"Roy era um cantor de ópera. Ele tinha uma voz grandiosa."
Bob Dylan "Vendo Roy Orbison, eu aprendi como cantar uma balada romântica." Mick Jagger "Quando estava quase adormecendo, escrevi a introdução de "In Dreams", fui dormir, levantei-me na manhã seguinte e já tinha a letra. Todas as músicas são presentes, mas essa foi realmente um presente." Roy Orbison
O primeiro contato que tive com a canção "In Dreams", curiosamente, não foi sonoro. O persoangem John Constantine ouvia a canção no rádio de um táxi num episódio da graphic novel, de Neil Gaiman, "Prelúdios e Noturnos", do personagem Sandman, o Mestre dos Sonhos. "A candy-colored clown they call the sandman/ Tiptoes to my room every night/ Just to sprinkle stardust and to whisper/ Go to sleep. Everything is all right...". Embora o autor e seus desenhistas lidassem muito bem com a inserção de elementos músicas dentro do formato de quadrinhos, é óbvio que numa HQ não teria ali som para identificar de que música se tratava, contudo, na mesma edição, numa espécia de sumário para os trechos de músicas mencionadas naquela publicação, o autor era creditado: Roy Orbison.
Somente algum tempo depois é que fui ouvir aquela música em "Veludo Azul", de David Lynch, na interpretação célebre da dublagem do personagem Ben usando a luminária como microfone e foi só então que eu liguei os pontos: "quadrinhos-neilgaiman-sandman-mestredossonhos-indreams-royorbison-veludoazul...". Ah,era aquela! Aquela era "In Dreams" que eu havia lido nos quadrinhos. E ela era maravilhosa! Foi o que precisava para fazê-la cair definitivamente nas minhas graças.
"Veludo Azul" - Ben dublando "In Dreams"
"In Dreams", a belísima canção de interpretação emotiva e extasiante, e de arranjo de cordas grandioso, aparece pela primeira vez na discografia de Orbison no disco que leva o mesmo nome, de 1963, mas o álbum não se resume a esta canção que já se eternizou na galeria das grandes baladas da história da música. Roy Orbison é mestre em baladas românticas e "Lonely Wine" e "Dream", não deixam dúvidas sobre isso; "Shahdaroba" também romântica mas um pouco mais embalada é outra ótima canção; mais agitadinha ainda, o rock "Sunset", também merece destaque, bem como "Blue Bayou", outro dos grandes sucessos do cantor que conta com mais uma de suas inspiradas interpretações.
Um dos cantores mais influentes em todo o universo da música, Roy Orbison era admirado por Elvis, Johnny Cash e é frequentemente reverenciado por nomes como Bono, Tom Waits, Bruce Springesteen, entre outros. De minha parte, demorei para conhecer mas desde que tive contato me juntei ao coro dos ilustres fãs. Sua voz inconfundível e suas interpretações singulares estão, definitivamente, marcadas na história da música.
**************************
FAIXAS:
"In Dreams" (Orbison)
"Lonely Wine" (Roy Wells)
"Shahdaroba" (Cindy Walker)
"No One Will Ever Know" (Mel Foree, Fred Rose)
"Sunset" (Orbison, Joe Melson)
"House Without Windows" (Fred Tobias, Lee Pockriss)
O pessoal de Liverpool tá imbatível.
E não estou falando do time de Salah, Firmino e Mané.
Sei que já devia ter feito, o ano já começou e, por sinal está quase no final do primeiro mês, mas vida de blogueiro não se limita ao blog e até então não tinha dado tempo de fazer os levantamentos, retrospectos, somatórios e estatísticas para o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS que sempre temos todo o início de ano aqui no ClyBlog. O ano que passou trouxe, além dos discos destacados por nós integrantes do blog, como de costume participações de convidados, com destaque para a resenha de Waldemar Falcão, para o lendário segundo disco de Zé Ramalho, "A Peleja do Diabo com o Dono do Céu", de 1979, do qual nosso convidado até mesmo participou, fazendo de seu texto um depoimento inestimável em relação a tudo que envolveu a obra e o artista naquele momento.
