquecer/ Era tão normal que o tempo parava"). A religiosidade católica do povo, traço cabal da cultura mineira, transborda tanto em "Cálix Bento", com a marca do violão universal de Milton e o emocionante arranjo de Tavinho Moura sobre tema da Folia de Reis do norte de Minas, quanto em "Lua Girou", outro tema do folclore popular – este da região de Beira-Rio, na Bahia – vertida para o repertório pela habilidosa mão do próprio Bituca. 

O lado político, claro, está presente. Milton, consciente da situação do País e jamais acovardado, não havia esquecido das recentes retaliações da censura que quase prejudicaram seu "Milagre dos Peixes", de 3 anos antes, um verdadeiro milagre de ter sido gestado com tamanha qualidade. O parceiro e produtor Ronaldo Bastos, além da concepção da capa, é quem pega junto em "O Menino", escrita anos antes pelos dois em homenagem ao estudante Edson Luís, assassinado em 1968 em um confronto com a polícia no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, episódio que uniu a sociedade em protestos que culminaram com a famosa Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar. E que luxo a banda que o acompanha: João Donato (órgão), Nelson Angelo (guitarra), Toninho Horta (guitarra), Novelli (baixo), e Robertinho Silva (bateria). Com a mira militares a outros artistas naquele momento, como Chico Buarque, Milton pode, enfim, lançar a música e não se calar diante da barbárie. 

Quem também garante o grito de resistência é um recente e igualmente genial amigo, com quem tanto e tão bem Milton produziria a partir de então. Justamente o então visado Chico Buarque. É com ele que Milton canta a canção-tema do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, um sucesso de bilheteria no Brasil à época, "O que Será (À Flor da Pele)". Fortemente política, a letra, cantada com melancolia e até tristeza, reflete os tempos de iniquidade humana: "O que será que será/ Que dá dentro da gente que não devia/ Que desacata a gente, que é revelia/ Que é feito uma aguardente que não sacia/ Que é feito estar doente duma folia/ Que nem dez mandamentos vão conciliar/ Nem todos os unguentos vão aliviar/ Nem todos os quebrantos, toda alquimia/ Que nem todos os santos, será que será...". Gêmea de "O que Será (À Flor da Terra)", Milton retribui o convite e divide com Chico os microfones desta última no álbum dele naquele mesmo ano, o não coincidentemente intitulado “Meus Caros Amigos”


Milton e Chico: encontro mágico promovido à época
de "Geraes" e que deu maravilha à música brasileira

A maturidade filosófico-artística de Milton era tão grande, que as dimensões do que é grande ou pequeno, do que é parte ou geral, se reconfiguram numa consciência elevada de humanidade. A ligação universal de Milton com sua terra passa a significar o ligar-se a América Latina. Afinal, sua Minas é, como toda a latinoamérica, dos povos originários. “San Vicente” e "Dos Cruces", de "Clube da Esquina”, já traziam essa semente que “Geraes”, mais do que “Minas”, solidificaria, que é essa visão ampla do território, dos povos. Primeiro, na realização do sonho de cantar Violeta Parra com Mercedes Sosa. Apresentada a Milton por Vinícius de Moraes, La Negra divide com Milton os microfones da clássica “Volver a los 17”. Igualmente, vê-se o encontro dos rios do Prata e São Francisco, que não poderiam deixar de fazer brotar aquilo que os perfaz e lhes dá sentido: água. É com o conjunto de jovens chilenos deste nome, amigos recém conhecidos, que Milton instaura de vez, na acachapante “Caldera”, a alma castelhana dos hermanos na música popular brasileira – convenhamos, muito mais do que os músicos da MPG, cuja proximidade regional do Rio Grande do Sul propiciaria tal fusão mais naturalmente. É o canto dos Andes – mas também de Minas – sem filtro. 

As amizades, aliás, estão presentes em todos os momentos, e o território de Milton é como uma grande aldeia onde ele, consciente de seu papel de pajé, mantém a egrégora sob a força do amor. Fernando Brant, parceiro desde os primeiros tempos, coassina aquela que talvez seja a música mais sintética de todo o disco: “Promessas De Sol”. A sonoridade latina das flautas andinas, a percussão marcada pelo tambor leguero, o violão sincrético de Milton e os coros constantes e tensos dão à canção a atmosfera perfeita para um os mais fortes discursos políticos que a Ditadura presenciou em música. “Você me quer belo/ E eu não sou belo mais/ Me levaram tudo que um homem precisa ter”. Épica, como uma ópera guarani, a melodia vai escalando de um tom baixo para, ao final, se encerrar com intensos vocais de Milton bradando, denunciativo: “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?” 

