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terça-feira, 23 de abril de 2013

Adriana Partimpim - "Partimpim Tlês" (2012)


Ganhei de presente de minha amada Leocádia Costa o último CD do projeto Partimpim, de Adriana Calcanhoto: o “Partimpim Tlês” (isso mesmo, três com “L”, bem queridinho e infantil). Como esperado, um encanto de disco. Assim como os dois primeiros, o já fundamental “Adriana Partimpim”, de 2004, e “Partimpim 2”, lançado somente cinco anos depois, o novo da série traz canções infantis (ou não) para crianças (ou não) com muita poesia e numa roupagem ao mesmo tempo lúdica e arrojada, tendo em vista os arranjos primorosos que vão do intimismo à vanguarda. 

Tudo é muito artesanal, mas não que se exima de usar toda uma parafernália tecnológica e uma produção caprichadíssima. A banda, por exemplo, conta com nada menos que craques como Kassin, Moreno Veloso, Domenico e Berna Ceppas. Enfim, um projeto que já dura nove anos e que tem como diferencial não subestimar a inteligência dos pequenos. A instrumentação rebuscada, o primor das harmonias, o alto nível dos autores e parceiros (que vão desde Augusto de Campos e Ferreira Gullar até Péricles Cavalcanti e Arnaldo Antunes, tudo mostra o quanto este público merece, sim, não só Xuxa ou coisa pior.

Mas o disco? Repleto de pérolas do cancioneiro infantil ou, melhor ainda, identificadas com muita sensibilidade por Adriana como sendo também música que criança pode ouvir. Por que não? É o caso da sacada de “Taj Mahal”, de Jorge Ben compositor cujas letras, de fato, sempre tiveram um quê de infantil. Também é o que acontece com a ecológica “Passaredo”, de Chico Buarque e Francis Hime, e a mais surpreendente e brilhante delas: “Lindo Lago do Amor”, hit de Gonzaguinha nos anos 80 mas que nunca havia sido identificada como podendo ser também para os pequenos ouvintes. Tem ainda, ao contrário do primeiro da série, que só continha músicas de outros compositores, canções próprias de Adriana – tal como já ocorrera a partir do segundo volume. Destas, “Salada Russa”, parceria com Paula Toller, é um verdadeiro barato com sua letra inteligente que brinca com divertidas e inteligentes antífrases (despertando, inclusive, a curiosidade nas crianças sobre as figuras de linguagem).

Das inéditas, também tem a graciosa “Criança Crionça”, do poeta concretista Augusto de Campos e seu filho, o compositor Cid Campos – que conta com a participação especialíssima nos créditos do ronronar da gatinha de Adriana, a Sofia; a poética e etérea “Por que os Peixes Falam Francês?”; e a fofa canção-de-ninar “Também Vocês”, feita, como diz na dedicatória, para Lucinda Verissimo cantar para seu avô (Luís Fernando Veríssimo).

Destaques ainda para “De Onde Vem o Baião”, de Gilberto Gil (feita originalmente para Gal Costa que a gravou em 1978), e o clássico da bossa-nova “O Pato”, que há tempos estava caindo de maduro para Adriana gravar no Patimpim.

O CD desfecha em tom leve e quase “soninho” com Dorival Caymmi e sua “Acalanto”, autor que também mereceu outra homenagem com a maravilhosa “Tia Nastácia”, feita originalmente para a trilha sonora do Sítio do Pica-Pau Amarelo da Globo, nos anos 70. Esse é o melhor exemplo de que Adriana Calcanhoto, que assumiu o sobrenome Partimpim até nos créditos, pegou pra si a responsabilidade de seguir adiante com a tradição de trilhas para criança inteligentes como se fizera tempo atrás em obras referenciais como "Plunct Plact Zum!!!", “O Grande Circo Místico” ou “Arca de Noé” mas que, em tempos de progressiva imbecilidade da sociedade, vinha se estabelecendo. Ainda bem que a Adriana (a Partimpim!) está aqui para salvar a nós e à criançada. Longa vida a Adriana, seja a Partimpim ou a Calcanhoto.

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segunda-feira, 15 de abril de 2024

Ian Ramil - Show "Tetein" - Teatro Sicredi - Pelotas/RS (15/03/24)

 

A deriva de uma viagem talvez seja a melhor parte dela. Essa coisa de andar pelas ruas com os olhos atentos. Quando encarada com ânimo e receptividade, a deriva é capaz de trazer gratas surpresas. Foi assim quando, numa viagem a Curitiba, em 2014, durante um passeio de ônibus pela manhã, nos deparamos Leocádia e eu com o anúncio de um ótimo show na noite daquele mesmo dia. Em pleno Teatro Guairinha, assistirmos a uma homenagem a“O Grande Circo Místico”, a inesquecível obra de Edu Lobo e Chico Buarque. Foi quase sem querer que soubemos da programação. Só que não.