Na nossa tradicional atualização dos discos que pintaram por aqui no último ano, lá na frente, entre os artistas que têm mais obras citadas na nossa seção, entre os internacionais, Os Rapazes de Liverpool finalmente assumiram a liderança, uma vez que, nem Bowie nem Stones, que dividiam a dianteira com eles, tiveram novos discos incluídos nos A.F., mas é bom abrir o olho porque os alemães do Kraftwerk, considerado por muitos o outro nome mais influente na música de todos os tempos, botaram mais um disco na roda esse ano e subiram para o segundo degrau do pódio. Já pelo lado nacional, não houve mudança lá na frente e o destaque ficou com as estreias de Airto Moreira, Tribalistas e o já citado Zé Ramalho. Entre os países, os Estados Unidos se mantém à frente com boa folga, e, na disputa pela prata, os ingleses, com um bom número de artistas emplacando álbuns fundamentais, aproxima-se perigosamente dos brasileiros. Quanto às décadas, os anos 70 continuam mandando no pedaço, mas falando em anos, especificamente, ainda é o de 1986, que põe mais discos na nossa lista. No ano atual, já temos um Álbum Fundamental mas que não entra para a contabilidade do ano passado. A expectativa para 2019 é se os Beatles confirmarão sua liderança e se, no Brasil, alguém vai desbancar Jorge Ben, que reina absoluto há um bom tempo na lista nacional. Vamos conferir então como ficaram as coisas por aqui depois deste último ano: PLACAR POR ARTISTA INTERNACIONAL (GERAL)
The Beatles: 6 álbuns
David Bowie, Kraftwerk e Rolling Sones: 5 álbuns cada
Miles Davis, Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin e Pink Floyd: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Wayne Shorter, John Cale* e Bob Dylan: 3 álbuns cada
Björk, The Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Lee Morgan, Lou Reed, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, R.E.M., Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum de Brian Eno com JohnCale ¨Wrong Way Out"
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Jorge Ben: 5 álbuns*
Gilberto Gil*, Tim Maia e Caetano Veloso: 4 álbuns*
Chico Buarque, Legião Urbana, Titãs e Engenheiros do Hawaii: 3 álbuns cada
Baden Powell**, Gal Costa, João Bosco, João Gilberto***, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão e Sepultura: todos com 2 álbuns
*contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge" ** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas" *** Contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto" PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 2
anos 40: -
anos 50: 15
anos 60: 84
anos 70: 125
anos 80: 104
anos 90: 77
anos 2000: 12
anos 2010: 13
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 21 álbuns
1985: 17 álbuns
1976 e 1969: 16 álbuns cada
1967, 1968 e 1977: 15 álbuns cada
1971 e 1973: 14 álbuns
1972, 1975, 1979 e 1991: 13 álbuns
1965 e 1992: 12 álbuns cada
1970, 1987,1989 e 1994: 11 álbuns cada
1966, 1978 e 1980: 10 álbuns cada
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 155 obras de artistas*
Brasil: 121 obras
Inglaterra: 110 obras
Alemanha: 9 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França e São Cristóvão e Névis: 1 cada
O ano de 2018 foi especial por ter sido o que marcou os 10 anos do ClyBlog e para comemorar isso tivemos uma série de convidados escrevendo sobre seus discos favoritos nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Já abrimos o ano com o especial de número 400 da seção, com o convidado Michel Pozzebon, e ao longo do ano tivemos as mais ricas e valorosas participações de convidados que deram suas brilhantes contribuições para o nosso blog, como foi o caso de Ticiano Paludo, Samir Alhazred, Arthur de Faria, Helson Trindade, Rodrigo Lemos e Lucio Brancato. A todos eles, nossos sinceros agradecimentos. Além disso, foi ano de Copa do Mundo e, como temos feito, unimos música e futebol em publicações espaciais onde o artista ou sua obra tivesse alguma relação com o esporte mais amado do mundo, como foi o caso do apaixonado por futebol Bob Marley, dO Rappa cujas letrar volta e meia remetem a futebol e do Iron Maiden, cujo baixista é quase um hooligan e que já tentou inclusive jogar no seu time de coração. Isto colocado, como sempre fazemos, todo ano, vamos àquela repassada na nossa seção de grandes discos atualizando os números e verificando aqueles que têm mais discos indicados, países com maior número de representantes, os anos e as décadas que mais se destacam em número de grandes obras citadas e o que mais mereça destaque neste ano que passou nos nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, como, por exemplo, o fato de 2018 ter sido um ano de muitas estreias nos AF's. Muitos artistas que, por sua biografia, importância em sua época, seu segmento ou no cenário musical