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sábado, 12 de setembro de 2015

Howlin' Wolf - "Howlin' Wolf" ou "The Rockin' Chair Blues" (1962)



"Seus olhos se iluminavam e você podia
ver as veias se incharem no seu pescoço
e, irmão, sua alma inteira
se concentrava naquela canção.
Ele cantava com a danada da alma."
Sam Phillips,
da gravadora Sun Records,
descrevendo Howlin' Wolf



Um uivo de lobo.
Uma voz potente.
Um homem transfigurado em animal no estúdio.
Assim era Chester Arthur Burnett, mais conhecido como Howlin' Wolf, um dos maiores nomes do blues de todos os tempos. Artista de admiráveis qualidades vocais, exímio manejo da guitarra e performances arrasadoras em shows, Wolf que começara na Sun, gravadora que revelou Elvis Presley, teve, no entanto, seu período de maior sucesso pelo famoso selo Chess, de Chicago, curiosamente levado pelas mãos do, sabidamente um arquirrival, Muddy Waters.
Rivalidades à parte, cada um com seus talentos, muitos diga-se de passagem, havia espaço para os dois na Chess. A maioria dos músicos do staff da gravadora gravavam as canções do baixista da casa e compositor Willie Dixon, mas poucos como Wolf tiraram tanto proveito desta parceria. Saíram das maos de Dixon alguns dos maiores sucessos de Howlin' Wolf e diga-se de passagem, em contrapartida, são dele algumas das melhores interpretações das músicas de Dixon.
Wolf já havia gravado um disco desde sua chegada à Chess mas que ainda trazia heranças da Sun Records, sua antiga gravadora, e contava apenas com as composições do próprio cantor, mas foi com o disco conhecido popularmente como "The Rockin' Chair Blues" que Wolf alçou voo definitivamente no universo do blues muito em função das composições de Dixon e de seu dedo na produção.
O disco abre com a excitante "Shake For Me", uma incitação à libido e já traz na sequência o clássico "The Red Rooster" cantado de maneira arrastada por Wolf com o acompanhamento de por uma slide guitar matadora do próprio cantor. A música ganharia inúmeras versões posteriores, nas quais ganharia o diminutivo pela qual é mais conhecida ("Little"), dentre elas a suingada de Sam Cooke, a suja do Jesus and Mary Chain e a maliciosa dos Rolling Stones.
"Who's Been Talkin'", um blues lento, quebrado com um toque latino é uma das duas, apenas, de autoria do próprio cantor no disco, e ""Wang Dang Doodle", que a segue é pegada, cheia de embalo, com uma guitarra vibrante e um refrão contagiante.
Outra que já foi regravada incontáveis vezes, por Etta James, Who, pelo Cream de Eric Clapton, mas que tem na versão deste blueseiro do Mississipi, a primeira, diga-se de passagem, uma de suas melhores interpretações, é a magnetizante "Spoonful",  mais uma das obras-primas de Dixon imortalizada pelo vocal singular do Lobo.
Na chorosa "Going Down Slow" onde o vocalista praticamente apenas declama a letra, o que destaca-se mesmo, desde a introdução martelada, é o piano; já em "Back Door Man", Howlin' Wolf retoma o protagonismo e encarna o personagem soltando ganidos arrepiantes numa canção que é uma espécie de assombração sensual e sedutora e que cuja versão, talvez, mais conhecida seja a da banda The Doors gravada logo em seu álbum de estreia.
Bem ritmada, embalada, impetuosa, "Howlin' for My Baby" (que também é conhecida com a variação de "... My Darling"), talvez a melhor tradução da fusão de estilos do blues do Delta para o de Chicago, encaminha com grandiosidade o final do disco para que "Tell Me", a outra composição de autoria de Wolf no disco, um gostosíssimo blues com uma levada apaixonante de harmônica  se encarregue de fechar de forma magistral.
Um daqueles caras para o qual a alcunha lenda do blues cabe perfeitamente, ainda mais reforçada pelo nome sugestivo que carregava, pelas performances insanas no palco, pelo feitiço que impunha às mulheres e pelos uivos quase animalescos que emitia em suas interpretações. Seria aquela figura na verdade uma criatura entre o home e o lobo? Teria ele, como o outro legendário Robert Johnson, feito algum pacto sinistro cujo preço seria que dividisse sua forma entre o humano e o bestial, metamorfoseando-se depois de determinada hora, em determinados dias, em dada fase lunar? Ficaria ele assim, mesmo em sua forma humana com traços do animal o que explicaria seus grunhidos, uivos e rosnados característicos e sua forma gigantesca e quase gutural? Bobagem, bobagem. Mas, ei... Alguém aí ouviu um uivo?
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FAIXAS:
  1. "Shake for Me" – 2:12
  2. "The Red Rooster" – 2:22
  3. "You'll Be Mine" – 2:25
  4. "Who's Been Talkin'" (Howlin' Wolf) – 2:18
  5. "Wang Dang Doodle" – 2:18
  6. "Little Baby" – 2:45
  7. "Spoonful" – 2:42
  8. "Going Down Slow" (St. Louis Jimmy Oden) – 3:18
  9. "Down in the Bottom" – 2:05
  10. "Back Door Man" – 2:45
  11. "Howlin' for My Baby" – 2:28
  12. "Tell Me" (Howlin' Wolf) – 2:52
* todas as faixas compostas por Wilie Dixon, exceto as indicadas
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Ouça: 

sábado, 16 de março de 2013

Janis Joplin - "Joplin in Concert (1972)




“Existe coisa pior que morrer aos 27 anos, numa overdose acidental, depois de terminar um trabalho excelente? Sim. Ser a associada a bichos-grilos deslocados de geração, ser vomitada por rádios que fazem do rock música retrógrada para ogros ignóbeis... Virar símbolo das mulheres-que-não-tomam-banho-e-têm-o-sovaco-cabeludo, ser vulgarizada como a baranga hiipie que o Serguei carcou”.
Pedro Só, jornalista 