Desta feita, a quase coincidência foi em Pelotas, que por si só já traz sentimentos bons a nós dois visto a ligação que temos com a cidade. Numa despretensiosa visita ao Mercado Público, observamos colado em uma pilastra o cartaz de um show. Olhando com atenção, vimos que se tratava de um show de Ian Ramil, músico consagrado e que carrega nas veias o sangue de um dos clãs mais talentosos da música do Rio Grande do Sul. Seria a apresentação de lançamento de seu novo álbum, “Tetein”, e ainda por cima contaria com a participação de seu pai, o célebre Vitor Ramil. E vendo com ainda mais atenção: o show era na noite daquele mesmo dia – igual aconteceu conosco em Curitiba anos atrás.

Providenciamos os ingressos no Sesc de Pelotas, promotor do show, ali mesmo no Centro, e fomos. Além de conhecer o belo e moderno Teatro Sicredi, novo na cidade, o que mais nos interessava era, de fato, a música. Há aí um porém: mesmo com todas as coincidências boas da fluidez das coisas, não era necessariamente uma certeza para nós que fôssemos gostar. Explico, mas para isso preciso voltar a 2018, quando, em Porto Alegre, assistimos a uma breve – e desastrosa – apresentação do mesmo Ian. Fosse por inexperiência, má fase ou vaidade, o fato é que aquilo que vimos foi um artista desleixado, tocando mal e sem sintonia nenhuma com o público. Parecia que, pressionado com o peso do sobrenome, ele se revoltava com a condição e jogava esse desconforto de volta na plateia. Saímos com a pior das impressões.

Mas ainda bem que, como disse Claudinho para Buchecha, “todo mundo merece uma segunda chance, ‘fassa’”. Haviam se passado 6 anos, Ian vencera um Grammy Latino de melhor álbum de rock em português em 2016, esteve diretamente envolvido no projeto do supergrupo Casa Ramil e, no mais, a tendência era que aquele jovem de mal com a vida pudesse ter amadurecido. E valeu a pena reconsiderarmos, pois presenciamos um belo show. Com a sala praticamente lotada de conterrâneos, familiares e amigos, estávamos lá, Leocádia e eu, tornando-se mais pelotenses do que nunca. Às minhas costas, na fileira de trás, por exemplo, o padrinho de Ian, a quem Vitor, na sessão de autógrafos do seu “A Primavera da Pontuação”, na Feira do Livro de 2014, me disse ao me observar com aquele seu olhar penetrante: “Tu te parece com o meu compadre, padrinho do meu filho Ian”. Vejam só a especialidade e a simbologia desta ocasião.

Ian: revertendo qualquer
impressão negativa
A música de Ian tornou-se uma certeza para nós desde o primeiro número, com a linda faixa-título da turnê. A sonoridade de Ian, bastante influenciada pelo cancioneiro infantil desta feita – visto que sua pequena filha, Nina, foi a inspiração para o trabalho –, carrega elementos do rock, do jazz, do gauchesco, do pop, da música eletrônica e, claro, da Estética do Frio, cunhada pela genialidade de seu pai. Exemplo ele tem em casa, e soube aproveitar. Igualmente destaques a intensa “Macho-Rey”, a jazzística “Palavras-Vão”, a versão de “Pra Viajar no Cosmos não Precisa Gasolina”, de Nei Lisboa, e “Cantiga de Nina”, o samba-canção-de-nina(r) feito, óbvia e especialmente, para a filha.

Dono de uma musicalidade muito requintada, Ian e sua pequena banda (Bruno Vargas, no baixo, e Lauro Maia, programação e teclados) trouxeram ainda as excelentes “Lego Efeito Manada”, um chamamé moderno (e com lances de canto gregoriano), que faz remeter à música de Milton Nascimento, Tiganá Santana e, claro, Vitor Ramil. O timbre de voz, aliás, não deixa mentir que se trata de um Ramil, visto que, em vários lances, é possível ouvir a voz de seu pai e seus tios, Kleiton e Kledir. O artista trouxe ainda coisas mais antigas de sua carreira, como músicas do primeiro disco, de 2014, “Nescafé” e “Seis Patinhos” (visivelmente as mais fracas do set-list), e a potente “Artigo 5º”, um dos hinos da era “Fora Temer”, do seu premiado e combativo disco "Derivacivilização", a qual convidou seu pai para dividir os microfones num dos momentos altos do show.