Parece que não cabe mais emoção num álbum como este. Mas cabe. A brejeira “Carro De Boi”, de Cacaso e Maurício Tapajós (“Que vontade eu tenho de sair/ Num carro de boi ir por aí/ Estrada de terra que/ Só me leva, só me leva/ Nunca mais me traz”) casa-se com a inicial “Fazenda” seja na ludicidade ou na sonoridade ao estilo de cantiga sertaneja. Mas tem também a jazzística e comovente “Viver de Amor”, em que novamente Ronaldo, desta vez em parceria com o excepcional Toninho Horta, compõem para a voz cristalina de Milton uma das canções românticas mais marcantes de toda a discografia brasileira. Ronaldo, múltiplo, também tira da cartola mais uma vez com Milton outra joia do disco, que é o samba-jongo “Circo Marimbondo”. Assim como Milton, de ouvido tão absoluto quanto sensível, fizera ao contar com a voz de Alaíde Costa para cantar com ele "Me Deixa em Paz" em “Clube da Esquina”, aqui ele vai na fonte mais inequívoca para este tipo de proposta musical que une África e Brasil: Clementina de Jesus. Na percussão, além de Robertinho no tamborim e surdo, também outros craques da “cozinha”: Chico Batera, no agogô; Mestre Marçal, cuíca; Elizeu e Lima, repique; e Georgiana de Moraes, afochê. E que delícia ouvir o canto anasalado e potente da deusa Quelé acompanhada pelo coro de Tavinho, Miúcha, Chico, Georgiana, Cafi, Fernando, Bebel, Ronaldo, Bituca, Vitória, Toninho e toda a patota! 

Para encerrar? A música que conjuga o primeiro e o segundo disco, o corpo e o espírito: “Minas Geraes”. O violão carregado de traços étnico-culturais de Milton, sua voz que escapa do peito emoldurando-se ao vento, a docilidade das madeiras, a singeleza do toque do bandolim. Clementina, em melismas, embeleza ainda mais a canção, lindamente orquestrada por Francis Hime – outro novo amigo cooptado por Milton da turma de Chico. Tudo converge para um final emocionante, que, como os próprios versos dizem, saem do “coração aberto em vento”: “Por toda a eternidade/ Com o coração doendo/ De tanta felicidade/ Todas as canções inutilmente/ Todas as canções eternamente/ Jogos de criar sorte e azar”. 

Ouvindo-se “Minas” e “Gerais”, duas obras não somente maduras como altamente densas, simbólicas e encarnadas, é impossível não ser fisgado pelo mistério da música de Milton Nascimento. Encantamento que remete ao mistério da criação, o mistério da vida. Wayne Shorter, parceiro de Milton e mutuamente admirador, quando perguntado sobre esta esfinge que é a obra do amigo, diz: “Bem, ouça você mesmo, pois não há palavras para descrever. Apenas sinta”. Milton, que completa 80 anos de vida sobre o mundo, o seu mundo, é tudo isso: uma força da natureza. Ele é mais do que música: é som em estado puro. É mais que tempo: é a harmonia do espaço. 

Milton é mais do que homem: é pedra. Eterna.

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É impressionante perceber hoje, em retrospectiva, que o encontro de dois gênios da música brasileira se deu exatamente na época deste trabalho. Depois de aberta a porteira da fazenda de Milton para Chico, só vieram coisas lindas. Além de parcerias nos anos subsequentes - inclusive no célebre "Clube da Esquina 2", de 1978 - naquele mesmo ano de 1976 os dois se reuniriam para gravar o compacto "Milton & Chico", lançado oficialmente um ano depois. Incluído em "Geraes" na versão para CD, esta gravação clássica dos dois traz duas faixas: a melancólica "Primeiro de Maio", que denuncia a vida oprimida do trabalhador brasileiro no feriado dedicado a ele, e "O Cio da Terra", também combativa e ligada ao trabalhador, mas do campo, que se tornaria uma das canções emblemáticas do repertório tanto de Chico quanto de Milton.

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FAIXAS:
1. "Fazenda" (Nelson Angelo) - 2:40
2. "Calix Bento"(Folclore popular - Adap.: Tavinho Moura) - 3:30
3. "Volver a los 17" - com Mercedes Sosa (Violeta Parra) - 5:10
4. "Menino" (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) - 2:47
5. "O Que Será (À Flor da Pele)" - com Chico Buarque (Chico Buarque) - 4:10
6. "Carro de Boi" (Maurício Tapajós/ Cacaso) - 3:40
7. "Caldera (instrumental)" - com Grupo Agua (Nelson Araya) - 4:25
8. "Promessas do Sol" - com Grupo Agua (Milton Nascimento/ Fernando Brant) - 5:00
9. "Viver de Amor" (Toninho Horta/ Ronaldo Bastos) - 2:34
10. "A Lua Girou" (Milton Nascimento) - 3:42
11. "Circo Marimbondo" - com Clementina de Jesus (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) - 2:55
12. "Minas Geraes" com Grupo Agua e Clementina de Jesus (Novelli/ Ronaldo Bastos) - 5:13

Faixas bônus da versão em CD:
13. "Primeiro De Maio" - com Chico Buarque (Milton Nascimento/ Chico Buarque) - 4:46
14. "O Cio Da Terra" - com Chico Buarque (Milton Nascimento/ Chico Buarque) - 3:48


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OUÇA O DISCO
Milton Nascimento - "Geraes" 


Daniel Rodrigues

sábado, 20 de fevereiro de 2021

The Rolling Stones - Praia de Copacabana - Rio de Janeiro /RJ (18/02/2006)


Mick Jagger no show em Copacabana em 2006
Mick e sua turma mandaram ver, em uma apresentação histórica.   