O pior é que eu era desses. Dos que consideravam Janis só mais uma riponga despirocada da cabeça que, até tinha algum talento, sim, mas que abusava um pouco além da conta dos gritos e dos improvisos. Assim, nunca tive maior respeito pelo trabalho dessa moça. Mas minha impressão foi mudando com o tempo. Fui ouvindo uma aqui, outra ali, descobrindo que tal música que eu conhecia era cantada por ela, achando interessantes aquelas evoluções vocais, achando inspirados aqueles improvisos, até que, por fim, ela foi entrando na minha paisagem musical. Minha descoberta definitiva deu-se no entanto, quando um amigo meu, livrando-se de alguns CD's, me deu o "Joplin In Concert" (1972). Como disse, tirando "Mercedes-Benz" que é praticamente a marca registrada da loirinha e que todo mundo já ouviu pelo menos uma vez na vida, todo meu conhecimento de Janis até então era muito superficial, e ouvindo então aquele álbum ao vivo, abriram-se meus olhos definitivamente. Nossa! que cantora, que performance, que álbum ao vivo.
Este póstumo de Janis Joplin na verdade traz momentos distintos ao vivo com bandas diferentes e foi lançado originalmente em vinil duplo, com o acompanhamento de uma banda em cada disco, sendo a primeira parte, com a Big Brother and the Holding Company, banda da qual fez parte na primeira fase da carreira, mostrando uma sonoridade um pouco mais rock, mais pegada; e o disco 2, com a Full Tilt Boogie Band, do seu cultuado álbum "Pearl", puxando um pouco mais para o blues e soul. Mas a distribuição não precisa ser levada tão à risca, uma vez que a parte rock do disco, tem por exemplo, o excelente blues envenenado, "Piece of my Heart", e a "metade blues", por assim dizer, tem um rock soul e psicodélico como "Road Block".
Mas não ficamos só nestas: destaques também para , "Down on Me" que abre o álbum, um rock poderoso com uma pegada country-folk; para "All is Loneliness" que me lembra bastante The Doors; para a interpretação fantástica dela em "Summertime"; para a soul poderosa "Half Moon"; e para a faixa final, de performance incrível da cantora, "Ball and Chain". Sei que para fãs da antiga essas são completamente batidas mas, perdoem-me a empolgação, eu as conheci nesse ao vivo e adorei nessas performances.
Outro daqueles álbuns que se alguém puder ter em LP, por conta dessa diferença dos momentos, das apresentações, dos conceitos, das bandas, das performances, deve-se dar preferência para o formato vinil.
Daquelas artistas que mostram para a gente como é importante saber reconsiderar. Eu tive ouvidos abertos e felizmente descobri Janis Joplin ainda em tempo.Acho que me redimo de todas as injustiças que durante muito tempo dediquei a ela com este ÁLBUNS FUNDAMENTAIS.
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FAIXAS:
  • Disco 1
lado A
1. "Down on Me"
2. "Bye, Bye Baby
3. "All is Loneliness"
4. "Piece of My Heart"
lado B
1. "Road Block"
2. "Flower in the Sun"
3. "Summertime"
4. "Ego Rock"
  • Disco2
lado C
1. "Half Moon"
2. "Kozmic Blues"
3. "Move Over"
lado D
1. "Try (Just a Little Bit Harder)"
2. "Get It While You Can"
3. "Ball and Chain"
* No disco 1: "Down on Me" e "Piece of My Heart", foram gravadas em Detroit, no Grande Ballroom, em 2 de março de 1968;
"All is Loneliness" e "Ego Rock", no Fillmore West em San Francisco, em 4 de abril de 1970;
"Road Block", "Flower in the Sun" e "Summertime", gravadas em San Francisco, no Caroussel Ballroom em 23 de junho de 1968;
e "Bye, Bye Baby, também em San Francisco, mas no Winterland, em 12 de abril de 1968.
* No disco 2: todas foram gravadas no Canadian Express Festival, porém "Half Moon" e "Kozmic Blues"  foram registradas em Toronto, no dia 28 de junho de 1970; e as demais em Calgary, também no Canadá, em 4 de julho de 1970.
Formações:
Big Brother and The Holding Company
  • James Gurley – Guitarra
  • Sam Andrew – Guitarra
  • Peter Albin – Baixo
  • Dave Getz – Bateria
Full Tilt Boogie Band
  • John Till – Guitarra
  • Richard Bell – Piano
  • Ken Pearson – Orgão
  • Brad Campbell – Baixo
  • Clark Pierson – Bateria
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Ouça:

segunda-feira, 14 de junho de 2021

R.E.M. - "Out of Time" (1991)

 

“Não esperávamos o que aconteceu com ‘Losing my Religion’. É uma música de cinco minutos sem refrão perceptível, e o bandolim é o instrumento principal. Não há absolutamente nenhuma maneira de prever que a música seria um sucesso."
Mike Mills

"Eu realmente gosto muito do disco. Na verdade, eu amo o disco.”
Michael Stipe

O início dos anos 90 foi especial para apreciadores de rock de qualquer canto do planeta, inclusive no Sul do Brasil, sempre longe demais das capitais. Surgiam ótimas e promissoras bandas tanto nas paradas de sucesso quanto na cena alternativa, despontavam alguns músicos de fina estirpe, as rádios e uma ativa MTV repercutiam muita coisa boa, festivais legais aconteciam pelo mundo. Mas aquele período foi também de confirmação de velhos conhecidos. Oriundos dos anos 60, 70 e 80, muitos artistas em plena atuação faziam alguns de seus melhores trabalhos naquele começo da última década do século XX, o mesmo que viu, nos anos 50, o rock surgir enquanto movimento jovem e cultural de massas. Foi assim com Iggy Pop, Lou Reed, The Cure, Neil Young, Metallica, U2 e vários outros. Sabendo-se de seus potenciais e história, de certa forma esperava-se deles que trouxessem novidades a cada lançamento. Porém, por incrível que pareça, não se alimentava essa expectativa quanto a R.E.M. – ou, quem sabe, temporariamente se esquecia deles.

Talvez por terem demorado três anos para lançar algo novo ou por virem de uma série de ótimos discos, desembocando no acachapante “Green”, a impressão que dava era a de que eles haviam se livrado dessa cobrança. A ausência do peso da responsabilidade foi positiva, pois fez com que a chegada de “Out of Time” fosse ainda mais impactante naquele ano de 1991. O primeiro single, "Losing My Religion", cujo videoclipe foi ao mesmo tempo um choque e um sucesso imediato, tratava-se de um perfect pop com as características que lhe são comuns: refrão pegajoso, riff fácil e inteligente, melodia envolvente, evolução com carga emotiva. Mas, mais do que isso, um tom melancólico, grave, contristado, algo entre uma balada com ares sacros e um pop rock de massas. Fora isso, o instrumento principal é um incomum bandolim. E que letra! “Aquele sou eu no canto/ Aquele sou eu sob os holofotes/ Perdendo minha religião/ Tentando te acompanhar/ E eu não sei se eu consigo fazer isso”. Sabia-se que se estava presenciando o nascimento de um clássico do rock.

Dada a primeira boa impressão, o então novo disco da R.E.M., porém, levou um pouco para chegar no ainda atrasado mercado fonográfico do Brasil daqueles idos. "Losing My Religion", por sua vez, cumpria o papel de reacender os holofotes para o quarteto Michael Stipe, Peter Buck, Mike Mills e Bill Berry. A se ver pelo primeiro hit, prenunciava-se um disco acima da média. Foi então que o dia de conhecer “Out...” chegou ao Rio Grande do Sul (provavelmente, se não o primeiro estado no Brasil, dos primeiros a ter esse privilégio) através da finada Rádio Ipanema, que aos finais de tarde geralmente rodava na íntegra alguma novidade do mundo do rock. 