Mas não cessou por aí. Ian realmente amadureceu como artista, como performer e, a que se vê, como pessoa, visto que se mostrou genuinamente simpático e acolhedor. Ainda tiveram a magnífica “O Mundo é Meu País”, a questionadora “Quiproquó” e, principalmente, “Mil Pares”, um manifesto distópico-utópico em que Ian imagina um cenário apocalíptico para o fim do capitalismo. Nesta, além de sopros e percussões adicionadas, ainda houve a repentina aparição de Davi Batuka com um atabaque africano, que fez o público vir abaixo. Na Pelotas das charqueadas, que tanto sangue negro viu escorrer pelas águas do Rio Pelotas há séculos, nada mais apropriado que, na mistura consciente e resistente de Ian, invocar essa ancestralidade para o palco.

Mais do que admirar o espetáculo, o mesmo nos serviu para revermos e revertermos a imagem de um artista que provou valer a pena ser escutado. Mas ainda mais significativo foi ver Ian e Vitor cantando a clássica “Joquin”, a versão de 1987 de Vitor para a música de Bob Dylan (“Joey”, de 1976), em que transpõe para a nem tão fictícia Satolep a história do genial, incompreendido e perseguido gênio inventor. Dadas as devidas proporções, a música de Vitor se tornou maior que a original, visto que, em terras gaúchas e brasileiras é um clássico e, no vasto e importante cancioneiro dylanesco, não passa de uma canção menor. Fato é que os versos iniciais do tema:“Satolep, noite”, ainda sem o acompanhamento dos instrumentos e ditos na voz de Vitor, traduziram a beleza daquele acontecimento. Estávamos ali, em nossa Satolep, dita assim mesmo, ao contrário, provocando essa inversão de percepções que Pelotas nos proporciona e numa noite muito especial. Tudo soube fazer sentido. Um acontecimento tão inesperado para nós, mas ao mesmo tempo tão significativo, que parecia estar previsto, como um presente da própria Pelotas para quando aqueles dois filhos desagarrados voltassem à deriva por suas ruas de pedras antigas.

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o clássico de Vitor Ramil "Joquin" cantado por ele 
e o filho-anfitrião Ian

Ian ao centro em trio com Bruno Vargas e Lauro Maia

Novamente com a excelente e versátil banda

"Ares de Milonga": canto e musicalidade de Ian típica dos Ramil

Número final, no bis, com a banda e convidados, entre eles o pai Vitor


fotos e vídeos: Leocádia Costa e Daniel Rodrigues
texto: Daniel Rodrigues

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Aquisições porto-alegrenses

Quem me acompanha nas redes sociais vê que vira e mexe estou escutando alguma coisa “na vitrola”. Embora tenha uma boa coleção, sabe como é, né? Colecionador de discos está sempre de olho em outros para comprar. Não é comum eu ir aos sebos de Porto Alegre (ainda mais agora na pandemia), até por causa dos horários comerciais, durante os quais geralmente estou ocupado, e porque, afinal, acaba sendo mais um gasto. Mas quando surgem boas oportunidades, é impossível resistir. Pois dias atrás, vi uma postagem do antenado e generoso amigo Juarez Fonseca sobre um amigo seu que estaria, em suas palavras, “se desfazendo de sua coleção de discos de vinil. Tem Chico, Caetano, Gil, Milton, Elis, Mercedes Sosa, Jaime Roos, Jimi Hendrix, muita coisa de jazz e raridades da música gaúcha. Uma mina de ouro.” E Juarez arremata o post alertando: “todas as capas estão reproduzidas no Facebook.”

Não deu outra: com tamanha propaganda, fui conferir. O amigo era Raul Boeira, músico, compositor e violonista de Porto Alegre com mais de 50 anos de estrada. E realmente: centenas de ótimos títulos em LPs e todos visivelmente bem cuidados por Raul, que me confessou posteriormente em troca de mensagens fazer cerca de 10 anos que não mais tinha toca-discos e que não havia “razão para esse som todo ficar aprisionado aqui no armário”. Não demorou muito para eu saber que outros dois colecionadores como eu, os também amigos Marcello Campos e Lucio Brancato, já estavam empenhados em alforriar tamanha qualidade musical. Diante do desprendimento e simpatia de Raul – e, claro, do meu desejo – adquiri sete unidades da encarcerada discoteca, os quais descrevo aqui brevemente um a um. Alguns já foram parar direto na vitrola:


“Do Romance ao Galope Nordestino”,
 Quinteto Armorial (1974)

Um dos fenômenos mais originais da história da moderna música brasileira, o Quinteto Armorial representa mais do que música, mas um conceito de brasilidade. Com a benção de Ariano Suassuna, líder intelectual do movimento Armorial, que buscava criar bases brasileiras para todas as formas de arte - entra as quais, a música - a banda que lançou o hoje famoso Antonio Nóbrega, em seu primeiro disco, traz sua sonoridade sui generis que alia clássico medieval e barroco aos sons formativos do Nordeste. E o que é essa capa de Gilvan Samico?! Uma obra-prima por dentro e por fora.