Um em um milhão e meio! Não, não se trata de uma probabilidade estatística embora não deixe de fazer sentido se eu for parar para pensar nas probabilidades que eu via, na minha vida, digamos uns quatro ou cinco anos antes, de, em 2006, estar no Rio de Janeiro, em plena praia de Copacabana, assistindo a um show dos Rolling Stones. Mas a vida da gente dá uma mudadas e, voltando no tempo, um ano antes deste grande evento de rock na praia mais famosa do mundo, algumas coisas acabaram dando um novo rumo à minha história. Por questões de saúde, minha mãe acabou se mudando para o Rio de Janeiro com minha irmã e embora tivesse me convidado para acompanhá-la, num primeiro momento, vinculado ao meu antigo trabalho, a uma namorada da época, a amigos e, enfim, à cidade, preferi ficar. Mas poucos meses depois da partida delas, meu vínculo com a empresa onde trabalhava acabara e não seria possível renovar, meu relacionamento, outrora promissor, desabava lentamente e, ainda que tivesse amigos, parentes e uma relação afetiva muito forte com Porto Alegre, tudo parecia indicar que se fazia necessário uma nova perspectiva, novos ares. Assim, consultei minha mãe se mantinha sua proposta e se teria um lugarzinho pra mim no seu "puxadinho". Mãe é mãe e, como não poderia deixar de ser, ela acolheu o filho. 

Deste modo, eu iria definitivamente em março mas, decidi ir antes, de visita, para perceber o ambiente, conhecer o apartamento, decidir que providências preliminares deveríamos tomar, etc. E por que não unir o útil ao agradável? Um show monumental dos Rolling Stones estava marcado para fevereiro, de graça, na praia de Copacabana, e vi aí uma grande oportunidade de ver, ao vivo, uma das maiores bandas do planeta, coisa que até então eu nem imaginava que seria possível. Marquei minha ida, então, para aquele período. Passeei, fui à praia, visitei pontos turísticos e no dia dos Rolling Stones, lá estava eu. Cheguei cedo mas nem tanto, de modo a não ficar "o dia inteiro" de bobeira lá na frente do palco. Faltavam umas quatro ou três horas para o show quando desci do metrô em Copacabana. Caminhei pela orla até chegar nas proximidades do Copacabana Palace e não era difícil, já à distância perceber onde seria o evento, uma vez que cada vez mais multidão ia se acumulando conforme se chegava mais perto do local do show. Fui me metendo, me acomodando e, no fim das contas, para um evento daquele tamanho e pela hora que cheguei, até que me posicionei bem. Nada muito próximo, mas também nem tão longe que a banda parecesse um bando de formiguinhas. Fiquei na calçada, numa boa diagonal que favoreceria a vista, especialmente, quando Mick Jagger se deslocasse pela longa passarela que avançava entre o público. 



The Rolling Stones - "(I Can't Get No) Satisfaction" -
Copacabana - Rio de Janeiro (2006)

Algumas horinhas esperando, uma cerveja aqui, outra ali, algumas situações engraçadas, um monte de gringos inocentemente desavisados sendo assaltados e finalmente chegara a hora do show. Aqueles quatro velhotes eram muito mais do que eu esperava. Um show vibrante, cheio de energia, vitalidade, simpatia e muitos sucessos. Lembro-me, especialmente, de "Brown Sugar", com a galera levantando os braços em resposta aos gritinhos do vocalista, e da elétrica e contagiante "(I Can't Get No) Satisfaction", que fechou o show, beeeem alongada para que a pudéssemos curtir os Rolling Stones, ali, até a última gota, e mais e mais, até que... acabou. 

Em algum momento ia ter que acabar, né?

A multidão foi se desfazendo, cada um tomando seu destino e eu, decidindo como voltaria pra casa, de metrô, de ônibus, de táxi, comecei a caminhar, pensando no show, continuei caminhando e acabei indo pra casa a pé, mesmo. Sabe quando a gente quer prolongar o máximo uma sensação? Não era chegar rapidinho em casa, deitar e dormir. Não! Era ruminar cada minuto daquilo que tinha acabado de presenciar. Afinal de contas, não é todo dias que se vê os Rolling Stones, ainda mais naquela que passaria a ser sua apresentação para uma maior plateia em sua carreira. Eram um milhão e meio de pessoas, e eu estava lá. Um no meio daquele milhão e meio. 

Multidão no show dos Rolling Stones em Copacabana
Um mar de gente à beira do mar. 
Um dos maiores públicos já registrados em um show, em todos os tempos.