E as expectativas foram todas confirmadas. “Radio Song”, que abre o álbum, assinalava que a R.E.M. vinha, sim, para engrossar a fila das bandas veteranas em plena forma naquela virada de anos 80 para os 90. Um britrock ao estilo das melhores coisas da Ride e Stone Roses, com um ritmo funkeado, riff matador e carregado das guitarras espetaculares de Buck. Ainda assim, o arranjo também comportava uma orquestra de cordas e uma boa dose de variações de andamento. Mas isso não é tudo: dividindo os vocais com Stipe está o rapper KRS-One. Primeiro, soltando frases e melismas com o sotaque das ruas norte-americanas, o que dá uma personalidade totalmente própria à música. Depois, ao final, KRS-One engata, aí sim, somente ele um rap, encerrando a canção com o provavelmente quarto ou quinto ritmo apresentado na melodia. Que cartão de visitas “Radio Song”!

A audição de “Out...” se desenrolava e, a cada nova faixa, mais se confirmava que se estava diante de um grande disco. "Low" emulava com competência The Doors, tanto no canto de Stipe a la Jim Morrison e no riff de guitarra circunspecto, que lembra temas como "When the Music's Over" e "Strange Day", quanto, principalmente, no órgão Hammond como o de Ray Manzareck. Bem ao estilo guitar melody, a R.E.M. volta à sua pegada dos discos “Document”, “Reckoning” e, principalmente, “Green”, em "Near World Heaven", outra música de trabalho do disco, esta, cantada por Mills. Conforme se avança no sulco, percebem-se semelhanças com a construção de repertório desses álbuns anteriores que tão certo havia dado, os quais intercalam temas mais alegres com outros mais melancólicos, mais agitados com lentos, mais distorcidos com melodias doces. Mérito do produtor Scott Litt.

O que “Out...” guarda também, no entanto, são mais maravilhas. A emocionante instrumental "Endgame" é um country altamente melodioso em que, além da instrumentalização caprichada com escaleta, violão, cordas e percussões delicadas, ouve-se a voz de Stipe apenas para cantarolar melismas como mais um instrumento. Após uma canção tristonha, vem mais uma pulsante. E em alto astral, por sinal. Sinônimo de música pop alegre, o segundo maior hit do disco, "Shiny Happy People", traz, além do termo "alegria" no próprio título, a esfuziante participação de Kate Pierson, da B52's, musa da divertida new wave, dividindo os microfones com Stipe, que pega emprestada a ideia tão bem executada por Iggy Pop com a cantora um ano antes noutro sucesso daquele começo de década, "Candy". Assim como “Losing...” e espelhando-se num tema de função parecida de “Green”, “Stand”, é mais um perfect pop que também marcou época por conta de sua melodia animada e de seu clipe, que trazia uma cenografia festiva e colorida como a música.

O pop rock eficiente de "Belong" completa-se com uma nova redução na rotação e mais uma bela canção: "Half a World Away", balada misto da atmosfera folk de "Endgame", o vocal anasalado típico de Stipe em "Losing...", as cordas de “Radio Song” e a levada Doors de "Low" – desta vez trocando o órgão por um cravo. Na sequência, Mills encabeça outro tema assim como fez em “Near...”. É “Texarcana”, novamente um rock com magnífico riff e complemento de cordas. A construção do repertório é tão parecida com a de “Green”, que mais uma vez as faixas se espelham. Caso de “Country Feedback”, balada que remete a “The Wrong Child” do álbum anterior. Esta prepara o terreno para o encerramento com "Me in Honey", em que se repete a dobradinha Stipe-Pierson num tema pop se não à altura de grandes faixas do próprio “Out...” e nem do gran finale de “Green” (o rockasso "I Remember California"), ao menos mantém com dignidade a boa qualidade.

Chegado ao final daquela primeira audição de “Out...”, ação se repetiria centenas de vezes nesses últimos 30 anos que o disco completa em 2021, ficava evidente que a R.E.M. se superava. E se não era melhor do que seu antecessor “Green” – difícil tarefa que a banda jamais atingiria até se dissolver, em 2011 – ao menos aperfeiçoava seu estilo e discurso. Adicionava-se às guitarradas de Buck outras formas de criar riffs; ampliava-se a instrumentalização; aprofundam-se na raiz da música norte-americana; Stipe apurava ainda mais sua poesia e canto. Presente em listas de grandes discos dos anos 90, como a dos 100 Álbuns das revistas Rolling Stone e Slant, “Out...” ganhou três Grammy Awards em 1992 (Melhor Álbum de Música Alternativa e dois para "Losing My Religion"). E se hoje o disco é considerado um clássico, à época de seu lançamento ele alçava o grupo a um novo patamar: o de banda que transpunha a fronteira do alternativo para o pop. O esquecimento temporário da R.E.M. havia feito bem tanto para poderem apresentar aquele novo trabalho quanto, principalmente, para atingirem livres de preconceitos um feito que poucos conseguem: o de tornar-se internacionalmente conhecido, mas manter o status de cult.

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FAIXAS:
1. "Radio Song" - 4:13
2. "Losing My Religion" - 4:26
3. "Low" - 4:55
4. "Near Wild Heaven" - 3:17
5. "Endgame" - 3:48
6. "Shiny Happy People" - 3:45
7. "Belong" - 4:05
8. "Half a World Away" - 3:26
9. "Texarkana" - 3:37
10. "Country Feedback" - 4:07
11. "Me in Honey" - 4:06
Todas as músicas de autoria de Berry, Buck, Mills e Stipe

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Daniel Rodrigues

terça-feira, 14 de abril de 2009

RPM - "Revoluções por Minuto" (1985)




O DISCO QUE ME FEZ GOSTAR DE ROCK

Disputar em cada frequência
O espaço nosso nessa decadência
da letra de "Radio Pirata"