geral, já deviam ter dado as caras por aqui há muito tempo, apareceram pela primeira vez neste ano, como é o caso de nomes como Bob Marley, que foi um dos nossos AF ClyBola, da diva Aretha Franklin, do Kiss, T-Rex e do lendário Queen que fez seu debut por aqui. Por outro lado, poucos se repetiram e, assim, especialmente nos internacionais, as posições de cima não se alteraram muito, apenas com o Iron Maiden e os Kinks entrando para o time dos que têm três álbuns fundamentais e aproximando-se do pessoal com quatro álbuns (Who, Floyd, Kraftwerk...) e um pouco mais dos líderes Beatles, Stones e Bowie que seguem na ponta com cinco discos cada. Nos nacionais a movimentação também não foi grande mas dois artistas deram uma emoção à "disputa pela liderança": com um disco de Caetano Veloso e um de Tim Maia, poderíamos tê-los empatados na ponta com Gilberto Gil e Jorge Ben. Mas isso se, lá no início do ano, o Babulina não tivesse colocado mais um entre os fundamentais e garantido sua posição no topo entre os brasucas. Na disputa por países, ainda que os norte-americanos ainda mantenham um boa vantagem na liderança, em 2018 os ingleses fizeram quase o dobro de indicações que os yankees e diminuíram um pouco a desvantagem para os brasileiros que haviam se distanciado no ano anterior No que diz respeito a épocas, a marcante década de 70 continua liderando, acompanhada, com uma distância bem confortável, pela década de 80. Só que quando falamos em anos, é o de 1986 que manda, com nada menos que 20 discos, seguido pelo seu ano anterior, o de 1985 e o ano de 1976, cada um com 16 álbuns na nossa lista. O ano que entra promete movimentação nos placares, especialmente de artistas, tanto nacionais quanto internacionais, uma vez que a vantagem dos líderes é pequena e quem vem logo atrás não tá pra brincadeira. As comemorações dos dez anos acabaram mas não é por isso que não continuaremos tendo participações especias nos AF. Além das habituais colaborações de Paulo Moreira, Leocádia Costa, Lucio Agacê, com certeza teremos durante ao ano a contribuição de amigos tão apaixonados por música quanto nós e que sabem que os álbuns de suas coleções e de seus corações são simplesmente fundamentais. Vamos conferir então como ficaram as coisas por aqui depois deste último ano: PLACAR POR ARTISTA INTERNACIONAL (GERAL)
The Beatles, David Bowie e The Rolling Stones: 5 álbuns cada
Kraftwerk, Miles Davis, Talking Heads, The Who e Pink Floyd: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, Smiths, Led Zeppelin, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, John Cale* e Bob Dylan: 3 álbuns cada
Björk, The Beach Boys, Brian Eno*, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Lee Morgan, Lou Reed, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, R.E.M., Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Velvet Underground e Wayne Shorter: todos com 2 álbuns
*contando com o álbum de Brian Eno com JohnCale ¨Wrong Way Out"
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Jorge Ben: 5 álbuns*
Gilberto Gil*, Tim Maia e Caetano Veloso: 4 álbuns*
Chico Buarque, Legião Urbana, Titãs e Engenheiros do Hawaii: 3 álbuns cada
Baden Powell**, Gal Costa, João Bosco, João Gilberto***, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão e Sepultura: todos com 2 álbuns
*contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge" ** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas" *** Contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto" PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 2
anos 40: -
anos 50: 15
anos 60: 79
anos 70: 117
anos 80: 100
anos 90: 75
anos 2000: 11
anos 2010: 11
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 21 álbuns
1976 e 1985: 16 álbuns cada
1968 e 1977: 15 álbuns cada
1967: 14 álbuns
1971, 1972, 1973 e 1991: 13 álbuns
1965, 1969, 1975, 1979 e 1992: 12 álbuns cada
1970, 1987 e 1989: 11 álbuns cada
1966 e 1980: 10 álbuns cada
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 146 obras de artistas*
Brasil: 116 obras
Inglaterra: 102 obras
Alemanha: 8 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
México, Austrália, Jamaica e Islândia: 2 cada
País de Gales, Itália, Hungria, Suíça e França: 1 cada
O adeus de uma rainha, a celebração a outra. Assim foi com a despedida a Aretha Franklin, a Rainha do Soul, e os 60 anos da Rainha do Pop, Madonna, fato que marcou a semana e que marca a edição do nosso programa desta quarta-feira. Programa que ainda tem a rivalidade sadia dos ícones do rock Rolling Stones, Beatles e Beach Boys. Não tem como não ser legal. Mas lhes digo: tem mais ainda! Que tal, então, completar com Johnny Cash, Alceu Valença, Carl Orff e outras coisas? É motivo de sobra pra não perder o Música da Cabeça de hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.