Cly Reis


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL 11 anos do Clyblog - Zé Ramalho - "Zé Ramalho 2" ou "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu" (1979)



"Foi o meu segundo disco. Veio implacável, com letras furiosas e políticas, ditas num tom profético e nordestino, passando para a época uma fornada de músicas, que marcaram a minha carreira para sempre." 
Zé Ramalho

Quanto mais o tempo passa, mais nos damos conta de que ele na verdade voa mesmo... Quando penso que se passaram 40 anos desde que gravamos esse lendário LP (permitam-me...), chega a ser difícil de acreditar.

Zé Ramalho tinha “estourado” para o grande público no ano anterior, 1978, com “Avôhai”, “Vila do Sossego”, “Chão de Giz” e tantos outros sucessos que são cantados até hoje. Já tínhamos começado a entrar em uma rotina de shows e viagens que só cresceria nos anos seguintes. A banda que o acompanhava, da qual eu fiz parte durante inesquecíveis cinco anos, já estava com um grande entrosamento, justamente por conta da sucessão de shows que fazíamos por todo o país. Com isso, a entrada em estúdio para gravar foi algo feito com muita tranquilidade e segurança. Quero dizer, com muito ensaio mesmo...

O saudoso estúdio da não menos saudosa CBS, situado no centro do Rio de Janeiro, era a nossa casa: lá tínhamos um espaço para ensaios onde preparávamos o repertório para os shows – e também para os discos. No fundo do corredor do clássico prédio, o enorme pé direito de um estúdio imenso, mas com apenas oito canais de gravação. Isso nos dias de hoje é quase incompreensível pelas novas gerações que só conheceram os equipamentos digitais. O “nosso” era analógico mesmo. E só oito canais mesmo...

Mas o equipamento era excelente e os técnicos também, então tudo fluía como se estivéssemos em casa. E de certa forma, estávamos: Zé Ramalho estava se tornando o principal artista da gravadora, e trazia consigo uma galera de respeito, já com “nome na praça”, mas às vésperas de alcançarem seus grandes sucessos individuais: Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Amelinha, Cátia de França, entre tantos outros. Com tudo isso, a CBS estava totalmente voltada para esse time, e proporcionava as melhores condições para que pudéssemos trabalhar com calma.

E a capa do disco? Com sua original criatividade, Zé Ramalho convidou a excêntrica e genial figura de Zé do Caixão para representar o Diabo, enquanto ele próprio, vestido de branco, assumia o papel do “Dono do Céu”. A encenação da peleja para a foto de capa, com Zé Mojica Marins e suas enormes unhas diabólicas e duas lindas atrizes, Xuxa Lopes e Monica Schmidt cercando ambos, é um registro inesquecível na memória de todos nós que vivemos aquela época.


Arte do encarte e da capa do disco de autoria de Zé Ramalho
em parceria com o cineasta "udigrudi" Ivan Cardoso
Comandando essa galera toda estava o produtor Carlos Alberto Sion, assistido por Lygia Itiberê e por meu irmão Marcelo Falcão, que posteriormente se tornaria empresário e produtor do grande Moraes Moreira. O pianista, compositor e arranjador Paulinho Machado cuidava dos arranjos de base junto com o próprio Zé Ramalho, e se encarregava dos arranjos de orquestra, mestre que era das partituras e do bom gosto.

A sensação que tínhamos, como músicos da banda, era de uma grande animação, por percebermos que estávamos testemunhando ao vivo a ascensão de um grande artista, e nós fazíamos parte dessa interminável aventura.

Por trás da mesa de som, Manoel Magalhães, com a paciência de um monge, e Eugênio de Carvalho, aquele que perdia o amigo, mas não perdia a piada, conduziam as sessões com a habilidade de dois mestres da engenharia de gravação com anos de estrada.

No repertório, além da música-título, outros futuros sucessos já se enfileiravam: “Frevo Mulher” já mostrava sua primeira versão, mas que acabou explodindo mesmo pouco tempo depois na voz de Amelinha.
Waldemar, em 1981, em show com
a banda de Zé Ramalho

“Admirável Gado Novo” era outro sucesso aguardando a sua vez de entrar em cena. Lembro-me como se tivesse sido ontem uma noite, em 1978, quando Zé Ramalho bateu no meu quarto de hotel para me mostrar em primeira mão a “Vida de Gado” que tinha acabado de compor. Nós, na época, fazíamos o show de lançamento do primeiro disco em São Paulo e já se pressentia todo o sucesso se aproximando.

“Falas do povo”, uma homenagem a outro conterrâneo famoso, Geraldo Vandré, resumia sua força poética em dois versos simples e diretos do seu refrão: “falo da vida do povo/nada de velho ou de novo”.

A linda “Beira Mar”, que como diz o título, é um “Galope à Beira-Mar”, um dos formatos poéticos mais utilizados pelos cantadores nordestinos, também estava no repertório. Aprendi com meu compadre Zé (sou o orgulhoso padrinho de sua filha caçula, a Linda, outra artista de grande personalidade) todas as regras destes modos poéticos dos repentistas e cantadores: além do “Galope à Beira-Mar”, existem o “Martelo Alagoano”, o “Martelo Agalopado”, entre muitos outros martelos e galopes.