Meus discos são inegavelmente parte importantíssima da minha vida. Só que alguns deles, em especial, tem papel importante na minha trajetória, por marcarem fases, episódios, vínculos, etc.
O “Revoluções por Minuto” do RPM é um destes discos que carrega uma marca importante em relação à minha vida: foi o disco que me mostrou que eu gostava de rock.
Não foi o primeiro disco que eu ouvi, não foi o primeiro que comprei, não é o melhor álbum nacional e todos os tempos, muito menos o melhor-melhor mesmo de todos, só que ele apareceu em um momento de descobertas. Muita gente começou com Beatles, outros com os Pistols. Descobertas relevantes, por certo. Eu comecei com RPM.
O trouxe hoje para ouvir no carro e ainda hoje percebo o porquê de ter-me despertado para algo que nunca mais me abandonaria, e que eu também não abandonaria mais. O rock.
Mesmo com seu apelo pop quase que pré-fabricado, serviu para despertar a sensibilidade para os elementos básicos do rock, guitarra-baixo-bateria, ainda que a grande estrela instrumental da banda fosse um tecladista, Luiz Schiavon, e que os outros instrumentistas fossem bastante limitados. Mas o fato é que ali se via um vigor de banda e nela os elementos que sempre estiveram presentes no gênero através dos tempos, como a rebeldia, o protesto, a ironia, a sensualidade e até mesmo esse apelo popular mesmo (por que não?) que sempre esteve presente desde que os ídolos são ídolos.
Tudo foi meticulosamente estudado para dar certo. Paulo Ricardo, o frontman da banda, fizera na época uma espécie de estágio em Londres para compor a receita que tinha que dar certo, e fez isso em cima de fórmulas já utilizadas nas últimas décadas e a partir do cenário local do momento que era extremamente criativo e dinâmico. Figuravam naquele momento Smiths, U2, Talking Heads, Cure, rolava o finzinho da new-eave, o fim do punk, o gótico estava na moda e no fundo no fundo o RPM tinha um pouco de tudo isso.
A primeira parte do álbum, que correspondia ao que seria o lado A do LP é a parte mais pop do disco. É onde encontram-se todos os grandes hits . Um riff de guitarra marcante e pungente seguido de um teclado cuidadosamente pegajoso abrem o disco e aí está “Rádio Pirata” com um aviso de que a invasão é inevitável. “Olhar 43”, talvez o maior hit tem um tecladão meio monocórdio, soando meio automatizado, bem grave e forte no início, encaminhando para uma letra totalmente sensual e envolvente que acaba num “tesão” que na época as rádios hesitavam em deixar que aparecesse. Segue “A Cruz e a Espada” baladinha com um clarinete e que falava sobre inocência, primeira vez, e essas coisas bem identificáveis para a meninada da época. “Estação no Inferno” um pouco mais soturna que só veio a ser sucesso mesmo no ábum ao vivo que seguiu este, tinha um clima meio soturno, meio que uma influência daquele cenário londrino estudado por Paulo Ricardo. O lado A fechava com “Loiras Geladas”, outro baita sucesso também muito sensual com o teclado em destaque numa espécie de The Doors/new-wave.
Curiosamente o que correspondia ao lado B, a segunda metade do disco, que não tocou no rádio era mais criativa e complexa como por exemplo a interessante “Liberdade/Guerra Fria” meio darkzinha com toques orientais, e a excelente e dramática ode ao país “Juvenília”. “Pr’esse Vício”, talvez a mais agressiva do disco, soa bem atual com suas referências a terrorismo e confrontos religiosos, e fechando o disco, completamente sintonizada com os dias de hoje, quase 15 anos depois, vem “Revoluções por Minuto” falando de caos econômico, globalização, drogas, consumo, num mundo girando a 78 RPM.
Depois disso o álbum “Rádio Prata Ao Vivo” vendeu como água, a banda fez megashows como nenhuma outra banda nacional havia feito, deu um tempo, voltou e ainda produziu um ótimo disco, “Os Quatro Coiotes”, mas que não teve boa aceitação do grande público. Aí a banda mudou de integrantes, voltou pra alguns caça-níqueis e era isso. O que pode resumir bem a situação atual é o fato de que o criativo e bom tecladista Luiz Schiavon toca atualmente na banda do Domingão do Faustão. Precisa dizer mais?
Depois do RPM descobri que uma banda que eu achava legal mas não sabia o nome era o tal de The Smiths, que uns carinhas de preto todos descabelados eram do The Cure e assim por diante, conheci outras e gostei mais de outras. Mesmo no cenário nacional, logo veio o “Cabeça Dinossauro” e abafou o “Revoluções...”, mas não deixo de ser extremamente grato ao álbum “Revoluções por Minuto” que foi o disco que me fez gostar de rock.
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FAIXAS:
01- Radio Pirata
02- Olhar 43
03- A Cruz e a Espada
04- Estação No Inferno
05- A Furia do Sexo Fragil Contra o Dragão da Maldade
06- Louras Geladas
07- Liberdade, Guerra Fria
08- Sob a Luz do Sol
09- Juvenilia
10- Presse Vicio
11- Revoluções Por Minuto

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Ouça:
RPM Revoluções Por Minuto


Cly Reis

sábado, 2 de abril de 2011

The Stooges - "The Stooges" (1969)

"Então pensei: o lance é tocar
meu próprio blues simples (...)
Me apropriei de um monte de formas vocais deles
[os negros] e das linhas melódicas também
- ouvidas, ou mal ouvidas,
ou deturpadas, das canções de blues.
Assim, "I Wanna be Your Dog"
provavelmente é resultado da minha má interpretação
de "Baby Please Don't Go".
Iggy Pop

No embalo do lançamento do material raro dos Stooges, o duplo "Dirty Power", é bom não deixar passar o ensejo sem falar de um álbum verdadeiramente fundamental na história do rock. Estou falando do primeiro do “The Stooges", de 1969, e que leva o mesmo nome da banda que, aliás, proporcionou o aparecimento de Iggy Pop para o mundo do rock.
Disco importantíssimo para a formação do punk e para as gerações seguintes do rock dali para a frente. Com sua sonoridade crua, suja e barulhenta contribuiu grandemente para a identidade sonora daquele momento. Bandas como Velvet Underground, Doors, Television, artistas como David Bowie já vinham trilhando um caminho que levaria ao que se caracterizou depois como o punk rock, mas parece que com os Stooges o passo final da evolução do conceito tinha finalmente acontecido. Provas desta linhagem são os fatos, por exemplo de Iggy ter se estimulado a ter uma banda depois de ter visto um show do Doors, de John Cale ex-integrante do Velvet ter produzido o primeiro disco dos Stooges ou mesmo de Bowie ter sido parceiro e produtor de Iggy depois em carreira solo. Os Stooges traziam o minimalismo, a sujeira, a agressividade que faltava para que a coisa tomasse forma e a partir dali o caminho estava pavimentado para nomes como Ramones, e Sex Pistols aparecerem alguns anos depois.
Mas falando propriamente do disco, o negócio já começa detonando com a grande “1969”, um daqueles clássicos eternos do rock; na seqüência, sem sair de cima, já vem outra das fantásticas, “I Wanna Be Your Dog”, básica, ‘burra’, simples e matadora. Quatro acordes incansavelemente repetidos o tempo inteiro e um piano insistente ao fundo numa nota só. Cru e genial. “No Fun”, que viria a ser gravada depois pelos Pistols, é outra das grandes do disco, igualmente com uma concepção simplérrima e acordes muito básicos; destaque também para “Not Right” e para a excelente “Little Doll” que passa a régua e fecha a conta.
Na época o disco foi praticamente ignorado, vendeu mal até por conta dos problemas que teve antes do lançamento quando já concluído teve que voltar para a mesa de mixagem uma vez que a gravadora desaprovou o resultado da produção de John Cale atrasando o lançamento e então já saindo com um certo descrédito e desconfiança. Como muitas grandes obras, este álbum acabou só sendo reconhecido alguns anos depois de seu lançamento e só então se percebeu o quanto ele havia sido realmente ousado e pioneiro.
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FAIXAS:
1."1969" – 4:05
2."I Wanna Be Your Dog" – 3:09
3."We Will Fall" – 10:18
4."No Fun" – 5:15
5."Real Cool Time" – 2:32
6."Ann" – 2:59
7."Not Right" – 2:51
8."Little Doll" – 3:20