Parece estranho, mas à medida que vai se conhecendo mais a música de artistas do mundo pop, mais se conhece não as obras deles, mas sim a de Brian Eno. Profundamente influente sobre uma importante parcela de nomes referenciais do pop-rock nas últimas quase cinco décadas, Eno tem traços visíveis do seu trabalho refletidos nos de ícones como David Bowie, U2, Robert Wyatt, David Byrne, Massive Attack, Björk, Beck, entre outros. Seja na Roxy Music, nos discos solo precursores do pop anos 80 (“Taking Tiger Mountain” e “Here Comes the Warm Jets”) ou nos de ambient music, sua linguagem, que une num só tempo música a artes visuais e cênicas, formando um espectro sonoro-sensorial único, está presente em quase tudo que se ouviu em termos de música pop dos anos 70 em diante por influência direta ou indireta. Eno, mais que um músico, um “cientista”, como se autoclassifica, ditou o que é moderno ou não até hoje. Pois a grande síntese de todas essas pontas – da vanguarda ao folk, passando pelo blues, rock, progressivo, jazz e eletrônica – está em “Before and After Science”, disco que completa 40 anos em 2017.
O álbum, produzido pelo próprio autor em conjunto com Rhett Davies, antecipa e/ou reafirma uma série de conceitos utilizados por ele em produções a outros artistas e trabalhos solo. A concepção dos dois “movimentos” da obra é uma delas. A exemplo do que fizera em “Low” e “Heroes”, de Bowie (naquele mesmo 1977) e, três anos depois, em “Remain in Light”, do Talking Heads, “Before...” tem uma narrativa muito clara: um “lado A” agitado, num tom acima, e um “B” onde desacelera o ritmo e vai gradativamente baixando a tonalidade. Como uma sinfonia iniciada em alegro, o disco começa com o embalo afro-pop da estupenda “No One Receiving”. Eno comanda tudo tocando piano e cantando, além de fazer os efeitos de guitarra e manipular os sintetizadores e a programação de ritmo – as batidas que reverberam de tempos em tempos. Junto com ele está nada mais nada menos que Phil Collins na bateria, marcando o ritmo com maestria, e Paul Rudolph, que se esmera no baixo e na rhythm guitar, ao estilo Nile Rodgers. Para fechar o time, Davies no agogô e o exótico stick. Com seu tradicional canto tribal no refrão, que inspirou diretamente muita gente, é muito parecida em conceito e sonoridade com o que Eno dirigiria pouco tempo depois junto aos Heads (“I Zimbra” e “Born Under Punches”, ambas também faixas de abertura em discos produzidos por ele para a banda). Um começo arrasador.
Como é de sua especialidade, a segunda, “Backwater”, é um rock estilo anos 50 tomado de texturas eletrônicas, o que lhe confere certo precursionismo da new wave. E mais interessante: feita só com sintetizadores da época, todos ainda muito por evoluir, a sonoridade de “Backwater” jamais datou mesmo com a evidente defasagem tecnológica em relação à hoje, em que se pode fazer isso com menor risco de soar artificial. Afora isso, Eno está cantando muito bem, com voz inteira e potente. O próprio repetiria essa fórmula de canção em seu disco duo com John Cale (“Wrong Way Up”, 1989) na faixa “Crime in the Desert” e daria o “caminho das pedras” para o U2 em "The Wanderer”, cantada por Johnny Cash em “Zooropa” (1993).