“Nice Guys”,
Art Ensemble of Chicago (1979)
A banda de Lester Bowie, Malachi Favors Maghostut, Joseph Jarman, Roscoe Mitchell e Don Moye num de seus mais celebrados discos. Os inventores do pós-jazz passeiam pelo bop, avant garde, blues, fusion, reggae e art music em sua musicalidade intergaláctica. “É possivelmente o mais representativo álbum da banda, uma vitrine variada que ilustra muito do que eles fazem de melhor”. Isso não sou eu quem digo, mas a Down Beat. Destaque para “Já”, "Folkus" e "Dreaming of the Master" . E a arte caprichada da capa e contra! Impecável como qualquer produto ECM. 



“Lilás”,
Djavan (1984)
Já totalmente inserido no mercado norte-americano, Djavan lançava em grande estilo, com produção gringa caprichada, um de seus discos de maior sucesso lá e aqui no Brasil. Embora tenha recebido certas críticas pelo excesso de elementos eletrônicos à época, o disco, sexto do artista, praticamente repete o antecessor “Luz”, pois é daqueles álbuns de carreira que parecem coletânea: a faixa-título, “Íris”, “Esquinas” e “Infinito” integram o repertório, por exemplo. Suingue, complexidade harmônica, arranjos ricos, vocais grandiosos. Um luxo.




“Jogos de Dança”,
Edu Lobo (1983)
Imagino que quando convidaram Edu Lobo - que já havia coescrito com Chico Buarque para o Balé Guaíra o clássico "O Grande Circo Místico" dois anos antes - uma nova trilha para dança somente instrumental ele, afeito muito mais à música do que ao canto, vibrou com a oportunidade. O resultado é um dos melhores discos da discografia do autor de "Disparada", que antecipa em pelo menos 10 anos o conceito de trilhas que o Grupo Corpo adotaria: artistas nobres da MPB compondo para balé trabalhos especiais e que vão além dos palcos: são música para se ouvir dançando ou parado.




“Tempo Presente”,
 Edu Lobo (1880)
Outro lindo disco de Edu Lobo que consagra sua década mais produtiva, os anos 70. Junto com “Missa Breve”, “Limite das Águas” e “Camaleão”, forma a quadra de álbuns em que o legítimo filho musical de Tom Jobim passeia pelos variados estilos, da bossa nova ao baião, do jazz ao clássico. Parcerias principalmente com Cacaso e Joyce, primor de arranjos, produção caprichada de Sérgio de Carvalho. Edu, assim, em plena fase criativa é ouro em pó.





“Bandalhismo”,
João Bosco (1980)
Dos discos de Boscão da fase com Aldir Blanc que não tinha. Além da arte sempre magistral de Elifas Andreato, que aproveita cortes e dobraduras diferentes, “Bandalhismo” é mais um documento da resistência à ditadura militar e a opressão social que o Brasil vivia como os vários que a dupla compôs nessa época. Abre com a sarcástica “Profissionalismo é Isso Aí”, mas também guarda joias como “Siri Recheado e o Cacete” e “Sai Azar”, que também são deste repertório.





“Atlantis”,
Wayne Shorter (1985)
Único da leva de compras que não tenho conhecimento de como é. Disco dos anos 80 de um dos imortais do jazz, que nunca decepciona. O que se sabe de antemão é que traz ritmos brasileiros e funk em várias faixas em arranjos muito bem elaborados. São 11 músicos em estúdio contando com Shorter revezando numa instrumentação entre o elétrico e o acústico. Boas expectativas.







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+ 2

Além dos LPs que adquiri, generosamente ganhei do próprio Raul Boeira em CD dois de seus discos: “Raul Boeira: Volume 1”, de 2009, e “Cada Qual com Seu Espanto”, dele e de Márcia Barbosa, de 2016. Assim como o Shorter, ainda não tive tempo de soltá-los na vitrola, mas não demorará.



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2023

 



Rita e Sakamoto nos deixaram esse ano
mas seus ÁLBUNS permanecem e serão sempre
FUNDAMENTAIS
Chegou a hora da nossa recapitulação anual dos discos que integram nossa ilustríssima lista de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS e dos que chegaram, este ano, para se juntar a eles.