Lembro-me também com clareza – e sei de cor até hoje – um martelo alagoano que escrevi para ele quando estávamos em Porto Alegre em 1981 numa turnê do saudoso Projeto Pixinguinha e ele completava trinta e dois anos de idade. O aluno mostrando para o mestre que aprendeu a lição direitinho. Aí vai:

"Aproveito feliz ocasião
Pra saudar meu amigo Zé Ramalho
Companheiro de vida e de trabalho
Na batalha diária pelo pão.
Como artista é um grande criador
Seja em prosa, em canto ou em verso
É autor de inúmeros sucessos
Na sua voz de moderno cantador.
Lá do Brejo do Cruz paraibano
Caminhou sob as vistas de Avôhai
O seu velho irmão, avô e pai
Que o viu nascer há 32 anos.
Aproveito o vento minuano
Não preciso usar o dicionário
Lhe desejo Feliz Aniversário
Nos dez pés de martelo alagoano”.

Apesar dos quarenta anos de estrada, todas estas lembranças permanecem vivas na minha memória, e o melhor de tudo, a amizade continua a mesma. No ano passado, quando foi lançada uma regravação de todo este repertório com “apenas” a voz de Zé Ramalho e o seu firme violão, recebi na dedicatória que ele escreveu para mim: “Para o Mazinho, com quarenta anos de música e amizade”.

Além de tudo, este ano de 2019 comemora os setenta anos de vida deste cantador, deste grande artista e compositor, do meu compadre Zé Ramalho.


Vida longa e próspera, Compadre!


W A L D E M A R   F A L C Ã O

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FAIXAS:
1. A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu - 04:24
2. Admirável Gado Novo - 04:53
3. Falas do Povo - 04:11
4. Beira-Mar - 03:54
5. Garoto de Aluguel (Taxi Boy) - 03:03
6. Pelo Vinho e pelo Pão - 03:19
7. Mote das Amplidões - 03:57
8. Jardim das Acácias - 05:10
9. Agônico - 01:43
10. Frevo Mulher - 03:38
11. Admirável Gado Novo (instrumental) - 4:49*
12. Mr Tambourine Man - 2:26* (Bob Dylan)
13. Hino Amizade - 3:06*
14. O Desafio do Século - 3:41*
* Faixas-bônus da reedição de 2003
Todas as composições de autoria de Zé Ramalho, exceto indicada

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OUÇA O DISCO:
Zé Ramalho - "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu"

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Waldemar Falcão é músico, astrólogo e escritor. Atua como músico, compositor e produtor musical desde 1975. De 1978 a 1982, fez parte da banda do cantor e compositor Zé Ramalho, excursionando por todo o Brasil como flautista, vocalista e percussionista. Trabalhou como produtor  e engenheiro de som de músicos como Steve Hackett e Moraes Moreira. Em 1985, durante o primeiro Rock in Rio, foi assessor artístico de Nina Hagen e James Taylor. Astrólogo profissional desde 1987, foi membro fundador do Sindicato de Astrólogos do Rio de Janeiro (SINARJ) e do Conselho Deliberativo da Central Nacional de Astrologia (CNA). Tem quatro livros publicados: "Encontros com Médiuns Notáveis", "O Deus de cada Um", " Conversa sobre a Fé e a Ciência" com Marcelo Gleiser e Frei Betto, e "A História da Astrologia para quem Tem Pressa". 

terça-feira, 21 de abril de 2015

Maria Bethânia – Show “Abraçar e Agradecer” – Teatro do SESI – Porto Alegre/RS (16/04/2015)