A veia africana aparece noutro formato agora, mais brasileiro e “sambístico”. Trata-se de "Kurt's Rejoinder", um proto-samba eletrônico que traz novamente a profusão de estilos como essência. O amigo Wyatt aparece para fazer soar o timbal, que se soma, na percussão, com a bateria de Dave Mattacks. Pois este é um dos detalhes de “Kurt’s...”: parece um samba muito percussivo, mas a maior parte de sua timbrística está nos teclados de Eno e no baixo com delay de Percy Jones. Outro fator interessante da faixa são suas incursões de gravações e interferências, as mesmas que Eno exploraria com os Heads em “Remain...” numa das canções precursoras do sample na música pop, “Once in a Lifetime” – expediente, aliás que Eno e David Byrne usariam bastante no álbum dos dois, “My Life in the Bush of Ghosts de 1981, servindo de exemplo para outros vários artistas, como Malcom McLaren em seu aclamado “Duck Rock”.
Quebrando o ritmo quase de carnaval, a linda e introspectiva instrumental "Energy Fools the Magician" traz uma atmosfera de jazz fusion, lembrando bastante Miles Davis de “In a Silent Way” e “Bitches Brew”. Phil Collins está mais uma vez muito bem na bateria, marcando o tempo no prato mas sem deixar de executar viradas inteligentes. "Energy…” funciona como uma breve passagem para outra seção agitada, a que fecha o “1º movimento” do disco. Mas desta vez o ritmo não é de batucada e nem de new wave, mas sim o pop-rock exemplar de "King's Lead Hat". Primorosa em produção e mixagem, é daqueles exemplos de rock escrito na guitarra, ao melhor estilo hard rock. Eno e o craque Phil Manzanera dividem a rhythm guitar, mas é outro mestre do instrumento, Robert Fripp, quem comanda o solo. Com efeitos de teclados e de mesa, “King’s...”, em sua união de eletrônico e pós-punk, afina-se com o que ele e Bowie faziam naquele mesmo fatídico ano em temas referenciais como “Heroes”, “Beauty and the Beast”, “Funtime” e “Be my Wife”, influenciado grupos como Joy Division, The Cure e Bauhaus (estes últimos, que gravariam em 1982 “Third Uncle”, de Eno). Além disso, antecipa outro estilo musical que ganharia o mainstream anos mais tarde com as bandas New Order, Depeche Mode, Eurythmics, Ultarvox e outros: o synthpop.
Se a vigorosa “King’s...” termina a primeira parte de “Before...” lá no alto, o segundo ato já inicia mais leve com a melodiosa "Here He Comes". Com a bela voz de Eno cantando em overdub desde que os acordes da guitarra de Manzanera anunciam a largada, embora a melodia guarde certo embalo, já dá mostras que a rotação foi alterada para menos. O moog e o sintetizador de Eno conferem-lhe o clima espacial que se adensará na sequência em "Julie With...", esta, sim, totalmente ambient. Enquanto canta os belos versos com suavidade (“Estou em mar aberto/ Apenas vagando à medida que as horas andam lentamente/ Julie com sua blusa aberta/ Está olhando para o céu vazio...”), os teclados e sintetizadores desenham uma melodia cristalina como o céu limpo a que se refere na letra. Afora do baixo de Rudolph, Eno toca todos os outros instrumentos, inclusive a guitarra do curto mas belo solo, fazendo lembrar Fripp.
Mais uma especial (e espacial) do disco é "By This River", parceria dele com os krautrocks Moebius e Rodelius, mais conhecidos como a banda Cluster. O trio, que naquele ano havia gravado um trabalho em conjunto, o clássico “Cluster & Eno”, deixou guardada essa outra joia. De riff espiral marcado no piano, é sem dúvida a mais clássica do repertório, remetendo às bagatelas românticas, mas também à síntese formal do minimalismo. Nova instrumental, a ambient "Through Hollow Lands" é uma homenagem ao amigo e parceiro Harold Budd, com quem Eno fez diversos trabalhos desde aquela época. Não à toa, a música traz o clima introspectivo e contemplativo de Budd que tanto confere com este lado da musicalidade de Eno, neoclássico e new age.