Foi o ano em que nosso blog soprou 15 velinhas e por isso, tivemos uma série de participações especiais que abrilhantaram ainda mais nossa seção e trouxeram algumas novidades para nossa lista de honra, como o ingresso do primeiro argentino na nossa seleção, Charly Garcia, lembrado na resenha do convidado Roberto Sulzbach. Já o convidado João Marcelo Heinz, não quis nem saber e, por conta dos 15 anos, tascou logo 15 álbuns de uma vez só, no Super-ÁLBUNS FUNDAMENTAIS de aniversário. Mas como cereja do bolo dos nossos 15 anos, tivemos a participação especialíssima do incrível André Abujamra, músico, ator, produtor, multi-instrumentista, que nos deu a honra de uma resenha sua sobre um álbum não menos especial, "Simple Pleasures", de Bobby McFerrin.

Esse aniversário foi demais, hein!

Na nossa contagem, entre os países, os Estados Unidos continuam folgados à frente, enquanto na segunda posição, os brasileiros mantém boa distância dos ingleses; entre os artistas, a ordem das coisas se reestabelece e os dois nomes mais influentes da música mundial voltam a ocupar as primeiras posições: Beatles e Kraftwerk, lá na frente, respectivamente. Enquanto isso, no Brasil, os baianos Caetano e Gil, seguem firmes na primeira e segunda colocação, mesmo com Chico tendo marcado mais um numa tabelinha mística com o grande Edu Lobo. Entre os anos que mais nos proporcionaram grandes obras, o ano de 1986 continua à frente, embora os anos 70 permaneçam inabaláveis em sua liderança entre as décadas.

No ano em que perdemos o Ryuichi Sakamoto e Rita Lee, não podiam faltar mais discos deles na nossa lista e a rainha do rock brasuca, não deixou por menos e mandou logo dois. Se temos perdas, por outro lado, celebramos a vida e a genialidade de grandes nomes como Jards Macalé que completou 80 anos e, por sinal, colocou mais um disco entre os nossos grandes. E falando em datas, se "Let's Get It On", de Marvin Gaye entra na nossa listagem ostentando seus marcantes 50 anos de lançamento, o estreante Xande de Pilares, coloca um disco entre os fundamentais logo no seu ano de lançamento. Pode isso? Claro que pode! Discos não tem data, música não tem idade, artistas não morrem... É por isso que nos entregam álbuns que são verdadeiramente fundamentais.
Vamos ver, então, como foram as coisas, em números, em 2023, o ano dos 15 anos do clyblog:


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PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)

  • The Beatles: 7 álbuns
  • Kraftwerk: 6 álbuns
  • David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane, John Cale*  **, e Wayne Shorter***: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan e Lee Morgan: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden , U2, Philip Glass, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"

**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"

*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 7 álbuns*
  • Gilberto Gil: * **: 6 álbuns
  • Jorge Ben e Chico Buarque ++: 5 álbuns **
  • Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana, Chico Buarque,  e João Gilberto*  ****, e Milton Nascimento*****: 4 álbuns
  • Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
  • João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Baden Powell*** : todos com 2 álbuns 


*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil

**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"

*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"

**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"

***** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"

+ contando com o álbum "Edu & Tom/ Tom & Edu"

++ contando com o álbum "O Grande Circo Místico"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: -
  • anos 50: 121
  • anos 60: 100
  • anos 70: 160
  • anos 80: 139
  • anos 90: 102
  • anos 2000: 18
  • anos 2010: 16
  • anos 2020: 3


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 24 álbuns
  • 1977 e 1972: 20 álbuns
  • 1969 e 1976: 19 álbuns
  • 1970: 18 álbuns
  • 1968, 1971, 1973, 1979, 1985 e 1992: 17 álbuns
  • 1967, 1971 e 1975: 16 álbuns cada
  • 1980, 1983 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1965 e 1988: 14 álbuns
  • 1987, 1989 e 1994: 13 álbuns
  • 1990: 12 álbuns
  • 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 211 obras de artistas*
  • Brasil: 159 obras
  • Inglaterra: 126 obras
  • Alemanha: 11 obras
  • Irlanda: 7 obras
  • Canadá: 5 obras
  • Escócia: 4 obras
  • Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
  • Austrália e Japão: 2 cada
  • Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

“Sítio do Picapau Amarelo” - Trilha Sonora - Vários Artistas (1977)



"Monteiro Lobato e aquele mundo louco da minha infância, minha avó na cozinha e a gente lendo aquilo. Dori, esbocei alguma coisa. Fala de cada um, mas é o sítio, aquele lugar mítico, aquela música saltitante".  Gilberto Gil, na ligação que fez a Dori Caymmi logo após compor a música-tema da série