O encanto e a graça de Bethânia no Teatro do SESI
foto: Amanda Costa
Não sou um expectador de shows tão rodado, bem como sei que já perdi muitos deles que nunca mais assistirei, pois os artistas já se foram para outro plano. Mas sei também que já vi muita coisa boa pelos palcos da vida, e dificilmente algo se comparará ao megaespetáculo de Paul McCartney no Estádio Beira-Rio ou, noutra ponta, ao “concerto caseiro” que Paulinho da Viola proporcionou aos porto-alegrenses num belo domingo matinal na Redenção. Mas o que estou falando não tem nada a ver com isso. Tem a ver com a talvez maior cantora, maior performer, maior intérprete viva deste esférico e redundante planeta: Maria Bethânia. E em se tratando de Bethânia não há comparação.
O espetáculo “Abraçar e Agradecer”, apresentado por ela no Teatro do Sesi, em Porto Alegre, comemorando irrepreensíveis 50 anos de sua carreira, deixa muito claro todas essas acepções: vê-se uma artista plena no palco, ciente e aproveitadora de sua trajetória, carregada pelo alto profissionalismo e por suas próprias individualidade, apaixonada pelo o que faz. Como muitos gostam de dizer – mas que a ela se atribui de fato –: uma diva. Foram cerca de 1 hora e 45 minutos que percorrem vários momentos de sua trajetória como uma das mais importantes artistas da história da música brasileira.
Sob luzes intensas de um cenário magnificamente montado por Bia Lessa apenas por estas, Bethânia entra no palco. E é ai que tudo se ilumina de fato. A abertura é tão grandiosa quanto autorreferencial: “Eterno em Mim”, de autoria do mano Caetano Veloso, compositor preferido dela (junto com Chico Buarque) e de maior presença no repertório do show, com seis canções ao total. Tão lindo e completo que minha sensação era de que, logo que terminou o primeiro número, a apresentação poderia terminar ali. Exagero meu, pois tinha muito mais. Mais uma, “Dona do Dom” (de Chico César, de quem também Bethânia cantara outra marcante do show, o fado milongado “Xavante”), e vem um belíssimo poema da própria Bethânia, misto de agradecimento ao público, aos orixás, à natureza, aos amigos, à vida e a si mesma. Tão bonito que não deixa em nada a dever aos outros textos que, como de costume, ela entremeia às canções nos seus shows. Neste espetáculo, obviamente, não poderia ser diferente: tem Clarice Lispector (com três passagens), Waly Salomão, Carmen Oliveira e Fernando Pessoa.
Mas voltando às músicas, o repertório celebra sua história na música brasileira, mas, exceto o hit “Gostoso Demais” (Dominguinhos e Nando Cordel), evita obviedades como “Fera Ferida”, “Reconvexo”, “Álibi” ou “Um Índio”. Mas clássicos há, e vários deles. Tanto que Bethânia arrasa numa versão vibrante e comovente de “Gita”, de Raul Seixas e Paulo Coelho. Todas as músicas se emendam umas nas outras, o que faz com que intensifique ainda mais a montanha-russa emocional que ela impõe ao público, pois além da carga gerada pelas próprias músicas, ainda não dá tempo de respirar entre estas. No caso, “Gita” se liga com outra de Caê: a lírico-romântica “A Tua Presença Morena”, joia que o genial irmão compôs-lhe para o álbum “A Tua Presença”, de 1971, ainda no exílio em Londres. De arrebatar. Aí vem outra dele para ela: “Nossos Momentos” (“Quem pode compartilhar dos meus sentimentos/ Na hora que o refletor bater/ Momentos de luz e de nós/ Momentos de voz e de sonho/ Momentos de amor que nos fazem felizes/ E às vezes nos fazem chorar”), num diálogo tanto com o que veio antes quanto com o trecho de Lispector lido na sequência, que diz: “Antes de julgar a minha vida, calce os meus sapatos, percorra o caminho que percorri, viva as minhas tristezas, minhas dúvidas, viva as minhas alegrias. Tropece aonde eu tropecei, e levante-se assim como eu fiz.”
Gonzaguinha, outro importante parceiro, amigo e compositor da carreira de Bethânia, retoma a seção musical metalinguisticamente: “Começaria Tudo Outra Vez”. No palco de LED em que Bethânia pisa se projetam de diversas formas: flores, estrelas, letras, desenhos, geométricos. E as luzes sobre ela ajudam a marcar a incrível performance de uma artista que dança e interpreta com alegria e jovialidade, apesar dos cabelos tomados de branco e os quase 70 anos. “Alegria”, aliás, é o que ela traz em seguida no lindo samba de Arnaldo Antunes, que ganha batuques de axé. Logo após, “Voz de Mágoa” (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), uma tocante interpretação do clássico bossa-novista “Dindi” e uma ainda mais emocionante execução de “Você Não Sabe”, de Roberto e Erasmo, compositores “incultos” para a dita intelligentsia que Bethânia fora uma das primeiras a demonstrar a beleza de suas construções melódicas. Quando se pensa que vai se respirar um pouco, ela vem com “Tatuagem”, de Chico e Ruy Guerra, e aí os olhos marejam inevitavelmente.