************************
Ouça:
The Stooges 1969



Cly Reis

domingo, 17 de janeiro de 2010

The Smiths Cover - Rio Rock & Blues Club - Rio de Janeiro (16/01/10)



Na minha Porto Alegre, quando morava lá, costumava ir muito nas noites de terça-feira a um bar chamado 8 e 1/2, onde acontecia a "Terça Clássica", a noite com apresentações de bandas cover dos clássicos do rock. Lá vi covers de Doors, Hendrix, Pink Floyd, Stones, Raul; algumas muito boas, outras nem tanto. Mas de qualquer forma adorava ir ao 8 e 1/2 para ver fãs, como eu, tocando as músicas dos nossos heróis.
Logo que cheguei ao Rio de Janeiro senti falta de ter lugares deste tipo, com rock, covers de bandas e tal. Infelizmente, ainda que se encontre este tipo de programa, a cultura local predominante é samba e funk, e lugares qualificados com boa música não são assim tão fáceis e comuns.
Aqui, depois de alguma procura, depois de alguma demora, fui brindado com a existência do Rio Rock & Blues Club que me proporciona estas oportunidades, das quais com alguma frequência desfruto. Ontem, em especial tive uma das melhores experiências neste local. A casa apresentou uma banda cover do quarteto de Manchester, The Smiths. Pela fila, pela espera, pelas camisetas, pelos topetes já se via que não seria uma apresentação cover como as outras da casa. Quando se fala em The Smiths, em Morrissey, a gente sabe que existe aquela coisa meio "religiosa" dos fãs. E, de fato, foi um dos shows cover mais emocionantes que já assisti.
Contando com um vocalista simpaticíssimo e músicos competentes a banda empolgou mesmo os espectadores mais exigentes. O Morrissey-cover não se limitava às imitações de postura e trejeitos do original e mandou bem no microfone conseguindo se aproximar do timbre do inglês, e o nosso Johnny Marr, impressionantemente, não fez feio e segurou até algumas difíceis como "Still Ill", por exemplo. Tá certo que quando alguém pediu "Girl Afraid" o vocalista disse que aí teria que chamar o próprio Marr, mas a gente compreende. Seria complicado mesmo.
Pontos altos pra mim foram a ótima e muito bem executada "Handsome Devil"; a surpresa de "Headmaster Ritual" que não é das mais conhecidas e a já citada "Still Ill" que eu tinha mesmo expectativa de ouvir. Mas o ápice do show foi "Suedehead", da carreira solo de Morrissey, que o vocalista definiu como uma "quase Smiths". Eu já tinha visto pessoas cantarem juntas lá no RR&BC refrões conhecissimos e populares do rock como "can't buy me loooove" ou "smoooke on the water...", mas nunca tinha presenciado o bar todo em uníssono entoar um refrão, e assim foi com "i'm so sorry" de "Suedehead". Todos juntos. Lindíssimo. Verdadeiramente incrível!
Como se não bastasse tudo isso, me pegaram de surpresa com a inusitada "Last Night I Dreamt that Somebody Love Me" que invariavelmente me emociona. Nunca imaginei que fossem tocá-la até porque não foi dos hits da banda. O fato de ser a "cópia" dela não fez com que me tocasse menos e o resultado foi que quase cheguei às lágrimas.
Mas como disse o prórpio vocalista, Robeto Freitas, gostar de bandas como Smiths e Legião (que faria o show cover de fundo) não é pra qualquer um, "tem que ter sensibilidade" disse ele, ao que alguém respondeu de algum lugar da platéia, "tem que ter coração". E é mesmo. É por isso que um show assim consegue provocar todas estas reações. Os fãs de Smiths tem, sobretudo, coração.


Cly Reis

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

"Escola de Rock", de Richard Linklater (2003)





"Deus do Rock,
obrigado por esta oportunidade de arrebentar.
Nós somos vossos servos humildes.
Por favor, nos dê o poder de explodir a mente das pessoas
com o nosso rock de alta tensão.
Em seu nome oramos, Amém."
Dewey Finn (Jack Black)