"Indo dali a pouco ao rio com a trouxa de roupa suja, ao passar pela jabuticabeira parou para ouvir a música de sempre — tloc! pluf! nhoc..." - Trecho de "Reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato

Parece mentira de adulto pra valorizar a própria infância, mas foi a 40 anos que a música feita para crianças mudou completamente o rumo da música popular feita no Brasil. A Rede Globo, percebendo um filão pouco explorado, o público televisivo infantil, resolveu investir em teledramaturgia para este e, na esteira, numa “ferramenta” que atingia as mentes e corações dos baixinhos: a música. Da cabeça de Guto Graça Melo, diretor musical da emissora à época, e do talentosíssimo compositor e arranjador Dori Caymmi, veio a missão de musicar um especial baseado no universo de Monteiro Lobato que começaria a ser rodado. Mas não apenas dar sonoridade ao vídeo como, principalmente, criar uma atmosfera que transmitisse aquilo que a mágica obra literária oferecia. Assim, surgiu a trilha sonora de “Sítio do Picapau Amarelo”, um sucesso nas telas e nas vitrolas que inspiraria artistas de todas as gerações seguintes.

A fórmula parecia óbvia: chamar os talentos da MPB da época para ilustrarem musicalmente os elementos narrativos. Entre estes, João Bosco, Jards Macalé, Ivan Lins, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Sérgio Ricardo, entre outros. Entretanto, muitas vezes o resultado saía – saudavelmente – complexo e até intrincado. E assim ficava. Afinal, Guto e Dori partiam do pressuposto de não subestimar a inteligência do público, mesmo sendo o infantil, postura que, por si, foi uma revolução de linguagem. Caso claro da dissonante “Peixe”, dos Doces Bárbaros, e da mística e intensa “Tio Barnabé”, em que Jards divide autoria e microfones com a talentosíssima Marlui Miranda (“Oi, nessa mata tem flores/ Os olhos do Saci/ Pula com suas dores/ Gentis com seus amores/ Os cantos da caapora/ Os orixás que nos acudam e nos valham nessa hora”). Ambas as faixas aparentemente jamais poderiam integrar uma seleção de músicas para crianças. Mas, aqui, entraram e fizeram muito significado.

O desbunde, contudo, já se dá na faixa que intitula a série. Mais do que isso: o tema passou a representar a já antiga obra de Lobato (datada dos anos 20) não só através das letras e ilustrações das páginas dos livros, mas também pelos sons. A canção que Gil cria sobre a simples sinopse dada a ele por Dori para se inspirar se transforma numa lúdica e colorida canção – e com referência a Beatles, como Caetano bem identificou no livro “Verdade Tropical”. Leitor dos contos fantasiosos de Lobato na infância, Gil resgata sua memória afetiva e praticamente a sintetiza em poucos versos, demonstrando uma familiaridade ímpar com o mundo lobatiano. “Marmelada de banana, bananada de goiaba/ Goiabada de marmelo [...]/ Boneca de pano é gente, sabugo de milho é gente/ O sol nascente é tão belo [...]/ Rios de prata, pirata, voo sideral na mata/ Universo paralelo [...]/ No país da fantasia, num estado de euforia/ Cidade polichinelo”. A estrutura melódica faz com que tudo termine rimando com aquilo que lhe é originário e inequívoco: “Sítio do Picapau Amarelo”. Genial.

Mesmo as canções mais palatáveis são de uma complexidade harmônica invejável – muito pela mão de Dori nos arranjos e orquestrações. “Narizinho”, doce canção de Ivan Lins cantada por sua então esposa, Lucinha, mostra bem isso. Outro mestre da MPB chamado para dar sua contribuição é Paulo César Pinheiro. Ele não economiza na carga poética e brasilianismo, o que faz em duas faixas, ambas parcerias com Dori: a divertida “Ploquet Pluft Nhoque" (“Jaboticaba”), cantada pelo grupo vocal Papo de Anjo (“Olha o bando/ que acode com o baque/ que bate no galho/ que faz pinque ploque...”), e “Pedrinho”, tema do corajoso personagem Pedro Encerrabodes de Oliveira, lindamente interpretada pelo grupo Aquarius.

O capricho desta trilha passa também por excelentes instrumentais, caso de “Saci”, autoria de Guto e brilhantemente arranjada por Dori e com as vozes da Aquarius fazendo vocalizes. Tema denso como a mitologia que tematiza, porém muito bem equilibrado harmonicamente pela instrumentalização utilizada, que dá “alívios” à tensão. É a primeira canção dedicada à lenda do Saci-Pererê de um especial infantil. Depois desta, vieram outras semelhantes cujo tema central é a alegoria de origens indígenas e africanas que representa o folclore brasileiro: duas diferentes assinadas por Jorge Ben (uma delas para o também especial infantil “Pirilimpimpim”, de 1982), e uma de Gil para a Black Rio (de 1980).