Se como numa obra clássica “Before...” inicia com o allegro de “No One...”, prossegue variando allegretto e presto e em "Julie With..."/"By This River"/"Through...” encontra características de lento e de adagietto, "Spider and I", de ares litúrgicos e caráter emotivo, é o finale desta grande peça num andamento adagio. E se “No One...” começa arrasando, “ “Spider...” é um desfecho digno.
O crítico musical da Rolling Stone Joe Fernbacher diz que “Before...” é o álbum perfeito da carreira de Eno. Faz sentido, pois, ativamente participante do que estava sendo produzindo de inovador naquele momento, como “The Idiot”, de Iggy Pop, “Vernal Equinox”, de Jon Hassell, e os já citados “Low” e “Heroes”, de Bowie – todas obras de 1977 e responsáveis por alguma sonoridade que ditaria as mentes musicais nas décadas seguintes –, Eno resumiu a sua contribuição para uma nova cara da música pop em “Before...”. "Apesar do formato pop do álbum”, disse outro crítico, David Ross Smith, “o som deste álbum é único e distante do mainstream". Compreendendo todas as suas vertentes musicais e artísticas, Eno compõe um trabalho que alia o agradável e o denso, o popular e o complexo, a vanguarda e o pop. Ao ouvir o disco, pode-se dizer sem erro que a música pop divide-se, literalmente, em “antes e depois da ciência”, a ciência inventada por este alquimista dos sons chamado Brian Eno.
É pura mentira, mas se um dia Elvis Presley refletisse sobre o seu legado para o futuro do rock ‘n’ roll,
ele almejaria que se criasse um som de raiz, usando instrumentações e timbres
típicos do rock genuíno, porém que se evoluísse naquilo que fizeram precursores
como ele, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash, Chuck Berry e cia.. A música ambicionada pelo Rei haveria de conter, além desses predicados, melodias
belas e bem elaboradas, referenciando não apenas a ele e seus companheiros de primeiros
anos, mas a outras vertentes que o rock ganharia a partir de então – o country-rock, o punk, o hard-rock, a new wave, o folk-rock, o shoegaze.
Ah! E também não abriria mão de ser uma música bem tocada e bem cantada, com um
vocal afinado e de timbre apreciável (consciente, dispensaria que fosse
necessariamente o vozeirão dele).
Até que, 40 anos depois de inaugurar o estilo mais subversivo, popular
e eletrizante da história da música, Elvis, do auge do seu trono em que se
senta lá em cima, veria os rapazes da Grant
Lee Buffalo lançarem seu primeiro disco: “Fuzzy”. Estava ali o que ele esperava! Pondo o vinil pra tocar em seu toca-discos
celeste, os primeiros sons que Elvis ouviria são de uma introdução ligeira da
bateria na caixa com escovinhas, herdada do jazz
swing e ao estilo do rock que ele inventara. “Que beleza! É isso aí, rapaziada!”, vibrou. Ele está escutando “The
Shining Hour”, um rockabilly matador em
que a banda de Los Angeles liderada por Grant Lee Phillips – juntamente com Paul
Kimble, baixo, e Joey Peters, nas baquetas – apresenta de cara as qualidades
que fazem de “Fuzzy” o disco que é: a influência direta do blues, a prevalência
da sonoridade acústica, simplicidade nos arranjos (não há nenhum sopro ou
cordas de orquestra) e o espírito desafiador do bom e velho rock ‘n’ roll. Embalada, “The Shining
Hour” conta ainda com um piano, como a letra diz, saído de um “salão de
bilhar azul de Monterey”, que sola lá pelo meio e ainda a desfecha numa
nota grave e impositiva.
Em “Jupiter and Teardrop”, balada lindíssima em que Phillips, se já
tinha mostrado suas habilidades vocais na primeira faixa, aqui, ele
impressiona. Principalmente nos momentos de maior emotividade, a qual a canção
vai ganhando à medida que se desenrola. Esse clima é ampliado pelas guitarras
que, rosnantes, aparecem pela primeira vez no disco para comporem junto com a
base do violão 12 cordas um clima carregado e melancólico. A letra acompanha a
sonoridade, contando a triste história de um casal cujo rapaz, Teardrop, encrencado
com a polícia, está prestes a ser preso novamente, forçando a distanciar-se de
sua Jupter. ”Apenas uma garota que não
pode dizer não/ E seu namorado em liberdade condicional/ Seus pais lhe deram o
nome de Jupiter/ Para abençoá-la com uma alma de sorte/ Ele é um garoto que
nunca chorou/ Quando eles o prenderam lá dentro/ E ela o apelidou de ‘Lágrima’/
Para fazer uma tatuagem de seu olho.” Ela sonha com filhos e casamento, mas
teme que o pior aconteça antes do esperado: “O
telefone toca/ É para ela/ ‘Tenho que ver você, Jupiter’/ ‘Estou com problemas
com a lei’/ ‘Traga minha calibre 38’.” Uma crônica urbana romântica e de
final trágico.