E pensar que eu hesitei tanto em assistir a esse filme!
Completamente desinformado e imaginando que pudesse apresentar uma visão caricatural ou excessivamente estereotipada de roqueiros, que tivesse um monte de rockzinhos juvenis irritantes e que fosse uma típica comédia teen repleta de baboseiras, namoricos e valentões de escola, além de algumas restrições que tenho ao ator Jack Black, um tanto expressivamente exagerado em muitos momentos, sempre adiei a possibilidade de sentar pra ver "Escola de Rock". Mas como minha filha de seis anos começa a se interessar por rock e, na pior das hipóteses, mesmo que o filme fosse uma completa porcaria, pelo menos teria algum estreitamento de contato com o gênero por aquela coisa toda de guitarras, palco, postura, visual e tudo mais, achei que valia a pena dar uma olhada com ela. E não é que o filme é um grande barato? É um filme de roqueiros! Um filme de paixão pelo rock. De respeito por ele e por tudo  que representa.
Jack Black que, se em outros papéis é exagerado, caricato, neste é perfeito, caindo como uma luva na pele do músico fracassado e desempregado Dewey Finn que dispensado por sua própria banda e pressionado pelo casal com quem divide o apartamento a pagar sua parte nas despesas, vê numa vaga que seria para o amigo Ned Shneebly de professor-substituto numa escola de ensino fundamental, a chance de, se fazendo passar pelo colega, faturar uma grana e pagar as despesas que estão sendo cobradas. O caso é que chegando lá, depois de deixar claro para a turminha que assumira que não queria nada com nada, ele descobre que a galerinha tem aula de música e que as crianças são bastante talentosas. Dewey, enxerga então ali a possibilidade de usar aquele talento a seu favor convencendo, sob falsos pretextos, a garotada a entrar num concurso de bandas de olho no polpudo prêmio que lhe garantiria o fim dos pesadelos financeiros. Só que os alunos têm aula de música clássica e o desafio de Finn passa a ser o de colocar o rock no sangue, na cabeça e na atitude daquela crianças e aí é que o filme fica um barato. A seleção da banda, as noções sobre rock'n roll, a apresentação dos ídolos marcam um momento muito legal no filme. A cena em que o falso professor escolhe os mais aptos para cada instrumento e improvisa um "Smoke On The Water" com eles é bárbara; o passar dos dias com o  desenvolvimento das atividades de sua equipe mirim e das aulas de rock ao som de "My Brain is Hanging Upside Down" dos Ramones chega a ser emocionante para fãs do bom e velho rock'n roll; e a do retorno para a escola, na van, depois da inscrição na Batalha das Bandas ao som de "Immigrant Song" do Led é empolgante.
O "professor" Finn dando uma aula de rock.
O roteiro é aquele bem padrãozinho americano, nada demais: apresentação da situação-problema-solução aparente-nova complicação da situação-ato heroico-encaminhamento do grande momento-apoteose (com ou sem final feliz). Seu grande mérito, no entanto, está na escolha do tema e a forma de sua apresentação, na qual o protagonista tem a oportunidade de expôr para os alunos, e por extensão, é claro, a nós espectadores, tudo o que o rock representa, e como quem não quer nada, entre uma aulinha e outra, um diálogo aqui outro ali, coloca alguns pontos interessantíssimos que estão no sangue do rock como a vocação provocadora e desafiadora, o veículo para manifestar suas insatisfações e indignações e o tesão de tocar pelo prazer, pra fazer algo legal ou simplesmente pela possibilidade de deixar as pessoas malucas. 
Dirigido pelo bom Richard Linklater de "Boyhood" e da trilogia romântica "Antes do Amanhecer", "Antes do Pôr-do-Sol" e "Depois da Meia-Noite" com Julie Delpy e Ethan Hawke, "Escola de Rock" tem do roteiro assinado por Mike White (que interpreta o verdadeiro Ned Shneebly no filme) mas deve muito ao próprio ator principal, Jack Black, fanático por rock, na época vizinho de White e que segundo o roteirista vivia tocando em volume altíssimo e cantando pelado pela casa afora muitas das músicas que fazem parte da trilha do filme, o que o inspirou a escrever a história da forma como o fez. Aliás, a trilha sonora é, sem dúvida, um dos pontos altos do filme com sonzeiras de AC/DC, Black Sabbath, The Doors, Cream, Metallica e mais um montão de clássicos muito bem colocados  dentro do filme.
Enfim, um ótimo filme para que se apresente o rock'n roll aos filhos e entretenimento garantido aos papais e mamães roqueiros. Para a minha filhe que já estava interessada, já curtindo alguma coisa, já identificando alguns nomes e riffs, talvez tenha sido o empurrão definitivo. Pra ter uma ideia do quanto a aula foi válida, a minha pequeninha já tá até pedindo, "Põe "Iron Man". Valeu, né? Nota dez pra ela. Com louvores.


Cly Reis

sábado, 29 de abril de 2017

"Mate-me Por Favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain - ed. L&PM (2005)


"A primeira vez que eu vi Richard Hell,
ele entrou no CBGB's usando uma camiseta com um alvo
e as palavras "Mate-me Por Favor".
Aquilo era uma das coisas mais chocantes que eu já tinha visto."
Bob Gruen,
fotógrafo e cineasta

"Lendo 'Mate-me Por Favor' me senti como se estivesse lá...
Espere um pouco, eu estava lá.
Este livro conta como foi.
É o primeiro livro a fazê-lo."
William Burroughs,
escritor



Um dos meus livros preferidos mas que curiosamente nunca falei aqui no blog e que sempre achei que merecia deferência por ser um dos meus livros de cabeceira, é o excelente "Mate-me por favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain, um retrato do punk desde seus primórdios até seus últimos suspiros contado de forma magnífica pelos personagens que fizeram essa história. Montado a partir de inúmeras entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários, fãs, groupies, roadies ou seja lá quem tivesse participado ou presenciado todo aquele alvoroço, "Mate-me por favor" consegue graças a uma organização impecável, que deve ter dado um trabalho enorme, conferir um ritmo quase de romance à série de relatos, resultando num livro empolgante de tirar o fôlego.
O livro "narra" o processo de formação do punk rock partindo ainda lá do final dos anos 60 com o The Doors e seu comportamento transgressor, Velvet Underground e sua música revolucionária; passando pela sujeira dos Stooges, a crueza do MC5, a provocação dos New York Dolls e pela sofisticação do Television; encontrando a cena norte-americana do CBGB's da qual os Ramones podem ser possivelmente considerados os principais representantes; chegando à cena londrina com Sex Pistols, Clash; e ainda dando uma passada pelo que resultou dessa trajetória toda.
A frase inconsequente e niilista que deu título ao livro escrita na camiseta  Richard Hell, como tantas outras naquele momento, é apenas um exemplo da inconformidade dos jovens naquele final de anos 70, muitas vezes não compreendida com exatidão nem por eles mesmos, mas que acabaria resultando numa identidade visual e comportamental até hoje inevitavelmente associada ao punk e que curiosamente hoje vemos com frequência em todo lugar na forma de calças rasgadas, acessórios de couro, cabelos moicanos, etc. Malcolm McLaren que o diga! Um dos que tiveram visão e deram um jeito de faturar o seu com aquela rebeldia toda. E isso também é contado lá.
As páginas de "Mate-me Por Favor" trazem e alternam momentos emocionantes, empolgantes, tensos e hilários. Gravações, shows, brigas, noitadas, excessos, putarias estão presentes na brilhante compilação de entrevistas que compõe o livro. O episódio da briga dos Dead Boys em que o baterista Johnny Blitz fora esfaqueado é tenso e dramático. "...Então vejo a camiseta e percebo que é Johnny quem está n chão (...) Estava cortado desde a porra da virilha té o pescoço e com o peito aberto de um lado a outro. Estava aberto. Ele estava... aberto", conta Michael Sticca, ex-roadie da banda. O que Iggy Pop é solto da cadeia vestido de mulher é hilário. Ray Manzareck, dos Doors, foi lá pagar a fiança: "Jim, isto é um vestido de mulher!", "Não, Ray. Devo tomar a liberdade de discosrdar. Isto é um vestido de homem.". Bem como é hilário o episódio do show em que o vocalista dos Dead Boys ganha um boquete no palco, contado por Babe Buell, a mãe da atriz Liv Tyler: "Alguém me disse para ir no CBGB's ver a melhor banda do mundo, os Dead Boys. Então fui lá uma noite quando eles estavam tocando, entro e a primeira coisa que vejo é Stiv sendo chupado no palco.". Um dos mais emocionantes, no entanto, é o que Jerry Nolan, ex-baterista dos Dolls, nos últimos dias de vida relata o show em que viu a sola furada do sapato de Elvis Presley. "Este show, embora aos 10 anos de idade, realmente mudou minha vida. Fui dominado por Elvis. Pude sentir o que é tocar música. Mas acima de tudo lembro de duas coisas daquele show: minha irmã perdendo completamente o controle e o buraco no sapato de Elvis.". Uma espécie de síntese poética do que é ser rock'n roll.
Livro que é obrigatório para amantes de música e sobretudo para os que tem especial admiração, respeito, curiosidade por aquele período, por aquele "movimento" que com toda suas limitações, sua anarquia, suas loucuras foi definidor de atitudes, comportamento e tendências, deixando um inegável e valioso legado para as gerações posteriores. Foi relançado posteriormente em versão pocket em dois volumes, sendo ainda hoje facilmente encontrado até em bancas de jornal por conta do formato prático. Ou seja, não tem desculpa pra não ter e não ler.
Um dos meus livros preferidos e frequente fonte de pesquisa, "Mate-me Por Favor" é a história do punk contada por quem esteve lá, por quem quem a viveu, inclusive os próprios autores, o que confere autenticidade e credibilidade ainda maior ao livro. Ali estão os fatos apresentados sem frescura, sem panos quentes ou papas na língua. A verdade nua, crua, suja, chapada, barulhenta e furiosa.