O elenco da série da Globo estreada em 1977: um marco
na tevê brasileira
Ivan Lins, em ótima fase, vem com outra, agora para a querida “Dona Benta” (vivida pela atriz Zilka Salaberry), cantada por Zé Luiz Mazziotti. Melodia jobiniana e jazzística comandada no Fender Rhodes. Ronaldo Malta interpreta outra bela composição, “Arraial dos Tucanos”, de Geraldo Azevedo e Carlos Fernando. O início melodioso dá lugar, logo em seguida, a um baião de notas abertas, expansivo como os pássaros cantados na letra: “Arraial dos tucanos/ Até quando o homem/ Que da terra vive/ E que da vida arranca/ O pão diário/ Vai ter tua paz/ Paz/ Aparentemente paz”. Igual questionamento faz a também “ecológica” (termo que ainda não era moda naqueles idos) “Passaredo”, de Chico Buarque e Francis Hime. Entoada com absoluta perfeição pela MPB-4, a clássica canção, após enumerar diversos nomes da abundante variedade de espécies da fauna brasileira, avisa: “Bico calado/Toma cuidado/ O homem vem aí” – seja este o caçador sem escrúpulos ou o soldado daquele Brasil de Ditadura Militar. Duas faixas lúdicas, mas altamente reflexivas, que chamavam os baixinhos a pensar.

Cabe ao inventivo Sérgio Ricardo o tema de uma das personagens mais queridas da história, a boneca de pano “Emília”. Habilidoso, ele elabora uma melodia que remete aos violeiros do sertão e que em alguns momentos lembra a musicalidade e o fraseado de Geraldo Vandré, Dorival Caymmi e Alceu Valença. Igualmente hábeis são João Bosco e Aldir Blanc, a parceria clássica de tantos hinos da MPB daquela época. Aqui, os autores de “O Bêbado e a Equilibrista” e “O Cavaleiro e os Moinhos” valem-se de suas mentes privilegiadas para dar mote a Visconde de Sabugosa, o fascinante boneco feito de sabugo de milho, cuja sabedoria obteve através dos livros da estante de Dona Benta. Samba sincopado típico da dupla e com as características tiradas vocais de Bosco a la Clementina de Jesus. Na letra, Aldir dá um show: “Sábio sabugo/ Filho de ninguém/ Espiga de milho/ Bobo sabido/ Doido varrido/ Nobre de vintém”.

Como se não bastasse, para arrematar, Dori, com o acesso que somente ele podia ter, chama ninguém menos que o pai, o gênio Dorival Caymmi. Este, por sua vez, escreve uma joia para “Tia Nastácia”. E não podia ser para outra personagem, haja vista a identificação do velho Caymmi com a cultura afro-brasileira: ela, uma preta velha bondosa e sábia, típica negra filha recente da abolição da escravatura. Traduzida em versos pelo mestre baiano, Tia Nastácia, interpretada pela atriz Jacyra Sampaio na série, sai assim: “Na hora em que o sol se esconde/ E o sono chega/ O sinhôzinho vai procurar/ A velha de colo quente/ Que canta quadras e conta histórias/ Para ninar”.

Esta histórica trilha sonora abriu portas para uma série de outras semelhantes de especiais infantis da tevê nos anos seguintes, como “A Arca de Noé I e II”, “Pirilimpimpim”, “Plunct-Plact Zum”, "Casa de Brinquedos" e “O Grande Circo Místico”, todas bastante baseadas na questão musical. Havia dado certo a fórmula. Juntamente com a peça “Os Saltimbancos”, que Chico Buarque escrevera junto com Sergio Bardotti e Luis Bacalov também em 1977, “Sítio...”, assim, inaugura a entrada dos grandes talentos da música brasileira no universo sonoro e afetivo das crianças. Em tempos de pré-abertura, impossibilidade de diálogo e de esgotamento das ideologias, os artistas pensaram: “Já que os adultos estão tão saturados, por que não produzirmos para os pequenos?”. Pensaram certo e o fizeram muito bem, abrindo um paradigma na cultura de massas no Brasil sem precedente no mundo da música.

Aí, quando os pais de hoje dizem que o conteúdo do que eles tinham nas suas infâncias era muito melhor do que o de hoje, não se trata de mentira e nem de saudosismo. É a mais pura verdade.