Depois de novo texto de Lispector, Chico retorna noutra marcante na carreira de Bethânia: a apoteótica “Rosa dos Ventos”, título do memorável show da cantora de 1971 quando ela consolida este formato de apresentação altamente íntima e com composições de diversas vertentes. Um pout-pourri com a ótima banda comandada por Jorge Helder preenche o interlúdio, quando Bethânia sai para trocar de figurino e voltar para o segundo ato. “Tudo de Novo“, mais uma de Caetano, faz a montanha-russa, que havia estacionado por alguns minutos, voltar com toda a velocidade.
As referências aos orixás, principalmente Iansã e Oxum, e aos elementos “água” e “vento” aparecem do início ao fim, e bastantemente nesta segunda parte. “Doce”, de Roque Ferreira (“A lagoa escura que a Bahia tem/ Que a areia branca rodeou/ São as águas de Oxum que Caymmi batizou...”), ”Oração de Mãe Menininha”, de Caymmi (“E a Oxum mais bonita, hein? Tá no Gantois...”), “Eu e Água”, outra de Caetano (“O mar total e eu dentro do eterno ventre/ E a voz de meu pai/ voz de muitas águas”) dialogam entre si e mostram claramente isso. A música que dá título ao show, de Gerônimo e Vevé Calazans (porém na ordem inversa: “Agradecer e Abraçar”), mantém a mesma linha: “Abracei o mar na lua cheia...”. Igualmente as três de Roque Ferreira que vêm em sequência: “Vento de Lá” (“Foi o vento de lá, foi de lá que chegou/ Foi o vento de Iansã dominador que dormia...”), “Imbelezô Eu” (“Alecrim beira d'água/ Que me beijou percebeu/ Alguma coisa em mim aconteceu/ A mão que me tocou imbelezô eu...”) e a bela “Folia de Reis”.
Um samba antigo, “Mãe Maria”, de Custódio Mesquita e David Nasser, precede outra maravilhosa declamação de Bethânia – como talvez no Brasil ela seja a que melhor o saiba fazer –, agora com poesia do conterrâneo Waly: “Cresci sob um teto sossegado, meu sonho era um pequenino sonho meu. Na ciência dos cuidados fui treinado/ Agora, entre meu ser e o ser alheio, a linha de fronteira se rompeu.”. Neste momento, Bethânia, dona do repertório, faz um singular paralelo entre a música rural (“Eu, a Viola e Deus”, “Criação”, “Casa de Caboclo”, “Viver na Fazenda”) com a raiz indígena brasileira (“Povos do Brasil”, o canto tupi “Maracanandé” e a já citada “Xavante”) com o autorreconhecimento da voz (“Alguma voz”, outra de PC Pinheiro e Dori, e “Motriz”, última de Caetano no show), seleção de músicas cujo simbolismo, entremeada pelo pungente e feminino texto “Candeeiro”, de Carmen Oliveira, representa a sua própria existência como pessoa e cantora.
“Eu Te Desejo Amor”, canção francesa de Charles Trenet e Léo Chauliac, de 1942, vertida para o português por Nelson Motta, arrebatou o público, que a essas alturas já a aplaudia de pé. Ao final desta, por sinal, dois minutos de aplausos diante de uma Bethânia visivelmente emocionada que dizia: “Que plateia é essa?!”. Mas o deslumbre não terminaria ali, pois, depois de ler um de seus poetas preferidos, Pessoa, Bethânia inunda de emoção o teatro com uma interpretação, esta em francês de fato, do clássico de Edith Piaf “Non, Je ne Regrette Rien”, enquanto uma projeção no chão de uma faixa de estrada parece cruzar-lhe o peito em alta velocidade.
“Silêncio” fecha o show em versos que traduzem a despedida e a delicadeza daquele momento tão especial, tanto para a artista quanto para o público: “Silêncio, eu quero ouvir o que me diz a imensidão/ Saber se minha alma tem razão/ Quando acredita que essas coisas vão durar”. A banda encerra ao som de outro marco da trajetória de Bethânia: “Carcará”, de João do Vale. Sob um mar de aplausos ela sai do palco, mas logo retorna para entoar dois sucessos: `”É o Amor”, de Zezé di Camargo e Luciano, que ela, em 1999, recolocou num outro patamar interpretativo, e “O que é o que é”, o grande sucesso de Gonzaguinha. É quando a plateia, já de pé e dançando, entoou junto com ela os inesquecíveis versos: “Viver/ E não ter a vergonha de ser feliz/ Cantar e cantar e cantar/ A beleza de ser/ Um eterno aprendiz...”.
Pra mim, admirador de sua obra e colecionador de vários de seus discos, a sensação que saí foi, além do deslumbre, de que Bethânia, ainda por cima, é ótima de estúdio. Pois a maior certeza que se tem é que ela é inteiramente do palco. Como disse no início, dificilmente verei apresentações melhores de algumas que já vi, pois estas estão guardadas no coração do diletante. Mas como este show de Maria Bethânia, a quem vi pela primeira vez, acho que nunca mais presenciarei. Ao fim, as cortinas se cerram e não se vê mais Bethânia, mas, como dizem os versos de Chico: “Sei que além das cortinas/ São palcos azuis/ E infinitas cortinas/ Com palcos atrás.” Bethânia está sempre lá, atrás das cortinas, além das cortinhas. Ela é luz, ela é azul, ela é o palco.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Conhecendo o "Novo" Maracanã