Cly Reis

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Música da Cabeça - Programa #281

 

Vocês acham que sabem o que tem dentro deste pote. Não tem nada coração de Dom Pedro I, não! São as relíquias que o MDC 281 vai trazer nesta quarta. Lotado de boa música, ali tem The Doors, Fundo de Quintal, Public Enemy, Duran Duran, Body Count, Lory F Band e mais. Ainda tem um espacinho pra um Cabeça dos Outros, esse sim, vindo de Portugal. Conservado em formol, o programa de hoje vai ao ar na imperial Rádio Elétrica. Produção, apresentação e coração batendo: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Ramones - "Ramones" (1976)



“Hey, Ho!
Let’s Go!”



Em pouco menos de uma semana e com pouco mais de 6 mil dólares, aqueles quatro rapazes esculhambados de calças jeans rasgadas, jaquetas de couro e cabelos descuidados tinham mudado definitivamente a história da música. Sim, o punk já vinha em curso, era um processo, foi o experimentalismo, depois foi a sujeira, foi o minimalismo, o peso, teve Kinks, Sonics, teve Doors, Velvet, Stooges, MC5, e tantos outros, mas parece que tudo foi para que chegasse naquele ponto em síntese e personificação. E essa materialização chamava-se Ramones.
Em seu primeiro disco, gravado meio às pressas e com o orçamento máximo que o agente da banda Danny Fields conseguiu obter; com canções rápidas e certeiras, poucos acordes, sem firulas, sem solos elaborados e com uma produção bruta e tosca, os Ramones fizeram um dos discos mais importantes de todos os tempos, pela musicalidade revolucionária, pela atitude, e pela influência que passou a exercer dali para frente em praticamente tudo o que se ouve (e se vê) em música pop até hoje.
Embora eu prefira o terceiro, "Rocket to Russia", um pouco mais bem cuidado e mais profissional, não tem como negar o valor, importância e a curtição que é este “Ramones” de 1976.
As boas?
Todas!
Mas merecem menções especiais “Judy is a Punk” a primeira das garotas punk dos nomes de músicas dos Ramones e que mais tarde ganharia a companhia de outras como Sheena, Suzy e Jackie; "I Don't Wanna Walk Around With You", boa pra poguear; "I Wanna Be Your Boyfriend" que é, assim, uma espécie de canção romântica dos Ramones; e “Blitzkreig Bop” que traz a expressão clássica que virou uma espécie de marca da banda, “Hey, ho! Let’s Go!”.
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FAIXAS:
  1. "Blitzkrieg Bop" - 2:14 (Tommy Ramone, Dee Dee Ramone) 
  2. "Beat On The Brat" - 2:31 (Joey Ramone) 
  3. "Judy Is A Punk" - 1:32 (Joey Ramone, Dee Dee Ramone) 
  4. "I Wanna Be Your Boyfriend" - 2:24 (Tommy Ramone) 
  5. "Chain Saw" - 1:56 (Joey Ramone) 
  6. "Now I Wanna Sniff Some Glue" - 1:35 (Dee Dee Ramone) 
  7. "I Don't Wanna Go Down To The Basement" - 2:38 (Dee Dee Ramone, Johnny Ramone) 
  8. "Loudmouth" - 2:14 (Dee Dee Ramone, Johnny Ramone) 
  9. "Havana Affair" - 1:56 (Dee Dee Ramone, Johnny Ramone) 
  10. "Listen To My Heart" - 1:58 (Ramones) 
  11. "53rd & 3rd" - 2:21 (Dee Dee Ramone) 
  12. "Let's Dance" - 1:51 (Jim Lee) 
  13. "I Don't Wanna Walk Around With You" - 1:42 (Dee Dee Ramone) 
  14. "Today Your Love, Tomorrow The World" - 2:12 (Ramones)

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Ouvir:
Ramones 1976


Cly Reis

terça-feira, 14 de abril de 2015

Cazuza - "O Tempo Não Pára* " (1988)





"Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos,
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para."
Cazuza
("O Tempo Não Para")