Vídeo de abertura de "Sítio do Picapau Amarelo" (1977)




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FAIXAS

01. Narizinho (Ivan Lins – Vitor Martins) - Lucinha Lins
02. "Ploquet Pluft Nhoque" (Jaboticaba) (Dory Caymmi – Paulo César Pinheiro) - Papo de Anjo
03. Peixe (Caetano Veloso) - Doces Bárbaros
04 . Saci (Guto Graça Mello) - Papo de Anjo
05. Visconde de Sabugosa (João Bosco – Aldir Blanc) - João Bosco
06. Dona Benta (Ivan Lins – Vitor Martins) - José Luís (Zé Luiz Mazziotti)
07. Sítio do Picapau Amarelo (Gilberto Gil) - Gilberto Gil
08. Pedrinho (Dory Caymmi – Paulo César Pinheiro) - Aquarius
09. Arraial dos Tucanos (Geraldo Azevedo – Carlos Fernando) - Ronaldo Malta
10. Tia Nastácia (Dorival Caymmi) - Dorival Caymmi
11. Passaredo (Francis Hime – Chico Buarque de Hollanda) - Mpb4
12. Emília (Sergio Ricardo) - Sérgio Ricardo
13. Tio Barnabé (Marlui Miranda – Jards Macalé – Xico Chaves) - Marlui Miranda e Jards Macalé

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OUÇA

por Daniel Rodrigues

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Cinema Marginal #4 - "O Anjo Nasceu", de Júlio Bressane (1969)



Desta vez trago para vocês um filme mais "simples": "O Anjo Nasceu", de Júlio Bressane, de 1969. A historia é bem descomplicada e sua narrativa é bastante linear, mas é claro que seus personagens são cheios de alegorias e o espectador deve estar preparado para mais uma obra amoral (ou nem tanto).
Dois bandidos saem pela cidade cometendo atos de violência. Santamaria (Hugo Carvana), místico que acredita que com seus atos está se aproximando de um anjo que lhe limpará a alma; e Urtiga (Milton Gonçalves), um marginal ingênuo que segue os passos do amigo acreditando também, por sua ingenuidade, no anjo da salvação.
Qual a chance de salvação 
destes dois marginais?
Não é a primeira vez nem a ultima vez que falo isso sobre os filmes marginais mas não é um filme que vá agradar todo mundo. Há cenas de violência bem fortes, violência contra mulher, violência contra homossexuais, existe toda uma crítica religiosa e dependendo de como você receber o filme tudo isso pode não soar muito legal. A qualidade da imagem e som também são fatores que se deve superar ao assistir o filme mas essa era exatamente a proposta estética do cinema marginal.
As cenas do sequestro são bastante fortes bem como  as atuações
dos atores principais. Esse momento, especificamente, é fabuloso.
Apesar de ser uma quase antiestética, ela é muito bem utilizada por Bressane e seus planos longos (ou exageradamente longos) funcionam bem criando grande dramaticidade uma tensão nas cenas. É uma obra bem silenciosa mas em muitos momentos deste silêncio que muita coisa é dita.  A brincadeira visual que o filme faz com as placas que aparecem "incidentalmente" é genial em muitos momentos, como por exemplo, próximo ao final, quando os bandidos estão em um circo e ao fundo pode ver-se uma placa com dizeres "O encontro com a morte", e também no momento onde vão até um cinematógrafo e a câmera permanece durante algum tempo, uns vários segundos em close na placa "Cinematographo". Genial essa brincadeira toda. A crítica mais evidente do filme é a pessoas que cometem atos brutais buscando uma suposta salvação de suas almas, que buscam na religião a desculpa para seus atos e independente da crença, seita, doutrina ou seja lá o que for, isso fica claro no longa.
A minha cena favorita no filme é quando os dois bandidos, Urtiga e Santamaria,  estão comendo na mesa juntamente com a dona da casa ondes estão se escondendo, quando Santamaria expõe para a dona da casa sua maneira de pensar que é na verdade um perfeito resumo da proposta do filme e de certa forma, por extensão, do cinema marginal, "O que está certo é o errado... E o que está errado, pra mim é o certo".
Uma obra fantástica pela maneira como foi feita e pela ideia que transmite, tudo com muita criatividade utilizando bem as técnicas cinematográficas para, mesmo com pouco recurso, fazer muita coisa. Sua ambição claramente não era grandiosa mas vê-se as ferramentas cinematográficas sendo usadas de uma maneira tão inteligente que o exagero teatral dos personagens acabam fazendo sentido e tornando-se necessários, tamanho a grandiosidade artística da obra, que é forte, crua e real.
A placa ao fundo "Encontro com a morte".