Talvez a melhor da banda, se não, seu maior sucesso – o que para um
grupo alternativo como eles é algo considerável –, a faixa-título é outra
balada com estrutura semelhante à anterior (base no violão, guitarras
intensificando o clima semiacústico, tom tristonho), visto que ganha
emotividade conforme avança. “Fuzzy”, no entanto, traz um refrão absolutamente
tocante, em que Phillips, mais uma vez explorando suas qualidades de canto,
lança falsetes para dizer com sentimento: “I've
been lied to/ Now I'm fuzzy” (“Eu tenho mentido/ Agora estou confuso”). Em
seguida, “Wish You Well”, com uma base de guitarra bem interessante, é mais
pesada mas sem deixar de ser bastante melodiosa. Realce para a interessante
linha de bateria, forjada em pequenos rolos no surdo com a caixa.
“The Hook”, totalmente acústica, é uma bela canção em que tudo funciona
com perfeição: violão de cordas de aço, baixo acústico, bateria nas escovinhas
e a voz ora deslizante ora impregnada de Phillips. Outro destaque do disco é “Soft
Wolf Tread”, que inicia só na voz e frases do violão para, em seguida, explodir
em peso e fúria. Assim é também “America Snoring”: melodiosa mas permeada pela
distorção das guitarras e por uma bateria alta, pericialmente amplificada na
produção assinada pelo próprio Kimble.
O piano estilo country volta
na excelente “Dixie Drug Store” em que, por óbvio, homenageia o bluesman Willie Dixon mas, igualmente,
referencia a ligação intrínseca que o blues tem com a música folk, tal como outro bluesman, Muddy Waters, fizera no
clássico “Folk Singer”, de 1959 – disco em que, não coincidentemente, Dixon
produz e toca. Aqui, Phillips manda ver mais uma vez nos falsetes, os quais
incorpora de forma muito natural ao próprio timbre. Com essa, Elvis deve ter
ficado arrepiado. “Stars n' Stripes”, delicada, é talvez a mais fraca do álbum,
o que nem de longe tira a graça do trabalho como um todo.
E é justamente essa característica que desfecha “Fuzzy”: graça. Afinal,
“Grace”, penúltima faixa, seguindo o mesmo conceito de “The Hook”, que revela a
leveza d’”a rocha”, contrariamente, traz agora a densidade da “clemência”. Imagino
que para alguém que morava numa mansão chamada Graceland deve ter sido uma
feliz surpresa ouvir esse tema. “You Just Have to be Crazy”, baixando novamente
os ânimos, finaliza o álbum com a mesma pegada acústica e doce já apresentada
em vários momentos. A bela letra que diz: “Você
apenas tem que ser louco, não você/ Você apenas tem que estar fora de sua
mente/ Você apenas tem que ser louco, não você/ Você apenas tem que ser/
Verdade ou não/ Verdade ou não.”
Com todo respeito que tem a seus súditos Neil Young, Bob Dylan, John Lennon, Raul Seixas, Robbie Robertson, Jimmy Page, Elton John, Renato Russo, Elvis Costello, Johnny Thunders e mais centenas e centenas de roqueiros e
não-roqueiros mundo afora, Elvis Presley – na minha invencionice apaixonada –,
deu seu troféu para a Grant Lee Buffalo por “Fuzzy”. Foi neste disco que ele
identificou aquilo que imaginava que sua música um dia chegaria a ser:
sofisticada mas popular e pungente. Dá pra enxergar Elvis tirando dos ouvidos
seu fone dourado, recostando-se no trono e dizendo emocionado: “Muito bem, rapazes! Aprenderam direitinho. Obrigado”.