O testamento musical de um dos maiores poetas da música brasileira. Em “O Tempo Não Pára”*, Cazuza, deixa seus últimos legados, recados, mensagens e desejos num dos grandes álbuns ao vivo da discografia nacional. Vitimado pela AIDS e já bastante debilitado, Cazuza, em 1988, ainda subia ao palco para shows e durante a turnê, em shows realizados no Canecão, no Rio de Janeiro, fazia o registro definitivo de sua obra musical e sua passagem pelo mundo.
O repertório, considerando-se as circunstâncias e condições de saúde do artista, é irrepreensivel e muito oportuno, assumindo a iminente morte mas, diante dela, tentando transmitir o máximo de 'lições de vida”, por assim dizer. “Vida Louca Vida”, de Lobão, ganha, na excepcional interpretação de Cazuza, muito mais significado do que jamais teve até então, soando quase que como uma despedida ácida e ao mesmo tempo "leve, leve, leve", como o cantor faz no final da música, jogando com a leveza e o verbo levar; “Boas Novas”, que a segue, convoca à vida, encara a morte e a chama pra briga “Senhoras e senhores/ Trago boas-novas/ Eu vi a cara da morte e ela estava viva/ Viva!”. O pessimismo de “Ideologia” faz mais sentido do que nunca naquele momento, mas chega a emocionar quando Cazuza dá ênfase à palavra “viver”, repetindo como se a saboreasse ao final do verso.
O tom de despedida dá lugar a um clima mais romântico com duas baladas: “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, canção ainda do tempo do Barão Vermelho consagrada por Caetano Veloso no álbum ao vivo “Totalmente Demais”, e que ganha um tratamento mais blues na versão do próprio compositor; e “Codinome Beija-Flor”, uma das mais representativas do estilo letrístico de Cazuza.
Intensa, forte, dramática e impactante, a faixa que tem o nome do disco parece ansiar por poder conter todos os últimos recados urgentes do artista. Como diz na letra, como uma “metralhadora cheia de mágoas”, ele dispara para contra hipocrisia, preconceito, ganância, estagnação, conformismo, e em mais uma das 'despedidas' do disco, se eterniza definitivamente no panteão de grandes artistas brasileiros. “O Tempo Não Para” ao mesmo tempo que destila uma inevitável decepção e descrença pelo mundo, pela arte, pelas pessoas, carrega consigo uma ponta de esperança e otimismo que é indesmentível seu próprio nome que nos encoraja e convoca a tomar alguma atitude.
No blues “Só As Mães São Felizes”, com sua incestuosa sugestão à The Doors, Cazuza também parece nos convidar a viver intensamente até o limite, ter experiências ruins e notar nas coisas que nunca olhamos antes enquanto ainda está em tempo.
As boas “O Nosso Amor a Gente Inventa” e “Exagerado” encaminham o final de maneira agradável com dois hits pop, e o disco encerra com o clássico "meio bossa-nova e rock'n roll", “Faz Parte do Meu Show”, escolha não menos feliz porque, no fim das contas, não somente aquelas canções ali fizeram parte daquele espetáculo, mas tudo aquilo, todo o repertório, toda a poesia, foi o que fizeram a vida de Cazuza e, se ele teve um vida louca, decepções ideológicas, desilusões amorosas, exageros, tudo isso fazia parte do show.
Cazuza ainda lançaria, no ano seguinte, mais um álbum, "Burguesia", bastante irregular, em parte pelas limitações físicas e vocais que apresentava, já num estágio bastante avançado da doença, mas, mesmo já enfraquecido, abatido, desfigurado, em “O Tempo Não Pára” talvez tenha conseguido produzir seu álbum definitivo, um daqueles discos que transcendem a mera condição de registro fonográfico e transforma-se quase em lenda. No seu caso específico, além do significativo fato de ser o último documento do artista diante do público e ainda na condição em que se apresentava, por tudo o que tenta comunicar e transmitir, pode ser considerado o mais perfeito epitáfio que o próprio artista poderia ter escrito para si próprio. 
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FAIXAS:
1. "Vida Louca Vida" - Vilhena, Lobão (4:19)
2. "Boas Novas" - Cazuza (2:46)
3. "Ideologia" - Frejat, Cazuza (4:12)
4. "Todo Amor que Houver Nessa Vida" - Frejat, Cazuza (2:49)
5. "Codinome Beija-Flor" - Reinaldo Arias, Cazuza, Ezequiel Neves (2:55)
6. "O Tempo não Para" - Arnaldo Brandão, Cazuza (4:37)
7. "Só as Mães São Felizes" - Cazuza, Frejat  (3:48)
8. "O Nosso Amor a Gente Inventa" - Meanda, Cazuza, Rebouças (3:35)
9. "Exagerado" - Cazuza, Neves, Leoni (4:29)
10. "Faz Parte do Meu Show" - Ladeira, Cazuza (3:50)


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Ouça;

* O álbum foi lançado antes da nova reforma ortográfica que exclui o acento de "pára" , no entanto
mantivemos a grafia antiga na publicaçãode modo a preservar o título original.


Cly Reis   



terça-feira, 29 de março de 2016

Exposição “Outras Portas da Percepção - Um experimento em teoria da imagem”, de Arthur Omar – Oi Futuro Flamengo – Rio de Janeiro/RJ









Formas abstratas a partir de água em movimento.
Interessante exposição na Oi Futuro Flamengo, onde geralmente Leocádia e eu, sabendo da programação com antecedência, damos uma passada sempre que vamos ao Rio de Janeiro. Foi ela que, sabedora do trabalho de Arthur Omar, apontou que seria bom não perdermos. Realmente valeu a pena ver “Outras Portas da Percepção - Um experimento em teoria da imagem”, que toma as três galerias do local. A mostra apresenta, pela primeira vez na cidade, os mais recentes trabalhos do multifacetado artista mineiro, numa série de fotografias onde une teoria antropológica e experimentação visual, o que resulta numa vivência imersiva por parte de quem vê onde os aspectos sensorial e conceitual da obra de arte se fundem.

São fotografias de rostos, como na série “A Antropologia da Face Gloriosa”, clássico da fotografia brasileira, de 1997, e “A Menina do Brinco de Pérola”, de 2006. Ou não necessariamente rostos, mas formas abstratas que aludem a este formato humano por meio de elementos da natureza: a água, o movimento, a luz. Uma interessante observância do caráter antropológico daquilo que nos perfaz e compõe. Põe-nos a refletir.

A todo instante o artista, inspirado pela pintura fantástica do poeta William Blake e pelas investigações do escritor Aldous Huxley sobre os estados alterados da consciência, busca uma reflexão sobre a percepção do que se está enxergando e elaborando. “Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”, escreveu Blake, retomado por Aldous Huxley no livro “As Portas da Percepção” – que influenciou toda a contracultura e ainda inspirou o nome da banda The Doors.

Antropólogo de formação, Omar, desde os anos 70, traz para dentro de seu universo um olhar crítico e transformador, valendo-se da arte como um espaço de intercâmbio e reinvenção ideológica a partir do diálogo entre quem observa e o próprio autor, uma vez que Omar entende estar presente na foto através daquilo que seu olhar optou em enxergar e mostrar aos outros. Como disse o crítico espanhol a respeito da obra de Omar, “Este diálogo ocular imantado, intermediado pelo fotógrafo fotografando é um intercâmbio. Um jogo de cara a cara que reflete a natureza dionisíaca do trabalho”. Como o próprio Omar escreve numa das paredes (minimalisticamente bem iluminadas e apresentadas pela curadoria da esposa Ivana Bentes): “Todo rosto tem meu nome”.

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“Outras Portas da Percepção - Um experimento em teoria da imagem”, de Arthur Omar
onde: Oi Futuro Flamengo (Rua Dois de Dezembro, 63 – Rio de Janeiro/RJ)
quando: até 1º de maio, de terça a domingo, das 11h às 20h
entrada: Gratuita
curadoria: Ivana Bentes


"A Menina do Brinco de Pérola"

Em detalhe um das novas obras.

Formas mínimas e instigantes.

Maravilhosa foto em que o movimento é a fonte

O poeta Blake e as investigações de Omar.

Os rostos carnavalescos de "A antropologia da Face Gloriosa"


Este blogueiro que vos fala admirando a exposição.