Rio, Maracana - 21:10 - Botafogo x Internacional - Primeira inpressao bastante positiva do estadio reformado. Bons acessos, cuidados com seguranca e internamente, conforto e vista privilegiada independente do ponto que se esteja. Sensacao de teatro. De uma casa de espetaculos dedicada ao futebol. Em breve sera o Beira- Rio que ficara asim. Mas enquanto assisto o jogo na casa do inimigo vou me concentrar em torcer.
Boa sorte, Colorado.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Museu do Amanhã - Rio de Janeiro/RJ



A imponente obra arquitetônica à beira da Baía da Guanabara
Só agora, pouco mais de um mês após sua inauguração, pude visitar o badalado e disputado Museu do Amanhã, localizado na revitalizada zona portuária do Rio, mais precisamente na Praça Mauá. Com enfoque no planeta Terra, o museu, de proposta autossustentável, expõe situações de modificação do planeta de toda ordem e de toda origem, sobretudo as causadas pelo homem e alerta para suas consequências imediatas e futuras. Sua exposição permanente, de circuito programado, começa com um impressionante vídeo de tirar o fôlego, exibido 360º, em alta definição, no interior de um globo onde os visitantes permanecem por aproximadamente 8 minutos. Depois disso, o visitante percorre os demais espaços livremente com uma série de mesas e telas interativas onde recebe informações diversas conforme o tema do espaço. Muito legal a visita, o espaço, entendo a proposta tecnológica e interativa do local, mas senti falta de algum espaço de arte, mesmo se tratando de um museu evidentemente científico. Algo dentro da proposta, como uma exposição de Sebastião Salgado, por exemplo, cuja obra tem foco antropológico e ambiental extremamente fortes; ou as esculturas naturais de Frans Krajcberg que se prestariam muito bem a uma análise artístico-ecológica. Mas o visitante não sairá frustrado pela ausência de uma obra de arte pois o museu, o edifício em si é a maior atração. Uma obra prima da arquitetura projetada pelo espanhol Santiago Calatrava, encantadora em cada detalhe, cada vão, cada espaço. Colocado à beira da Baía da Guanabara, o Museu do Amanhã tem a justa ambição de ser mais uma maravilha do homem a concorrer em beleza com as maravilhas da natureza que Deus gentilmente concedeu à cidade do Rio de Janeiro.


Abaixo algumas imagens da visita e do espaço:

O átrio de entrada

Um planeta Terra girando e em constante mudança
de projeções sobre os visitantes

O globo negro onde acontece a projeção de 360º

As costas da sala de projeção, já nas mesas interativas

Um dos grandes cubos que marcam cada fase da visitação.
Este destacando os rios.


Os impressionantes tótens de led em alta definição

Um dos painéis interativos.
Informação na ponta dos dedos

O interior de outro dos cubos com imagens dinâmicas e fascinantes
da fauna e da flora por todas suas paredes

Interior do cubo Pensamento

Exterior do cubo Pensamento

Os paineis com informações constantes

Visitantes interagindo nos painéis

Ponto final da exposição:
O Amanhã.


Os belíssimos espaços internos da edificação

Os fundos da edificação dando para a Baía

Este blogueiro que vos fala encerrando a visita.



Cly Reis




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

D'Alessandro


O dia 3 de fevereiro é mesmo um dia marcante para quem ama a arte da música e do futebol, principalmente quando se trata de um roqueiro e colorado. Neste dia, em 1959, o rock perdia Buddy Holly, Ritchie Valens e Big Bopper, vítimas de um trágico acidente aéreo. Agora, o dia 3 de fevereiro também será lembrado pelos pelo adeus de Andrés D’Alessandro ao Sport Club Internacional.

O ídolo e capitão colorado se despediu do seu povo. O torcedor colorado o abraçou desde a sua chegada. Eles que nunca se esquecerão dos seus feitos e conquistas. As vitórias diante do maior rival sempre serão lembradas. A sua magia e a sua garra exibida dentro das quatro linhas sempre serão citadas como exemplo aos mais novos.

D’Alessandro: foram 7 anos e meio de muitas alegrias. O maior estrangeiro que defendeu o Sport Club Internacional. Ele vestiu o manto vermelho com tamanha paixão que conquistou colorados e admiradores do futebol mundo afora. E por que não, o maior capitão colorado?

Os últimos anos não foram tão exitosos como outros tempos. O tempo começava a cobrar o seu preço e o corpo vitorioso começa a pedir descanso. Mas sua presença em campo era um bom motivo para sonhar com um resultado favorável para o Clube do Povo.

D’Alessandro era um jogador vestido de torcedor. Ele desfilava maestria e liderança. Técnica e habilidade. Ninguém esquecerá de la boba. Este gringo era a indignação de um pênalti não marcado, a alegria de um Beira Rio lotado, o sorriso de uma vitória do colorado.

D’Alessandro não saiu pela porta dos fundos ou por cifras chinesas absurdas. Ele sai de cena para voltar ao clube que o criou e que o lançou para o futebol: o River Plate, da Argentina. Lá, ele também é amado e lembrado pela sua magia. Adios El Cabezon. Adeus Dale. Você estará para sempre na memória de nós Colorados. Obrigado por nos tornar ainda mais Gigantes.



por Sandro Gonçalves





SANDRO GONÇALVES é natural de Montenegro (RS). Colorado, formado em Gestão Financeira pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), é apreciador da boa música e de filmes épicos, e, claro, aficionado pelo futebol do Internacional.